domingo, 30 de agosto de 2020

Reflexões sobre a luminosidade consciencial na Natureza de dia e de noite, nas fontes, campos e cidades.

No Bom Jesus do Monte. Ou de como os jardins, bosques e montes são mais sagrados nos seus efeitos nos momentos de transição (nascer e pôr do Sol) e particularmente de noite.

«Eis-me de novo por este odorífero e frondoso bosque centenário, junto a Braga, que me recebe surpreso ao anoitecer, pois sendo Inverno não há aqui vivalma. Cumprimento os cinco cedros sagrados da entrada do poente [para quem vem dos hotéis e das capelas finais da Via sacra], com festas e beijo, e avanço à inspiração das sombras e vultos gigantescos que adquirem ao entardecer uma suavidade e lucidez quase infinitas, pois a água límpida dos tanques, o musgo das grande fragas, o céu enevoado, a palpitação do ar e os seres humanos e as árvores tornam-se um só todo.
A meditação será já dentro do hotel, e tentarei sentir e aprofundar o ser e o poder real deste cume da terra portuguesa, antes assimilando as impressões da breve passagem pelo Porto, agradecendo a Deus por tudo e admitindo novas obras ou projectos.
Quem abre à noite a janela do seu quarto e olha de súbito a paisagem, vê com seus olhos e sente uma estranha comunicação entre a terra e o céu. Não é chuva miudinha, não são cordelinhos de marionetas mas entre as árvores, as casas, os coruchéus e o céu há partículas e correntes quase subtis em sentidos verticais e diagonais e que vêm tanto da terra como sobretudo do céu.
As árvores mesmo tremeluzem na sua vitalidade. De noite perdem a beleza dos pormenores e das cores mas ganham em vulto, em aura, em mistério. São como gigantes ou guardas palpitantes e tento vê-las na suas subtis dimensões.

 

Que força perseverante as sustenta há séculos, impassíveis perante as derrocadas dos impérios e dos humanos e protegendo os sucessivos templos destes montes do Bom Jesus e do Sameiro desde há séculos investidos de cultos, possibilitando-lhes serem centros ainda de mais elevação ou captação energética vital e espiritual.
Quando as nuvens se rompem e descobrem o céu, as estrelas cintilam imediatamente na nossa consciência e somos alertados e atraídos para o sítio ou zona no céu, donde uma centelha luminosa, um raio delas partiu e até nós chegou. Depois vamos descobrindo as centenas ou milhares linhas de força que cruzam subtilmente o vasto espaço estrelado, frequentemente ligando estrelas, formando constelações.
Então, de novo o mistério da comunicação entre a Terra e o Céu se estabelece e agora somos nós os artesões. As mãos elevam-se em taça ao coração e estabelecemos a ligação sentida com os mundos infinitos, com os grandes seres e com a Divindade.
Por momentos o edifício do hotel, algo estanque e tentando-se impermeabilizar ao Inverno, abre-se e deixa penetrar as energias que como nuvens nos penetram e envolvem.

Oiço uma fonte que corre ou jorra constantemente a sua frescura, num ritmo que impulsiona ao de cima na consciência, durante a meditação, primeiro as memórias de infância semelhantes de águas, fontes, termas, e acaba por projectar-se na Fonte Divina Primordial, trazendo à visão da memória alguns fontanários ou tanques belos conhecidos, e logo a fonte do seio da Virgem que teria esguichado leite para S. Bernardo, numa imagem tão sensual quão correcta imaginalmente da possível relação do homem com a mulher, ou do humano com uma face da Divindade feminina, numa aleitação benigna e que já vinha da tradição grega com Hera, amamentando Hércules e esguichando a via Láctea...                             

Tema de algumas belas pinturas artísticas, o grande asceta S. Bernardo, da Ordem de Cister, o impulsionador dos templários e das cruzadas, duro com os heréticos albigenses e com Abelardo, ei-lo a beber ou a chupar o líquido sagrado, para não se dizer o seio....
Que ousada imagem de simbolização e descodificação do seio da mulher, como phalus, como uma parte activa e emissiva no corpo feminino e como o ser humano se pode alimentar ou harmonizar com ele.
A receptividade do homem perante a mulher, ou mesmo homem feito mulher - receptividade - passividade (em especial o monge, o asceta) e a mulher feita homem-activa, tal como já no evangelho gnóstico de S. Tomé, Jesus falava disto, da mulher que se torna homem, vertical, unificando os oposto dentro de si, ultrapassando-os.
A manhã faz-se mais cedo junto aos bosques e aos campos do que nas cidades pois nestas as sombras da noite, a luminosidade derivada de luzes artificiais e o cimento das casas permanecem mais insensíveis à luminosidade do novo dia. No campo é diferente, pois tudo anseia, absorve, reflecte e intensifica a claridade, o calor e a vitalidade solar que se anunciam lentamente por uma gradual diminuição da escuridão até ao esplendor fecundante e ressuscitante do nascer do sol.
O canto dos pássaros talvez também dê, além da alegria e quase acção de graças, mais luz às matas, bosques e ambiente na aurora.
Não é também a luz, som, raios, partículas? Quem saberá discernir os efeitos dos sons e cantos das fontes e aves nos seus ambientes naturais ou mesmo nos largos, jardins e beirais das aldeias, cidades e bosques?
As trocas energéticas entre a terra e o céu são mais intensas nos campos e nas montanhas do que nas cidades ou mesmo nas planícies, embora estas também acolham o sol, a chuva e os ventos com maior ou menor receptividade.
Abro a janela da varanda, sinto a chuva miudinha nos pés e cumprimento os pássaros que me respondem. Estão satisfeitos por terem nascido neste bosque sagrado e suas imediações puras, pouco devassadas..

De manhã, durante o dia, a nossa visão penetra nas diferenças e deixa-se aprisionar nos quadriculados dos detalhes. De noite, com a obscuridade e o silêncio, vemos mais o conjunto, a totalidade, a energia global, e é uma visão mais demorada de empatia e de fusão, pois a racionalidade tende a exercer-se menos enquanto a sensibilidade, a emocionalidade e a intuição aumentam...
Caminhar à noite pela natureza, pelos jardins ou mesmo por certas zonas das vilas e cidades, ou junto aos rios e costas, é muito harmonizador e desafia-nos a sairmos da celeridade do conhecido e do atarefado para um espaço-tempo mais sacralizável pela nossa consciência, então ligando os movimentos do corpo e os sentimentos e pensamentos da psique, rumo a momentos súbitos de sensibilidade e intuição da Unidade e do Amor.

1 comentário:

João Teixeira da Motta disse...

estás escrevendo bem e bonito...