Esta sexta parte da leitura comentada que fiz da obra Leonardo Coimbra. Pensamento e drama, escrita em 1983 por José Sant'Anna Dionísio, corresponde ao V capítulo, Se os cumes da ciência são ou não são acessíveis ao homem comum, e nele vemos Sant'Anna sondar algumas das justificações doo ensino acroático ou acroamático, isto é, silencioso, para ser ouvido, em "certas escolas helénicas": «O ter existido entre os Gregos, a par do ensino relativamente acessível, um ensino para raros apenas; ou seja: para alguns iniciados somente, prova bem que os antigos compreendiam talvez um pouco melhor do que nós, modernos, esta verdade didáctica tão simples: a de que a transmissão do saber de último grau tem de ter, pela atmosfera e pelo silêncio, algo de sacro. / Na verdade, o conhecimento essencial jamais poderá ser atingido pela visão indolente e passiva do senso comum./ Daí a justificada e discreta advertência que, um dia entre nós, há mais de meio século, um espírito esclarecedor e eloquente, (Leonardo), num curso de extensão universitária livre, perante um público silencioso de pescadores, proferiu: "Só há um processo de vulgarizar o pensamento das altitudes: é subir o vulgo à altura do homem."»
Menciona depois como a filosofia ocidental acabou por preferir a discursividade ou silogística aristotélica em vez da dialéctica pitagórica-platónica, caindo depois na escolástica medieval e modernamente fazendo que a Ciência livre «converte-se num cientismo, que vulgarizável, é motivo essencial de toda a falta de grandeza, de dignidade, de nobreza espiritual do homem moderno».
Estas palavra são cada vez mais actuais no séc. XXI e em especial com a crise do Covid e o fracasso de uma verdadeira e credível Ciência se ter pronunciado em relação a ele, nos seus mais diversos aspectos, tal sendo bem visível nas lutas entre médicos e cientistas e as políticas e medidas contraditórias da maioria dos governantes. Resta a cada um de nós de fazer a sua síntese, fortificando o seu sistema imunitário e estando atento e intuitivo e não sujeito à manipulação televisiva e dos media, completamente vendidos a quem lhes paga.
Transcreve Sant'Anna Dionísio alguns apontamentos inéditos que o seu antigo aluno e filho de Leonardo Coimbra, o médico Leonardo Augusto, lhe passara, no qual o génio de Amarante valorizava o espírito humano (não mera coordenação neuronal, como querem António Damásio e outros) e apelava ao aprofundamento de um conhecimento verdadeiramente unitivo: «A Ciência feita pode parecer uma obra de acção da Natureza sobre o espírito, deixando aparecer este como um simples epifenómeno da fenomenologia universal; a ciência em acção (como o revela a criação histórica) é claramente uma obra da liberdade espiritual do homem, indo com as suas invenções (hipóteses) do seu pensamento ao encontro do pensamento implícito nos fenómenos, encontro do logos participado [cada espírito na sua dimensão criativa de amor e sabedoria] com o Logos criador [A divindade ou o Espírito Divino Primordial e substante].»
Dizia ainda mestre Leonardo Coimbra, que certamente seria hoje uma voz insuperável em Portugal, «A verdadeira cultura do espírito é essa consciência de si mesmo, reencontrando-se unificada numa teoria da Ciência, completando-se na arte e na moral, convivendo em integral dependência e universal solidariedade de religião/ Só uma consciência perfeitamente esclarecida do valor e dos limites da Ciência, pode por um lado, acabar com um tecnicismo que ameaça a vida moderna e, por outro lado, com um exclusivismo cientista que promete limitar o destino do homem à mediocridade dum conquistador do Universo físico», algo tão visível nos nossos dias na conquista do espaço e a disseminação de todas as últimas invenções tecnológicas sem se olhar a consequências para a humanidade e o planeta...
No seguimento do seu texto Sant'Anna considerará Leonardo Coimbra como o pensador (e citará vários nomes) que mais dominou a epistemologia e a unificação das ciências, dominando e valorizando a matemática, que atinge a realidade em plena intimidade e substância», e considerando a ciência como «a mais bela demonstração da substancial realidade do Inteligível».
Realçará ainda de Leonardo Coimbra a noção de Ciência como um "corpo anímico (involutivo e vital) de noções", numa linha pitagórico-platónica, explicitando a sua visão da escala ascensional: «Da noção ao conceito, do conceito à intuição, da intuição à reminiscência, da reminiscência à ideia ou arquétipo, vai um caminho levitante que Leonardo considerava a grande via, ao mesmo tempo reveladora e dialéctica, do conhecimento essencial».
Pela expressão "reveladora" penso que Sant'Anna e Leonardo se referem à meditação e à visão interior possível, essa que facto consubstancia a intuição, a reminiscência e a contemplação das ideias, arquétipos, formas geométricas ou ordem do Universo. Certamente que poderemos ver esta escala de outros modos e eu não poria a reminiscência no mesmo nível do deles...
E já transcrevemos bastante do belo texto de Sant'Anna (com quem tanto dialoguei no Porto) e de Leonardo, que encontrará com diferente comentário no interior da gravação, que termina abruptamente pela falta da bateria, mas já quando lia a nota de rodapé final em que Sant'Anna Dionísio concluía que Leonardo fora um génio não acolhido na época, sobretudo pelo meio universitário mais formal ou mesmo invejoso, mesquinho...Pax. Lux. Criatividade.
Oiçamos no link: https://youtu.be/QqFuf1ytBSc
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