quarta-feira, 18 de abril de 2018

Antero de Quental, as "Odes Modernas" e a sua actualidade. Com extractos e vídeo.

Cumprindo-se hoje, 18 de Abril de 2018, os 176 anos do nascimento de Antero de Quental em Ponta Delgada, ilha de S. Miguel, Açores, decidimos enviar-lhe os nossos parabéns, comungar com ele psico-espiritualmente e fazer uma pequena leitura de excertos das Odes Modernas e contextualizá-las, comentando-as.
Celebração pois em sintonia especial com ele e com as amigas e amigos da página "Antero de Quental, escritor" (no Facebook).
A gravação segue para quem tiver paciência e tempo para a ouvir.... E irei acrescentar algumas transcrições e comentários às Odes Modernas, ao longo deste dia 18, pelo que, quando voltar aqui, após algumas horas, certamente encontrará mais para ler e quem sabe assimilar, amar, meditar...
Parabéns ao Antero e muita luz, amor e Divindade nele!
    
 Após a muito sentida e grata dedicatória ao seu amigo Germano Vieira Meireles, e antecedida pela epígrafe de uma citação de Hegel: «L'Idée... c'est Dieu!», entramos nos primeiros versos do vibrante e ardente poema inicial, intitulado À História, onde afirma a sua esperança na vitória da Verdade e da Liberdade na Humanidade, sendo aqui transcritos de acordo com a versão original de 1865, sabendo-se que a 2ª edição, de 1875, foi como uma versão nova, como ele próprio o afirmou, e por isso registando-se as modificações significativas:
 

«Mas o Homem, se é certo que o conduz,
Por entre as cerrações do seu destino,
Alguma mão feita d’amor e luz
Lá para as bandas dum porvir divino…
Se, desde Prometeu até Jesus,
O fazem ir - estranho peregrino,
O Homem, tenteando a grossa treva,
Vai… mas ignora sempre quem o leva!

Ele não sabe o nome de seus Fados,
Nem vê de frente a face do seu guia.»


Saibamos então invocar e dar as mãos amigas de luz e amor para um futuro ou porvir Divino...
2º excerto, do mesmo poema À História e, no fundo e em comunhão com ele, a nós:

... «Sabeis vós o que faz aqui o Homem?
Fronte que banha a luz - e olhar que fita
Quanta beleza a imensidão rodeia!
Da geração dos seres infinita
Mais pura forma e mais perfeita ideia!
No vasto seio um mundo se lhe agita…
E um sol, um firmamento se incendeia
Quando, ao clarão da alma, em movimento
Volve os astros do céu do pensamento!»

Tão espiritual esta percepção da nossa fonte banhada pela luz e pela
beleza do infinito que o envolve, e de que cada ser humano é a ideia mais perfeita ou elevada, e a forma mais pura ou concentrada. Depois que visão espiritual e intuitiva a de Antero de Quental, tão diferente da que se tenta impor do pensamento como mero produto neuronal: a alma vasta e clara intensifica-se como um sol quando orienta a sua atenção e intenção para os mundos das ideias e dos seres espirituais, "o céu do pensamento." 
3º excerto, do segundo poema, Vida, imensa, fecundíssima, que deve ser aprofundada e partilhada por todos, já quase na parte final:
                                 

                               «Se vós tendes
O olhar fito nos pés, aonde a sombra
Em volta de vós mesmos gira apenas,

O que podeis saber desse Universo?! 

Não há olhos que contem tantos orbes!
E cada um desses mundos tem mil vidas!
E cada vida tem milhões de afectos,
De paixões, de energias, de desejos!
Cada peito é um céu de mil estrelas!
Cada ser tem mil seres! mil instantes!
E, em cada instante, as criações transformam-se!
E coisas novas a nascerem sempre! 

Descei, descei o olhar ao próprio seio!
Como num espelho, esse universo todo
Reflecte-se lá dentro! é como um caos
Donde, ao fiat ardente da vontade,
Podem surgir as criações aos centos.
Podeis tirar daí a luz e a treva!
Podeis tirar o bem, e o mal, e o justo,
E o iníquo, e as paixões torvas da terra,
E os desejos do céu!»  

Realcemos apenas este apelo a que saibamos tanto abraçar o Universo em conhecimento e verdade, como também entrar no nosso seio profundo da alma e aí dominar o caos das impressões, desejos e pensamentos numa vontade unificadora, que nos torna num espelho do todo e o gerador da potencialidade da criatividade divina no Cosmos...
4º excerto, do terceiro poema, Pater, que se traduzirá por Padre, no qual Antero dá um extraordinário contributo (ainda não reconhecido nem estudado) para a Religião universal do Espírito e do Amor, inserindo-se de novo na melhor tradição Espiritual Portuguesa, a dos Fiéis do Amor, apresentando um contraste magnífico entre a religiosidade fossilizada e a viva e livre do Amor e da Verdade.

«A aurora é o sursum-corda do Universo;
A luz é oremus, por que é hóstia o Sol;
Quanto abre o olhar aos raios do arrebol
Eis o povo-cristão aí disperso. 


Quando os calix das flores são espelhos…
E a ervinha é berço, e berços os rosais…
Quando são as florestas catedrais…
Eis aí outros tantos Evangelhos! 


O cedro na montanha apostoliza;
O vento prega às livres solidões!
As estrelas do céu são orações,
E o amor, no coração, evangeliza!


O Amor! O evangelista soberano!
Para quem não há tarde nem aurora!
O que sobe a pregar, a toda a hora,
Ao púlpito-da-fé… o peito humano! 


De dois raios de uns olhos bem-amados
É que se faz a cruz que nos converte;
E a palavra, que a crença às almas verte,
Faz-se essa de suspiros abafados.


Esse é o Confessor que absolve - e tem
Sempre o perdão consigo e a paz radiante…
Ou nuns lábios bem trémulos de amante,
Ou nuns olhos bem húmidos de mãe. 


Homens, olhai - que o seio maternal,
Em se abrindo, é o livro aonde Deus
Escreve, com a luz que vem dos céus,
 
A só, a única Bíblia imortal!»
["A eterna Bíblia, a única imortal!"], na 2ª versão e edição.

Versos maravilhosos, cheios de espiritualidade e de alma
transformadora da Humanidade, apontando as veredas e consciencializações para um porvir mais luminoso e divino. Todo este poema merecia uma hermenêutica espiritual e social bem profunda e ser bem mais lido e assimilado...   
Terminamos com o poema seguinte, o 4º (havendo ainda vários outros nas 160 páginas do livro, hoje na sua 2ª edição digitalizado, http://purl.pt/156), intitulado A Ideia, dedicado Ao Sr. Camilo Castello Branco, com o importante soneto que é a parte final dele,  escrita já em 1871, tal como surge assinalado na 2ª edição,  e no qual apela  à meditação no coração do ser e no céu puro da consciência:

«Lá! mas aonde é ? Aonde? - Espera,
Coração indomado! O céu, que anseia
A alma fiel, o céu, o céu da Ideia,
Em vão o buscas nessa imensa esfera! 


O espaço é mudo - a imensidade austera 
Debalde noite e dia se incendeia…
Em nenhum astro, em nenhum sol se alteia

A rosa ideal da eterna-primavera

O Paraíso e o templo da Verdade,
Ó mundos, astros, sóis, constelações!
Nenhum de vós o tem na imensidade… 


A Ideia, o sumo Bem, o Verbo, a Essência,
Só se revela aos homens e às nações
No céu incorruptível da Consciência!»
 

1864-1871.
                                  

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