quarta-feira, 1 de abril de 2015

Antero de Quental, visto por António Sérgio. I. A Voz da Consciência, e o equilíbrio entre a razão e o sentimento.

Notas sobre os Sonetos e as Tendências Gerais da Philosophia de Anthero Quental, por António Sérgio. Lisboa, 1909.

Eis-nos com Antero de Quental visto pelo jovem António Sérgio, então com 26 anos. Digitalizamos as primeiras páginas, nas quais António Sérgio põe em causa as capacidades racionais e de pensamento ordenado de Antero considerando-o mais um emotivo e sentimental, movido sim por uma forte consciência do Bem e do dever, em grande parte baseada na sua fidelidade à Voz da Consciência que seguia e acerca da qual Sérgio selecciona alguns excertos que testemunham diversos modos de ela ser referida na obra de Antero.
Certamente que a noção da Voz da Consciência, tão presente em Antero de Quental, não pode ser desvalorizada ou subestimada, tal como António Sérgio parece fazer, antes me parecendo que tal audição ou consciencialização une o sentimento e a razão, e o ouvi-la implica chegar-se intuitivamente a níveis bem elevado não só conceptuais mas íntimos do universo psíquico individual e até supra-pessoal.
Nesta selecção de páginas, digitalizadas e anotadas, de destacar também a caracterização por Sérgio de Antero de Quental como um poeta de sons e de interioridade e não de imagens e cores exteriores, com alguns exemplos de facto demonstrativos ou comprovadores. Todavia, não é fácil discernir a quantificação e a valorização qualitativa dos conteúdos conscienciais provindos dos cinco sentidos dentro de uma pessoa, mormente de um poeta e  filósofo como Antero de Quental e, portanto, julgá-lo de visual ou auditivo tão facilmente. De qualquer modo, isso só serviria para justificar a capacidade de Antero de ouvir a Voz da Consciência, seja enquanto razão, seja já como sentimento de alegria e felicidade, que tem o seu ponto arquétipo máximo desde Pitágoras na audição da mística Música das esferas ou partículas, planetas ou planos cósmicos.
Assim, quando na página 17 da sua obra, António Sérgio contrapõe à generosidade de Oliveira Martins, o prefaciador dos Sonetos ("a noção das formas, das linhas e dos sons possui-a num grau eminente"), umas certas limitações, "talvez não tanto quanto às linhas e às formas: o som sim, e a música é a sua arte, por isso que é essencialmente interior e subjectiva, a arte mais distanciada das formas e das imagens, relacionada com os elementos simples, primitivos e fundamentais da vida psíquica", acaba por nos conduzir de novo à riqueza da dimensão da tão anteriana demanda da Voz da Consciência, a qual, sendo tanta voz interior como vibração sentida, é  sentimento e razão e, portanto projecta-se, na tentativa de adequação da vida individual, que é querer, pensar, sentir e agir, com o Bem Universal. Esta unificada expansão e afinação das nossas forças anímicas é certamente determinante na audição da Voz silenciosa ou do Som subtil que por vezes nos perpassa...
Como não nos lembrarmos do Génio ou Daimon de Sócrates que lhe soprava uma certa sugestão do que não deveria fazer,  respeitando o seu livre arbítrio, ou se quisermos, a a sua capacidade de harmonizar adequadamente a sua individualidade cosmovizualizadora com a sua circunstancialidade ambiental, temporal e histórica?
De tal modo é subtil e exigente esta audição da Palavra ou da Voz da Consciência que teremos que admitir na sua génese uma série de factores culturais, morais, psico-somáticos e espirituais que implicam uma demanda intelectual valiosa e um processo iniciático, ou seja de religação espiritual, antes que possa eclodir.
Antero de Quental formara-se na realidade numa escola de muita leitura, reflexão e  diálogos, estes com a palavra, justa, verdadeira e entusiástica, pelo que estava preparado para a demanda da Luz, do Bem e da Justiça, que erguera até como seus ideais.
A complexidade e riqueza dos seres é sempre muito grande e na época de Antero de Quental, e mesmo na de António Sérgio, os excessos dos positivistas acabaram frequentemente por obscurecer a compreensão do valor da alma de Antero, com toda a sua profunda riqueza, testemunha de um pensamento ora mais imaginativo e sentimental ora mais racional e lúcido e de uma consciência subtil e aberta ao Universal e ao Divino ou Absoluto, ainda que nestes níveis tenha pago o preço à época e ao ambiente, algo toldado pelo pessimismo, o positivismo e a valorização de um Inconsciente quase Divino, com afastamento do Deus pessoal e íntimo, ou mesmo de Amor, tão indispensáveis, e tal falta ser-lhe-ia fatal...
Segue-se a digitalização...

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