sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

José Vitorino de Pina Martins. Percurso e Biblioteca. Exposição na Fundação Gulbenkian


O prof. José Vitorino de Pina Martins , como que caminhando para nós do além e lembrando-nos do corpo místico da Humanidade, onde as almas (e os seus livros...)  sempre se comunicam...
Artur Anselmo, com Aires do Nascimento, dos amigos e discípulos de Pina Martins que sabem mais de livros e suas mensagens, rodeado de uma administradora da Fundação Calouste Gulbenkian e de Vanda Anastácio, a comissária da Exposição.
Numa curta prelecção de uns 15 minutos, lembrou o amor de José V. de Pina Martins aos livros e à leitura dos mesmos, e como eles são pontes entre o passado ("a civilização antiga" e o Humanismo) e o futuro ( "o mundo por vir" e os Descobrimentos), tal como a efígie do Janus bifronte escolhida por Pina Martins para seu emblema e ex-libris  simboliza, e que Anselmo caracterizou ainda como representando a Itália e Portugal,  tanto mais que fora aí que ele despertara mais para o Humanismo e tendo as suas investigações cruzado bastante estes dois povos e culturas nas suas influências.
Uma boa descrição cronológica dos principais momentos da vida terrestre (Penalva do Castelo,18/1/1920 -  Lisboa, 18/4/2010) deste nosso notável investigador e escritor corre ou perpassa ao de leve pelas paredes, suportada por textos e fotografias documentais do seu espólio. Os livros oferecem-se mais no espaço central, numa boa visão geral idealizada e concretizada por Mariano Piçarra...
José Pina Martins e sua filha Eva Maria, que estava ao meu lado quando esta fotografia foi tirada a ela jovem... O tempo foge mas a alma espiritual permanece...
A primeira edição da obra completa de Pico della Mirandola, a Opera Omnia de 1496,  feita pelo seu sobrinho. Pico foi sem dúvida um dos grandes amores de José Pina Martins, que sentira animicamente relações antigas com Florença na primeira vez que entrara em S. Maria Magiore, onde se encontra sepultado porém não Pico mas o seu amigo Marsilio Ficino, outro dos eleitos de José V. de Pina Martins...
Marcel Bataillon (1895-1977), seu amigo e que ouviu pela 1ª vez em 1946 em Coimbra, foi  um dos grandes estudiosos e sábios do Humanismo e em especial de Erasmo, nesta fotografia a ser homenageado quando Pina Martins (que admirava muito o seu obstinado rigor na investigação e a sua lúcida e clara abrangência dos contextos) dirigia de modo exemplar e frutuosamente o Centro de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian. Pouco antes de morrer, ao saber de algumas descobertas  por Pina Martins de influências e excertos erasmianos em obras de italianos, exclamara: "Erasmo reservar-nos-á sempre surpresas" ,  germinação do dito do notável humanista inglês John Colet, "O nome de Erasmo nunca perecerá"...
Um dos grandes sábios do Humanismo em França, Guillaume Budé (1468-1540), próximo de Lefévre d'Etaples et de Charles de Bouvelle, como os representantes do humanimo francês. Uma das suas obras Do Trânsito do Helenismo ao Cristianismo, 1535, destaca-se na ideia mestra do Humanismo: as Letras Clássicas prepararam o terreno para o Cristianismo, a cultura profana e a religiosa complementam-se...
Não são tão invulgares quão belos estes livros antigos encadernados com folhas de antifonários anteriores. Neste caso é o tratado enciclopédico Margarita Philosophica, do frade cartuxo Gregor Reisch, numa edição veneziana quinhentista, que se encontra encoberta pelas subtis vibrações melodiosas, realçadas pelas letras capitais iluminadas Não há ainda nenhum estudo sobre a intencionalidade de tais encadernações, certamente na maior parte dos casos para aproveitamento esteticamente belo numa encadernação de material musical fora de uso, mas não se pode excluir a ideia de preservação futura delas ou mesmo de mensagem de protecção musical subtil ao livro contido. E só uma leitura clarividente dos seus efeitos nos que leram tal obra aos longo dos séculos poderia ainda confirmar tal teorização...
Frontispício com bela tarja renascentista alegórica das virtudes do cavaleiro ou soldado cristão, de um dos livros mais importantes e lidos de Erasmo, no qual expõe a sua visão da docta pietas da Filosofia ou Sabedoria de Cristo, e que teve grande sucesso na Península Ibérica, tal como Marcel Bataillon provou na sua fundamental obra Erasme et l'Espagne. Quanto ao Enchiridion, cuja edição princeps é de 1503, e que teve alguma modificações, pese a sua linguagem fervorosa algo ultrapassada, esperamos um dia publicá-lo em Portugal, numa tradução com Álvaro Mendes, como já fizemos no Modo de Orar a Deus, impresso nas Publicações Maitreya.
Parte da montra com livros antigos e modernos erasmianos, destacando-se os dez volumes da edição de Allen da Correspondência valiosíssima de Erasmo com os outros humanistas do seu tempo, destacando-se algumas com o nosso Damião de Góis, um  dos últimos dos seus discípulos e que habitou com ele ainda alguns meses, tal como na Índia se fazia e faz com a instituição dos ashrams.
Uma bela gravura setecentista de Erasmo de Roterdão, o Cristo (ou um dos Cristos...) do Renascimento...
O famoso dito que ecoou pouco depois da sua morte terrena, Sancte Erasmo, ora pro nobis, testemunha tal realização...
Uma das mais belas encadernações, certamente quinhentista alemã, em pele de porco, e com um super-libros heráldico,  gravado na pasta frontal a seco e a ouro, de uma alta personagem da época. A escolha das encadernações apresentadas nesta exposição foi feita pela Margarida Cunha, amiga próxima de Pina Martins e que se foi especializando nas encadernações antigas...
Beatus Rhenanus foi um dos grandes humanistas da época amigo e colaborador de Erasmo, de Lefévre d'Étaples e do notável impressor Iohann Froben passando-se contudo na altura da Reforma para o lado dos Prostestantes, mas de uma forma moderada. A sua biblioteca já era na altura local de encontro de pesquisadores no círculo de Schlettdstadt e está também hoje preservada como biblioteca Museu, o que já não se pode dizer seja dos livros de Erasmo ou de Pico, por exemplo.  A de Pina Martins poderá talvez tornar-se também fomentadora de estudos humanísticos em Portugal...
Conseguir dispor ordenadamente os livros de uma boa biblioteca é sempre uma tarefa bem necessária e agradável, quando há espaço e  prateleiras para tal... O Professor Pina Martins tinha dois andares com livros e um deles com um outro andar em cima, este onde guardava as suas obras e as gravuras, além de um milhar de livros mais recentes de apoio aos seus estudos...
Uma explicação do desenho anterior em termos do andar principal da sua biblioteca e onde estavam quase todos os seus livros antigos, nomeadamente os poucos incunábulos e os numerosos quinhentistas...
Pequeno texto de José V. de Pina Martins acerca do comentário de Pico della Mirandola à Canzone d' Amore de Girolamo Benivieni, de 1496 e de que possuía um exemplar da "mimosa" edição de 1522. Pina Martins interessou-se bastante sobre a tratadística do Amor, tendo escrito sobre o assunto e dialogado...
Sá de Miranda, além de Camões, era o seu principal amor na Literatura Portuguesa e a ele dedicou vários estudos. E com o Pires,  fundador da livraria alfarrabista  O Mundo dos Livros, junto ao Teatro Trindade, ainda hoje a funcionar com ele e sua filha Catarina, reeditou esta raríssima edição quinhentista das Obras completas, além de outros opúsculos que eram dados como presentes de Natal gratuitamente aos bibliófilos amigos, numa bela tarefa de divulgação de pequenas obras ou excertos de grandes autores.
Gravura inicial de uma edição quinhentista francesa da Utopia de Thomas Morus, na qual a principal personagem é o português Rafael Hitlodeu, representante do conhecimento humanista e fraterno que as Descobertas deveriam proporcionar. Esta obra ainda hoje é levedante de criatividade utópica que ultrapasse o dilema Sistema capitalista imperialista e fundamentalismo terrorista. Pina Martins era um grande devoto de Santo Tomás Moro (decapitado em 1535), tanto mais que ele se considerava um discípulo do Humanismo Italiano, ao amar e traduzir Pico della Mirandola e ao ter tido Marsilio Ficino e a sua edição da República de Platão como uma das fontes da imortal Utopia, em cuja tradição Pina Martins se inseriu ao publicar em 2005 a sua valiosa Utopia III, um dos poucos afloramentos utópicos eruditos em Portugal.
Bela ilustração de uma edição quinhentista da Divina Comédia de Dante, com a Beatriz como psicopompa prestes a enlaçar ou orientar, pela sua alma já plenamente luminosa e clarividente, Dante, ainda peregrino terreno...
A belíssima gravura inicial do Supplementum Chronicarum do monge agostinho Jacobus Philippus Bergomensis, representando a Criação de  Eva do Adão adormecido, obra muito reeditada enquanto enciclopédia geral e cuja 1ª edição é de 1483, Veneza.
O Professor Aires do Nascimento, que traduziu a Utopia  de Thomas More recentemente para português, com um notável prefácio de Pina Martins que o convidara para tal tarefa, em simpática conversa com uma arquitecta sábia, a braços com a tarefa hercúlea de preservar os espólios dos arquitectos que vão desaparecendo e que bem precisava de uma secretária...
Esta raríssima edição quinhentista lisboeta de Garcilaso de la Vega, que Sá de Miranda ainda conheceu em Espanha, foi comprada em Lisboa na afamada e das mais antigas leiloeiras de livros, provavelmente sita na antiga oficina de impressão da família Craeesbeck, a Antiquária do Calhariz, ao elevador da Bica, ainda hoje a funcionar, com José Manel Rodrigues e sua filha Catarina a enviarem os catálogos a quem os desejar...
Vanda Anastácia, a conservadora da exposição, em diálogo com Francisco d'Orey, o responsável da biblioteca e Arquivo da Santa Casa da Misericódia de Lisboa, e sua mulher.
Visão pelas costas dos livros, em geral os fechados de estudos modernos e os abertos antigos, numa combinação geral  bastante harmoniosa, criada pelo notável arketecton da exposição Mariano Piçarra...
Visão a 180º da exposição, algo que geralmente o ser humano não consegue e menos ainda a 360º,  a qual provavelmente José Vitorino de Pina Martins terá nos mundos espirituais, onde o saudamos...
Nesta fotografia, ao lado do Giovanni Pico della Mirandola, na belíssima pintura quinhentista, actualmente da sua filha Eva Maria, e que tantas vezes toquei e contemplei, enquanto magister nostri nas nossas múltiplas conversas...
Diálogos dos últimos fiéis (neste dia...) de José V. de Pina Martins, já no exterior da exposição, destacando-se a filha Eva Maria explicando a Silvina Pereira as suas actividades como professora na Sorbonne e como investigadora e antropóloga na Sibéria e noutras regiões dos Fino-Uigur, nomeadamente dos seus milenários rituais de fertilidade. O Padre Aires, notável greco-latinista, medievalista e conhecedor de livros e da religião Católica, e ao fundo, à direita, um dos sobrinhos de Pina Martins e sua família.
José Vitorino de Pina Martins, com o seu mestre Pico della Mirandola no horizonte último da sua biblioteca, com as vestes doutorais da Sorbonne parisiense, na qual se doutorou com uma valiosa obra consagrada a esta pintura de Pico que acabara de descobrir e adquirir, custosamente, e a mais alguns aspectos das obras de Pico della Mirandola, olha-nos e desafia-nos a trilharmos o caminho da Santa Sophia, do despertar Humanista e Espiritual...
Uma última imagem tremida pela rapidez do tempo e a fragilidade da matéria, restando a essência subtil das almas num fio ininterrupto de consciência, ou de mestres e discípulos, ou de amantes da santa Sophia, Sabedoria Perene, e da Divindade...
               "Os Livros procuram quem os ama", José Vitorino de Pina Martins..

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