Wenceslau de Moraes no seu escritório de cônsul-geral, em Kobe, em 1911. |
Celebra-se no 1º de Julho de cada ano, a libertação do corpo terreno e da missão na Terra, do oficial da Marinha, cônsul-geral, escritor e orientalista Wenceslau
de Morais (1845-1929), ocorrida no Japão, na cidadezinha de Tokushima: «Nesta terra de deuses e de buddhas, em Tokushima, onde eu
vim estabelecer o meu albergue, onde vim em procura da paz, da
tranquilidade, para o corpo e para o espírito... com a esperança
inconfessada, mas profundamente sentida, de entrar aqui em íntimas
relações com eles, com os meus mortos», pois com efeito foi neste dia, em 1929, quarenta anos depois do seu primeiro contacto com o Japão e com trinta anos de vida nipónica, que deixou o
corpo, o qual foi cremado conforme o seu desejo...
No livro Bon-Odori em Tokushima
(Festival dos Mortos na cidade de Tokushima), Porto, 1916, interroga-se: «Não haverá
nos espaços da nossa atmosfera encontros e embates entre as hertzianas e
muitas outras ondulações de forças ainda hoje apenas imaginadas ou
absolutamente ignoradas?... E não constituirão os espíritos dos mortos
uma dessas estupendas forças de mistério? Ao povo japonês, pelo menos,
não repugnaria a hipótese, ele que admite a descida periódica à terra
durante o Bon, a festa dos mortos, dos seus queridos
desaparecidos».
O embaixador Armando Martins Janeira, vários anos no Japão como Embaixador, o maior e melhor estudioso e conhecedor de Wenceslau, que subiu ao monte Fuji, tal como eu, e de tal escreveu: "É no cume do Fujiyama que habitam os velhos deuses nipónicos. O Fujiyama, a montanha mais alta do Japão, é o Olimpo da religião japonesa, sólio sagrado do Shintoísmo", conta-nos em 1980 que «todos os anos, ao voltar a Tokushima, a minha primeira visita era sempre para Moraes. Ainda não posso vencer o espanto de encontrar em tão longínqua paisagem e em tão estranha atmosfera a confortante companhia espiritual dum homem do meu país, que sinto hoje como um amigo. E este espanto era combinado com um sentimento de felicidade, quando via em cada festival, todas as noites, rapazes e raparigas, finda a festa oficial, já tarde, prolongar as suas folias dançando e cantando diante do seu monumento. Parecia-me que Wenceslau sorria, feliz e recompensado do seu amor pelo Japão.»
O embaixador Armando Martins Janeira, vários anos no Japão como Embaixador, o maior e melhor estudioso e conhecedor de Wenceslau, que subiu ao monte Fuji, tal como eu, e de tal escreveu: "É no cume do Fujiyama que habitam os velhos deuses nipónicos. O Fujiyama, a montanha mais alta do Japão, é o Olimpo da religião japonesa, sólio sagrado do Shintoísmo", conta-nos em 1980 que «todos os anos, ao voltar a Tokushima, a minha primeira visita era sempre para Moraes. Ainda não posso vencer o espanto de encontrar em tão longínqua paisagem e em tão estranha atmosfera a confortante companhia espiritual dum homem do meu país, que sinto hoje como um amigo. E este espanto era combinado com um sentimento de felicidade, quando via em cada festival, todas as noites, rapazes e raparigas, finda a festa oficial, já tarde, prolongar as suas folias dançando e cantando diante do seu monumento. Parecia-me que Wenceslau sorria, feliz e recompensado do seu amor pelo Japão.»
Também eu consegui peregrinar em 2011 a
Tokushima, na noite do Bon Odori, em Agosto, e admirar e andar, dialogar e
dançar por um lado, celebrando o belo ritual japonês, sobretudo de danças processionais, e por outro ir orar e meditar, comungar e escrever no túmulo
dele. Hoje Wenceslau está algo esquecido, tanto no Japão como em Portugal, mas a sua obra tem ainda muita sabedoria e espiritualidade pouco discernida ou reconhecida e merecendo ser investigada e partilhada...
E neste ano de 2018, eis-me a gravar uma improvisada comunhão com ele, em parte impulsionado por na véspera ter estado na celebração e homenagem ao querido amigo Afonso Cautela, que deixara na véspera o seu corpo terreno. Fiz então a leitura comentada de alguns textos bem valiosos, extraídos sobretudo do seu livro dado à luz na Renascença Portuguesa, Porto, em 1923, de homenagem às suas duas sucessivas companheiras, Ó-Yoné e Ko-Haru, às quais mesmo depois de libertas do corpo físico prestava um culto diário de peregrinação aos seus túmulos, e aos quais se veio a juntar o seu corpo-cinzas e memória...
A mulher de Armando Martins Janeira, a amiga Ingrid Bloser Martins, também ela uma grande amante do Japão e de Wenceslau, no seu valioso livrinho publicado pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo Portugal e o Japão. Armando Martins Janeira e Wenceslau de Moraes, Duas personalidades humanas diferentes, 2015, resume assim algumas páginas de Wenceslau, do estilo nipónico Nikki, quanto à tal ligação viva que ele sentia com as almas, seja das pessoas como dos seres e coisas, e que é em parte o tema da minha leitura e improvisação:«Wenceslau de Moraes ia buscar forças à recordação viva dos seus amores desaparecidos, O-Yoné e Ko-Haru, e cultivava carinhosamente a saudade que sentia por estas mulheres. Todos os dias ia rezar [ ou meditar, sentir...] junto ao túmulo de ambas. O-Yoné aparecia-lhe em sonhos, a sorrir. Uma noite, ao regressar a casa, não era capaz de dar com o buraco do cadeado que tinha na porta. Um pirilampo aproximou-se para lhe dar luz. Seria o espírito de O-Yoné ou o de Ko-Haru a velar por ele?» Mistérios...
Segue-se a leitura comentada de algumas linhas de força de Wenceslau:
Segue-se a leitura comentada de algumas linhas de força de Wenceslau:
2 comentários:
Vidas e culturas cruzadas de forma muito interessante... Portugal e Japão...
Graças, estimada Luama, pelo seu comentário, que só agora passados dois anos e meio é que vi. ao revê-lo. Espero aprofundar um dia destes mais alguns aspectos valiosos da sua demanda. Boas inspirações e criatividades na sua!
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