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quinta-feira, 5 de julho de 2018
Afonso Cautela, jornalista, poeta e pioneiro da ecologia e da cura natural, e de grande lucidez consciencial e social. Ou vida, obra e ensinamentos, sempre actuais. Com vídeo de 30-VI-2018, Oeiras.
Pequenos contributos para o conhecimento de aspectos e linhas de força da vida e obra de Afonso Cautela, com um vídeo, contendo um poema dele escolhido e lido pelo seu colega de jornal Emanuel Câmara e umas palavras finais minhas. Últimos acrescentos: 16.V.23, 25.X.23, 19.IV.24, 13.V, 19.V (críticas de cinema). 29.VI.
Nascido no Alentejo profundo,
em Ferreira do Alentejo, em 19 de Fevereiro de 1933, Afonso Cautela
escrevinhou e poetizou desde muito cedo, alguns com influências de Camões e Antero, e mais fortemente nos seus vinte e tal ano anos, conforme a sua obra poética completa em 2024 à luz por José
Carlos Marques, mas foi após os estudos liceais em Beja, estando em Faro para frequentar o curso na Escola do Magistério Primário (como os seus pais desejavam, embora o pai morra em 1951, dedicando-lhe o Afonso um sentido poema assim finalizado: «Leve, vazio, como um vulgar viajante/Parto contigo, sim, meu pai,/Vou-te acompanhar»), que começou a dar à luz poesia nos jornais A Escola Nova
e Pintassilgo, por
ele próprio criados dentro da Escola, onde conclui o curso, mais ou menos conformado ou esperançoso no Verão de 1955. Cumpre o serviço militar na Metrópole.
Colabora no quinzenário A Planície, de Moura,
fundado em 1952 por aquele que se tornará seu grande amigo e iniciador, onze anos mais velho e que já vinha do Jornal do Alentejo Miguel
Serrano, e em especial no suplemento cultural Ângulo das Artes e
das Letras dado porambos à luz e que acolherá Irene Lisboa, Jorge de Sena, Rodrigues Miguéis, Alberto de Lacerda, Cristovam Pavia, António
Ramos Rosa, Maria Rosa Colaço, Casimiro de Brito e outros, obtendo grande sucesso no meio intelectual da época. Mas irá semeando também noutros jornais ou revista a sua modulação poética lírica, a crítica, a surrealista, a rebelde, a idealista e a solidária. Miguel Serrano (Moura,1922-1996), grande companheiro do Afonso Cautela pelos anos a dentro, que já publicara em 1953 a antologia de crónicas jornalísticas Quadros do meu Caminho, dedicará assim o livrinho O Sinal, Contarelos (19 contos), impresso em 1959: «Para ti, minha avó, para o Afonso e o Álvaro, tão presentes nestes contarelos. Para meus filhos». A epígrafe inicial da obra é um aforismo já algo ecológico e biológico, de ultrapassagem das dualidades e aparências, de Teixeira Pascoaes: «Aquele charco lodoso, repara bem, é a estrela Sírius...». A obra, até pela menção, faz lembrar os 13 Contarelos da amiga Irene Lisboa.
Em Junho de 1958, em Ferreira do Alentejo, Afonso gera a sua
primeira publicação típica, intitulada Zero - Cadernos de Convívio, Crítica e Controvérsia, da qual sairão dois números, in-4º de 16 páginas, compostos e impressos na Arucitana, Lda, Moura, contendo textos de Afonso Cautela, de justificação e crítica literária (livros de Mário Braga, Alves Redol e Virgílio Ferreira) e ainda duas cartas polémicas de José Augusto Seabra e Domingos Carvalho, que criticavam as posições de Afonso Cautela de crítica literária expressas anteriormente no suplemento Ângulo das Artes e
das Letras e às quais este replica muito inteligentemente. O objectivo dos cadernos era manifestar o espírito dum projecto de acção e de libertação, que se embrionara no seio do pioneiro jornal A Planície, dirigido pelo Miguel Serrano, e que se poderia vir a tornar jornal ou revista, intitulado Convívio. E tal era necessário, tanto mais que alguém se apropriara do título, como Afonso explica numa auto-entrevista.
No forte editorial-manifesto partilha a sua aspiração de lutar com as forças do mal e cooperar na transformação do mundo, recusando-se a ser «de uma geração perdida, irremediavelmente perdida, de vencidos, de renegados, de excluídos», afirmando destemidamente a sua vontade de estarem livres de facções, academias, potências, trazendo a marca dos humilhados e ofendidos (e vinda do Alentejo profundo), sob a qual «escrever, para nós, é protesto e auxílio do nosso irmão obreiro, o que não deve confundir-se com demagogia». O artigo sobre a falência do neo-realismo, nomeadamente quanto à criação de almas numa pedagogia emancipadora popular (ressalvando Victor de Sá, na sociologia cultural), é muito lúcido e ousado para a época.
O segundo 2º número dos Cadernos, intitulado Líricas Maiores & menores, acentua a crítica e revolta contra a marginalização dos empregados e dos que vivem na província, perante os doutores, eruditos e lisboetas, e afirma a força da poesia e dos "beduínos em jejum" que os anima, apontando a solidariedade e simpatia que os une ao jornal 57 (onde virá a colaborar e a ser redactor), ao Encontro - Jornal dos Universitários Católicos, e ainda Anteu, Dom Quixote e A Planície. Como redactores principais de Convívio eram apresentados: Casimiro de Brito, Maria Rosa Colaço, Álvaro Fialho, Domingos Janeira, José Lebre de Freitas, Fernando Manuel, Rui Mendes, Candeias Nunes, César Pratas, Dinis de Ramos, António Silva Pinto, os jovens com quem ele contava para um movimento que não conseguiu concretizar. Os ensaios sobre a literatura nacional e estrangeira deste 2º número são bem valiosos.
Será já em 1960 na Tipografia do Carvalhido, Porto, que imprimeo seu
primeiro livro Espaço Mortal, dedicado aos pais, edição do autor (e a etiqueta dum exemplar à venda na Papelaria Adriano, de Vila do Conde, assinala o preço de 20$00), de poesia e de prosa poética de dor, inquietação, contestação e aspiração, do qual escolhemos dois pensamentos da página 104: «Não forces a porta aberta da tua inspiração. A poesia só vem quando vem pura, coalhada de fome e de indignação», e «Ao fogo, ao fogo que suprime, purifica e apaga, ao fogo que sagra e destina, ao fogo despistante de marcas.»
E um terceiro pensamento-semente, da página 112, muito actual ou mesmo profético, algo que o Afonso foi inegavelmente em vários domínios: «Odeio quem me obriga a viver sem vocação. Mas eles odeiam os livros, os livros santos da verdade».
No meio de um livro bastante catártico da opressividade ambiental, Afonso ecoava assim tanto a sua espontaneidade e sinceridade revolucionária como o grande amor aos livros e à sabedoria que manifestou em toda a sua vida e se concretizou com a constituição de sucessivas bibliotecas, livrarias, centros de documentação, revistas, bancas de divulgação e venda, e que eu testemunhei por alguns modos... E em 1961 dá à luz O Nariz, escrito em 1959 e impresso em Faro, dedicado à irmã Ângela e ao irmão José, na colecção dirigida pelo notável poeta algarvio Casimiro de Brito (pioneiro dos haikus nipónicos em Portugal) de poesia Sílex, sendo o 3º a sair, pois o 1º fora do Casimiro e o 2º da Maria Teresa Horta, e nele junta poesia e prosa num registo confessional e de diário, forte de sensibilidade, lucidez, inconformismo e grande aspiração pela justiça e liberdade e amor e a amada: «Pois sim, sou metafísico, mas nunca repetirei a lição que obedientemente dais todos os dias. Fechando a tampa por onde espreitava sei que me confundis com um caixote, mas sou a área pura onde quem amo põe os pés.»
Abandonando o ensino primário
em 1959, para o qual não se sentia fadado, tanto mais que o tinham desterrado na segunda colocação, entra durante algum tempo noutra linha de força muito sua: a do amor aos livros, e sua
partilha e aconselhamento, trabalhando no Serviço de Bibliotecas
Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian no início dos anos 60.
Será porém em 1965, graças ao seu grande amigo Miguel Serrano,
escritor e poeta, que se torna mais plenamente jornalista (diminuindo assim a sua criatividade poética), primeiro na República (1965-1968),
onde Miguel Serrano já estava, depois n’O Século (de 1968 até 1977, data de uma morte trágica para 700 trabalhadores), onde realiza grandes reportagens sobre os aspectos negros e verdes do
ambiente sob o título de Portugal Hoje, em seguida na France Press (1979 a 1982) e
por fim n’A Capital (1982-1996), onde a sua página Guia do
Consumidor e a sua Crónica do Planeta Terra, revelando os perigos da alimentação agro-química, e da industrialização, tecnocracia e eucaliptização, despertam
muitas consciências para a situação dos eco-sistemas, a agricultura biológica e os tipos de energias em uso. E assim a sua integridade e frontalidade,
sensibilidade e coragem tornam-no um ícone do jornalismo
independente e de causas. Viverá desde 1959 em Paço de Arcos, num rés-do-chão e num 2º andar calmos, com a mãe, a mulher Astride, que o vem a conhecer pelos seus textos ambientais, e a filha Cristina, seres de grande doçura, e os gatos, os muitos livros, jornais e documentos e a policopiadora, fotocopiadora e impressora...
Já bastante antes do 25 de Abril de
1974 estava portanto Afonso Cautela na primeira linha da ecologia, da agricultura biológica, da
alimentação natural e macrobiótica e contra a tecnocracia oligárquica destruidora do planeta,
através de dezenas de artigos em vários jornais e revistas, nomeadamente em O Século, O Século Ilustrado, Vida Mundial e Diário do Alentejo, neste destacando-se em 24-IV-1973, Nova Esperança para os solos: uma experiência de Agricultura Biológica por iniciativa de Macrobiótica Zen, onde dá conta do começo da plantação de arroz biológico em arrozais em Almoster da cooperativa Unimave, e onde fomos alguns em visita de estudo. Em 13-III-74, no mesmo diário e na mesma linha da defesa da agricultura biológica e dos arrozais de Almoster, escreve Utopia biológica cresce nos solos vivos e virgens.
Coordenava ainda colecções, como A Par do Tempo, da editorial O Século onde, por exemplo, escreve em Novembro de 1971, um dos quatro valiosos artigos para o 2º número da colecção, Planéte e o Realismo Fantástico, ao lado de Edgar Morin, Louis Pauwels e Jean Marchand, onde faz um crítica ao livro Despertar dos Mágicos e às ideologias que ele transparecia, fazendo comparações com o surrealismo e valorizando a síntese (difícil, reconhecerá) do espírito poético e místico e o científico, numa dinâmica dialéctica, inovadora e revolucionária que vença as antinomias seculares e não esqueça a miséria dos seres vivos e reais. Um realismo fantástico bem incarnado.
Após os três primeiros números, dos quais 1º fora O Tempo, esse desconhecido, pelo prof. Luís Augusto de Almeida Alves, e o 3º Bertrand Russel, contributo a uma personalidade, no 4º Os Jesuítas na hora da Contestação, Afonso Cautela, faz um breve mas valioso resumo dos quatro livrinhos publicados, concluindo com bastante profetismo, em relação ao primeiro: «Curioso neste trabalho do eng. Luiz Augusto de Almeida Neves é o capítulo em que indica «As 101 Receitas para perder tempo», lista de facto exaustiva e muito pertinente de tudo o que a inércia ou inépcia dos homens e a burocracia (e hoje acrescentar-se-ia oligarquia, redes sociais, animais, inteligência universal) inventou para travar o crescimento e queimar afinal, o capital mais precioso que o homem possui: ele próprio e o tempo como expressão unitária desse capital insubstituível que é o ser humano». E a propósito de Bertrand Russel, justifica-se:«Relembrando uma das maiores figuras do mundo contemporâneo, a colecção A PAR DO TEMPO tem a certeza de cumprir cabalmente a sua missão: a criação do Tribunal Internacional dos Crimes de Guerra do Vietname não foi a única nem talvez a maior das empresas a que este homem frágil meteu ombros. Dizendo isto, cremos estar a dizer tudo o que pode definir melhor a grandeza de Russel e o motivo da nossa homenagem». A antologia inclui a carta ao secretário das Nações Unidas U Thant que gerou o Tribunal Internacional, contra as «torturas e genocídio», e que é tão actual face à opressão do povo Palestiniano pelo sionismo.
Afonso era também um crítico de cinema escrevendo artigos, nos anos, pelo menos, de 1971 e 1972 para a Vida Mundial e para o boletim do Cineclube Imagem (que conservo alguns), que exibia bons filmes às quintas e sábados no Jardim Cinema, em Lisboa. No boletim de Junho de 1972, no Noticiário, um extracto anónimo do Diário do Alentejo, de 11-1-1972, pelo seu sentido crítico, é certamente do Afonso: «Um livro de dois escritores esquerdistas, Ariel Dorfman e Armand Mattelar, acusa o Pato Donald e outros bonecos criados por Walt Disney na suas bandas desenhadas de serem os mais ferrenhos agentes do sistema capitalista. O livro, êxito de«best-sellers», intitulado Como ler e perceber o Pato Donald, acentua que «existem muitas coisas complexas escondidas por detrás do manto de simplicidade adoptado pelo Pato Donald». Dizem os autores que todas as figuras criadas por Disney são postos ao serviço do neo-capitalismo e de uma sociedade de consumo.»
Assina, por exemplo, a crítica a Chuka, de Gordon Douglas, que enaltece porque «... a visão do índio e dos seus problemas reflecte uma tomada de posição lúcida e (mesmo hoje, ou sobretudo hoje) polémica. O índio liberta-se do tom fanático que fazia dele um selvagem animalesco. Assume uma dignidade exemplar. A sua batalha não é gratuita. Mata (e morre) por necessidade vital. Sem ódio superficial. Com lucidez. A entrada do chefe índio no forte arruinado é um momento épico, durante o qual as honras estão sempre do lado do lado vencedor.». Já na crítica ao Pêndulo, de Georges Schaffer, começa assim: «O menos mau a que um filme americano pode aspirar, traduz-se, regra geral, na análise das contradições que caracterizam a sociedade de abundância e na rigorosa denúncia dessas contradições. Usando os meios técnicos necessários e suficientes, o cinema fabricado em Hollywood tanto pode estar ao serviço da confusão como do esclarecimento. No primeiro caso, não há exímia montagem que lhe valha (vidé Bullit); no segundo havemos de louvar-lhe, em atenção ao desassombro, os méritos também artísticos e técnicos que porventura tenha.»
Quando a Revolução dos Cravos acontece em Abril de 1974, abrindo as portas e
janelas para o pensamento, a associação e a acção mais livres, Afonso desdobra-se em reportagem ambientalista e em
criatividade ecológica e alternativa e criando a Ecologia em Movimento - Um movimento em marcha, na qual colaborei, embora com bastante irregularidade dadas as minhas peregrinações ao Oriente e itinerâncias portuguesas de ensino de yoga,
Uma adesão creio que não enviada, ou então cópia.
e funda em 16 Maio em 1974, nas instalações da cooperativa UNIMAVE, um ano de cravos tão ardentemente desejado e esperado na alma do Afonso, o
Movimento Ecológico Português, que ele lidera e com amigos como o agricultor
biodinâmico Taciano Zuzarte, José Gomes Ribeiro (fundador da
Trigrama,), Jacinto Vieira, Domingos Janeiro e Paulino de Magalhães. Publica-se em Agosto o 1º Boletim do MEP, onde virão a sair notícias e textos valiosos, e no último, o 4º-5º, anuncia-se a formação do Grupo de Trabalho para a Agricultura Biológica, onde entre outros membros, estavam Fernando Pires Moreira, Raul Traveira, Taciano Zuzarte, Jacinto Vieira, Gomes Ribeiro e Luís Jesus Silva.
Suceder-lhe-á em 1975 o mensário Frente Ecológica("um jornal de
vanguarda, descolonização cultural, macrobiótica zen,
bioagricultura, tecnologias leves, luta anti-nuclear, parto sem dor,
revolução artesanal, agrocomunas/sociedade paralela, energias
infinitas e não poluentes, reconversão de consumos, alternativas à
medicina"), sendo dados à luz quatorze números policopiados até 1977. Na Frente Ecológica existia o Grupo de Intervenção Ecológica de Lisboa, que ajudava o Afonso, onde colaboraram entre outros o Gonçalo Cabral e o Alcides Lé. A sede era na Av. da Liberdade, 240, 2º, onde existia também o Centro de Documentação Ecológica, ao longo dos anos uma das linhas de força preservadora da Tradição mais desenvolvida por Afonso Cautela, qual Arca de Noé de conservação de memória, informação e investigação e logo resistência e revolução.
E na lista dos Elementos da Movimento Ecológico, no nº 5 da Frente Ecológica, de Janeiro de 1976, discriminados por cidades do país destacavam-se os krishnamurtianos Fernando e Beatriz Serpa Branco (em casa de quem quatro anos depois eu daria aulas de yoga e meditação), Boaventura Santos, o inolvidável libertário macro zen Nuno Quintela (da Guarda), a junguiana, e muita ligada a Agostinho da Silva Aldegice Machado Rosa, Rocha Barbosa, Vasco Granja, José Carlos Marques, Deodato Santos e o médico naturista Furtado Mateus. Num dos anúncios gratuitos do jornal Afonso manifestava os seus interesses nas energias subtis: «Arte de Curas Paralelas. Procuram-se estudiosos interessados em constituir grupos de investigação intensiva e de intercâmbio de experiências na matéria deste título. Resposta a este jornal, com todos os elementos julgados necessários». Nos outros anúncios referia-se a necessidade de um capitalista, um novo restaurante a Cozinha Macrobiótica, o Diagnóstico pela Íris oferecido na Natiris, as refeições com arroz biológico na cooperativa Unimave e um curso de massagem oriental por Kazuo Kon, dinamizado pela Associação Vegetariana Portuguesa, liderada pelo inolvidável entusiasta António Cardoso.
«"Salve-se quem puder, depois de nós o dilúvio e quem vier depois que se arranje" Esta frase tornou-se o lema e religião da mais recente geração de tecno-burocratas que estão conduzindo o mundo à beira do irreversível colapso». Assim começava o livro, muito profeticamente, muito actual, o Afonso Cautela... Muita Luz e Amor na sua alma!
Nos Estúdios Cor, lançara já em 1973 a Biblioteca do ano 2000 , destacando-se o nº 3 da colecção Ao encontro dos extra-terrestres, onde colige pioneiramente textos de Isaac Azimov, Arthur C. Clark, J. R. Chicote, etc., e o nº 5, de Março de 1974, Depois do Petróleo, o Dilúvio. Ecologia e dialéctica da crise, in-8º de 112 páginas, onde colige cerca de 40 textos seus, muitos escritos em 1973, nos quais valoriza as energias alternativas e as comunidades auto-suficientes, as utopias, denunciando a crise gerada pelos tecnocratas e preconizando «que os indivíduos se organizem para uma vida de auto-suficiência e auto-bastança, logo de auto-controlo», um ideal, uma linha de força ainda actual nos dias de hoje, face tanto à desilusão em que partidos, tão sonhados antes do 25 de Abril, se tornaram, como às dificuldades dos pequenos grupos e comunidades desabrocharem e sobreviverem perante as múltiplas pressões do sistema oligárquico globalista destrutivas frequentemente das melhores intenções e potencialidades, em especial se independentes, se francos atiradores e militantes, no campo das ideias e causas, como Afonso Cautela foi.
Lança ainda nesse ano
de 1974, tão dinâmico, frutífero e esperançoso, "duas colecções contra o mau ambiente"
policopiadas, artesanais, com alguma divulgação no crescente
meio alternativo português: a Mini Ecologia, na
qual publicará seis números, alguns a partir dos seus artigos para jornais: 1 – Posição do
Movimento Ecológico Mundial face às ideologias do Desenvolvimento
Económico e da violência. 2 – A Estratégia das Ecotácticas –
Greve Geral à Sociedade de Consumo, 1974. 3 – Do Biocídio à
Utopia Ecológica. 4 – Luta Ecológica e Luta Classes. 5 –
Agro-comunas: Alternativas para a Sobrevivência, 1975, neste incluindo cinco textos, bem descritos por António Mantas no Raízes da Agricultura Biológica, um com início bem à Cautela: «Profetas do Deus Pã enviados à Terra para travar a luta decisiva na posse da Terra, deram o nome de agricultura biológica à formula hoje concebível de resistir à lepra tecnocrática, à invasão dos solos pelo Satanás químico». Noutro descreve o projecto de Deodato Santos, pioneiro da Agricultura biológica em Barão de S. João, onde o Pedro Cavaco e a mulher eram outras almas nas linhas alternativas. E o 6º e último – Para um
Socialismo Bio-ecológico em Portugal.
E a colecção Ecologia
1 – Contributo à Revolução Ecológica (Manifesto Contra o Meio
Ambiente II) 2 – Estratégia Ecológica e Política (Manifesto
contra o Meio Ambiente – III). 3 – Política de Saúde ou
Ecologia da Doença.
Seguem-se em 1975 os livros O Alentejo na Reforma Agrária, bem ilustrado, com várias reportagens ealgumas sobre a agricultura biológica, a comunidade de Deodato dos Santos em Barão de S. João e uma liga dos pequenos agricultores,
O Suicídio Nuclear Português, e
o Ecologia e Luta de Classes em Portugal, ambos
em1977.
A década de 70, sobretudo a
segunda metade, é pois vivida fulgurantemente por Afonso Cautela e
acompanhei-o em algumas das suas actividades e estudos, seja em
bancas de feiras, palestras, marchas e manifestações, seja na sua Livraria
Peninsular, no r/c da r. da Boavista, nº55, seja em sua casa em Paço de Arcos, que era aliás a
sede do núcleo coordenador do Movimento Ecológico Português e da
Frente Ecológica, para além do lar da sua tão simpática mulher
Astride, com quem casara em 1971, e da filha Cristina.
Mas não me lembro se conheci o
Afonso Cautela pela Ecologia, se pela alimentação Macrobiótica, ou Agricultura Biológica,
nomeadamente na Cooperativa UNIMAVE, embora seja bem provável que fosse no coração de Lisboa, no restaurante Colmeia, à rua da
Emenda, do Abel Trancoso e depois do João Alves Ribeiro, a funcionar desde 1969, e tendo como retaguarda o centro Ignoramus, onde no seu 1º boletimque eu lhe forneci o António Mantas confirmou estar o artigo mais antigo em Portugal sobre Agricultura Biológica, o qual era um polo de acolhimento, apoio e contactos na demanda de harmonias biológicas, energéticas e espirituais e onde o rigor na alimentação era ensinado (por Abel Trancoso) e praticado, nomeadamente pelo Afonso, que passou, embora mais tarde, mesmo a prova dos nove do regime nº 7 de dez dias (ou 15...) só a arroz integral, gomásio e chá de três anos. E em Março de 1976 estivemos juntos, com o meu irmão Luís, na marcha anti-nuclear em Ferrel, embora já pouco me lembre das circunstâncias, e no Festival pela Vida contra a Energia Nuclear, 1978, em Ferrel e Caldas da Rainha (para o qual escrevemos um texto, inédito), a que se seguiu uns meses depois uma reunião na quinta do Gilde, onde vivíamos e fazíamos alguma agricultura biológica junto a S. Torcato, na qual participaram alguns ecologistas. Já em meados de 1982 o Afonso e eu participámos em Lisboa, no CAL, no grupo em Portugal da Iniciativa Planetária, que eu trouxera do Festival realizado em Maio em Bruxelas, com vários projectos e reuniões de que resultaram alguns textos manuscritos ou policopiados, como referirei à frente.
Dos livrinhos, revistas e
jornais que me ficaram transcrevo então ainda mais alguns dados,
menos lembrados das notas biográficas escritas ou que se vierem a fazer, e
que são formas de preservar os seus ensinamentos e de continuarmos
a luta pela sobrevivência dos eco-sistemas planetários e da Humanidade, na sua dignidade e fraternidade, harmonia
e espiritualidade, causas pela qual o Afonso Cautela sempre tanto vibrou e lutou, por
vezes demais mesmo, levando alguns a considerá-lo de mau feitio, ou
mau fígado, apesar também dos seus sorrisos e olhares doce,
inquiridores ou brincalhões, ou expressões como o "Pedrinho" como me tratava por vezes dada a diferença de idades ou por carinho... Com ele tive mesmo uma certa aprendizagem de jornalismo quando me fez entrevistar o médico naturista Fred Vasques Homem (Fred Waschmann, já em 1953 editando os Cadernos populares Medicina Natural, com Isidoro Duarte dos Santos, da revista dos Estudos Psíquicos, na r. do Salitre, e que conheci bem), e depois me assinalou a vermelho os erros no manuscrito da incipiente e inédita reportagem, a ser publicada um dia. Um projecto de uma revista, que teve os títulos Universo e AUM, com uma linha não só ecológica mas também espiritual, foi cogitado por mim em diálogo com o Afonso, que faria parte do núcleo central, mas não se concretizou ficando apenas eu com alguns textos e manifestos inéditos....
No jornal Viver, da
Diese, empresa dietética e de pioneiro esclarecimento alimentar, fundada em 1955 por João dos Santos, no número de Maio de 1975, a página Temas
Ecológicos tinha como coordenador e autor Afonso Cautela
e nela estão inseridos quatro artigos críticos do meio ocidental e
português, no qual predomina a sofística ocidental, a exploração do
homem e o tapar dos olhos da avestruz perante os múltiplos problemas
ecológicos, e onde lança um apelo em prol do recém formado Movimento
Ecológico Português, MEP, muito significativo do que o
animava: "Prezado amigo do Movimento Ecológico: Estamos a
convidá-lo para que seja um dos nossos, um dos que nos ajudem a
fazer do M.E.P. uma grande força de opinião e, em breve, uma
corrente cívica de real influência na qualidade de vida de todos os
portugueses;
-SE a sua vida e a dos seus
tem importância para si
-SE a a sua saúde e a dos
seus tem importância para si
-SE a sobrevivência das
espécies em geral e da espécie humana em especial tem importância
para si
-SE o planeta que habitamos e
seus recursos, sua gestão gestão racional, harmoniosa, humana e
económica tem importância para si
-SE uma sociedade de homens
livre e adultos, em vez de uma sociedade de escravos ao gadget, ao
consumo e à publicidade tem importância para si
-SE a segurança, a saúde, a
sobrevivência e o silêncio têm para si mais importância de que os
valores egoístas e infrahumanos impostos pela publicidade, pela
mediocridade do Consumo pelo Consumo, então venha trabalhar
connosco: [...]" Que actualidade mesmo nos dias de hoje...
Em 1976 lançara o 1º número da Colecção Ecopolítica, intitulado Contributo à Revolução Ecológica, com 35 textos, a maioria inéditos escritos entre 1972 e 1974, e onde exerce um magistério crítico sobre ecologia, não poluição, industrialização, clarificando equívocos, erros, demagogias, distrações. Contém a sua bela, e bastante profética Carta a minha filha Cristina, em que exprime lúcida e algo amarguradamente a luta inglória em prol do rosto humano contra o sistema dominante que absorve e deturpa tudo o que o põe em causa, ou que é mais natural e harmonioso.
Importante também nesse ano é na Colecção Mini-Ecologia os três fascículos dados à luz: I - A Consciência Política da Natureza e a "Luta de Classes" no Reino Animal; II - Movimento Ecológico e Descolonização Cultural; A Idade Solar: III - Ivan Illich e Wilhelm Reich, dois profetas da Utopia Ecológica, onde, depois de resumir as suas obras e mensagens, regista na marcha dialéctica da realidade o discernimento de Marcuse quanto aos novos mecanismos do sistema ideológico repressivo, tais «os meios de comunicação de massa, e a publicidade e propaganda» e acrescenta os que um militante ecológico lúcido observa:«tecnocracia, biocracia, cidade, hospital, indústria, sistema energético; e o ruído como indústria e instituição», esta última constatação reiterada frequentemente pelo Afonso. Cinquenta anos depois deveremos acrescentar a partidocracia, a burocracia, a nova Ordem Mundial, a Organização Mundial de saúde, as redes sociais e o quase total controle dos meios de informação e comunicação pelo sistema oligárquico globalista. As páginas dedicadas a Ivan Illich e Wilhelm Reich são bastante fortes e clarificadoras e merecem ser aprofundadas.
Desse ano de 1976 é a sua colaboração no arranque, nº 0, da Agro-Sanus, «órgão de divulgação de conhecimentos atinentes à promoção integral do
Agricultor e à sua emancipação económica pela Agricultura Ecológica,
privativo dos filiados da União Fraternal dos Agricultores», acabada de fundar por Luís Vilar, seu
amigo e grande dinamizador do que ele outras designações chamava agricultura ecológica, uma síntese da biológica e da biodinâmica, de Rudolf Steiner. Com o título Ecologia na Agricultura, há três artigos dados à luz no O Século, em 30 e 31.VII.76 e 2.VIII.76, onde entrevista o Luís Alberto Vilar, na sua quinta da Amizade, na Trafaria, partilhando com admiração os seus conhecimentos práticos de agricultura e o entusiasmo de projecto. Muito recentemente, António Mantas, no seu excelente e incontornável Raízes da Agricultura Biológica em Portugal. Dos pioneiros mundiais ao movimento em Portugal historiou detalhadamente os encontros, gestas e ensinamentos destas duas personalidades pioneiras (uma prático-teórica, outra jornalística-activista), da agricultura não química, e também de muitas outras. Serão publicados oito números, nas oficinas da Gazeta do Sul, ao Montijo, e António Mantas, por alguns indícios, aponta para a mão do Afonso Cautela detrás da publicação Agro-Sanus, de Luís Vilar e na qual este recorre a bastantes fontes (até de livros de agricultura química) ao descrever ou transcrever práticas agrícolas aconselháveis.
Em 1977 sai a Ecologia
e Luta de Classes em Portugal,
em livro, bem como O
Suicídio Nuclear Português, E ainda em policopiado artesanal feito em sua casa dá à luz Bioenergia curativa, 1. Os Bio-ritmos na saúde. Somos filhos do Sol e da Lua, num
in-4º de 15 páginas onde introduz, com críticas ou hermenêuticas suas,
textos e descobertas de outros, de notícias na Imprensa nacional e
internacional, sobre os mistérios e investigações dos ritmos biológicos e
circadianos e nomeadamente os seus efeitos no sono, na tomada de
medicamentos, na parapsicologia, o rótulo da qual «serve à mafia
sofística e tecnocrática para conter em respeito alguns dos fenómenos
mais perigosos para a estabilidade e ditadura mental do sistema», que
vai inventando nomenclaturas, classificações, divisões, para "afastar o
homem da unidade primordial" e fazê-lo esquecer "que é energia, de que
tudo é energia".O segundo número dessa colecção e formato foi A Cura pelas Energias. 55 indicações de base, da qual faremos algumas transcrições no fim, dado o seu valor harmonizador. E que autonomizámos num artigo de homenagem a George Ohsawaem Outubro de 2023: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/10/george-ohsawa-afonso-cautela-e-os.html.
Nestes anos e seguintes a colaboração de Afonso Cautela em jornais e revistas é assombrosa, e além dos principais já nomeados, deveremos referir Vida Rural, Notícias do Sul, Casa Vaga Gazeta do Sul, Telex, Diário do Sul, Defesa de Espinho, Edição Especial, Voz do Povo, Página Um,Portugal Hoje, Barlavento, Brados do Alentejo,Cidade de Tomar, Região de Leiria, O Jornal da Província, O Viso, Linda.
Em Janeiro de 1978 a sua tradução da obra de Michel Bosquet (Andre Gorz), Ecologia e Liberdade, saía pela editorial Vegana colecção O Direito à Diferença, dirigida por Conceição Gomes da Silva, a qual e levava como lema: «Da banda, um músico se destaca, alguém se individualiza. Um ser ser humano que ousou. Arriscou compor o seu próprio andamento, de ouvido atento ao seu próprio diapasão. Escolheu a diferença [ou o seu dharma, o seu ser-dever ser]. É isso ousar. - Esta colecção é a escrita do que assumem o seu «Direito à diferença».
Em Março de 1978 surgia
o nº 1 do Jornal da Via Macrobiótica, ligada à pioneira cooperativa UNIMAVE - Centro Macrobiótico Vegetariano, fundada em 1972 e que
tinha então já 3.100 associados, entre os quais eu e onde dei algumas aulas de Yoga e meditação em que participou o Afonso Cautela e a sua filha Cristina, como esta me relembrou recentemente. O editor e director era o José Augusto Leal e os
colaboradores Rosa Maria, Afonso Cautela, Jacinto Vieira e José
Raimundo, sendo dado à luz numa tiragem de 5.000 exemplares. No nº 1, sem colaboração
assinada pelo Afonso Cautela, tinha contudo um anúncio da sua livraria:
Ecologia e Ciências da Vida, Agricultura, Medicina Oriental,
Etnografia, Artes e Ofícios. Livraria Peninsular.
No mesmo 1º número
noticiavam-se as comemorações do dia Anti-nuclear mundial de 1978,
a 3 de Junho, de iniciativa do Comité de Luta-antinuclear de Lisboa (CAL, fundado pelo Afonso Cautela, o Luís Coimbra e ao qual pertenci, com sede na rua de S. Bento), realizadas no jardim da Estrela, a
reunião inicial do Grupo de Objectores de Consciência, na qual se destacará o Júlio de Sousa, o Mário Bruno Brandão Cruz, o Alcides Lé, o Carlos Pizarro e a reunião
em Bejar, Espanha, do grupo gandhiano de não-violência, grupos e
jornadas em que participei, liderado pela Manuela Lourenço, e nos quais o Afonso Cautela também de um
modo ou outro colaborava. Nesta época, dinamizado pelo C.A.L, sediado numa das salas da BASE FUT, à rua de S. Bento, realiza-se
um pioneiro festejo do solstício de Verão no Jardim da Estrela, de que
resta ainda o cartaz, e onde falharam algumas pessoas, e outras
estiveram presentes, tal o Afonso Cautela, a Gertrudes Silva, o António
Elói, o Jorge Leandro Rosa e o Alcides Lé.
Em 1978 saíam também
os primeiro números d' A Urtiga, revista de ecologia e alternativas, lançada pelo José
Carlos Marques e o José Leal Loureiro, entre outros, e que durará até 1985, com dezanove números publicados e em que colaborou muita gente ligada à ecologia, agricultura biológica, anti-capitalismo tecnocrático, não-violência e espiritualidade. Desde que regressou a Portugal, após o 25 de Abril, José Carlos Marques foi um
dinâmico professor, ecologista, escritor, tradutor e editor, muito valioso no movimento alternativo, nomeadamente nas suas Edições Afrontamento, com a colecção Viver é Preciso, onde no 2º livro (Perspectiva Ecológica da Agricultura: China, Estados Unidos, Terceiro Mundo), após o 1º de Claude Aubert, Alimentos, Saúde e Agricultura (crítica da agricultura dominante), cita na Bibliografia algumas obras de Afonso Cautela e menciona o Boletim Informativo, do Movimento Ecológico em Portugal, dele e do Paulino de Magalhães. A Urtiganos
primeiros tempos, e o director e proprietário foi sempre José Leal Loureiro, era publicada em Lagos onde ele, Deodato Santos (este há mais tempo na
freguesia de Barão de S. João, com a sua mulher Inge) e o Pedro Cavaco (arquitecto amigo que viera do Porto, co-fundador do grupo da Pirâmide) desenvolviam vários
projectos ecológicos, agrícolas e de construção, os quais Afonso Cautela ia divulgando, nomeadamente no
já referido artigo Barão de S. João: Experiência Ecológica, Pioneira
do Futuro, escrito em Agosto de 1974, e incluído nas Agro-comunas: alternativas para a sobrevivência,
1975. Mas na prática foi sobretudo o Pedro Cavaco e a sua mulher Margarida Falcão quem gerava os números da Urtiga, com muito santo trabalho no karma deles.
No nº 5, de Julho de
1978, do já referido Jornal daVia
Macrobiótica, antecipando
uma das temáticas a ser tratada na vinda a Lisboa de Michio Kushi no
4º Seminário de Macrobiótica, Afonso Cautela escreve um artigo, A
moda dos Ovnis,
baseando-se em Michio mas também citando o Tao Te King, no qual considera
que as doenças, epidemias, poluições são avisos para mudarmos de
modelo ou paradigma, para passarmos do dogma tecnocrático e
sintomatológico à dialéctica causal e ecológica, para sairmos
do dualismo, da oposição entre microcosmos e macrocosmos, e para isto valorizando "o yoga tibetano e a gnose do arroz".
«Este
o sentido de todas as alternativas ecológicas, na agricultura, na
energia, na medicina, na alimentação, na educação, etc.
Abrir
o Discernimento (com o diamante do yoga tibetano ou com a gnose do
arroz) é ferir de morte a Ignorância, a Doença, a Treva, a
Barbárie.
"O
homem dorme e nós viemos acordá-lo", disse Gurdjieff, outro
profeta da Mudança».
E
terminará o artigo bem optimisticamente: "Em cada novo seminário,
Michio irá tornando mais claro e explícito que Macrobiótica não é
só manjedoura de arroz mas a porta aberta da Iniciação
para, dissolvendo o nosso férreo ego, nos fazermos voláteis
objectos voadores perfeitamente identificados com a nossa Origem e o
nosso Destino.
- Acreditas
nos Ovnis?
- Não
me faças perguntas estúpidas..."
Em Julho de 1979 no 1º
número do Boletim dos Amigos da Terra, com sede na Espiral,
onde se destacaram António Elói, Gertrudes Silva, José Carlos Marques, António Cândido de Franco, Alcides Lé e outros, então com
80 sócios, era prestado um agradecimento ao Afonso numa
notícia: «Criação da Biblioteca e Centro de Documentação.
Afigura-se-nos bastante urgente, para que todos nós possamos ter
acesso a livros, revistas, e outros documentos, que, pelo seu número
e preço, individualmente seria de difícil obtenção. Graças à
generosidade do Afonso Cautela e da Editora Afrontamento [José
Carlos Marques], dispomos já de alguns títulos que poderão ser
consultados durante a hora da permanência da funcionária – das
16:15 às 18:15, na Sede provisória».
Relembremos que
Afonso de Cautela foi sempre um grande amante de livros, de
documentos, no fundo um historiador e curador, e reuniu uma biblioteca bastante grande que foi sofrendo
constantes modificações, podas, doações, trocas e vendas. Lembro-me de algumas visitas em sua casa já nos começos de 2000 e de ele mostrar-me os
livros nas várias estantes e considerar que tinha reunido uma
biblioteca essencial, ou dos títulos mais fundamentais e
representativos, cobrindo as áreas da ecologia e das
energias renováveis, das medicinas complementares ou alternativas e
da macrobiótica e da alimentação natural, das energias subtis e da
radiestesia, e de religiões, iniciação, simbólica e espiritualidade, e da qual não sabia bem qual o destino, questão frequente em investigadores, bibliófilos ou ajuntadores de livros temáticos em dados momentos da vida ou quando a hora da desincarnação se aproxima.
Em Maio e Junho de 1981,
saíam os nº 1 e 2 da nova série da Via Macrobiótica, noutro
formato mais reduzido, e os colaboradores passaram a ser
Afonso Cautela, Fernando Elias, Francisco Varatojo, Dr. Furtado
Mateus (um pioneiro da agricultura biológica no terreno junto a sua casa em Pero Pinheiro, Sintra), João Pais de Faria e Nelson Mendes. Sob o título Cartas
à geração do Apocalipse, Afonso Cautela atacava muito
ironicamente com o sub-título: Será a Medicina incurável?,
iniciando assim o artigo: «A Medicina não é só a maior
fábrica de doenças, enquanto indústria que tem de alimentar um
mercado, como provou em livro inutilmente exaustivo Ivan Illich. O
livro em português chama-se em português Os Limites da
Medicina e alerta para a manipulação que os interesses farmacêuticos ou médicos fazem nos jornais: «Até onde vai a
invasão dos «mass media» por esta publicidade gratuita que a
indústria médica faz às suas mercadorias? Que estranho privilégio
é esse?
Que diriam os médicos se os
jornalistas lhes entrassem nos consultórios e começassem também a
tratar da saúde aos doentinhos? Que abuso é este? Que invasão é
esta?
Quem quiser deixar-se
injectar, que deixe. Quem souber como isso se chama em linguagem de
gente, que saiba. Mas, publicidade à borla nos nossos jornais, e com
vossa licença é ir além da agulha hipodérmica. É já
supositório». E após estas críticas tão actuais face à tão corruptor e opressivo grupo de pressão das farmacêuticas, de forma escandalosa e tão gravosa na famigerada pandemia do Covid, deixa ainda um post-scriptum acerca dos
diabetes: «a maior e única dificuldade que a Macrobiótica
encontra na cura dos diabetes é quebrar o círculo vicioso criado
pela medicina com a sistemática injecção de insulina, que, durante
anos, vai atrofiando a função do pâncreas, até tornar irreversível
a sua recuperação. O mais difícil, portanto, na diabetes, não é
a doença em si: é a dependência que a medicina química cria de
uma droga e a doença que a própria medicina acaba por criar. Essa
sim, com o tempo, incurável.»
Aí se anunciava para breve a
saída do 1º número da Ecologia em Diálogo, do Afonso
Cautela, «para a qual antevemos uma longa vida», anunciando-se que
quem a quisesse receber grátis se deveria inscrever. Sairão apenas
três números.
No 2º número, de Junho
de 1981, um artigo de Afonso Cautela, Cartas à geração do
Apocalipse. A dialéctica do Yin-Yang do Ecologismo, uma dinâmica
para sair do atoleiro, contém constatações ainda hoje bem
dramáticas: «Não ver que todo o processo de decadência é a outra
face do que se designa por prosperidade, e que todos os retrocessos
verificados nesta sociedade são o outro lado do Progresso, eis a
cegueira mental mais trágica do nosso tempo. Cegueira que é total no
tecnocrata de todas as tendências políticas, e no tecno-burocrata
ainda mais cerrada.»
Em Abril de 1981, no nº14 da revista da Associação dos Estudantes de Belas Artes em Lisboa, a ArteOpinião, dirigida pelo Filipe Rocha da Silva, o Afonso Cautela, numa entrevista de António Correia Teles e Francisco Teixeira da Mota (que foi seu advogado), partilha algumas das suas ideias ora irónicas, ora desiludidas, ora fracturantes do sistema, ao qual ele chama a doença, considerando oportunistas e demagógicas as pretensas posições ecológicas dos partidos, e antevê com discernimento quase profético o que se passa na terceira década do séc. XXI: «estou mesmo convencido que as grandes ditaduras estão ainda por vir. Porquê? Porque o imperialismo dos imperialismos é o industrial e, quanto a esse, ainda a procissão vai no adro. Há de vir a ser não só mais feroz como mais subtil». Quanto às religiões considerará que estão mortas na sua função de religarem à Natureza e «pululam como cogumelos e quantas mais houver, mais baralhadas as pessoas estão», no que teve grande dom profético pois hoje com a internet, o youtube, as redes sociais, são milhões de trapalhões e aldrabões a explorarem e a desorientarem as pessoas.
É de 1982 o beneditino trabalho de catalogar os seus artigos de defesa do património natural e cultural, polémicos, sempre com títulos bem impactantes, escritos para 26 jornais e revistas de 1972 a 1980, e que intitulou, em texto policopiado, Contributo à Conservação do Património, do qual destacaremos, entre as dezenas de reportagens e artigos de defesa do ambiente e das artes e ofícios por todo o país, dois pioneiros já mencionados sobre agricultura biológica, no Diário do Alentejo, de 24 de Abril de 1973, Experiência de Agricultura Biológica em Almoster, nos terrenos da Unimave, e em 13 de Março de 1974, A Utopia biológica cresce nos solos vivos.
O Afonso Cautela, com 50 anos, aquando da entrevista na ArteOpinião, 1981.
Em 1983, em Fevereiro, após a minha participação no encontro da Iniciativa Planetária, na Bélgica, em Maio de 1982, o Afonso Cautela noticiava num comunicado da Frente Ecológica: O Grupo de Arranque em Portugal do Projecto Iniciativa Planetária para um mundo à nossa Escolha ficou constituído durante uma reunião realizada, no passado dia 6 de Fevereiro, no Centro Nacional de Cultura em Lisboa. Estavam presentes pessoas ligadas a vários grupos e organizações de acção alternativa e Nova Consciência: Comité Anti-Nuclear de Lisboa (C.A.L), Sociedade Teosófica Portuguesa, Associação Livre de Objectores de Consciência (A.L.O.C.), Movimento Ecológico Português (M.E.P.), Arcane School e Frente Ecológica. (...) O projecto "Iniciativa Planetária" - como abreviadamente é conhecido nos cinco continentes por onde já circula - visa potencializar, em cada país e localidade, ideias e acções de carácter alternativo de modo a que as necessidades e aspirações dos povos ganhem expressão e ressonância junto dos centros de decisão mundiais (...) Pretendem os amigos e aderentes da Iniciativa Planetária que todas as pessoas digam o Mundo em que querem viver. Não se trata tanto de diagnosticar a crise e acentuar os motivos de desesperança mas de apontar as possibilidades de esperança que se abrem à Humanidade de uma vida diferente e de um mundo mais humano».
No nº 18 da Urtiga, revista de Ecologia e Alternativas, saíram dois textos um sobre o conteúdo do Festival do Mundo que nós escolhemos, da Iniciativa Planetária, em Bruxelas e outro sobre Grupo de Chamarande, junto a Paris, que eu enviara para o Pedro Cavaco. Será dado à luz só mais um número da Urtiga, uma revistaonde colaborou muita gente valiosa alternativa.
Em 1984 saía a Terra
Mágica, do Jorge Fidalgo, do José Carlos Marques e da Sylvia
Monterroio, e o Afonso Cautela era um dos colaboradores e
correspondentes.
E é de Dezembro do mesmo ano de 1984 o seu projecto, e no qual colaborava o arq. Vasco de Melo, do Atelié Yin-Yang - Centro de Iniciação - e Medicina Tradicional Chinesa, e que é publicitado num policopiado de 20 páginas, que contem os objectivos, as 36 pessoas convidadas a participar, das quais se destacam, entre os outros, a Maria Afonso, o Ricardo Salvatore, o Juvenal, José Pedro Cerqueira, João Pais de Faria, Araújo Ferreira, Pedro Fiadeiro, Kasuo Kon, José Leal, Pedro Teixeira da Mota, José Gomes Ribeiro, Zélia Sakai, Maria Lucinda Tavares da Silva, Abel Trancoso, Jacinto Vieira, Reinaldo Wondenberg e Francisco Varatojo. Este, Gomes Ribeiro e Luís de Jesus Silva dão os seus testemunho biográficos por carta a Afonso Cautela
Um ano depois, em Maio de 1985, o Afonso já
não estava nos colaboradores da Terra Mágica e entraram muitos outros, entre os
quais eu. Mas mantinha, por exemplo, de 1984 a 1986, uma página semanal em A Capital intitulada Guia do Consumidor, onde partilhava os seus conhecimentos alimentares.
No ano de 1985, Afonso Cautela, indicado pelos Amigos da Terra, foi cabeça de lista do Movimento Alfacinha (com valiosos apoios como os de Francisco Pereira de Moura, Teotónio Pereira, Luís Coimbra, Hermínio Monteiro, António Elói, etc), inserido no P. P. M., Partido Popular Monárquico, para a Assembleia Municipal, recebendo 12.000 votos e, eleito, teve assim a sua única entrada
na política, mas como independente, entrando ao lado do acutilante e sábio Gonçalo Ribeiro Teles (eleito com mais de 20.000 para a Vereador da Câmara Municipal), Luís Coimbra e Henrique
Barrilaro Ruas, o qual decorridas duas sessões o substituirá, devido à desilusão de Afonso e a decisão de terminar de exercer do cargo. Um ser sempre muito lúcido, crítico, independente, livre, Afonso Cautela...
Em 1988 lança o Projecto Ecologista Independente, com o arquitecto Vasco Melo e o Luís Gomes, então do Instituto Nacional do Ambiente, dirigido pelo biólogo José Almeida Fernandes, e chega a fazer a exposição Quinze Anos do Movimento Ecologista, mundial, no Forum Picoas, numa cronologia bem ilustrada a partir do seu valioso e amado arquivo de documentação.
Nesses anos mantinha ainda uma colaboração de crítica literária no jornal A Capital, intitulada Livros na Mão e assim a 6 de Fevereiro de 1990 publicava um texto Fidelidade à Fonte nos Manuscritos de Pessoa, o poeta oculto, onde elogia o meu trabalho de investigação e interpretação da obra pessoana.
Nesse mesmo ano Afonso partilhava o seu encanto pela radiestesia e lamentava com a minha partida para Índia não poder contar comigo como companheiro em tal demanda e prática que o entusiasmará por alguns anos. E uns meses depois desse encontro e diálogo, registei no meu diário: «Ontem encontrei Afonso Cautela e lá conversámos um pouco. Está satisfeito com o seu caminho via
pêndulo. E, liberto do medo da morte embora não do sofrimento,
reafirma que a carência espiritual é uma das causas originadoras da germinação
do cancro, do qual somos todos um pouco portadores.»
Se nos aproximarmos da sua obra poética em antologias,
diremos que parte foi incluída na antologia Surrealismo Abjeccionismo, organizada por
Mário Cesariny em 1963, um poeta a quem fez uma valiosa entrevista. Em 1964 participa nos quase desconhecidos cadernos Alfa. Poesia 1, editados por Álvaro Luz e Silva. Em 1965 organiza com Serafim Ferreira em
1965 a antologia Poesia Portuguesa do Pós-Guerra: 1945-1965, com orientação gráfica do pintor Espiga Pinto (que foi, tal como Almada Negreiros, Lima de Freitas e Carlos Calvet, um investigador das proporções perfeitas ou geometria sagrada), incluindo oitenta poetas na sua bela edição de 423 páginas, desde António Barahona da Fonseca, Casimiro de Brito, Fernando Martinho, Fiama e Gastão Cruz, Saramago, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Raul de Carvalho, etc. E em 1968, na mesma colecção da editora Ulisseia seleciona, com Liberto Cruz, os poemas de alguns livros do poeta alentejano Raúl de Carvalho e que entrarão na sua Poesia 1949-1958.
Curiosamente um exemplar deste livro foi apreendido pela PIDE, no Porto, no ano de 1966, conforme a cópia do auto, patente na Fundação Mário Soares.
Em 1973 é incluído nos Oitocentos anos de poesia portuguesa, antologia organizada por Orlando Neves e Serafim Ferreira, para o Círculo de Leitores, sendo um dos 90 poetas contemporâneos selecionados, com três valiosos poemas, entre os quais o Ponto Final e o Sânscrito. E em 2007, com Vítor Silva
Tavares e Rui Caeiro, participa no volume colectivo Poesia em
Verso, publicado pela Livraria Letra Livre, com ilustrações de
Luís Manuel Gaspar.
Em 2010 o José Carlos Marques, publica-lhe
Campa Rasa, nas Edições Sempre-em-Pé. E finalmente em 2017 é lançado também por José Carlos
Marques, nas Edições Afrontamento, sai da sua Lama e Alvorada. Poesia reunida 1953-2015, Volume I Inéditos e Dispersos. E em 2024 sai o Volume II, apresentado a 15 de Maio, na Casa de Imprensa em Lisboa, pela filha Cristina, José Carlos Marques, José Luiz Fernandes (autor da última grande entrevista do Afonso publicada em livro), Pedro Teixeira da Mota e António Cândido Franco.
Deveremos realçar que o Afonso Cautela era um homem de grande ânsia e aspiração anímica da verdade e da justiça, de grande inquietação e luta de resistência à poluição, ao consumismo, à tecnocracia, aos lobbies da medicina, à desumanização, ao materialismo espiritual e que, para além das denúncias ou então de boas notícias ambientais, pela palavra e pela escrita tentou investigar as harmonias e as mudanças necessárias e logo dinamizar e despertar as pessoas para as vias alternativas, fosse a medicina natural, a agricultura biológica, a alimentação macrobiótica, a radiestesia, as vias espirituais.
Conheceu muita gente nos meios culturais, ecológicos e espirituais, e a sua excelente biblioteca, que tantas voltas deu e em tantas mãos foi ficando, reflecte nas dedicatórias o apreço em que era tido, e citaremos apenas as de Miguel Serrano e Herberto Hélder. Enfrentando tantos atentados ao património, tantos seres insensíveis e ineptos, tanta tecnocracia opressiva e destrutiva certamente que por vezes
desanimava, aborrecia-se, algo que ele aliás recuava à sua
infância, pois dizia que se lembrava já em criança transmitindo a sua mãe esse sentimento de estar aborrecido, quando lhe perguntavam porque estava ensimesmado. Era algo como que uma tristeza existencial, profunda,
supra-pessoal, talvez em sintonia com a paisagem quase imutável e algo seca alentejana e a sua vida futura de jornalista de causas difíceis ou mesmo perdidas face ao rumo do industrialismo e consumismo tão gananciosos e poderosos.
Na sua evolução espiritual
o Afonso passou por uma certa atracção e adesão ao Budismo Tibetano Nyingmapa, então divulgado entre nós, bem como à Macrobiótica Zen, veiculada por George Oshawa e sobretudo Michio Kushi. E
depois passou para as energias subtis detectáveis e trabalháveis pelo pêndulo, grelhas, pirâmides e cristais, na linha de Étienne
Guillé, chegando mesmo a dar pequenos cursos na Sociedade
Vegetariana (na r. do Alecrim, a 5 euros por sessão) embora com
poucas pessoas, entre as quais a Manuela Morais, da Editora Tartaruga. Mas com a filha de Étienne, o genro e os discípulos portugueses a comercializarem demais, o Afonso afastou-se, pondo em causa certas mentalidades e os preços elevados dos tratamentos e
cursos.
Nos últimos anos de vida Afonso Cautela irá orientando
alguns livros e documentos, dos muitos que tinha, para algumas pessoas, digitalizando os seus imensos artigos e interelacionando os seus conhecimentos
da ecologia, sociologia, alimentação, cura, espiritualidade e a complexa radiestesia de Étienne
Guillé, em críticas ou análises escritas em muitos textos para
os seus vários blogues, perenizando-se assim na internet, da qual
estava consciente dos perigos resultantes da avalanche de informação, frequentemente realizada sem grande profundidade nem o
profissionalismo que outrora a informação por jornalistas mais sérios e independentes, não submetidos ainda ao grande capital global e suas directrizes alineantes e opressivas, implicava, permitia e valorizava.
O problema da passagem dos
textos lidos e anotados, ou escritos, ou policopiados para livros e
para a digitalização foi um tremendo labor que ocupou o Afonso nos últimos anos, sendo sem dúvida a vida toda um trabalhador a tempo
inteiro, e mesmo na fase de aposentado trabalhando as manhãs inteiras (e
era madrugador), antes de partir de Paço d'Arcos para Lisboa de
comboio e almoçar em restaurantes macrobióticos ou biológicos, o
que foi permitindo a alguns de nós bons encontros e diálogos, nomeadamente na Espiral, Colmeia, Yin e Yang, Sociedade Portuguesa de Naturalogia e outros. A
magnitude da obra deixada, face ao materialismo consumista e
destrutivo, impulsiona-nos a não abdicarmos de lutar pela
utopia de uma sociedade mais ecológica, biológica e saudável, justa, lúcida,
desperta, harmoniosa, espiritual. Anote-se que os seus manuscritos, dossiers e inéditos foram entregues por ele à Torre Tombo, onde esperam investigadores. Na web um site que abre para muita da prosa ensaística e crítica do Afonso Cautela, com dezenas de artigos ora escritos ora partilhados para o blogue entre 2006 e 2014 é: https://www.blogger.com/profile/06626323338418825790
A valiosa entrevista
feita em 2007 pelo jornalista José Luiz Fernandes ao Afonso Cautela, publicada em Ser Jornalista em Portugal. Perfis sociológicos (Gradiva, 2011), encontra-se também na web, onde se podem colher dados
suplementares. Também a sua grande amiga, a jornalista Almerinda Romeiro anunciou no Jornal Económico a sua morte e funeral, no próprio dia (30.VI.08), com uma singela biografia. Após esta já razoável contribuição para a sua biografia e
In-Memoriam, acrescento a transcrição alguns
extractos de textos menos conhecidos mas perenes...
A Cura Pela Energia. 55 Indicações de Base:
A 2ª «Do ponto
de vista racional (terapêutica causal), o que importa é deixar o
organismo reagir por si, porque o o organismo" – Hipócrates –
"é que se cura a si mesmo". Se assim foi e assim será, a
única atitude inteligente quando a doença ataca, não é atacar
ainda mais o organismo com medicamentos, deixa-lo exausto com
alimentos complicados e pesados, mas libertá-lo de todos esses
encargos suplementares para o deixar com forças de reagir por si.
A 6ª – Para começar, o
melhor de tudo é um pequeno jejum. Ao contrário do que afirmam os
preconceitos de costumes retrógrados, o doente não deve ser
super-alimentado. É exactamente o contrário. Se der descanso
digestivo ao seu corpo, este ficará disponível para colocar todas
as energias e reservas no "combate à doença".
A 25ª- A mastigação
é um segredo base a que a frivolidade ocidental não liga
importância mas que se encontra na raiz das grandes alterações
possíveis através da macrobiótica Zen. Enquanto o doente não se
convencer da importância da MASTIGAÇÃO na sua cura, a eficácia
do regime encontra-se grandemente comprometida.
Ao insistir na MASTIGAÇÃO
(30 a 50 vezes cada garfada) a macrobiótica deveria ao mesmo tempo
frisar a ENSALIVAÇÃO. De facto, a importância desta primordial
operação alimentar, é dupla: primeiro, é com uma boa mastigação
que se assegura uma boa digestão, uma assimilação completa do
cereal e o seu máximo aproveitamento quer nutritivo quer
terapêutico; segundo, uma salivação abundante (a produção de
saliva, assim como o PALADAR, também se educa!) irá fornecer ao
processo digestivo a dose de ptialina necessária para se efectuar o
desdobramento das proteínas contidas no cereal e nos restantes
alimentos.
A 39ª - Tal como preconiza
Oshawa, o Jejum é sempre útil, em qualquer doença e mesmo que não
haja doença: é um repouso, uma pausa do organismo que o habilita a
recobrar forças e resistência às agressões do meio ambiente, à
contaminação do habitat. Mas fazer jejum, não é, para Oshawa,
passar fome. O jejum é para ele uma forma de fazer recuar a doença
e ajuda a curar outras.
Durante o jejum convém não despender esforços intelectuais nem físicos. Todas as energias do
corpo, normalmente utilizadas no trabalho da digestão, se
concentram para fazer frente à doença. Além disso, o jejum é um
princípio de desintoxicação. Mas a grandes descoberta de Oshawa é
que o doente poderá fazer o jejum continuando em actividade, se a
sua vida lhe não permitir que seja de outra maneira. Ideal seria
que descansasse, física e intelectualmente. Mas senão conseguir
esse ideal, nem por isso o jejum deixará de operar no processo de
retroagir a doença.» - «Quem ouve a voz do pequeno agricultor? As bestas do Apocalipse sabem muito bem que rédeas puxam e para que abismo cavalgam. A Deus, no entanto, prometeram que consigo haviam de arrastar os servos, os mansos, os justos, os inocentes, os que toda a vida esperaram na terra a terra da Redenção. As bestas do Apocalipse juraram corromper, de raiz, os solos, a água, o ar, o silêncio e a segurança - a Biosfera, em termos técnicos - antes de que a socialização dos bens fundamentais chegasse. Sabendo que o socialismo é irreversível e a marcha para a justiça imparável, o capitalismo só tem um caminho: suicidar-se. Mas jurou que havia de suicidar consigo a Terra. A Biosfera». Assim iniciava o seu livrinho Agro-Comunas: Alternativas para a sobrevivência no entusiasmo idealista dos meses a que se seguiram à revolução do 25 Abril de 1974, e que hoje em 2018 vemos bem, como ele aliás constatou, em que águas foi parar o socialismo português e a socialização em Portugal e como o neo-liberalismo capitalista tem arrasado meio mundo e sancionado, oprimido, destruído os poucos governos mais socialistas que se têm erguido. Mas continuemos com compreensões bem actuais e acertadas neste livro do Afonso Cautela: «A exploração familiar, o amor da terra compartilhado por pai, mãe e filhos, a célula base da resistência ecológica, comunitária e auto-gestionária, eis o inimigo nº 1, hostilizado por latifundiários, por intermediários parasitas, por partidos e ideologias, por todos quantos preconizam a grande dimensão quer capitalista quer socialista.» (...) «A minha convicção, fundamentada por muitos anos de estudo, alguns de experiência e muitos mais de amor às causas sem glória (desde essa causa inglória que foi a Planície, quinzenário de Moura) é de que a agricultura biológica, no contexto da estratégia ecológica, tem muito a dar ao pequeno agricultor para a sua independência económica, para a defesa dos seus interesses, para a sua integração mais vasta dos descolonizados e a descolonizar». O exemplo das agro-comunas em 1975 que havia em Portugal, Barão de S. João e o Deodato Santos, e a safra de arroz que a cooperativa Unimave conseguira nos terrenos de Almoster, e temos de convir que este aspecto em 2018, quando o Afonso Cautela deixa fisicamente a Terra, estava muito mais harmonizada por centenas de explorações ou quintas de agricultura biológica e até algumas agro-comunas. Por isto ele foi também um profeta da mudança, um elo da Tradição que ele tanto cultivou, quando escreve: «Perto de Lagos, numa freguesia com 700 habitantes, Deodato Santos tenta, há cerca de dois anos, uma experiência que no nosso país se pode considerar original mas que, temos fé, virá a constituir ponto de partida, paradigma e estímulo para outras experiências a desenvolver e a multiplicar nos anos futuros mais próximos».
Como último ensinamento-testamento, nesta homenagem e comunhão com o Afonso Cautela, leiamos a sua 52ª Indicação de Base, adaptando-a como sentirmos - CONSERVAR A ENERGIA:PRINCÍPIO ÚNICO DE TODA A CURA.
«Na cura pelo Princípio Único [da Ordem do Universo e que é o do equilibrar do Yin e do Yang, negativo e positivo] têm a máxima importância os mínimos pormenores. Seja qual for o caso, recomenda-se aos doentes:
- Que use pente de madeira. - Que use talheres de madeira. - Que não coma alimentos frigorificados (o frigorífico desmagnetiza). - Que não cozinhe alimentos em vasilhas de alumínio ou barro vidrado (barro não vidrado não tem inconvenientes). - Que só coma alimentos biológicos (com carga energética). - Que ensalive longamente e mastigue o maior número possível de vezes cada alimento que leve à boca. - Que não utilize farinhas (mesmo integrais) pois nas farinhas o grão já perdeu toda a concentração energética tendo-se pulverizado até ao infinito. - Que não perca a esperança na cura, porque se é da Energia Eterna e do Infinito que tudo provém e para onde tudo vai, se é do Princípio Único ou lei que tudo depende, a fé nesse princípio e nessa energia pode curar, pode mesmo mudar o destino de uma pessoa.»
Relembre-se que, graças à dedicação de José Carlos Marques através das suas Edições Sempre-Em-Pé, em Janeiro de 2011 foi dada à luz Campa Rasa e outros poemas, in-8º de 70 páginas, com dezanove poemas escritos de 1955 a 1970, um de 1990 e quinze de 2006. É sai em 2017, já nas Edições Afrontamento, o 1º volume da Poesia Reunida, 1953-2015, Lama e Alvorada, num in-4º de 562 páginas, na sua quase totalidade de poemas dispersos e inéditos dos anos 50 e 60, e apenas três de 1970, dois de 1971, um de 1988 e um de 1990, estes dois últimos excelentes de luz. De grande fôlego e intensidade destacam-se, entre 1964 e 1965, numa linha de Walt Whitman, as Telecomunicações (em que o glosa), Os Navegadores e a Carta a Evtutchenko. Observamos que quantitativamente, entre 1970 e 2006, Afonso Cautela, pressionado pelos problemas, dramas e desafios ecológicos e de vida natural e espiritual, e empenhado na sua investigação, divulgação e resolução, diminui a sua escrita poética, de aspiração, de crítica lúcida, de rebeldia e luta, de ironia, de surrealismo, de amor, de pacifismo, de utopia, que contudo ressurgindo num jacto no ano de 2006 com uma poesia de mais nítida maturidade e decantação sábia, pluridimensional e espiritual, e que se encontra na Campa Rasa e outros poemas.
As obras foram beneditinamente organizadas e bem apresentadas por José Carlos Marques, seu leitor admirador desde 1960 e amigo, e companheiro das mesmas batalhas, desde 1970. Relembre-se que desde Janeiro de 2024 o Volume II já foi publicado e temos assim neste acesso aos poemas inéditos de adolescência, aos publicados em livros em 1960 e 1961, os da Campa Rasa, e outros. Boas leituras! Comunhões luminosas com o génio ou espírito de Afonso Cautela!
Contracapa da Lama e Alvorada. Volume I, soneto V, quando Afonso era menino de 14 anos.
Muitas graças, Manuela, pela apreciação dos momentos finais do diálogo nosso com o Afonso. A leitura do Emanuel Câmara, embargada mesmo a voz, e a minha muito espontane e inesperada, com a própria gravação do vídeo a calar os minutos finais, que ficaram assim entre as almas, ele e a Divindade íntima que todos demandamos..
Tive o privilégio de conhecer e conviver com esta personalidade singular, um Homem com um H enorme. Nada é demais para lembrar e exaltar este espírito exemplar!
Parabens. Foi um pioneiro da procura da verdade em temas controversos e actuais, com alma muito independente e corajosa e deixando boas memòrias nos que o conheram e valiosas mensagens nos que o leem.. prepara.se um In meemoriam e se quiser partilhar algo será bem vindo. Cumprimentos cordiais.
Excelente, caro amigo. O Afonso foi e é um espirito muito luminoso, embora agora fora do corpo físico, e certamente o voltaremos encontrar. Esperemos que avance um livro de homenagem a ele, como o José Carlos Marques pensa coordenar, de modo a que as suas sementes luminosas continuem a germinar, a pendular, a radiar...
Belíssima biografia de uma personagem fascinante, das várias que Portugal tem tido, mas às quais não dá o devido valor. Daí a importância desta homenagem, escrita brilhantemente por outra personagem fascinante, para dar continuidade aos círculos virtuosos da Energia e da Luz...
Graças muitas, José Francisco, pois inegavelmente o Afonso Cautela foi um valioso jornalista, ecologista, ensaísta e poeta. Quanto à parte final já exageras simpaticamente, embora de facto todos sejamos elos da Tradição luminosa portuguesa. Lux.
7 comentários:
Pedro,
muito obrigada pela emotiva homenagem.
Abraço amigo,
Manuela Morais
Muitas graças, Manuela, pela apreciação dos momentos finais do diálogo nosso com o Afonso. A leitura do Emanuel Câmara, embargada mesmo a voz, e a minha muito espontane e inesperada, com a própria gravação do vídeo a calar os minutos finais, que ficaram assim entre as almas, ele e a Divindade íntima que todos demandamos..
Tive o privilégio de conhecer e conviver com esta personalidade singular, um Homem com um H enorme. Nada é demais para lembrar e exaltar este espírito exemplar!
Parabens. Foi um pioneiro da procura da verdade em temas controversos e actuais, com alma muito independente e corajosa e deixando boas memòrias nos que o conheram e valiosas mensagens nos que o leem.. prepara.se um In meemoriam e se quiser partilhar algo será bem vindo. Cumprimentos cordiais.
Excelente, caro amigo. O Afonso foi e é um espirito muito luminoso, embora agora fora do corpo físico, e certamente o voltaremos encontrar. Esperemos que avance um livro de homenagem a ele, como o José Carlos Marques pensa coordenar, de modo a que as suas sementes luminosas continuem a germinar, a pendular, a radiar...
Belíssima biografia de uma personagem fascinante, das várias que Portugal tem tido, mas às quais não dá o devido valor. Daí a importância desta homenagem, escrita brilhantemente por outra personagem fascinante, para dar continuidade aos círculos virtuosos da Energia e da Luz...
Graças muitas, José Francisco, pois inegavelmente o Afonso Cautela foi um valioso jornalista, ecologista, ensaísta e poeta. Quanto à parte final já exageras simpaticamente, embora de facto todos sejamos elos da Tradição luminosa portuguesa. Lux.
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