O Amor em Inês e Pedro, "Amare": inauguração da exposição de pintura de Maria de Fátima Silva, em 8 de Julho de 2018, no Museu do Vinho em Alcobaça, realizada pela vereadora da Cultura, Educação e Turismo de Alcobaça, Dra. Inês Maria Lopes Silva e pelo director do Museu de Vinho Alberto Guerreiro, com palavras ainda da Maria de Fátima Silva e algumas minhas.
O director do Museu de Vinho, Alberto Guerreiro. |
Do texto que escrevi para a magnífica exposição, num local tão adequado para uma
comemoração de musas e vates do Vinho do Amor imortal, não longe de onde
os maravilhosos túmulos esculpidos de Inês e de Pedro se encontram para contemplação
nossa, seguem-se algumas partes:
«O
Amor de Inês e de Pedro, no século XIV, foi tão intenso, mas
também tão trágico, que se tornou lendário, imortalizou-se,
evoluiu para um mito sempre presente e fundador de maior consciência
do valor do amor espontâneo, livre, pleno e que, apesar dos perigos
mortais que frequentemente o ameaçam, é perene, imortal.
Um
mito verídico e dinâmico, não baseado apenas em especulações e
imaginações mas fundado na realidade, testemunhado na vida e
ampliado ao longo dos séculos por todos, nacionais e
estrangeiros, e foram muitos, os que se deixaram comover, inspirar e
tocar por tal sintonia, entrega e vivência de amor e paixão, acima
das convencionalidades e pseudo-razões que se opõem à união livre
dos seres que se atraem e ressoam, dedicam e amam.
Esta
história amorosa, tornada legendária e perene pela literatura e a arte, continua a fecundar-nos e não podemos
deixar de congratular-nos pelo seu arquetipismo operativo, já que,
apesar do longo tempo decorrido de oito séculos, estes dois seres
ainda estão tão vivos no imaginário e na alma dos portugueses que
podem surgir a qualquer momento recriações da sua vida, amor e
paixão.
A
Maria de Fátima Silva, muito dada à investigação e ao culto da
memória histórica, mítica e espiritual dos locais, tendo
recentemente realizado algumas exposições consagradas à Atlântida
e ao Portugal megalítico, teve a varinha de condão de sentir na
floresta imaginal portuguesa a necessidade de mais uma vez vir ao de
cima este veio do Amor que ultrapassa as razões sociais, os ditames
convencionais e assume a sua chama de conflagração libertadora e
unificadora, tão valiosa face à massificação consumista e
superficializante que acinzenta ou oprime as pessoas nas sociedades
modernas, pouco espaço ou valor dando ao amor, à poesia, à
liberdade, à Unidade».
«A
vida, amor e a morte destes dois apaixonados, para além do seu
registo em crónicas e em poemas, adquiriu cedo nos túmulos uma
materialidade artística tão radiosa e impressionante, nomeadamente
ao serem erguidos no ambiente de um estilo gótico tão austero como
o da igreja da abadia de Alcobaça, que facilitou eles serem
agradavelmente admirados, contemplados e assimilados pela
sensibilidade anímica de qualquer época e pessoa.
A
Maria de Fátima Silva aproximou-se deste mito fundamental de
Portugal com o triplo trabalho do artista, pois não só pôs as
mãos, os pincéis e a paleta das cores em acção mas foi tanto
lendo e meditando muitas das valiosas obras, crónicas e dramas,
poemas e ensaios, dedicadas ao amor de Inês e de Pedro, como também
visitando locais associados à vida e e peregrinação inesiana, na
busca de se impregnar mais dos eflúvios ou inspirações que ainda
hoje se transmitem a quem souber sintonizar e sentir.»
Durante as explicações na visita guiada quadro a quadro, com diálogos valiosos comigo e com outros participantes, Maria de Fátima Silva partilhou muito da sua sensibilidade e simbologia, bem inserida na Tradição Espiritual Portuguesa que por mais de uma vez invocou, e da qual tantos vates prestaram a Inês e a Pedro o seu preito ou abertura do peito, tal como por exemplo, um dos seus mais ilustres vates, Bocage, cantou:
«Da triste, bela Inês inda os clamores// Andas, Eco choroso, repetindo;//Inda aos piedosos Céus andas pedindo// Justiça contra os ímpios matadores.
«Ouvem-se ainda na Fonte dos Amores//De quando em quando, as náiades carpindo;// E o Mondego, no caso reflectindo,// Rompe irado a barreira, alaga as flores.
«Inda altos hinos o Universo entoa// A Pedro, que da morte formosura/ Convosco, Amores, ao sepulcro voa.
«Ouvem-se ainda na Fonte dos Amores//De quando em quando, as náiades carpindo;// E o Mondego, no caso reflectindo,// Rompe irado a barreira, alaga as flores.
«Inda altos hinos o Universo entoa// A Pedro, que da morte formosura/ Convosco, Amores, ao sepulcro voa.
«Milagre de beleza e da ternura!// Abre, desce, olhe, geme, abraça e c'roa//A malfadada Inês na sepultura».
Ora
é na monumental e poderosa Real Abadia de S. Maria de Alcobaça, no
transepto da sua Igreja, que encontramos o testemunho mais
imortalizante: os túmulos magistralmente esculpidos em pedra
calcárea, e que mais do que servirem para darem guarida aos ossos e
serem uma memória, são antes maravilhosas chamas historicizadas
celebrando e invocando um amor que, embora fisicamente truncado na
Terra, animico-espiritualmente viverá «até ao fim do mundo», tal
como o justiceiro rei D. Pedro I (1320-1367) pediu ao escultor para gravar na
cabeceira do seu túmulo jacente, e certamente numa encomenda tanto
transmitida como esculpida com muita carga psíquica, pathos,
já após a feitura do túmulo da sua amada e mulher Inês de Castro (1325/7-I-1355).
«Estes
dois túmulos góticos, nos quais um mestre provavelmente de Coimbra,
e quase que num estilo de miniaturas iluminadas de Livro de Horas, ou
hoje de banda desenhada, esculpiu magistralmente (embora mutilados em
algumas partes pelos invasores franceses) nas edículas cenas da vida
e morte de Inês e de Pedro, e de passos da vida de Jesus e da
tradição cristã, estando as esculturas em tamanho natural
acompanhadas de Anjos, serão a fonte mais consultada ou inspiradora
da forte pintura, histórica e cromaticamente, psicológica e
espiritualmente, de Maria Fátima, a qual certamente ao longo dos
dois anos do trabalho criativo de trazer o potencial à tela e nos
seus sonhos e devaneios, pensamentos e meditações, comungou com o
mundo histórico e trágico, amoroso e divino de Pedro e Inês e,
quem sabe, com as suas almas espirituais, agora livres de todos ou
muitos dos constrangimentos.
Poderemos
talvez dizer que a bela e doce Inês é erguida, tanto pela cultura
portuguesa como sobretudo pela pintura de Fátima, a um ser crístico,
um ser ungido de amor, um ser sacrificado e martirizado, mas para que
amor desabroche imparavelmente, perenemente.
É
um Cristo (um ser ungido) feminino português, amparado pelos Anjos,
abraçado pelo marido e cuidando das suas crianças que contemplamos.»
«A
pintura de Maria de Fátima Silva, ainda que com muitos laivos de amor
cortês ou de religiosidade gótica e angélica, está carregada de
tal intensidade amorosa, que se torna carnal, musculada, de mãos,
pés, seios, cabelos, sorrisos e ora em fusão amorosa ora em pieta
de compaixão, e surge para a nossa contemplação apoiada nas
geometrias e rosáceas góticas da época que ela soube sentir e
recolher, recriando os ambientes do mundo histórico e da natureza
que os envolveram, com destaque para as aves, e imaginando ainda a
graça da companhia dos Anjos no mundo psico-espiritual a que eles
têm acesso, qual ilha do Amor intuída por Camões nos Lusíadas».
«É no túmulo de D. Pedro que as delícias do amor conjugal e o trágico assassinato de Inês são representados, assumindo D. Pedro o papel tanto de amoroso, como de queixoso e justiceiro, embora em ambos os túmulos jacentes estejam representados com as feições serenas, belas e apoiados pelos Anjos.
Muito disto ecoa nas pinturas da Fátima, por vezes trazendo Inês e Pedro para os nossos dias, tanto mais que a capacidade de ultrapassar os limites da linearidade do tempo é bem visível na sua obra, como que tendo acesso ao campo unificado de energia consciência e informação ou, pelo menos, tentando intuir e penetrar os mistérios que a História sempre deixa nele.
O monumento magistral gótico tumular é interpelante, fracturante, no seu apelo e afirmação do Amor sacralizado e eterno acima das conveniências sociais, e a sua recriação artística ou pedagógica pode ser bem poderosa para despertar mais o amor em nós, a nossa vontade de sermos mais verdadeiros, sinceros e intensos nos breves momentos que a Roda da Fortuna acompanha a da Vida...
Assim a pintura de Maria Fátima da Silva está carregada dessa intensidade do amor, do pathos, da paixão nos dois sentidos que aconteceram, o feliz e o trágico, e, simultaneamente, da ressonância ou acompanhamento dos mundos espirituais e angélicos nos passos de amor e de dor e desencarnação, e logo reunião e ressurreição em corpo psico-espiritual.»
Muito disto ecoa nas pinturas da Fátima, por vezes trazendo Inês e Pedro para os nossos dias, tanto mais que a capacidade de ultrapassar os limites da linearidade do tempo é bem visível na sua obra, como que tendo acesso ao campo unificado de energia consciência e informação ou, pelo menos, tentando intuir e penetrar os mistérios que a História sempre deixa nele.
O monumento magistral gótico tumular é interpelante, fracturante, no seu apelo e afirmação do Amor sacralizado e eterno acima das conveniências sociais, e a sua recriação artística ou pedagógica pode ser bem poderosa para despertar mais o amor em nós, a nossa vontade de sermos mais verdadeiros, sinceros e intensos nos breves momentos que a Roda da Fortuna acompanha a da Vida...
Assim a pintura de Maria Fátima da Silva está carregada dessa intensidade do amor, do pathos, da paixão nos dois sentidos que aconteceram, o feliz e o trágico, e, simultaneamente, da ressonância ou acompanhamento dos mundos espirituais e angélicos nos passos de amor e de dor e desencarnação, e logo reunião e ressurreição em corpo psico-espiritual.»
«O realizar-se esta exposição e recriação do mítico amor de Inês e de Pedro, em Alcobaça, junto ao local onde se depositaram os seus corpos e onde algo deles é mantido, ou mesmo intensificado ocasionalmente, ao longo dos séculos, permite-nos auspiciar a esta exposição um carácter quase mágico, de ressurreição, de boa nova ou evangelho, anúncio do amor eterno ou perene que vence todos os obstáculos e limitações e nos chama a sermos verdadeiros e sinceros na entrega total ao amado ou à amada, de corpo, alma e espírito, e procurando verdadeiramente atingir a unidade e nela recebermos a bênção divina, a desvendação da nossa ligação espiritual, e que Inês e Pedro conseguiram certamente tocar e entrar e, através desta bela e intensa arte impregnada do amor, janela entre os mundos, partilhar».
«Poderemos
então dizer que esta exposição Amare é uma recriação
perenizadora do Amor, na melhor tradição dos Fiéis do Amor de
Portugal, na qual Inês e Pedro, D. Dinis e Isabel, o Infante D.
Pedro das Sete partidas, Damião de Goes, Camões, Jorge Ferreira do
Vasconcelos, Fernão Mendes Pinto, Bocage, Antero, Wenceslau de
Moraes, Florbela Espanca, Leonardo Coimbra, entre outros, se
inseriram, testemunhando tal qualidade na busca e vivência do amor e
da justiça, da unidade e da Divindade.
Possa esta exposição Amare ser uma bênção para as forças do Amor em Portugal, e de Portugal para o Multi-universo, e possa a comunhão dos e das Fiéis do Amor, o corpo místico da Humanidade e dos amantes, concretizar-se, tornar-se mais perceptível no nosso coração e consciência íntima e aí como chama de Amor divino desabrochar e ser mais sentida e contemplada, cultivada e partilhada...», como aliás na própria inauguração foi acontecendo em algumas pessoas...
«Possa esta exposição, inaugurada no Verão ardente de 2018, ser verdadeiramente uma comunhão no Graal de Portugal, tal como Maria de Fátima da Silva nas suas palavras introdutórias apela, e que no coração de cada um de nós, e no coração de Portugal e do seu Arcanjo, a chama do Amor seja intensificada e desvendada e que todos os que a virem em peregrinação de estudo histórico ou artístico, pedagógico ou contemplativo do Amor, tão manifestado por Inês e Pedro, sejam por Ele inspirados e fortalecidos.»
Possa esta exposição Amare ser uma bênção para as forças do Amor em Portugal, e de Portugal para o Multi-universo, e possa a comunhão dos e das Fiéis do Amor, o corpo místico da Humanidade e dos amantes, concretizar-se, tornar-se mais perceptível no nosso coração e consciência íntima e aí como chama de Amor divino desabrochar e ser mais sentida e contemplada, cultivada e partilhada...», como aliás na própria inauguração foi acontecendo em algumas pessoas...
O Nuno, marido da Fátima, e o monge budista Dhammiko, com quem eu seguia para uma peregrinação no Gerês. |
«Possa esta exposição, inaugurada no Verão ardente de 2018, ser verdadeiramente uma comunhão no Graal de Portugal, tal como Maria de Fátima da Silva nas suas palavras introdutórias apela, e que no coração de cada um de nós, e no coração de Portugal e do seu Arcanjo, a chama do Amor seja intensificada e desvendada e que todos os que a virem em peregrinação de estudo histórico ou artístico, pedagógico ou contemplativo do Amor, tão manifestado por Inês e Pedro, sejam por Ele inspirados e fortalecidos.»
Quais cachos de uvas do vinho do Amor humano-divino imortal, glícinias violetas na sebe da casa das musas de Alcobaça que acolheu o Amare de Inês e Pedro. |
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