sábado, 21 de julho de 2018

Abenházan, de Córdova, os Anjos e o Arcanjo (ou enviado) Gabriel, e o Paraíso, com as Huries.

Abu Muhammad `Ali ibn Ahmad ibn Sa`id ibn Hazm ou, ocidentalmente, Abenházan, ou ainda Ibn Hazm, foi um escritor, pedagogo, historiador, filósofo, poeta e teólogo  que nasceu em Córdoba em 994 e morreu em 1064, em Huelva. A sua obra mais conhecida e apreciada é o Colar da Pomba, já que trata ou se aproxima da riqueza do fogo do Amor, em linhas neo-platónicas, havendo tradução bem comentada em espanhol.
O notável islamólogo (1871-1944) Miguel Asín Palacios (as iniciais MAP, no texto, sendo as minhas explicações ou questões, com a sigla PTM) publicou a obra  Abenházan de Córdoba y su Historia Crítica de las Ideas Religiosas, em 5 volumes, o primeiro contendo a biografia dele e os quatro seguintes a tradução do Kitab al-Fisal fi al-milal wa-al-ahwa',  Livro da Separação acerca das Religiões, Heresias e Seitas.
Ora do quarto volume, comprado hoje solto. na feira alfarrabista da rua Anchieta. ao amigo Júlio Carreira, da livraria antiquária, hoje ambulante, Arquimedes, retirei um extracto  interessante sobre os Anjos e o "arcanjo" Gabriel, que transcrevi e que merecerá alguma cogitação (e PTM assinalará um comentário meu), pois Abenházan comenta algumas passagens significativas do Alcorão respeitantes aos Anjos e também as três escassas menções a Gabriel e Miguel, que misteriosamente são apresentados como que pertencendo a um nível superior aos Anjos, e aos enviados ou profetas, algo que esperamos um dia poder aprofundar mais e partilhar...
Das quatro atribuições angélicas, segundo Abenházan, destacaremos a de «comunicar aos profetas a revelação da sua missão divina», no sentido que os Anjos podem-nos inspirar quando  pedimos em oração mais claridade sobre a nossa missão ou, como dizem os indianos, swadharma
Capítulo 7. Polémica acerca da religiosidade dos Anjos, as Huris e os donzéis que serão criados na vida futura. Pecam por caso os Anjos ou não?
Deus afirma textualmente que os anjos obedecem-lhe religiosamente, pois de eles se diz: "E executam o que se lhes manda". (Alcorão, 26:52).
Também assegura textualmente que Ele ordenou-lhes prostrarem-se para adorar a Adão, e disse (21:26,27): Afirmam [os Cristãos, MAP] que o Misericordioso teve filhos [quer dizer que os Anjos são seus filhos, MAP]. Glorificado seja! Antes pelo contrário, eles não são mais que servidores seus, dignos de honra, que jamais se adiantam a falar-lhe, mas que executam as suas ordens.
E mais adiante acrescenta (21:30): «E a quem de eles disser: Eu sou um Deus aparte de Deus, dar-lhe-mos por recompensa a gehena [ardência dolorosa purgatorial infernal. PTM]. Assim é como recompensamos os malvados».
Noutro lugar diz (16:51): "Ante Deus se prostra tudo o que há nos céus e na terra, tanto os animais como os Anjos; eles não se deixam dominar pelo orgulho; temem ao seu Senhor, que está sobre eles, e fazem quanto lhes ordena".
Textualmente, Deus afirma que os Anjos são seres capazes de receber preceitos e proibições, ameaças, honras e promessas de alcançarem o carisma divino por toda a eternidade; que a eles confiou  o encargo de registarem por escrito as acções dos seres humanos, separarem as almas dos seus corpos no momento da morte, comunicarem aos profetas a revelação da sua missão divina, levar [será realizar ou apenas inspirar? PTM] a gerência de tudo o que há no mundo superior e inferior, etc, tal como o seu Criador o conhece na sua eterna sabedoria.
 Noutro lugar diz (81-19/21): "O Alcorão é a palavra do Enviado ilustre, dotado de força aos olhos do Senhor do trono, firme, obedecido e além disso fiel".
Aqui refere Deus que Gabriel é obedecido nos céus e que é além disso fiel. Logo resulta que ali [nos céus, MAP] existem ordens e preceitos, governos, encargos que se confiam, obediência e graus hierárquicos. [Algo de que se sabe pouco e do qual mesmo as nove hierarquias angélicas do Cristianismo são uma construção sobretudo intelectual, PTM]
Por outro lado, Deus afirma também textualmente que os Anjos estão todos preservados de pecado, pois diz (21:27)  "que são servidores seus, dignos dignos de honra, que jamais se adiantam a falar-lhe, mas que executam as suas ordens". E noutro lugar (7:205), acrescenta: "E junto a ele não se desdenham por orgulho de servir-lhe, nem se cansam de louvá-lo sem cessar noite e dia"
Assim também diz (41:38): "Os que estão junto a Ele louvam-no noite e dia e não se cansam." De modo que Deus assegura taxativamente que todos eles o servem incansavelmente, louvam e obedecem, sem cessar nisso nem um só momento.
Ora bem, isto implica a graça auxiliadora de Deus que jamais deixa de existir, e exige ainda por força que os anjos encontrem nele o seu bem estar e se sintam honrados e cheios do favor divino em tal estado e deleite que experienciam por ele, [ou vivenciam nele, PTM]. 
 Textualmente também afirma Deus que os Anjos estão todos isentos de pecado, e que a respeito deles se realiza com toda a verdade a amizade do seu Senhor, por eternidade de eternidade sem fim; assim diz (2:98): O que seja inimigo de Deus, de seus Anjos, de seus enviados, de Gabriel e de Miguel, então também Deus é inimigo dos infiéis [ou descrentes, PTM]". De modo que Deus "excomunga" [ou afasta, ou ignora, ou fica inacessível, PTM]  a quem se faz inimigo deles.»
Acrescentamos ainda o resumo das três considerações que Abenházan faz, para finalizar o 7º capítulo, já na forma de objecções e respostas, afirma que os Anjos não se rebelam contra Deus, que estão sujeitos tanto a preceitos positivos como a proibições, e que são sobretudo os profetas que os conseguem ver. 
Por fim, refere as «Huries, as mulheres honradas, criadas por Deus no Paraíso para os amigos de Deus, dotadas de inteligência e razão discursiva, e obedientes a Deus na vida feliz em que são criadas, na qual eternamente e sem fim há-de viver, sem ofendê-lo jamais, pois o paraíso para todos quanto entram nele, não é uma mansão de pecado. Por isso os habitantes do paraíso não pecam jamais nele, pois vivem em felicidade eterna, consagrados a louvar a Deus, a tê-lo presente na memória, e, em certas alturas a deleitarem-se com manjares, bebidas, vestidos e prazeres sexuais, que nenhum dos muçulmanos discute, porque o Alcorão os consigna». Muito interessante esta descrição dos níveis subtis já elevados, paradisíacos, realizada por um homem do Al-Andaluz do séc. XI.
Quanto aos wildán, que servem no Paraíso os bem-aventurados, «os donzéis, eternamente jovens, são os filhos dos seres humanos que morreram antes da idade da razão.
Também os jinns, ou génios, ou espíritos da natureza que acreditam («ou ouvem a direcção correcta», já que «o Profeta foi enviado por Deus para revelar-lhes a religião do Islão», têm lugar no mítico e tão subtil Paraíso (73:13), com uma imagem diagramática do qual terminamos o texto. Lembramos ainda a vasta obra de Miguel Asín Palacios que fez um excelente trabalho sobre a influência do Islão, nomeadamente de Ibn Masarra e de Ibn Arabi, na visão do Paraíso de Dante, La Escatologia Mussulmana en la Divina Comédia, 4ª edição em 1984, nas boas Ediciones Hisperion; embora, em verdade, ainda se sabe relativamente pouco com segurança sobre os múltiplos níveis ou estados de ser e de vida subtil e espiritual por onde peregrinamos rumo à realização ou religação Divina...

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