quinta-feira, 10 de maio de 2018

Rabindranath Tagore, "Stray Birds", "Aves Vadias", tradução e paráfrase de Pedro Teixeira da Mota.

 Rabindranath Tagore, em Stray Birds, Aves Vadias, dada à luz em 1916, já depois de ter recebido o prémio Nobel de Literatura em 1913, oferece-nos um ramalhete de frases poéticas e espirituais condensadas, maduras (completara os 57 anos), valiosas, das quais escolhi algumas, traduzindo-as da edição inglesa antiga. E entre chavetas, a seguir às traduções, encontra  comentários, ou seja, como é que parafraseei o seu ensinamento poético-espiritual.
 Já estavam em gestação estas Aves Vadias no artigo de homenagem ao seu aniversário  http://pedroteixeiradamota.blogspot.pt/2017/05/156-aniversario-de-rabindranath-tagore.html, e retirei-as de lá, completei-as (a numeração corresponde à edição original), juntei-lhe as pinturas dos últimos dezassete anos de Tagore (uma vocação de pôr-do-sol mas fecunda: mais de 2500 obras, com uma exposição internacional em Paris em 1930), e autonomizei-as para que voem primaverilmente com a alma de Rabindra e a nossa, inspirando-nos, soprando também nossas asas multicoloridamente, divinamente.
          

3. O mundo tira a sua máscara de vastidão para o seu amante. Torna-se pequeno como uma canção, como um beijo do Eterno. 
 [Ama mais a Natureza, diminui o teu ego e ela envolver-te-á amorosamente.]

6. Se derramas lágrimas então perdes o sol, e perdes também as estrelas.
 [Luta para vencer as tristezas, desilusões e medos, e para que o Sol do Divino Amor chegue até ti, ou irradie através de ti.]
                                     
 18. O que tu és não vês, o que vês é a tua sombra.
[Desconhecemos muito ainda da nossa dimensão psico- espiritual.]

25. O ser humano é uma criança recém-nascida, o seu poder é o poder crescer.
[Não te satisfaças, nem te limites, e aspira sempre a desabrochares mais.]

28. Ó Beleza, encontra-te a ti própria no Amor, não no espelho lisonjeador.
[Sê mais activo e irradiante de Amor e a tua beleza natural e verdadeira brilhará.]

35. A ave deseja ser uma nuvem. A nuvem deseja ser uma ave.  
 [Aceita melhor a forma de consciência e de vida em que estás e com ela participa no grande jogo cósmico (lila), soprando bem nas tuas asas ou aspirações.]
 38. Mulher, quando te moves no serviço da casa os teus membros cantam como um regato montanhoso entre as suas pedras.
[Deixa-me dizer-te, amada, nas  lides domésticas não te deixes prender pela rotina ou a frustração mas encontra criatividade e habilidade, fluidez e canto alegre.]

41. As árvores, como as aspirações da terra, estão em bicos de pé para espreitar o céu.
[Eleva-te em aspirações e realizações espirituais, universais, divinas, comungando, flutuando ou nadando no oceano e céu azul da Unidade.] 

43. O peixe na água está silencioso, o animal na terra é barulhento, o pássaro no ar está cantar. Mas o ser humano tem em si a capacidade do silêncio do mar, o barulho da terra e a música do ar.
[O ser humano tanto pode degradar-se como elevar-se a ser um epítome da natureza inteira, unindo ecologica e harmoniosamente todos os reinos e elementos, tal como afirmou Pico della Miranda, na sua famosa Oratio.]

46. God finds himself by creating. A Divindade descobre-se ao criar, ou por criar.
[Sê um criador, exerce o poder divino de uma ou outra forma, participa na Criação historicamente, dharmicamente]
***
51. O teu ídolo é destroçado em pó para provar que o pó de Deus é maior que o teu ídolo.
[Não cries ídolos terrenos, a natureza imperfeita ou perecível virá ao de cima. Valoriza e ama mais a Divindade, em si, em ti e nos outros.] 
                            
56. A vida é-nos dada, e nós merecemo-la ao dá-la. 
[Saibamos dar-nos, sacrificar-nos, dedicar-nos, pois assim a Grande Vida mais passará por nós.]

61. Bebe o meu vinho, no meu próprio cálice. Ele perde a grinalda de espuma quando derramado no de outros.
[O cálice do amor do amado ou amada deve sentir-se no  coração psico-espiritual e aí comungar-se em  entrega e recebimento recíproco e íntimo de consciências unidas. E há também nesta ave vadia ou livre um apelo à criatividade própria e à intimidade mais plena com o espírito e a Divindade.]

73. A castidade é uma riqueza resultante da abundância de amor. 
[Se estamos mais em amor, conseguimos estar menos frustrados e,  ora satisfeitos ora sublimados, gerando criatividade e alegria, em constância e fidelidade.]

143. Mulher, com a graça dos teus dedos tocaste as minhas coisas e a ordem brotou como uma música.
[Encontrarmos o ser cuja aura e toque nos harmoniza como harpa é uma graça divina.]

174. As nuvens enchem as taças de água do rio, escondendo-se a si mesmas nos montes distantes.
[Embora longe ou separadas, as nuvens dos nossos afectos preservados podem regar os campos ou engrossar os rios das nossas almas.]

185. Eu sou a nuvem outonal, esvaziada de chuva; vê a minha plenitude no campo de arroz maduro.
[Sabermos dar-nos adequadamente é certeza da felicidade do dever cumprido ou da graça do amor partilhado.]

220. Faz de mim o teu cálice e que a minha plenitude seja para ti e para os teus.
[Eis uma plena e, logo, bela dedicação seja a Deus, seja à amada ou ao amado.]

227. O movimento da vida tem o seu descanso na sua própria música.
[Sabe manteres-te consciente da dimensão subtil, musical, dos teus trabalhos e ritmos.]

242. Esta vida é o atravessar o mar, onde nos encontramos no mesmo acanhado barco. Na morte atingimos a outra margem e vamos para mundos diferentes.
[Será assim para todos, ou desejamos sempre encontrar alguns companheiros para a viagem ou mesmo para vida no além? Penso que sim, o amor e  a afinidade interior aproximar-nos-á, juntar-nos-á com alguns seres.]

245. O canto do pássaro é o eco da luz da manhã vinda da terra.
[A osmose entre cada ser da natureza e os múltiplos aspectos e energias dela deve-nos desafiar a sabermos também gerar os melhores cantos, actos e sonhos, comungando das melhores vibrações, luzes e intenções do Universo.]

248. O ser humano é pior que um animal quando é um animal.
[O ódio e a crueldade não existem no reino animal e rebaixam portanto abaixo dele o ser humano que os vivencia, nutre e em especial os causa pela sua insensibilidade e violência.] 

249. Nuvens escuras tornam-se flores do céu quando beijadas pela luz.
[Se verdadeiramente beijamos alguém esse ser é transmutado, harmonizado, iluminado, transfigurado. E assim também as nuvens podem ser tocadas e transformadas em anjos e arco-íris.]

251. O silêncio da noite, tal como uma lamparina profunda, está a arder com a luz da Via Láctea.
[Noites ardentes e silenciosas, geram se aprofundadas nas suas interelações no campo unificado de energia e consciência tanto belas comunhões com os mundos distantes como a unificação interior do som silencioso e da luz subtil.]

262. As folhas trémulas desta árvore tocaram o meu coração como os dedos de uma criança.
[O tacto sensível e amoroso transfigura os corpos e almas. Para a alma sensível e pura, para o coração aberto, a natureza é fonte de maravilhosas sensações, percepções e intuições.]

272. Cheguei à tua margem como um estrangeiro, vivi na tua casa como um convidado, deixo a tua porta como um amigo, minha terra.
[Sem ter de voltar, grato e pleno amor de perene. Graças muitas te dou pelo que me ensinaste a amar ò terra, ò ser amado, ò humanidade, ò Divindade.]
273. Que os meus pensamentos cheguem até ti, quando eu me for, como os reflexos luminoso do pôr do sol na margem do silêncio estelar.
[Assim também os mestres transmitiam os seus mantras ou sons sagrados em iniciações que eram meios de conservar a comunhão para além das barreiras das distancias da vida e da morte. Possamos nós passar algo de valioso aos outros ou ao Cosmos e comungarmos nos sons e palavras, cantos e músicas.]
 276. O dia de trabalho está realizado. Esconde a minha face nos teus braços, Mãe. Deixa-me sonhar.
[Bem raro o ser que consegue sonhar nos braços da Mãe Terra ou da Mãe Divina. Para chegarmos a adormecer nos seus braços, ou mão, como desejou Antero de Quental pelo menos no seu famoso soneto, quanta oração não lhe devemos fazer?]

277. A lamparina do encontro arde longamente; apaga-se todavia num instante no momento da separação.
[Alguns de nós conseguem manter o ardor do amor encontrado mesmo separados. Infelizes os que subitamente apagam a chama do amor recíproco tão longamente preparado].
278. Uma palavra, ó Mundo, conserva para mim no teu silêncio, quando eu morrer: «Eu amei.»
[Que ligações, que transfigurações, que realizações flamejantes ou humildes continuarão a ressoar na terra após a nossa partida? E que ecos serão como que braços abertos para nós no Cosmos? Que o fogo do Amor divino arda bem em nós.]

284. O amor é a vida na sua plenitude, como a taça com o seu vinho.
[Um fiel do Amor está sempre a gerar no seu corpo e alma o suco do amor luminoso.]

285. Eles acendem as suas próprias lamparinas e cantam as suas próprias palavras no seus templos. As aves, porém, cantam o Teu nome na tua própria luz matinal, - pois o teu nome é alegria (joy, ananda).
[Sabermos discernir qual é a acção, pensamento e sentimentos justos e beatificantes, que brotam do coração mais profundo, é a arte real da harmonia e é por ela que nos unimos ao mundo  e ao ser Divino.]
286. Conduz-me ao centro do teu silêncio para encher o meu coração de canções.
[Possa eu entrar no silencio profundo, na intimidade máxima de mim mesmo e aí me inspirar e encher, descobrir-te e adorar-te.]
287. «Que eles vivam, os que o escolhem, no seu próprio mundo de fogos de artifício assobiantes. O meu coração aspira às tuas estrelas, meu Deus».
[Felizes os que sabem não se perder nas aparências e egoísmos ilusórios e aspiram às estrelas e ao Sol Divino, com perseverança.]
 291. I have seen thee before in the light of the earth, in the love of man...  
Vi-te antes na luz da terra, no amor humano. Um dia cantarei para ti no nascer do sol de algum outro mundo. 
[Grande graça quando, vendo alguém pela primeira vez, intuímos que já a conhecêramos, ou que a víramos na luz e no amor divinos.]
292. Nuvens vêm de outras vidas flutuando até à minha vida já não para derramar a chuva ou desencadear tempestade mas para dar cor à atmosfera do meu pôr do sol.  [Intuições de energias e relações vindas de um passado imemorial passam por nós, mas sabiamente as acolhemos levemente.]
297. A doçura do teu nome enche o meu coração quando eu esqueço o meu - tal como o teu sol matinal quando a névoa se vai dissipando. [ Teu nome é em minha alma uma fonte de amor, seja quando me dedico plenamente a ti seja se afligido só esteja.]
301. Deixa-me sentir este mundo como o teu amor tomando forma, então o meu amor ajudá-lo-á.
[Todos nós somos chamados a fazer aumentar o amor e a felicidade na vida e a diminuir o sofrimento e a ignorância dos outros e nossa. Se o fizermos como aliados ou amigos de Deus, máximo]
                                                       
304. Atravessas desertos de terras áridas para chegares ao momento de realização plena.
[Saibamos perseverar na aspiração aos nossos mais elevados fins].
307. Não me deixes envergonhar-te, Pai, tu que manifestas a tua glória nas tuas crianças.
[Saibamos honrar ou continuar toda a cadeia dos nossos antepassados ou ascendentes até chegarmos à Divindade e que ela se sinta alegre com a nossa acção no mundo],
313. Saberemos um dia que a morte nunca nos poderá roubar aquilo que a nossa alma ganhou, pois os seus ganhos são um com ela.
[A consciência de que somos almas espirituais e que continuaremos após a morte do corpo físico ajudar-nos-á a manter a consciência nesse momento da transição para o além e também avançarmos mais radiosamente para os mundos espirituais].
                                     
315. Quando todas as cordas da minha vida estiverem sintonizadas, meu Mestre, então a cada toque de ti sairá a música do amor. 
[Fortalece-me, unifica-me, para que diante todas as situações saiba estar em amor e sabedoria e gerar a luz e a música, em unidade].
316. Deixa-me viver verdadeiramente, meu Deus, de modo a que a morte para mim se torne verdade.
[Felizes os que saberão chegar à hora da morte sem medos, prontos a partir desprendidos e abertos à verdade que ela revelará de nós e dos nosso futuro].
326. Que esta seja a minha última palavra: eu confio no teu amor.
[Que esta seja a minha palavra: Ó Deus, eu amo-te tanto que espero avançar sempre contigo e que o nosso amor comungue o ser dos outros seres nesta Unidade que nos liga a todos e da qual tu és a fonte e fundamento.]
   

2 comentários:

Luama Socio disse...

QUE MARAVILHOSO!!!!!

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas graças! Rabindranath Tagore era (e é) uma alma de grande sensibilidade e beleza, cultura e espiritualidade, e viveu rica, profunda e criativamente, em grande contacto com a Natureza exuberante da Índia, e assim a sua obra é um reflexo da maravilhosa Anima Mundi em que temos o nosso ser.