António Aleixo de Santana Rodrigues (Salsete, 1887- Lisboa, 1966) foi um notável médico e escritor que participou como Tenente médico na 1ª Grande Guerra e deixou uma boa bibliografia, iniciada com a sua tese de doutoramento, Estudos de Psychologia. A dinâmica do pensamento, impressa em Lisboa em 1919, a qual recebeu aplausos de Henry Bergson, Sigmund Freud e Júlio de Matos. Em 1926 deu à luz em Lisboa a Índia Contemporânea, prefaciada pelo prof. Azevedo Neves, o qual, como director do jornal Dia, a publicara semanalmente em dezasseis artigos no ano de 1924, com grande sucesso.
No 1º capítulo, A Muralha do Mistério, Santana Rodrigues defende com veemência o valor e a riqueza a muitos níveis da Índia e como ela desde sempre foi atacada e minimizada pelos historiadores gregos e mais tarde pelos ocidentais, incapazes de compreender e aceitar a sua religião e cultura ou as civilizações orientais. Só a partir de meados do séc. XIX (embora tenho havido excepções, tais como Anquetil Duperront, o tradutor das Upanishds) e começo do séc. XX é que se reconhece tal valor por parte de orientalistas como Burnouf, Champolion, Maspero, Renusat, Gobineau, Silvanin Levy, Ramlinson, Lavard e De Morgan. Dos pensadores indianos dessa época realça Tilak, Benov Kumar Sarkar, Jadunath Sarkar e Radhakumud Mookerji.
No 2º capítulo, A Fraude da História, valoriza o génio hindu e põe em causa a albinocracia, a anglofilia e as mitificações portuguesas, demonstrando como a Índia entre o séc. VI a. C. e o VII d. C. foi verdadeiramente poderosa e criadora e que Chandragupta Maurya (321-298 a. C), vencedor dos sucessores de Alexandre Magno, inaugurou um império que duraria até ao desfalecer da dinastia Gupta. Em relação aos portugueses teve a ousadia, talvez possível porque antes da instalação da Censura de Salazar, de escrever: «A conquista da Índia pelos portugueses é uma épica fantasia. Na vasta península hindustânica não possuíram os portugueses mais do que vagas feitorias marginais. A própria cidade de Goa, tomada aos mouros, com assentimento de Vijayanar e com a ajuda dos seus naturais, era de apoucada extensão. (...) O chamado Império Português na Índia foi o predomínio dos mares: a armada portuguesa, no séc. XVI, preponderava sobre todo o tráfico marítimo indo-europeu.»
No 3º artigo ou capítulo, A Lenda da Barbárie, valoriza os indianos como povo pacífico e sábio, mostrando os relatos sinceros de alguns viajantes que invalidam as críticas por outros apregoadas, citando por exemplo o sábio cronista do místico imperador mogol Akbar, Abu-Fazl: «Os hindús são religiosos, afáveis, vivos, amorosos da justiça, dados ao recolhimento, hábeis nos negócios e de uma indiscutível fidelidade...».
O 4º capítulo, O Dogma da Inferioridade, no qual defende os valores e realizações da civilização Indiana, começa assim bem lúcido e crítico: «Uma crença absorvente e intangível, como um dogma, infesta e seduz o espírito euro-americano: a da inferioridade das raças do Oriente. O domínio da raça europeia, o white man's burden, é o fulcro, o eixo que orienta a literatura, a história, a filosofia e a política interior e exterior das nações da EUROPA e da AMÉRICA. Há uma perversão singular da inteligência histórica, um eclipse quase total do sentido próprio da História.» Que palavras ainda tão actuais, que à tonta da direcção da União Europeia se ela tivesse aprendido com a história e a humildade...
No 5º capítulo, Confronto Sincrónico entre a Civilização Europeia e a Civilização Hindu, lembra algumas das filosofias ou darshanas e grandes nomes indianos, terminando assim: «A Índia do séc. XX se embeleza e se exorna pelo exercício de rútilas virtudes para restaurar o fio maravilhoso da tradição, o sutra [fio] interrompido do sincronismo histórico. Um escol de patriotas e pensadores vibra e afervora a alma nacional. É RAM MOHUN ROY, humanista profundo e precursor da emancipação religiosa (...) é RABINDRA TAGORE, o Mecenas carinhoso das letras e artes pátrias; é toda uma pleiade de estatuários, a polir, a cinzelar, a alçar a abóbada dos Estados Unidos da Índia.»
No 5º capítulo, Confronto Sincrónico entre a Civilização Europeia e a Civilização Hindu, lembra algumas das filosofias ou darshanas e grandes nomes indianos, terminando assim: «A Índia do séc. XX se embeleza e se exorna pelo exercício de rútilas virtudes para restaurar o fio maravilhoso da tradição, o sutra [fio] interrompido do sincronismo histórico. Um escol de patriotas e pensadores vibra e afervora a alma nacional. É RAM MOHUN ROY, humanista profundo e precursor da emancipação religiosa (...) é RABINDRA TAGORE, o Mecenas carinhoso das letras e artes pátrias; é toda uma pleiade de estatuários, a polir, a cinzelar, a alçar a abóbada dos Estados Unidos da Índia.»
Os capítulos seguintes intitulam-se Coeficiente Hindu na Civilização Europeia, A Nacionalidade Hindu, A Dominação Inglesa (A dominação britânica é uma lastimosa «trama de intrigas e crimes», urdida por homens de génio em que «a ausência de escrúpulos, a mentira, a lisonja hipócrita, a fraude e a contrafacção de documentos» foram armas eminentes e cujo corolário, odiento e implacável é «a penúria sem paralelo de quarenta milhões de homens», submetidos a um teoria sem precedentes, a um despotismo bárbaro e repressivo (Macaulay, Essays). E A Reacção Nacional, neste realçando o dia 1º de Agosto de 1920, quando «foi proclamado o movimento de não-cooperação: o abandono rigoroso de todos os empregos, escolas, tribunais, mercês honoríficas e títulos do Estado, a não participação nas recepções oficiais e nos empréstimos do Estado e a guerra sistemática aos tecidos e mercadorias estrangeiras, enquanto num sábio espírito de reconstrução se incitava à unidade de todas as crenças, à integração regular dos párias na colectividade, ao alistamento de voluntários ao serviço nacional, à fundação de escolas, universidades e obras de assistência social e à restauração das antigas industrias nativas. Foi um impulso vigoroso, e o êxito fecundo e brilhante. Centenas de magistrados e advogados abandonaram as suas privilegiadas posições...»
Seguem-se os capítulos As Ideias Políticas e Sociais, As Ideias Religiosas, neste valorizando muito Ram Mohan Roy, pelo seu conhecimento profundo das diversas religiões e pela sua síntese no Brahmo Samaj, e o Mahatma Gandi, por não aceitar nas religiões «o que repugna à razão e ao sentido moral» e por afirmar «não creio na Divindade exclusiva dos Vedas. Creio que a Bíblia, o Alcorão e o Zend-Avesta são tão divinamente inspirados como os Vedas».
Por fim, entramos nos capítulos Educação Pública, As Letras, As Artes, As Indústrias, apreciando assim Tagore: «Dos seus poetas místicos, Rabindranath Tagore é o mais fúlgido expoente. Espírito alto e luminoso, prémio Nobel de Literatura de 1913, goza como nenhum outro embaixador da inteligência hindu, o assinalado privilégio dum renome universal; os seus poemas, dramas, contos, novelas e discursos, traduzidos em todas as línguas cultas, atestam exuberantemente a sua indisputável superioridade entre os grandes pensadores contemporâneos. De um tocante e exaltado misticismo nas oferendas devotas do Gitanjali, resplende de cálida galantaria e veemente amor no Gardener [Jardineiro do Amor] e é um pintor excelso da natureza e da vida social indiana no Chitra - poema dramático, pleno de encantadores pensamentos sobre mulher e o amor, penetrados de augusto carinho pela dignidade da esposa e da mãe. Filósofo que se preocupa com os mistérios do destino no Sadhana, onde se levanta as subtilezas da mais nevoenta dialéctica, é o mais humano e o mais terno cantor da infância no Crescent Moon e no Post Office, em que é de inigualável encanto. A graça e a leveza do seu estilo, o colorido surpreendente das suas imagens e o pendor ingénito em manter um tom delicado e digno na interpretação dos assuntos mais ásperos dão às obras de TAGORE um sabor de delicioso enlêvo e de fascinadora beleza, sem símile em nenhum autor contemporâneo.
Se como contista e novelista, TAGORE não hesita em ir arrancar à chocha do mísero tchandala, [um comedor de cães, o ser tão negativo que está fora do sistema das castas] os modelos vivos das suas personagens, como dramaturgo e, sobretudo, como poeta, é um puro aristocrata; os seus heróis são reis e príncipes; a sua linguagem é de um aprumo e de uma solenidade que se não desmancham nem quando, como pregador e profeta, desce no Sacrifice, no Nationalism e na Creative Unity a profligar o fanatismo e a superstição nacionalista em favor de um poético internacionalismo.
A feição cosmopolita e humanitária do seu proselitismo politico não encontra, porém, sucessores na fogosa juventude bengali. A imaginação indiana é ao presente toda concreta e objectiva, de uma nítida compreensão das realidades», referindo contudo, em seguida, e revelando a sua excelente cultura contemporânea, os nomes de valiosos bengalis, tais como Jogendra Nath Bose, Satiendra Nath Datta, Hem Chandra Banerji, Dwijendra Lal Roy, Madhu Sudan Dutt, Nabin Chandra Sen, Girish Chandra Gosh, Bankin Chandra Chaterji, Saratsandra Chatterji, Sita e Santa Chaterjee, Navalram, Hari Narayan Apté, Madhavaran Tripathi.
Em 1940 publicou ainda Santana Rodrigues uma biografia sobre o famoso padre goês, O Abade de Faria, que ao nível da cura pelo pensamento e pelo hipnotismo, ao qual ele chamava sono lúcido, foi um notável pioneiro na investigação. É contudo a sua dissertação inaugural, sobre o mistério do pensamento e do seu dinamismo, talvez a sua obra mais original e que estando há muito esgotada bem merecia ser reeditada e mais estudada. Esperemos que a possamos ler e comentar...
Em 1940 publicou ainda Santana Rodrigues uma biografia sobre o famoso padre goês, O Abade de Faria, que ao nível da cura pelo pensamento e pelo hipnotismo, ao qual ele chamava sono lúcido, foi um notável pioneiro na investigação. É contudo a sua dissertação inaugural, sobre o mistério do pensamento e do seu dinamismo, talvez a sua obra mais original e que estando há muito esgotada bem merecia ser reeditada e mais estudada. Esperemos que a possamos ler e comentar...
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