Portus Graal |
Este menhir, enriquecido com deusas, quinas e rosáceas, ligado ainda à Mensagem de Fernando Pessoa, como a Fátima explicou num vídeo gravado pelo seu filho Simão, bem merecia estar num museu arqueológico ou mesmo tornar-se um ícone dos menhires em Portugal.
Maria da Fátima Silva, da Ericeira marinha, expôs alguns dos seus quadros relacionados com o Megalitismo português e Atlantis, o Atlântico e a mítica Atlântida, em Mora, Alentejo, no Museu Interactivo do Megalitismo, inaugurando a 20 de Maio, pela tardinha quente e chilreada pelas andorinhas.
Pouca gente, não pelo jogo da bola, mas porque na vizinha Pavia havia um concurso gastronómico e a satisfação alimentar ainda está no topo da hierarquia dos prazeres de grande maioria dos portugueses. E se são doces, pior, ou melhor, ainda...
Como seja, estivemos presentes e depois de algumas fotografias e diálogos, já no fim gravámos um vídeo pequeno no qual a Fátima explica à Margarida Coelho, à Daniela Anselmo, à Linda e à pequena Beatriz, ao Nuno e ao Simão, os pormenores e a história de uma das suas composições, tão rica de dados antigos e actuais, imaginados e reais, numa simbiose bem viva.
O vídeo, a que se seguirão algumas imagens de outros quadros, é este:
Registo da peregrinação a Mora e a Pavia, feita num dia...
Voar ou planar com as cegonhas, rumo ao Alentejo megalítico e pictórico, é mesmo bom...
Nossas amiguinhas cegonhas, caseiras e voadoras, caçadoras e mães, serão sempre um dos melhores estímulos a viajarmos em Portugal...
A estação de comboios de Mora bem transformada em museu e galeria...
Quais armadilhas mágicas do Quaternário, ou antes apenas pesos e fios de teares e suas subtis e míticas tecedeiras, mouras encantadas...
As lendárias placas votivas, quase todas no negro e dúctil xisto, com desenhos simbólicos ainda não decifrados plena ou consensualmente. Seriam adquiridas e oferecidas? Seriam como que lápides pequenas individualizadas? Seriam augúrios de boa ressurreição e ascensão?
Nas placas votivas de xisto discernem-se faixas zizagueantes e de triângulos, e espaços negros não trabalhados ou inscritos. A forma é dinamicamente ascensional, como se o rectângulo da matéria se estreitasse e refinasse na cabeça e cimo que liga ao alto e ao céu. E sugerem simbólicas múmias, registos identitários individuais e ainda formas de oração aos deuses subtis e que, ao morrerem, levariam sobre o peito, como mais tarde se verificará nas lamelas de ouro dos iniciados órficos e pitagóricos: «Eu sou um filho da Terra e do Céu estrelado»
Parece mesmo um casal de deidades pré-históricas, numa estilização entre o humano e a ave, com mãos-asas, sinal do pressentimento do divino ou do numinoso na Natureza e talvez da destinação astral dos que morriam ou ou deixavam o corpo e mundo terreno..
Reconstituição de um alentejano, já dado a primores votivos de mãos, no caso as tais misteriosas placas votivas de xisto, e de há cerca de 4 ou 3.000 anos...
O corredor de acesso à anta e à exposição sob os triângulos ígneos ou púbicos megalíticos..
O Caminho faz-se avançando com firmeza, diz o Tomás. E, ao fim, o Torii shintoísta, presente nos esteios e na mesa da anta, abençoa os que se curvam aos numens, aos antepassados, aos Kami...
Sucessão de algumas pinturas do ciclo Atlantis, da Maria de Fátima Silva, sobre as quais ela escreveu um texto intitulado e que está disponível:
«Há cerca de dois mil anos, Platão escreveu sobre um império insular fabuloso situado no extremo Ocidente. Deu-lhe o nome de Atlântida. Desde então filósofos e exploradores debateram a sua veracidade, suscitando muitas teorias, e assim a Atlântida, embora imortalizada por Platão, tem sido considerada por muitos apenas como uma lenda ou um mito.
Mas como segundo Fernando Pessoa, o “mytho é o nada que é tudo”, ele permite uma conjuntura infindável de especulações sobre as histórias perdidas nesse tempo sem tempo, tão ainda próximo dos ecos primordiais.
De olhos vendados para com o tesouro que habita no nosso interior e que só nós conseguiremos desenterrar e também demasiado envolvidos no dia-a-dia esquecemo-nos de interiorizar, de pesquisar as nossas intrínsecas bibliotecas e memórias e assim alcançar mais conhecimento. A magia, e salvaguardando a etimologia da palavra de origem persa, não se deve perder mas sim revelar-se em nós numa dimensão subtil e espiritual, nomeadamente face às eternas questões que todos fazemos: De onde venho? Que maravilhas transporto? Para onde vou?
Possuidora de uma autonomia desconcertante, onde tudo é plausível, a Arte apresenta-se como essência libertadora das histórias e filosofias de vida e assim ATLANTIS parte numa demanda de cores, formas, códigos e mensagens ocultas, estabelecendo um paralelismo entre o mito da Atlântida, submersa nas profundezas do Atlântico, e as marcas impregnadas no património sagrado e espiritual português, em especial no seu riquíssimo megalitismo.
ATLANTIS conta cromaticamente histórias construídas e desconstruídas e intuídas junto ou no mar que já foi chão dos náufragos ou emigrantes atlantes e que terão alcançando as praias do ocidente da Península Ibérica. E com as suas memórias ancestrais e a partir das ruínas de uma civilização perdida, eles podem ter feito surgir uma nova civilização no Ocidente.
Com um universo iconográfico abrangente as pinturas são, na sua maioria, realizadas in loco, em locais com interesse arqueológico, com vestígios de épocas pré-históricas, com monumentos megalíticos, pintura rupestre, fósseis e locais de culto da Deusa-Mãe, da Lua e do Sol. Lugares sagrados de exímia beleza natural simplesmente ou então lugares onde as marcas do Homem, ora por chamamento, ora por encantamento, se erguerem com perenidade na sua comunhão com a Natureza e com o Cosmos. Lugares portadores de um espírito próprio que converge para quem os ausculta em criatividade e permite surgirem em imagens mágicas.
Em simultâneo com as viagens ou peregrinações aos referidos locais pré-históricos, houve um estudo e pesquisa dos temas destacados neste projecto.
Mensagens ousadas ou simplesmente sonhadas que, como artista, me conduzem a uma harmoniosa simbiose entre o mundo fantástico e o meu eu, como um ser integrante deste pequeno pedaço de terra repleto de Luz – Lux – referido por Estrabão, no mundo antigo como Ab coelestis patriae, de pátria ou origem celeste.
Um gigante sobre um monte, tais como se encontram em Ribamar, Ericeira.
Cultos aquáticos, femininos e shamânicos: que a pureza da água nos limpe sempre. De notar a sereia inspiradora no lado esquerdo.
Uma sacerdotisa, com uma placa votiva pendurada, e um menhir, com uma gravura rupestre de Foz-Côa.
Acerca das pinturas desta série Atlantis, escrevi um texto que transcrevo: Da memória das pedras
à mítica Atlântida. Uma exposição de Maria de Fátima Silva :
A pintura de Maria de Fátima Silva é
de um realismo verdadeiramente mágico, no sentido de que, ao ser
vista ou mesmo contemplada, permite-nos entrar em dimensões subtis e
insuspeitadas, vencendo as barreiras do tempo-espaço e fazendo-nos
sentir, intuir e comungar energias e emoções, ideias e seres,
ritmos e ritos que, realizados e vividos há séculos e séculos,
ainda hoje nos tocam, nos movem, nos podem proporcionar expansões e
aprofundamentos de sensibilidade e compaixão, de de conhecimento e
de consciência...
ATLANTIS remete-nos para as
épocas mais ancestrais da Humanidade, em que a unidade entre os
elementos da Natureza, as pedras, as águas, os peixes, as aves, os
animais, os humanos e a intuição das presenças invisiveis dos
deuses ou da Deusa eram intimamente sentidas, vividas e celebradae, e
de modos tais que, dada a falta de documentos explicativos de tais
compreensões e acções, só os mais estudiosos, ou artistas ou
sensíveis conseguirão tal imaginar ou tornar a focalizar.
A Atlântida é em verdade um dos
icebergues que nos chegou da história antiga e perdida da Humanidade
graças à referência de Platão no Timeu de ter ouvido aos
sacerdotes egípcios menção do desaparecimento da sua última ilha
no meio do Atlântico. Os mistérios da sua existência permanecem no
séc. XXI, apesar dos estudos e livros tanto de historiadores e
arqueólogos, como dos ocultistas ditos clarividentes dos finais do
séc. XIX e começos do séc. XX: Helena Blavastky, Rudolf Steiner,
Max Heindel e Edgar Cayace, quase todos eles algo devedores da obra
Atlantis, The Antedeluvian World, de Ignatius Donnely, de
1882.
A Maria de Fátima oferece-nos uma
estreita simbiose nesta série Atlantis entre o que poderia ter sido
a Atlântida e o que sabemos terem sido os tempos pré-históricos,
nomeadamente em Portugal, com os seus diversos cultos e estreita
osmose do ser humano com as pedras e as águas, as aves, os animais,
as estrelas, o Sol e a Lua e que a Fátima intui a partir da sua
experiência concreta de ter visitado em Portugal muitas antas e
tholos, falésias, rios e eco-sistemas, em especial os existentes na
região da Ericeira em que ela e a sua família vivem, ainda hoje
cultivando a terra e com animais.
Entre nós, Dalila Pereira da Costa foi
talvez a escritora que mais cultivou a chamada "memória do
lugar" dando-nos, seja do Porto seja dos cultos da Antiguidade
celebrados nas margens e santuários do rio Douro, descrições e
ressurreições em que combina tanto os dados intuitivos ou de
reminiscências como os históricos. A Maria de Fátima Silva fá-lo
também com as suas pinturas, e não nos é difícil discernir,
emergindo das pedras e águas omnipresentes, determinados ritos e
celebrações, grandes deusas e deuses, prefigurações de Jesus e
Maria, sacerdotisas e shamanes, espíritos da natureza e anjos,
símbolos da fecundidade e da maternidade, dos nascimentos e mortes,
das iniciações e purificações, dos sacrifícios e amores.
A sua pintura é na verdade bem
invocadora pois é bastante poderosa na policromia, nas formas dos
corpos, na expressividade dos pés, das mãos, dos seios, das faces,
de cada ser, que estão sempre interconectados com um momento, um
ambiente natural ou ritual, o todo, visível e invisível mas bem
perceptível. É verdadeiramente uma pintura animista a que nos é
apresentada, e corresponde bem ao estágio de então da Humanidade
que via e sentia tanto a alma individual presente em tudo e todos
como também a grande Anima Mundi,
a Alma do Mundo, que a todos ligava, e portanto
vivenciava com menos barreiras ou quebras de continuidade a
consciência no mundo material e no subtil e espiritual. Algumas das
suas pinturas fazem-nos então entrar num no man's land, numa
percepção na qual não sabemos se estamos a ver com os olhos
físicos ou se com o olho espiritual, podendo talvez então
caracterizar-se como uma entrada numa terra lúcida, luminosa, a que
alguns estudiosos das almas e obras místicas e clarividentes
chamaram de imaginal.
Neste sentido são especialmente
mágicas algumas pinturas (e cada observador sentirá as que mais
ressoam animicamente), esbatendo subtil e mais fortemente as nossas
certezas e limitações objectivantes redutoras e fazendo-nos pairar
ou mesmo entrar por um umbral misterioso, rico e profundo, mítico e
até divino, para o qual contribui todo o dinamismo sacralizante que
as constantes metamorfoses, derivadas da inter-conectividade de todos
os seres, apresentam e interrogam, sugerem e propulsionam.
Cada pintura pode-se então dizer que é
realmente uma janela aberta para acontecimentos e dimensões tanto
históricos como anímicos insuspeitadas e, para quem mais
demoradamente as contemplar, para estados expandidos de consciência
ou reconhecimento da Unidade, ou como se diz hoje, do Campo unificado
de energia-informação-consciência, entre todos os seres e, logo
ou portanto, intensificando o culto da Verdade, da Beleza, da
Harmonia e Amor na Humanidade, na Terra e no Cosmos.
Valham-nos as cegonhas, que trarão a fecundidade mesmo que em cima da electricidade...
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