João Penha (1838-1919), natural de
Braga, formado em Direito pela Universidade de Coimbra em 1873, amigo
de Simões Dias e Cândido Figueiredo, Antero de Quental e Gonçalves Crespo, foi poeta e magistrado e
um dos introdutores do Parnasianismo em Portugal. Este movimento literário nasceu por volta de 1866, com a revista parisiense Parnasse Contemporain, João Penha toma conhecimento dele através de Eça de Queiroz, já depois de nos seus tempos de estudante lento
ou cábula ter fundado em 1868 o jornal literário A Folha, que se
publicou em cinco séries até 1873, num total de 428 páginas, contando com a valiosa e perseverante colaboração dos outros quatro redactores: Simões Dias Guerra Junqueiro, Cândido de Figueiredo, Gonçalves Crespo. Entre os colaboradores destacam-se Antero de Quental, umas cinco vezes, Gomes Leal e Camilo uma vez, Sousa Viterbo, várias vezes, Maria Amália Vaz de Carvalho, Francisco Gomes de Amorim e outros.
Dotado de grande sensibilidade, poeticamente muito consagrada à mulher, ao vinho e à boa vida, publicou dois livros de poesia (Rimas e Viagem por terra ao país dos sonhos) e uma obra em prosa Por Montes e Vales, onde anuncia em preparação as Memórias de um Estudante de Coimbra que infelizmente não chegou a publicar, deixando contudo alguns apontamentos, no mencionado livro, nomeadamente sobre José Simões Dias e alguns companheiros da vida boémia estudantil coimbrã.
Dotado de grande sensibilidade, poeticamente muito consagrada à mulher, ao vinho e à boa vida, publicou dois livros de poesia (Rimas e Viagem por terra ao país dos sonhos) e uma obra em prosa Por Montes e Vales, onde anuncia em preparação as Memórias de um Estudante de Coimbra que infelizmente não chegou a publicar, deixando contudo alguns apontamentos, no mencionado livro, nomeadamente sobre José Simões Dias e alguns companheiros da vida boémia estudantil coimbrã.
Não
há porém mais do que uma referência a Antero, embora significativa, pois idealizando num poema futuro, erguido aos astros triunfais, «ladeado de Antero de Quental e de Léon Dierx, interrogarei a Deus, e Deus responder-me-á o mesmo que eu respondo aos inúmeros micróbios que dentro em mim existem». Ora Léon Dierx era um poeta parnasiano e que quando morreu Mallarmé foi eleito o príncipe dos poetas pelo que poderemos ver nestes dois custódios do seu poema futuro, um reconhecimento forte do valor de Antero.
Tem também um capítulo pequeno dedicado a um dos mestres de Antero, Michelet, Mr. Le Symbole (tal como lhe chamariam os alunos, relatando um anedota improvável de único ouvinte das suas aulas ser alguém que estava à espera de jantar e que João Penha lera num livro em que «se afirmava que a anedota era absolutamente verdadeira»), e alguns capítulos de análise literária, como aqueles intitulados Nefebelistas, Parnasianos e o último Visionários, onde curiosamente não vemos qualquer referência a Antero. É certo que Antero já morrera, mas poderia ter mencionado um dos nossos mais visionário poeta metafísico. Aliás, João Penha trai um pouco a sua adesão menor aos grandes voos dos textos sagrados e metafísicos de todos os tempos ao meramente os citar a dado passo, sem dizer que os leu, bem ao contrário de Antero que os referencia e comenta entusiasticamente, a par da confissão que faz do impacto forte das obras de Quinet e de Michelet nele, em relação a este sabendo-se mesmo da peregrinação pessoal que Antero fez a sua casa em Paris, para lhe entregar anonimamente um dos seus livros. Contudo, João Penha leu algumas das obras de Quinet e de Michelet, apontando mesmo a filiação da Bíblia da Humanidade, de Michelet, na Primeira Jornada do Ashaverus, de Quinet.
Tem também um capítulo pequeno dedicado a um dos mestres de Antero, Michelet, Mr. Le Symbole (tal como lhe chamariam os alunos, relatando um anedota improvável de único ouvinte das suas aulas ser alguém que estava à espera de jantar e que João Penha lera num livro em que «se afirmava que a anedota era absolutamente verdadeira»), e alguns capítulos de análise literária, como aqueles intitulados Nefebelistas, Parnasianos e o último Visionários, onde curiosamente não vemos qualquer referência a Antero. É certo que Antero já morrera, mas poderia ter mencionado um dos nossos mais visionário poeta metafísico. Aliás, João Penha trai um pouco a sua adesão menor aos grandes voos dos textos sagrados e metafísicos de todos os tempos ao meramente os citar a dado passo, sem dizer que os leu, bem ao contrário de Antero que os referencia e comenta entusiasticamente, a par da confissão que faz do impacto forte das obras de Quinet e de Michelet nele, em relação a este sabendo-se mesmo da peregrinação pessoal que Antero fez a sua casa em Paris, para lhe entregar anonimamente um dos seus livros. Contudo, João Penha leu algumas das obras de Quinet e de Michelet, apontando mesmo a filiação da Bíblia da Humanidade, de Michelet, na Primeira Jornada do Ashaverus, de Quinet.
Antero do Quental.... Lux... |
O último capítulo, Os Visionários, é bastante
significativo na análise literária, pois ao facto de que ao
Romantismo e Simbolismo sucedeu a escola do Realismo e do
Naturalismo, exemplificando entre nós com Eça de Queiroz e Teixeira
Queiroz, acrescenta as reacções de todos aqueles que entendem que a arte não é, nem poder ser, uma servil reprodução fotográfica das coisas vulgares e comuns, que se vêem todos os dias, e que no homem há alguma coisa que não é simplesmente matéria: a alma, isso que em todos nós sonha, isso, por exemplo, que em mim faz versos. É reacção da psicologia contra a fisiologia», destacando-se, primeiro, os
apóstolos exagerados que recusam tudo o que é real e positivo, e
que são os decadentes ou nefelibatas - e que num capítulo próprio
inicial relaciona com Mallarmé e com «as nebulosidades incoercíveis
do simbolismo» e a forte «forma musical dos poemas», acrescentando
ainda e, contrastando com a sua escola parnasiana, que nos poemas
deles «avultam a Mulher e os sentimentos que ela inspira, mas essa
mulher não é a «Carne» dos poetas parnasianos: é a Noiva
imaculada dos místicos amorosos».
E segundo, pelos poetas que se equilibram entre este mundo e o outro, aos quais ele chama Visionários, nomeando apenas Antero de Figueiredo, e explicando que na «parte ideal ou simbólica dele [A. F.] predomina uma filosofia mais doce e mais resignada: a das lágrimas das coisas: sonhos que nunca se realizam, ou que se realizam, se esvaem, ou se transformam numa cruel realidade. O distinto escritor, porém, aparentemente ilacrimável, e, por vezes tenuemente irónico, expõe apenas o símbolo, esboça os factos que constituem a acção, e deixa ao leitor pensativo a resolução do problema».
E segundo, pelos poetas que se equilibram entre este mundo e o outro, aos quais ele chama Visionários, nomeando apenas Antero de Figueiredo, e explicando que na «parte ideal ou simbólica dele [A. F.] predomina uma filosofia mais doce e mais resignada: a das lágrimas das coisas: sonhos que nunca se realizam, ou que se realizam, se esvaem, ou se transformam numa cruel realidade. O distinto escritor, porém, aparentemente ilacrimável, e, por vezes tenuemente irónico, expõe apenas o símbolo, esboça os factos que constituem a acção, e deixa ao leitor pensativo a resolução do problema».
Poderemos dizer que há da parte de
João Penha uma visão ainda limitada ou menos profunda espiritualmente do ideal, do simbólico e do
visionário. Que diferença a chegada de Fernando Pessoa à nossa
literatura, com uma contribuição simbólica e visionária,
esotérica e espiritual enorme.
Quanto à crítica feita por João Penha ao posicionamento filosófico e moral de Antero de Figueiredo talvez tenha alguma razão, pois queixa-se que ele é como «a de um utopista que vê as coisas reais da vida através de uma luneta de vidros esfumados. Increpa os que passam, e que vão em procura do prazer, ou daquilo com que ele se alcança, e mostrando-lhes a inanidade desse prazer, pelo qual anseiam, aconselha-lhe o remédio que ele mesmo, um vencido para si tomou, o do sonho./ Belas palavras, literáriamente falando, mas soltas ao vento./ O sonho é uma bela coisa, mas sem base sólida do presunto de Lamego, não vale nada./ Toda a sabedoria humana consiste a meu ver, em se equilibrar de modo que um não destrua o outro».
Quanto à crítica feita por João Penha ao posicionamento filosófico e moral de Antero de Figueiredo talvez tenha alguma razão, pois queixa-se que ele é como «a de um utopista que vê as coisas reais da vida através de uma luneta de vidros esfumados. Increpa os que passam, e que vão em procura do prazer, ou daquilo com que ele se alcança, e mostrando-lhes a inanidade desse prazer, pelo qual anseiam, aconselha-lhe o remédio que ele mesmo, um vencido para si tomou, o do sonho./ Belas palavras, literáriamente falando, mas soltas ao vento./ O sonho é uma bela coisa, mas sem base sólida do presunto de Lamego, não vale nada./ Toda a sabedoria humana consiste a meu ver, em se equilibrar de modo que um não destrua o outro».
Assim termina o seu último capítulo
do livro, de certo modo defendendo os boémios das acusações que lhes são lançadas e considerando os sonhadores como vencidos e frustrados.
"No
meio termo está a virtude", reafirma e bem, agora se é apenas entre os sonhos
e os prazeres sensoriais, é que talvez não seja o único ou o melhor esquema
dos dilemas da vida de que a forquilha ou Y pitagórico se tornou um
símbolo milenário, no qual temos de escolher uma vereda ou direcção,
mas de facto sem termos que condenar ou criticar os que escolhem
outras opções e caminhos. Esta parte final faz-nos ver ou pressentir algum distanciamento em relação a Antero de Quental, já
que de algum modo este pode ser visto e apresentado como um poeta austero e
visionário, mostrando a inanidade do prazer, e dominado, possuído
ou atraído por certos sonhos, ideias e ideais e que acabou vencido,
suicidando-se.
Anote-se antes de entrarmos na
história mais valiosa do livro que logo no primeiro capítulo João
Penha mostra alguma da sua boa sensibilidade à Natureza e no fundo à Alma do Mundo que subjaz a todos os seres, e ela será bem mais
desenvolvida no capítulo intitulado Sílvia, uma história
de cerca de 15 páginas pela qual se agiganta no Culto das Árvores e
nos fez escrever este artigo.
Um salgueiro, ou uma Sílvia, drade nossa... |
Sílvia, uma história tão bem
contada que nos fez admitir ao princípio que era verdadeira, pois só
na parte final é que acrescenta alguns pormenores que denunciam a
fantasia.
A história é simples e está muito
bem contada e até arguida racional ou cientificamente na sua
possível veracidade pois, perante uma árvore próxima de uma ponte
onde vai contemplar diariamente o pôr do sol próximo do Choupal de
Coimbra, com os rouxinóis a lançarem os seus harmoniosos gorjeios,
começa a notar que esse salgueiro, embora esteja rodeado de outras
árvores que permanecem paradas, imóveis, quando ele se aproxima
começa a agitar as suas folhas.
Aos poucos, com as sucessivas vezes,
vai-se apercebendo que realmente a árvore, que passou a chamar-se Sílvia, deve sentir algo por ele, convencendo-se mesmo que se criou
uma paixão. Manda-lhe beijos e suspeitando por certos sinais que ela
desejaria ser abraçada, acaba por ir estreitá-la de noite (para não
pensarem mal..), mas com a infelicidade de acabar por cair da ponte,
já que a árvore estava no talude a pequena distância, e escorrega
até à base do tronco. Tem então uma percepção ou alucinação
que a Sílvia se curva para ele para o erguer do chão e foge algo
assustado, deixando de a visitar, pois tem de se ausentar de Coimbra.
Quando regressa ao fim de uns meses à Minerva portuguesa lembra-se da Sílvia, mas quando chega à ponte, fica estupefacto pois ela já não lá está. Interrogando um vizinho que já o vira a rondá-la e obrigando-a disfarçar-se, acaba por ser informado que a árvore começou a definhar e que morreu e já foi cortada. Daí a pensar que ela se sentiu abandonada por ele vai um instante e acaba então por ter um sonho-visão quando torna a ir lá vendo uma jovem fantasma com ar triste a encaminhar-se para ele.
Uma das pontes da mata do Choupal |
Quando regressa ao fim de uns meses à Minerva portuguesa lembra-se da Sílvia, mas quando chega à ponte, fica estupefacto pois ela já não lá está. Interrogando um vizinho que já o vira a rondá-la e obrigando-a disfarçar-se, acaba por ser informado que a árvore começou a definhar e que morreu e já foi cortada. Daí a pensar que ela se sentiu abandonada por ele vai um instante e acaba então por ter um sonho-visão quando torna a ir lá vendo uma jovem fantasma com ar triste a encaminhar-se para ele.
Começara este seu belo conto com um
parágrafo bem forte e valioso, que faz lembrar a grande apetência e aspiração de
conhecimento da unidade de Vida que a geração de Antero
manifestou: «Os vegetais, em contrário ao que dizem todos os livros
de ciência, são animais. Nascem, crescem, alimentam-se,
reproduzem-se, adoecem e envelhecem, e morrem. Vivem, pois, mas
passivamente, dizem esses livros. Eu porém, vou mais longe: estudos
reiterados sobre esses entes da criação, e factos passados comigo
mesmo, colocam-me na posição de poder declarar, - e essa declaração
faço-a ao século XX - que eles tem vida activa, consciente; tem
alma e paixões; percebem o mundo exterior como nós mesmos o
percebemos, e outros animais o percebem. Nesses estudos não me guiei
pelos princípios de qualquer das filosofias geralmente reconhecidas
como oficiais, mas pelos de uma minha própria, princípios segundo
os quais o que exactamente não existe é o Inconsciente: tudo tem
consciência, em tudo há força, inteligência e sensibilidade. / Em
lugar dos argumentos, que eu poderia aduzir a favor deste meu
asserto, narrarei antes um caso, passado comigo, que muitos julgarão
absurdo, ou pelo menos extraordinário, mas que eu julgo natural,
segundo aqueles princípios que sumariamente expus./ Este caso sucedeu
em Coimbra, a cidade mais poética do mundo, do mundo meu conhecido.»
Ora nós que nascemos no século XX mas
que já cavalgamos o séc. XXI, o ano da graça cristã de 2017, o
que devemos acrescentar ou comentar a este belo conto e ousado
(embora provavelmente brincalhão) princípio filosófico de João
Penha?
Que em tudo há força, há
inteligência e sensibilidade parece uma afirmação correcta, pois
mesmo nas partículas que compõem o reino mineral há uma força
vital que as associa, ou faz crescer mesmo no cristais, e isso
implica algum tipo de sensibilidade e de inteligência. E para quem
aceita que há um Campo Unificado de energia-informação-consciência
tal não é mais do que a mesma tríade de força, inteligência e
sensibilidade.
Certamente que é um mistério o
conhecimento em si de tal substância, ou Ser que
subjaz a todo o Universo e muitos nomes podem ser
dados, desde Deus a Espírito divino, a força cósmica, a Alma do
mundo, mas que este substrato ou se manifesta nos seres, ou os seres
em si mesmo já o tem incorporado, parece evidente. É ele que guia
os instintos dos animais, ou as intuições dos seres humanos e é ele
que permite as telepatias ou faz-nos tornar conscientes das
sincronias. E a designação antiga de Anima Mundi, Alma do
Mundo, estaria bem apropriada distinguindo-se um Spiritus mundi,
a este cabendo então mais o nível divino e o Ser em si mesmo.
As árvores "têm alma, tem
paixões" diz-nos ainda João Penha. Ou seja, podem até
individualmente manifestar um arbítrio próprio, uma escolha
pessoal. Não diremos tal para o amor das abelhas pelas flores: não
há paixão, apenas recolhem os sucos açucarados dos pólens. Só em
alguns livros para crianças é que encontremos histórias de abelhas
que se apaixonaram por flores e que não queriam deixá-las.
Porém há mistérios por detrás das árvores e que vão para além das múltiplas descobertas científicas recentes que provam como pelas raízes as árvores comunicam e transmitem elementos e informações, como muito recentemente um guarda florestal alemão demonstrou num livro de grande sucesso, ou ainda o professor da Universidade de Florença Stefano Mancuso, através do International Laboratory for Plant Neurobiology do qual é director, o tem comprovado, pois o facto de não haver um cérebro nas plantas ou árvores não invalida que elas tenham consciência e inteligência, isto é, a capacidade de resolver problemas, de se adaptarem a condições ambientais com escolhas próprias e imediatas (apesar dos seus lentos movimentos), e têm sido muitas ao longo da evolução, lembrando que mesmo Darwin já equiparava a raiz a um cérebro de um
animal inferior na escala de evolução...
O mais complexo é admitirmos que para
além da sensibilidade e inteligência (com auto-consciência de ser ou não...) da planta e das árvores pode
existir mesmo um ser próprio, que é denominado no ocultismo um
elemental ou um espírito da natureza, e dos quais tradições de
todos os povos, de África até ao Japão, estão cheias, e quanto às árvores com tantas
histórias e nomes: fadas, dríades, hamadríades, etc.
Não será agora a ocasião para
partilharmos e tentarmos compreender algumas lendas ou tradições
europeias relativas aos seres ou almas das árvores. Fiquemos com a
história de João Penha muito interessante. convincente no
princípio, e no fim algo fantasiosa e mesmo triste.
Quanto à outra manifestação da sua
sensibilidade às plantas e às almas fora do corpo ela está logo no
primeiro capítulo, uma homenagem a uma jovem Raquel, falecida cedo e
amada por João de Deus, e que, quando João Penha lhe lê um poema
que aquele lhe dedicara ( «(...) Alma gémea da minha, e ingénua e
pura/ Como os anjos do céu (se não o sonharam...)/ Quis mostrar-me
que o bem pouco dura.») observa, junto ao cemitério, «numa espécie
de jardim inextricável de plantas e flores, confusamente
entrelaçadas umas às outras, felizes por viverem sós longe do
bulício do mundo», um «caso estranho! Não soprava a mais ligeira
viração, e no entanto todas aquelas flores, desde que principiei a
dizer a melancólica elegia até que a concluí, não cessaram um só
momento de se agitar, fazendo ouvir um ténue sussurro, em que havia
uma vibrações vagas de uma música distante. Era a alma dela,
transformada na alma daquelas flores, que estremecia e chorava, ao
ouvir as queixas sem esperança do poeta que tanto amara./ Já de
noite, seguia eu, meditabundo, estrada fora, em direcção à cidade,
quando, a meio do caminho, me pareceu ouvir um ruído inexplicável e
misterioso./ Voltando-me de repente, hirto...» vê-a e assusta-se...
Anote-se por fim, que a expressão «em
lugar de argumentos», faz-nos lembrar Antero, que embora em 1899 já
tivesse partido, tentara em vida sondar os mistérios, fronteiras e
pontes entre os consciente e o inconsciente, a telepatia e o
magnetismo, a ciência, a religião e a metafisica.
Ao consultarmos a epistolografia de Antero, bem editada e anotada pela Ana Almeida Martins, observamos que só sobreviveu uma carta enviada de Lisboa, da rua da
Madalena, 17, 4º, em Março de 1873, exactamente a propósito da
colaboração no jornal A Folha, dirigida por João
Penha. A relação é claramente de grande amizade ou cordialidade,
embora mais tarde no In-Memoriam de Antero, de 1896, João
Penha não esteja presente. Antero estava então na sua fase
influenciada por Baudelaire e algo mais faustica e de apreço por
Satan, mas que ele justifica, face «à parvoíce de muitos dos
nossos contemporâneos, contemporâneos digo no tempo e em nada mais»
numa nota anónima (mas que será de João Penha, no nº 2, da série V, do jornal A Folha:
«o nosso colaborador, que em tantos dos seus escritos se mostra
possuído da mais estranhável crença na bondade e ordem
providencial nas eternas leis físicas e morais do universo, não é
de modo algum solidário com as desconsoladoras doutrinas que expões
nestes dois sonetos [Possesso]. Uma coisa é o homem e o
pensador, outra o artista para quem dentro da verdade estética,
todos os factos psicológicos têm valor igual, e a quem assiste o
direito de explorar indiferentemente o céu e o inferno, a crença e
a negação, quando trata de definir praticamente os vários modos de
ser da alma humana».
Certamente que, diremos nós, será contudo melhor não
explorarmos demasiadamente os aspectos mais negativos, depressivos, maléficos, depressivos pois o pensador
e o ser em cada um de nós são sempre afectados pela exploração ou
criação estética ou artística pois, embora fora ou acima do bem e
do mal, pelo menos em teoria e intenção, na prática tornamo-nos
sempre um pouco o que pensamos, sentimos, escrevemos, criamos...
Transcrição fotográfica do conto...
E para inspirar-nos ao caminho, eis o mapa da mata do Choupal, tão frequentada por vates ou visionários, de Antero de Quental ao lendário fadista Hilário, imortalizado por Gomes Leal e outros.
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