São tantos os ensinamentos espirituais
valiosos de Erasmo, para aqueles que procuram aprofundar o caminho do
conhecimento, da sabedoria, da verdade, da espiritualidade e da religação divina, que neste dia (28
de Outubro) em que se festeja o seu aniversário escreverei sobre a
Oração (e em 2021 melhorarei e ampliarei bastante), acerca dos sentidos do orar ininterruptamente, tanto mais que traduzi, com Álvaro Mendes e
depois comentei e prefaciei, o seu Modo de Orar a Deus,
impresso em 2008 nas Publicações Maitreya, do Porto, e que recomendo.
A oração sem cessar ou oração
ininterrupta, a oração veemente ou intensa, as orações ao levantar, ao deitar e ao comer, e a oração pelo outro e a recíproca (muito fáceis para quem mais amamos), em cerimónias religiosas, nas aflições, pelos mortos e em grupo, são algumas das formas de orações trabalhadas e recomendadas por Erasmo.
Mas como conseguir a equanimidade, intensidade e capacidade de estarmos sempre a orar, quando em tantos momentos estaremos obrigados a prestar atenção a isto ou aquilo?
Podemos obter tal com uma vida justa, sábia e esforçadamente amorosa e beneficamente activa, que será a
nossa forma de oração de base, à qual acrescentamos preces ou mantras de quando em quando e o desenvolvimento
de uma mais plena
consciência, tentando estarmos mais auto-conscientes, o mais
lúcidos possíveis. E assim consciencializar-nos com regularidade dos fios ou canais de ligação ao
cosmos (tal no nascer e pôr do sol, etc), ao espírito, aos mestres, anjos e à Divindade, e fazermos circular por eles energias nossas subtis de aspiração e de irradiação e simultaneamente estarmos atentos aos sinais que deles podem descer para nos orientarem...
Destes modos conseguimos afastar da nossa mente, ego e corpo os factores de aceleração, perturbação, dispersão e enfraquecimento que constantemente surgem, derivados das reacções e envolvimentos múltiplos com o mundo ou até em especial com os meios de informação, nomeadamente os que não são harmoniosos, que atemorizam ou em que perdemos essa ligação interna e pura com a natureza, o espiritual e o Divino...
Um certo desprendimento é então
necessário e um constante reposicionamento supra-mental e supra-envolvência material da nossa
consciência. Isto implica praticarmos o acolhimento da
intencionalidade elevada do nosso ser espiritual ou essencial, que está
acima da personalidade e da constante competição, comparação e
conflitualização, ou então das dependência e envolvimentos com os
outros, ou com os hábitos, vícios, preguiças, ser espiritual em nós que nos impulsiona a aspirar à mais alta evolução espiritual possível e à comunhão com ele.
É assim que a nossa personalidade e alma
conseguirão estar mais em oração permanente, ou seja, com o
coração e a mente mais abertos e para os níveis superiores nossos, do cosmos e Divindade, em
gratidão, sentindo e irradiando o amor e a presença do espírito, ou mesmo a comunhão do
corpo místico. Deste modo podemos receber as inspirações do acesso ao intelecto
único de Deus, que pode ser visto como o Espírito Santo, ou seja, o
vastíssimo e ainda misterioso campo unificado de consciência e informação da
humanidade e do Cosmos em que os espíritos encarnados e celestiais apenas, circulam, fluem e por vezes inspiram, soam...
Esta oração sem cessar pode ainda
basear-se ou apoiar-se numa consciência mais plena da nossa
verticalidade tanto postural como respiratória, e de aspiração
e sintonização com a Unidade ou Unicidade Divina, o Tawhid i-ilahi, proclamado pelo imperador mogol Akbar, e daí terem nascido tantas
práticas psico-energéticas ligadas à respiração e à concentração em todos os
povos, algo que Akbar, um místico ecuménico clamava: «A Divindade deve ser cultuada com todo o tipo de
adoração», ou o que o seu bisneto Dara Shikoh propunha ao praticarmos a escuta da música interior ou das esferas e partículas, para abstrairmos do excesso de ruído horizontal mental e sermos mais atraídos para os planos espirituais, al-malakut, al-jabarut, donde nos podem vir os sinais necessários para a alma peregrina...
Estamos a
orar sem cessar quando a intencionalidade da nossa vida é luminosa,
é e destina-se ao bem, ao amor, à compaixão, à ética, à sustentabilidade planetária, à justiça, à partilha com os
seres tudo isto sendo ainda apurado quando oramos e meditamos mais concentradamente, e assim exercemos a arte de Orar, tanto pela capacidade
de pedirmos, vermos e esforçar-nos pelo que pensamos ser bom para todos ou para alguém mais necessitado, como pela
capacidade de abrir-nos às correntes divinas, de caminharmos
constantemente na sua Luz, algo que é apoiado ou intensificado pelas tais orações
mais ardentes e veementes, as jaculatórias, mantras, palavras de
poder que encontramos também em todas as tradições espirituais da Terra…
Saibamos pois escolher bem os modos de
viabilizarmos melhor a oração sem cessar em nós, ou ainda a
consciência da Unidade divina, também chamada por Erasmo de simplicíssima, já que assenta no coração mantido simples e confiante e por aí comungando com o ser divino, qualquer que seja a forma ou modo como ele se desvende ou manifeste...
Concluamos com excertos do seu Modo de Orar a Deus:
«Não se deve menosprezar o lugar dedicado (dicatus) à oração, nem a quantidade de pessoas que se juntam a fim de orar (multitudo conveniens gratia orandi)
Deus ouve de muito melhor grado, de facto, as preces harmoniosamente (unanimiter) irradiadas (fusas) por muitos, sobretudo se o sacerdote as oferece como um vizinho (vicinior) de Deus; todavia, qualquer local é um templo para um cristão: o quarto, a cozinha, a oficina, o navio, o veículo, o cavalo, a casa de banho e mesmo a latrina.
O próprio peito do cristão é templo de Deus, contém o seu próprio altar (circumfert suum propiciatorium), contém Deus em pessoa (circumfert Deum praesentem).
Quanto mais te recolheres (recesseris) em ti próprio, tanto mais ingressarás no mais sagrado do santuário (sacratius adytum), tanto mais te tornarás mais próximo de Deus.»
Este último parágrafo de Erasmo foi assim comentado por mim nas profusas notas do Modo de Orar a Deus e agora ampliada: « Bela e valiosa e sagrada frase, bem capaz de ser utilizada como “abre-te sésamo”, na nossa alma, se for mesmo meditada, assimilada, realizada, encarnada, vivida, abrindo-nos as portas do reino de Deus, ou seja, do mundo espiritual interior. Nesta frase «o próprio peito do cristão é templo de Deus, contém o seu próprio altar (circumfert suum propiciatorium), contém (ou leva consigo) Deus em pessoa (ou a presença de Deus) (circumfert Deum praesentem)», temos uma estrutura de correspondências muito vizinhas ou interconectadas de peito, templo, altar e Deus.
3 comentários:
Um dia, há muito tempo, um querido amigo comum, o nosso Paulo Brandão, emprestou-me um livro sobre esta forma de orar (de um autor russo) . Impressionou-me muito favoravel e profundamente e não mais a esqueci. Um abraço
Graças, Risoleta, pelo comentário. Sim, li e conheço bem esses livros russos, seja a Philocalia, seja os Relatos do Peregrino Russo, nos quais se utiliza uma jaculatória ou curta oração invocativa de Jesus. De facto, em todas as tradições há tais metodologias, sacralizadas ainda mais pelo longo uso. Contudo, Erasmo aponta mais para uma tomada de consciência profunda, ainda que intensificada pelas orações, preces, louvores ou cantos iniciais, ou ocasionais...
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Graças! Boas inspirações e união!
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