segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Alexandre Dugin. O seu texto de 24/11. Estará a Europa a ser destruída pela direcção já semi-cega da UE? Deve-se controlar a emigração e apoiar os povos nos seus locais?

 Alexander Dugin hoje 24/11/25 publicou um texto na Multipolar.press, como sempre controverso mas também como sempre valioso, onde descreve alguns dos mecanismos derivados de opções ideológicas globalistas liberais que regem ou obcecam os dirigentes políticos europeus e que estão a gerar maus frutos em todos e recomenda tanto a substituição dos já lunáticos dirigentes avençados à oligarquia anti-humana, como sobretudo desenvolvermos valores, ética, multipolaridade, religiosidade (ele é cristão ortodoxo) e sacralidade, de modo a  podermos apoiar bem os países com problemas económicos (o que o BRICS está a tentar fazer), respeitar os estados islâmicos e não os dilacerar e sancionar, e controlar a excessiva emigração para o Ocidente. O texto é interessante porque expõe o que para muitos não é tão evidente. Oiçamos este filósofo político conservador, mas profundo conhecedor da filosofia, política, religião e até espiritualidade, tal como estava a ser a sua filha Daria Dugina Platonova (muita luz divina na sua alma), dois elos valiosos da Tradição Perene, embora certamente com algumas posições que não serão as de todos, mas valiosas de serem ouvidas e meditadas.
Lições do Ocidente Quebrado pela Imigração
Como a decadência política se espalha quando a ideologia substitui a realidade

«O governo de Starmer na Grã-Bretanha e os liberais da União Europeia representam o núcleo ideológico liberal, insistindo nas suas opiniões apesar do estado actual das coisas no mundo. Nesse sentido, eles assemelham-se à União Soviética tardia, quando a elite do partido e o governo soviético continuaram a confiar em modelos teóricos que contradiziam completamente a realidade. Em vez de tentarem reconciliar as suas ideias, talvez em parte corretas, com a realidade—realidade que muda de acordo com as suas próprias leis e ritmos, e exigindo novas soluções—eles começaram a insistir nas suas ideias como a verdade absoluta. E no final, tudo se desmoronou.
O filósofo Nick Land introduziu o termo "catraca [mecanismo de ajustamento] degenerativa." Eu chamo a isso de "a república": sistemas políticos e sociais que, uma vez autónomos e deixados a si mesmos, sem impulsos externos, vão chegar inevitavelmente a um único estado: declínio, colapso, crise e degradação. Qualquer sistema desidratado baseado num algoritmo ideológico que perdeu a sua ligação com a realidade, o que é chamado de verificação da realidade—qualquer sistema fechado, qualquer república, qualquer ideologia política secular ou aparelho administrativo—acaba, em última análise, num mecanismo de catraca de degeneração.
No final, resta apenas um caminho: a acumulação de uma massa crítica de erros. Uma decisão errada é seguida por outra; após a terceira vem a quarta, quinta e sexta. Cada decisão errada é seguida por uma ainda mais errada. Tudo isso se encaixa nos conceitos ideológicos, mas entra em absoluto conflito com a realidade. A União Soviética colapsou precisamente por essa razão: o mecanismo de catraca da ideologia soviética atingiu um ponto crítico, recusando-se de qualquer forma a  ajustar-se à realidade ou a responder aos seus desafios. Com esta república degenerativa, o nosso país, infelizmente, colapsou também 
O mesmo está a acontecer agora com a União Europeia e os globalistas. Eles acreditam que quanto mais imigração, melhor; que a imigração deve ser tratada com mais imigração, a estupidez com mais estupidez e as perversões com mais perversões. Eles tratam a degeneração de sua própria atividade mental com uma prótese na forma de inteligência artificial. Este é o mecanismo de catraca da república. Qualquer modelo político secular, mais cedo ou mais tarde, termina exatamente num colapso desse tipo.
Esse colapso está a acontecer agora mesmo no mundo ocidental. Os eleitores americanos levantaram-se contra isso, e os eleitores europeus também estão a levantar-se agora. No entanto, os líderes políticos da Europa—os liberais—insistirão [empedernidos na sua arrogância] nos seus modelos completamente não funcionais até o fim. Eles nomearão imigrantes como curadores da imigração, incentivarão imigrantes ilegais, acolherão muçulmanos e deixarão de lado os cristãos. Em outras palavras, qualquer ação absurda que possamos imaginar certamente será realizada pela [pindérica direcção da] União Europeia.
Estamos a testemunhar uma demonstração clara do mecanismo de catraca da degeneração. E se não animarmos o nosso próprio Estado [da Federação da Rússia], o nosso sistema político, com significados mais elevados, metas mais altas, sacralidade e espírito, chegaremos ao mesmo ponto. 
Deixar um sistema político à sua própria sorte leva inevitavelmente exatamente a isso. Ainda mais porque, infelizmente, somos formalmente uma república—o que significa que estamos condenados à mesma degeneração que os países ocidentais. Embora, é claro, eles tenham avançado muito mais nesse caminho do que nós.
Nesse contexto, é importante entender o que está acontecendo com a emigração islâmica nos países ocidentais. Os globalistas fazem uma distinção clara entre o Islão nos seus próprios países tradicionais e a emigração islâmica. Eles travam guerras contra estados islâmicos—invadindo, bombardeando e demonizando-os no palco internacional. Mas as diásporas islâmicas nos países ocidentais, por outro lado, são recebidas de braços abertos—especialmente os grupos mais radicais, desenraizados e fortemente criminalizados que transformaram o Islão numa caricatura de si mesmo.
Noutras palavras, os globalistas têm padrões duplos. Muçulmanos a viverem nos seus próprios países são "maus." Muçulmanos que vêm para os países ocidentais são "bons." Porque distorcem a sua própria tradição, que é preservada nas suas terras natais, e destroem as tradições dos outros povos entre os quais se estabelecem. Os países muçulmanos são inimigos; as diásporas muçulmanas são amigas dos globalistas.
A Inglaterra é um exemplo clássico. Keir Starmer—cujas classificações de popularidade estão agora perto de zero—persegue políticas que muitos veem como acelerando o declínio da Inglaterra, e suspeito que o seu destino político refletirá isso. Líderes como ele podem acabar enfrentando um duro acerto de contas com seus próprios cidadãos—figuras como o activista de [extrema] direita Tommy Robinson já incorporam essa crescente reação. Esta trajetória é previsível, e as comunidades muçulmanas atraídas para o projeto globalista só amplificarão a turbulência, dado o papel disruptivo que lhes foi atribuído dentro dessa agenda.
Mas o que devemos aprender com isso, nós, russos? Primeiro, os países muçulmanos devem ser nossos amigos, e os muçulmanos que vivem nos seus próprios territórios, nas suas áreas em que se estabeleceram, são pessoas maravilhosas—portadoras da tradição. Em segundo lugar, quando eles começam a se espalhar excessivamente e sem fundamentos sérios como algum tipo de micélio fúngico noutras sociedades, isso deve ser resistido. Em outras palavras, devemos ser amigos e aliados dos muçulmanos e dos países islâmicos, enquanto a migração islâmica deve ser reduzida ao máximo possível.
Quanto aos nossos muçulmanos tradicionais e nativos—como os tártaros, tchechenos e outros povos caucasianos— eles são completamente do nosso povo. Isso é uma questão diferente; eles são simplesmente nossos. Mas os estrangeiros muçulmanos que vêm para o nosso país devem ou adotar os nossos costumes ou retornar aos seus próprios países amigáveis.
Não devemos temer ofender alguém como Emomali Rahmon [o tradutor de russo para inglês deste artigo, traduzido por nós para português, e que é tajique] quando expulsarmos todos os emigrantes tajiques ilegais da Rússia. Tudo deve ser o mais rigoroso possível. Aqueles que se tornam como nós são nossos amigos. Aqueles que não querem se tornar como nós, que querem usar todo tipo de chapéus estranhos—por favor, vão para casa. Em casa, você pode fazer o que quiser. Vista o que quiser. Nós o trataremos com grande respeito, amor, amizade, reverência e parceria estratégica—mas somente quando você voltar ao seu lugar. Se você está aqui, torne-se como nós.
Assim, nossa tarefa é fazer exatamente o oposto do que Starmer na Grã-Bretanha e outros globalistas na União Europeia estão a fazer: fazer amizade com os países islâmicos, apoiá-los [importantíssimo, criar condições de vida económicas melhores] e simplesmente parar a imigração islâmica, reduzindo-a a zero. Naturalmente, isso exclui os nossos próprios muçulmanos, que vivem na sua própria pátria e que, claro, respeitam as nossas leis.»
Duas grandes almas num fotografia recente: Alexandre Dugin e George Galloway
 «Starmer’s government in Britain and the liberals of the European Union represent the liberal ideological core, insisting on their views despite the actual state of affairs in the world. In this sense, they resemble the late Soviet Union, when the party elite and the Soviet government continued to rely on theoretical models that completely contradicted reality. Instead of trying to reconcile their perhaps partially correct notions with reality—reality that changes according to its own laws and rhythms, requiring new solutions—they began insisting on their ideas as the ultimate truth. And in the end, everything collapsed.
The philosopher Nick Land introduced the term “degenerative ratchet.” I call this “the republic”: political and social systems which, once autonomous and left to themselves, with no external impulses, inevitably come to only one thing: decline, collapse, crisis, and degradation. Any such desiccated system based on an ideological algorithm that has lost its connection to reality, what is called a reality check—any such closed system, any republic, any secular political ideology or administrative apparatus—ultimately ends up in a ratchet mechanism of degeneration.
In the end, only one path remains: the accumulation of a critical mass of mistakes. One wrong decision is followed by another; after the third comes the fourth, fifth, and sixth. Each wrong decision is followed by one even more wrong. All of this fits ideological concepts, yet it enters into absolute conflict with reality. The Soviet Union collapsed precisely for this reason: the ratchet mechanism of Soviet ideology reached a critical point, refusing in any way to adjust to reality or respond to its challenges. With this degenerative republic, our country, sadly, collapsed as well.
The same thing is now happening to the European Union and the globalists. They believe that the more immigration, the better; that immigration should be treated with more immigration, stupidity with more stupidity, and perversions with more perversions. They treat the degeneration of their own mental activity with a prosthesis in the form of artificial intelligence. This is the ratchet mechanism of the republic. Any secular political model sooner or later ends in exactly such a collapse.
This collapse is happening right now in the Western world. American voters have risen up against it, and European voters are now rising as well. Yet the political leaders of Europe—the liberals—will insist on their completely non-functioning models until the end. They will appoint immigrants as curators of immigration, encourage illegal immigrants, welcome Muslims, and cast aside Christians. In other words, any absurd action we can imagine will certainly be carried out by the European Union.
We are witnessing a clear demonstration of the ratchet mechanism of degeneration. And if we do not enliven our own state, our political system, with higher meanings, higher goals, sacrality, and spirit, we will come to the same point. Leaving a political system to itself inevitably leads precisely here. All the more so because, unfortunately, we formally are a republic—meaning we are doomed to the same degeneration as the Western countries. Though, of course, they have gone much further down this path than we have.
Against this background, it is important to understand what is happening with Islamic immigration in Western countries. The globalists sharply distinguish between Islam within its own traditional countries and Islamic immigration. They wage wars against Islamic states—invading, bombing, and demonizing them on the international stage. But Islamic diasporas in Western countries, by contrast, are welcomed with open arms—especially the most radical, uprooted, heavily criminalized groups that have turned Islam into a parody of itself.
In other words, the globalists have double standards. Muslims living in their own countries are “bad.” Muslims who come to Western countries are “good.” Because they distort their own tradition, which is preserved in their homelands, and destroy the traditions of the other peoples among whom they settle. Muslim countries are enemies; Muslim diasporas are friends of the globalists.
England is a classic example. Starmer—whose ratings are now near zero—pursues policies that many see as accelerating England’s decline, and I suspect his political fate will reflect that. Leaders like him may ultimately face a harsh reckoning from their own citizens—figures such as right-wing activist Tommy Robinson already embody this growing backlash. This trajectory is predictable, and the Muslim communities drawn into the globalist project will only amplify the turmoil, given the disruptive role assigned to them within that agenda.
But what should we Russians learn from this? First, Muslim countries should be our friends, and Muslims living in their own territories, in their traditional areas of settlement, are wonderful people—bearers of tradition. Second, when they begin excessively and without serious grounds to spread like some kind of fungal mycelium into other societies, this must be resisted. In other words, we should be friends and allies with Muslims and Islamic countries, while Islamic migration must be reduced as much as possible.
As for our traditional, native Muslims—such as the Tatars, Chechens, and other Caucasian peoples—these are our own people entirely. That is a different matter; they are simply ours. But Muslim foreigners who come to our country must either adopt our customs or return to their own, friendly countries.
We should not fear offending someone like Emomali Rahmon1 when we send all illegal Tajik immigrants out of Russia. Everything must be as strict as possible. Those who become like us are our friends. Those who do not want to become like us, who want to wear all sorts of strange headgear—please go home. At home, you may do anything you like. Wear whatever you want. We will treat you with great respect, love, friendship, reverence, and strategic partnership—but only when you go back to your place. If you are here, become like us.
Thus our task is to do exactly the opposite of what Starmer in Britain and other globalists in the European Union are doing: make friends with Islamic countries, support them, and simply stop Islamic immigration, reduce it to zero. Naturally, this excludes our own Muslims, who live in their own homeland and who, of course, respect our laws.
(Translated from the Russian)

domingo, 23 de novembro de 2025

Vladimir Soloviev. Breve biografia. Os Fundamentos Espirituais da Vida. A Oração, o Pai-Nosso, o nome de Deus e o faça-se a Vossa vontade.

Vladimir Soloviev, moscovita, filho de um dos mais importantes historiadores russos, Sergei Soloviev, viveu apenas 48 anos (28/1/1853-13/8/1901) mas deixou um rasto de luz perene, não tanto na filosofia especulativa ou discursiva como na filosofia idealista e religiosa, mística e soteriológica, onde desenvolveu bastante a identidade do Logos Cristo, a ideia da Igreja Universal, o papel da Rússia profunda e tradicional, e a Sofianidade, ou Sofiologia, pois cedo, aos 11 anos, fora tocado pelo Divino sob a visão da sua face feminina, Sophia. Passando a fase juvenil  de maior abertura gnóstica, coincidente com as suas viagens e estadias em Inglaterra e no Egipto,  aprofundou o Cristianismo, tentando unir a Igreja  e doutrina ortodoxa e a católica, mas com forte ênfase no Cristo-Logos  e em Sophia, a Sabedoria Divina,  evocada no seguinte ícone famoso de Novgorod, do séc. XV, o primeiro a representá-la:

Já formado em Filosofia e como professor distinguiu-se por artigos e livros, amigos e conferências,  tendo até a alegria de ver assistirem à sua conferência sobre a obra de Dostoievsky (1821-1881) tanto o próprio como Tolstoi (1828-1910), embora os dois génios literários não se tivessem encontrado. Ao contrário da relação com Dostoievsky, da qual foi bastante amigo e confidente, em S. Petersburg, o relacionamento com Tolstoi foi difícil, pois este, ainda que profundamente cristão, era contra certos dogmas anti-naturais do Cristianismo, tal a ressurreição da carne ou em corpo de Jesus, conhecendo-se  a carta que Soloviev lhe dirigiu tentando provar a necessidade da sua existência. 

                   

A sua vasta obra, que desde cedo atraiu o interesse de intelectuais alemães e franceses, e até Rudolfo Steiner o valorizou muito e conferenciou sobre ele, não foi concluída em alguns projectos, tal a tradução da opera omnia de Platão, pela sua morte precoce. Os companheiros ou discípulos mais importantes foram Sergei Trubetskoy (1862-1905), Pavel Florensky (1882-1937), Sergei Bulgakov (1871-1944) e Nicholas Berdiaev (1874-1948). Em Portugal está editado A Verdade do Amor, pela Guimarães Editora, um excelente livro, bem prefaciado por Álvaro Ribeiro.

Pavel Florensky e o padre Sergei Bulgakov, por Mikhail Nesterov, da Tetryakoy Gallery.
Tendo publicado um texto e vídeo sobre Soloviev: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/05/vladimir-soloviev-vida-e-obra-santa.html, neste artigo gostaria de apresentar ensinamentos dos Fundamentos Espirituais da Vida, que irei transcrever da 2ª edição francesa, de  1949,  num in-4º peq. de 192 páginas, escrito quando tinha 30 anos,  entre 1882 e 1884, e onde cingiu com grande força especulativa, teológica e de fé  a essência da religião, do caminho espiritual e do Cristianismo, bem preparado como estava pelos estudos de teologia cristã e de filosofia platónica, e que ainda hoje nos pode ensinar e impulsionar, pesem alguns erros de falta de conhecimento ou de desvalorização das outras religiões, e da  excessiva valorização dos escritos da Bíblia  e das concepções que se fizeram, tal a de Jehová, a do homem como pecador e do mundo dominado pelo mal, para além  da ressurreição corporal.

                                                        

 Após o prefácio do arcebispo Michel d'Herbigny, na 1ª parte, na Introdução,  Soloviev trata brevemente da Natureza, Morte, Pecado, Lei e Graça, seguindo-se três capítulos sobre a Oração, o Sacrifício e a Esmola, e o Jejum. Na 2ª parte aborda no 1º cap. o Cristianismo enquanto revelação da Luz e do sentido universal (Logos) do Cristo, e depois A Igreja e o Estado e a Sociedade segundo o Cristo

É do 1º cap., sobre a Oração e o Pai Nosso, que selecionamos o texto transcrito, uma boa aproximação a Deus como a fonte do Bem, e uma boa justificação da necessidade da oração, a que se segue um resumo por mim do que ele diz da oração do Pai Nosso. Possa este texto  melhorar a eficácia da oração, sem contudo menosprezarmos outras fórmulas ou expressões da oração-aspiração à Divindade, seja mesmo no modo de rezar o Pai Nosso, que pode ser realizado apenas por partes, ou mesmo ser orado mais demoradamente numa das suas petições, ou até parafraseado-transformado pela nossa própria alma e aspiração...

«Nós acreditamos no Bem, mas sabemos que em nós não está o [verdadeiro] bem.  [Aqui Soloviev não afirma a existência em nós do espírito imortal em si mesmo e que é Bom,ou a nossa ligação consciente a ele,  pois acredita ter havido a queda]. Devemos então dirigir-nos ao Bem real, entregar-lhe a nossa vontade, oferecer-lhe um sacrifício espiritual, devemos dirigir-lhe a nossa  oração. Aquele que não ora, ou seja não se associa pela sua vontade à vontade suprema, ou falta-lhe a fé Nele, não crê no bem ou então pensa ser ele próprio possuidor absoluto do bem, considerando a sua vontade própria como perfeita e toda poderosa. Não acreditar no bem, é a morte moral. Crer que se é a  origem e a fonte do bem é a demência. Acreditar na fonte divina do bem, dirigir-lhe as orações e abandonar-lhe em tudo a sua vontade [limitada], é a suprema sabedoria e o princípio da perfeição moral.

Se aspiramos verdadeiramente a uma vida livre e perfeita,  devemos confiar-nos e submeter-nos Àquele que nos pode libertar do mal e dar-nos a força de fazer o bem, e que possui por toda a eternidade a liberdade e a perfeição. A nossa alma  tem só a aptidão de tornar-se livre e perfeita, mas não possui por ela própria nem liberdade, nem perfeição; ela só tem a possibilidade [ou potencial] de uma e de outra.

Esta aptidão virginal da nossa alma pode tornar-se fecunda duma vida nova que será a nossa salvação; mas, para este fim, para que haja a eclosão verdadeiramente duma vida nova, é preciso que entre em actividade um princípio que traga em si mesmo um certo poder criador e seja como que o gérmen dessa vida nova. A nossa alma está apta a receber Deus, mas esta aptidão deve-se entregar sem reserva ao Seu libertador e senhor, Pai duma nova vida; de modo que ela não permanece infecunda, mas torna-se mãe-matéria duma nova vida espiritual que lhe permite agir e criar em liberdade. Entregando-se a Ele na fé, a pessoa une-se a Ele na oração; também, este é o primeiro acto de fé, no qual Deus e o ser humano agem unidos.

"A fé sem obras é a morte”, a oração é a primeira dessas obras e o começo da actividade sobrenatural. Crendo em Deus, nós devemos acreditar que Nele reside todo o bem, em plenitude e perfeição (pois de outro modo não seria Deus) e se em verdade, todo bem reside em Deus, nós não podemos, por tal facto, estabelecer por nós próprios nenhuma obra boa e verdadeira. Nós não temos, senão o poder de não agir contra o bem e a graça, que vêm do céu, de cooperar com a graça, não agindo contra ela, mas dando-lhe o assentimento [ou anuimento]. A graça divina volta-nos para Deus e nós apenas consentimos pela nossa vontade tal espécie de conversão. 

Eis a essência da oração; ela é já uma certa obra boa e justa, pela qual nós agimos sobre Deus e Deus age sobre nós. Ela é já o começo duma vida espiritual nova, na qual experimentamos em nós o primeiro movimento. Nós sabemos que esta vida está em nós e constitui o melhor de nós, mas também que ela não provém de nós (...) mas vem do Pai (...)». 

Donde a importância do Pai-Nosso para Soloviev, que tentará elucidar no sentido que o Pai das Luzes ou o Pai que está no Céu não é a fonte das doenças, pecados e morte, mas que Ele é, e  nele residem, o Bem, a Verdade, a Vida. E portanto se acreditarmos verdadeiramente Nele, deixamos para trás todo esse passado doente e desgraçado e desejamos acima de tudo, ou de todo o coração e forças, a Deus.

Para Soloviev o desejo pode ser de aparecer: 1º  algo que não existia, 2º algo que já existe, e 3º  de modificações ou melhoramentos. No caso de Deus, «devemos desejar, antes de mais, que Ele se revele a nós, e que nos diga o Seu nome, que Ele nos comunique a concepção, a ideia pela qual o conheceremos. [Importante esta receptividade confiante a que o Divino se pode manifestar em nós, como ao longo dos séculos tantos seres mais devotos ou místicos sentiram. Na Índia chama-se a tal revelação interna divina Ishta devata,  a divindade íntima e pessoal de cada um. Quanto ao mistério do Nome, Palavra, Sermo, Verbo, Logos, há que perseverarmos...]

 E em seguida, tendo-o conhecido, nós devemos receber em verdade a Sua revelação ou reconhecer o Seu nome (…) e devemos depois conformar-nos com Ele, a fim que que o seu Nome seja santificado.»

Quanto ao "Venha a nós o Vosso Reino", Soloviev aponta num sentido tradicional; devemos desejar que Deus não reine somente na intimidade do nosso coração, mas também dum modo visível nas outras almas. O obstáculo a tal vinda são as vontades humanas que não querem que os seus mundos sejam o Reino de Deus, ou estejam abertos ou em conformidade  com a Vontade divina, a qual  poderá ser mais discernida, aplicando-se como regra de consciência no dia a dia,  interrogando-nos qual seria a vontade do mestre Jesus Cristo, face a cada indecisão ou opção a fazer-se

Pão nosso de cada dia é visto como um pedido confiante de realização nos  dois níveis de alimento, o espiritual e o físico. Reconhecendo a necessidade de perdoarmos, alerta para as forças negativas  profundas em nós que se rebelam contra a vontade divina ou a harmonia das leis naturais e da fraternidade multipolar, e que podem tentar-nos triplamente, nomeadamente com a sensualidade (que é vencida pela pureza),  o orgulho (pela humildade) e o poder (a ser vencido pela paciência e desprendimento). A petição final "livrai-nos do mal", é uma nova afirmação de abertura a Deus e às forças superiores para nos ajudarem nas adversidades, sem contudo menosprezarmos o jejum e a oração que serão os meios mais eficazes de purificação e religação.

Eis um breve apanhado de sabedoria acerca do valor e do modo de orar, de um dos mestres principais da filosofia e espiritualidade russa e europeia, que valerá a pena ser lido e aprofundado. 

A Alma do povo russo, por Mikhail Nesterov, um excelente pintor simbolista.   Oh  Sancta Russia, ora pro nobis...

sábado, 22 de novembro de 2025

Pensamentos de Svetoslav Roerich sobre a Beleza e o autoaperfeiçoamento. Com pinturas suas.

                                              

«A busca pelo Belo deve tornar-se para nós a regra do nosso relacionamento diário com a vida. E nessa demanda, poderemos expressar-nos cada vez de forma mais completa.»
Стремление к Прекрасному должно стать для нас нормой каждодневного отношения к жизни. И в этом стремлении мы сможем наиболее полно выразить себя.
Святослав Рерих. Искусство и Жизнь. Книга 1. 1951 г.
                                         

"Deve tentar evitar pensamentos negativos. Não os deixe entrar, e em vez disso, procure os positivos.  Experimente fazer isto, pois é na verdade muito simples. Somos responsáveis pelos nossos pensamentos. 
O significado ou sentido da vida humana está em alcançar-se a beleza, a harmonia e a expressão pessoal própria [O swadharma, e jivataman swarupa, da tradição indiana]. O maior desafio que nos foi lançado é o de auto-aperfeiçoamento em tudo. Se cada um de nós fizer algo mais perfeito em cada dia do que fazia anteriormente, e realizarmos tal voluntária e conscientemente, então essa aspiração  imprimir-se-á 
inevitavelmente na nossa consciência, e a soma dessas aspirações mudará o nosso comportamento para melhor.
                                      
Veja, quando Leibniz visitou Rembr
andt, Rembrandt disse-lhe que cada pincelada que ele dava numa pintura ela não só reflete os seus sentimentos e pensamentos, mas também os captura ou incarna na tela, significando que através da superfície da pintura, eles afetarão os outros. Esse pensamento confessado por Rembrandt impressionou Leibniz de tal forma que ele anotou-o no seu diário. 

Isto quer dizer que, se todas as nossas ações trazem a marca dos nossos pensamentos, então somos responsáveis pelos nossos pensamentos e sentimentos, e  não só para nós próprios, mas também para os outros. Portanto, devemos tentar evitar pensamentos maus, [negativos, nocivos], não permitir a sua ocorrência ou permanência e, em vez disso, esforçar-nos logo por gerar pensamentos positivos. Faça a experiência, tente – na verdade  é muito simples de realizar-se.» Segundo a entrevista a Svetsolav N. Roerich,  publicada em 3 de junho de 1987, na Literary Gazette. Saibamos ser mais admiradores e criadores da Beleza, aperfeiçoando-nos em tal demanda e regra, pois ela toda poderosa na harmonização dos seres e no despertar do Amor e da religação divina e fraterna multipolar.

"...You should try to avoid bad thoughts, don't allow them in, and instead strive for positive ones. Give it a try – it's actually very simple. We are responsible for our thoughts.... Svyatoslav Nikolaevich Roerich ...the meaning of human life lies in achieving beauty, harmony, and self-expression. The biggest challenge is self-improvement in everything. If each of us does something more perfectly each day than we did the day before, and does it consciously, this aspiration will inevitably be imprinted on our consciousness, and the sum of these aspirations will change our behaviour for the better. You see, when Leibniz visited Rembrandt, Rembrandt told him that every brushstroke he puts on a painting not only reflects his feelings and thoughts but also captures them on the canvas, meaning that through the surface of the painting, they will affect others. This thought struck Leibniz so deeply that he wrote it down in his diary. I mean, all our actions bear the imprint of our thoughts, so we are responsible for our thoughts – not only to ourselves, but also to others. Therefore, we should try to avoid bad thoughts, not allow them, and instead strive for positive ones. Give it a try – it's actually very simple.»

An interview with S.N. Roerich in "Literary Gazette," published on June 3, 1987.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Mensagens manuscritas entregues aos livros antigos. Um pedido de oração pelas almas nos purgatórios, do séc. XIX.

                            
 Além das páginas impressa, o
s livros contém não só anotações e desenhos mas também folhas ou papéis manuscritos que os leitores ou possuidores resolveram acrescentar, com notas ou textos originais,  para  eles ou para futuros leitores, ou então porque os receberam de alguém e os inseriram no livro.  
Esta pequena mensagem, num fragmento de 12x10 cm, talvez de 1840-50, em letra inclinada e certinha, com algumas volutas artísticas no final de certas letras e sinais, como que remetendo-nos para as supra-linhas ou dimensões subtis, deve ter-se desprendido do interior comprimido dum livro religioso, e contém uma recomendação de oração, num enlaçamento discursivo invulgar, e que agora respira e emana ao ar livre, pois 
vamos reproduzi-la e transcrevê-la, cumprindo o que pensamos ser desejo do autor ou autora anónimo, que no fim graficamente parece ter desenhado, numa ondulação quintúpla, a continuidade de elos no grande corpo místico da Humanidade e no caso do Cristianismo:  
«Deixou a Mãe Santíssima como prémio do seu Amor o Grande prazer que teve sua Alma Santíssima quando o Santo Simeão aclamou seu filho Precioso por Filho de Deos. Rogue-lhe pelos que estão em pecado Mortal e Agonia de Morte e Almas do Purgatório.» 

Observamos dois acontecimentos: o 1º, a valorização afectiva grande de Maria por o ancião Simeão, em Jerusalém,  ter profetizado, ou descortinado clarividentemente, segundo um episódio do Evangelho segundo S. Lucas, que Jesus era o filho de Deus, ou seja, o esperado Messias (nome que significa ungido ou abençoado por Deus), aclamando-o como tal,  o que fez Maria sentir um grande prazer ou júbilo por se realizar tal bênção salvífica da Humanidade, através dela.   O 2º, nos nossos dias e na temporalidade de peregrinos no Caminho, é o pedido de alguém (Luz e Amor na sua alma) a uma pessoa piedosa, religiosa, ou então com mais tempo, que orasse à Mãe de Jesus  pelos que estão mal animicamente, subentendendo-se que ela os pode ajudar a purificarem-se, elevarem-se ou  redimirem-se seja pelo seu Precioso Filho, seja pelo sua estatura de Mãe de Jesus, seja pela alegria que ela terá por auxiliara essas almas semi-perdidas  recuperarem algo da sua semelhança divina, o que significa também o converterem-se e quererem ser  ou reconhecerem-se como filhos ou filhas de Deus, espíritos provindos da Divindade, fonte do Bem, do Belo e Verdadeiro no Universo...
Ao longo dos séculos muito se tem pensado, discutido e escrito sobre o poder intercessório ou salvífico das orações, com conflitos e oposições por vezes insuperá
veis, nomeadamente com os protestantes recusando o culto dos santos e santas e a sua capacidade de intercessão ou mesmo de Maria, mãe de Jesus. E se ainda há quem reze, muita gente abandonou essa tradição e função sacerdotal do fiel de qualquer religião.

                                           

Ora neste último aspecto, este papelinho com a sua oração é triplamente precioso por referir,  1º a preciosidade ou o preço imenso dos filhos de Deus e em  especial de Jesus, que tendo nascido homem foi erguido a estar sentado à direita do Deus Pai, no dizer de S. Marcos e do Catecismo. 2º por estender, segundo a doutrina da Igreja, a Maria essa capacidade de redenção ou salvação ou elevação humana. 3º por apelar a que pelas nossas orações sejamos também salvadores, ou pelo menos, sacerdotes, isto é sacralizadores, ou ainda cooperadores de tais ajudas e elevações das almas em situações difíceis em vida, no trânsito da morte e já depois de mortas. E como todos temos familiares e amigos que sofrem ou já partiram, pois poderemos realizá-las com mais sentimento ou raios de amor do coração espiritual, seja usando as formas clássicas já quase automáticas, ou então frases curtas inventadas por nós, tais: - Que a Luz e o Amor divino estejam contigo; - Ó Deus, ó mestres, ó espírito, abençoai-as, inspirai-as! - Que Deus brilhe mais em vós..

 Saibamos então orar melhor (com o coração e aspiração, visualização e fé)  pelos que precisam e pelos que já partiram. E lembremo-nos até de grandes escritores que  apelaram à oração para os casos purgatoriais ou purgativos descritos no pedido, e que eu curiosa ou sincronicamente citei recentemente neste blogue em Dostoievsky, e que com que beleza! : https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2025/11/no-aniversario-de-fyodor-mikhailovich.htmle  Boas orações! Seja pontífice entre os mundos luminosamente!

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Galaktion Tabidze, o maravilhoso poeta da Geórgia, então na Rússia imperial e depois soviética, e o seu poema "Sem Amor", 1913.

O maravilhoso poeta da Geórgia, então parte do Império da Rússia, Galaktion Tabidze, de quem se celebrou há dias o aniversário (17-XI-1892 a 17-III-1959), é praticamente desconhecido em Portugal, e assim, aproveitando a data auspiciosa e a partilha dum poema por uma amiga, a Oksana, no Vk.com, resolvi apresentá-lo  (e, claro, não me pude fiar nos dados da Wikipedia, como de costume provenientes da intencionalidade anti-russa que a ideologia ocidental neo-liberal ostenta nessa sua plataforma manipuladora) com uma brevíssima biografia e um belo poema que ilustra bem a força e profundidade da sua alma e o lirismo poético e comunhão com a Natureza e o Cosmos que o animavam e transmitia...
                                                 
Galaktion Tabidz
e recebeu boas influências culturais do seu pai, um sacerdote ortodoxo e professor da província ocidental da Geórgia e depois no seminário teológico de Tbilisi em 1908, começando logo a publicar, tendo sido também professor. As obras poéticas iniciais mais importantes foram coligidas em 1914,  sendo muito apreciadas e mostraram a sua sensibilidade intimista e a grande aspiração insatisfeita ao amor. Participou no começo do Modernismo georgiano, com ligações ao Simbolismo, escrevendo no jornal Golubye rogi (Chifres Azuis).   
Estando ora na Geórgia ora em Moscovo e S. Petersburgo (Petrograd), assistiu ao vivo à revolução de 1917, e aderiu a ela, vindo a participar plenamente seja escrevendo, discursando e viajando até ao estrangeiro. Assim em 1928, excursionou pela santa terra mãe da Rússia com os delegados ao Sexto Congresso da Internacional Comunista, do que resultou o poema A Época (1930). E em 1935 foi um dos delegados ao Congresso anti-fascista de Paris, onde brilhou e do que resultou uma série de poemas importantes.
Infelizmente as lutas,  purgas e repressões políticas de diferentes facções bolchevistas dos anos 30, em especial de Estaline,  levaram à execução em 1941, por estarem ligados aos Antigos Bolchevistas,  da sua mulher Olga Okudzhava e do poeta seu primo e grande companheiro Titsian Tabdize (amigo de Boris Pasternak, que o traduzira), o que o perturbou, sendo também ele sujeito a detenção e interrogações que o fragilizaram, obrigando-o a lutar contra outros factores desagregadores, tais como a tristeza-depressão e o álcool.                                                     
Todavia, apesar ter vencido esses problemas e do sucesso e reconhecimento (até as principais condecorações, como a Ordem de Lenine e a Ordem da Bandeira Vermelha do Trabalho), e pode-se apreciar ao vivo tal popularidade, em https://www.youtube.com/watch?v=TUDQHPIY-Uw   - em 1959, quando tinha 60 anos, voou da janela do hospital psiquiátrico onde estava em tratamento, muito provavelmente impaciente da paz e  da Mors-Amor libertadora, tal como o nosso poeta filósofo Antero de Quental.
Antero de Quental, 1842-1891. Lux et Amor Dei, nele e em Galaktion Tabidze. Aum!
Galaktion Tabidze, ao contrário de Antero, foi acompanhado no funeral por milhares e milhares de pessoas que tinham sido fecundadas pelo sua palavra e alma ígnea, inquieta e na demanda de justiça e de amor, certamente gerando ondas  de amor e misericórdia que muito o terão banhado e ajudado. Oiçamo-lo vibrante, entusiasmado,  noutro do seus milhares de poemas, muitos ainda hoje cantados, numa excelente gravação: https://www.youtube.com/watch?v=1XfhjSwglsQ
                                          
Em 2020, a Ig
reja Ortodoxa da Geórgia  absolveu-o do pecado mortal do suicídio, o que podemos considerar também como certa santificação pelo muito que sentiu, sofreu e influenciou criativamente, sendo hoje reconhecido como um dos mais valiosos poetas da Geórgia. Leiamos então um dos  seus poemas mais cantados e musicados ainda hoje, Sem Amor

 TBILISI, GEÓRGIA - 08 DE JULHO DE 2019: O Túmulo Do Poeta Georgiano Galaktion Tabidze No Panteão Mtatsminda De Escritores E Públi Imagem Editorial

  SEM AMOR
Não há brilho no céu sem amor,
Sopro de vento, variedade de cores do mundo
E canto dos pássaros nas florestas vibrantes.
Não há vida nem imortalidade sem amor...

Mas a última paixão-amor  é-me a mais querida,
Pois, como flor outonal, em doce langor,
Não ouve os gritos selvagens das paixões,
Nem o desabrochar das violetas na neve primaveril.

Não se assemelha a um flor frágil,
O vendaval da meia-noite  acaricia-o
E ele inclina-se lentamente para a terra,
No silêncio outonal, murcha...

 Último amor,  também tu partirás,
Quando as tenras inflorescências se desfazerem.
Todavia não há imortalidade no mundo sem amor,
Não há nem haverá imortalidade sem amor!»
 
Com Galaktion Tabidze, recusemos os infrahumanismos e pragmatismos económicos e hegemónicos que tanto ameaçam e desfiguram a Humanidade e lutemos pela multipolaridade equitativa, fraterna e amorosa. Saibamos imortalizar-nos no Amor flamejante. Saibamos viver o mais possível em amor e compaixão com os outros e com a vida. Não percamos as oportunidades de amarmos mais, de estreitarmos almas e corações, de encontrarmos a pessoa certa e afim, de descobrirmos o nosso caminho de religação espiritual e divina, para que o Amor-Sabedoria divino e imortal possa arder e estabilizar mais plena e frutiferamente em nós e na Terra...
 
 
De Assis Kraussauskas,  "Dois".  Стасис Красаускас "Двое"
 
БЕЗ ЛЮБВИ
Нет без любви сиянья в небесах,
Дыханья ветра, мира многоцветья,
И пенья птиц в разбуженных лесах,
Нет без любви ни жизни, ни бессмертья....

Но мне любовь последняя милей,
Что, как цветок осенний, в тихой неге
Не внемлет диким окрикам страстей,
Фиалок буйству на весеннем снеге.

На хрупкие цветы он не похож,
Полночный ураган его ласкает,
И он клонится медленно к земле,
В безмолвии осеннем увядает...

Последняя любовь, уйдешь и ты,
Когда поблекнут нежные соцветья,
Но в мире нет бессмертья без любви,
Нет и не будет без любви бессмертья...»
Галактион Табидзе.

SANS AMOUR
Il n'y a pas d'éclat dans le ciel sans amour,
Pas de souffle du vent, pas de monde multicolore,
Et pas de chant d'oiseaux dans les forêts éveillées,
Il n'y a ni vie, ni immortalité sans amour...

Mais le dernier amour m'est le plus cher,
Qui, comme une fleur d'automne, dans une douce langueur,
N'écoute pas les cris sauvages des passions,
Ni l'épanouissement des violettes sur la neige printanière.

Il ne ressemble pas à des fleurs fragiles,
L'ouragan de minuit le caresse,
Et il se penche lentement vers la terre,
Dans le silence automnal, il se fane...

Dernier amour, tu t'en iras aussi,
Quand les tendres inflorescences se faneront,
Mais il n'y a pas d'immortalité dans le monde sans amour,
Il n'y a pas et il n'y aura pas d'immortalité sans amour...»


A soft song, with  a tranlation of his poem. https://www.youtube.com/watch?v=pYqSuYvffkA 

WITHOUT LOVE
There is no brilliance in the heavens without love,
No breath of the wind, no multicoloured world,
And no birdsong in the awakened forests,
There is no life or immortality without love...

But my last love is dearer to me,
Like an autumn flower, in quiet bliss,
Unheeding the wild cries of passions,
The violets' exuberance on the spring snow.

He's not like fragile  flowers,
The midnight hurricane caresses him,
And he slowly bends towards the earth,
Withering in the autumn silence...

My last love, you too will leave,
When the tender blossoms fade,
But there is no immortality in the world without love,
And there is no immortality without love, nor will there ever be...»

Excelent, immortal voice, vak or shabda:  https://www.youtube.com/watch?v=1XfhjSwglsQ

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Vanda Anastácio apresenta: "Uma história de Amor aos Livros. A Biblioteca de Estudos Humanísticos de José V. de Pina Martins", na Faculdade de Letras de Lisboa. 17.XI.2025. Com vídeo.

O prof. José Vitorino de Pina Martins, com a veste de ser um doutorado pela Universidade da Sorbonne de Paris, tendo ao fundo sobre si a pintura quinhentista que lhe pertencia de Giovanni Pico della Mirandola, um dos seus três mestres, com Thomas More e Erasmo, a que poderíamos acrescentar Aldo Manuzio e os nossos Damião de Goes, Luís  de Camões e Sá de  Miranda. 

Apresentado na Faculdade de Letras, onde José V. de Pina Martins foi professor auxiliar e catedrático, apesar da sua carreira ter sido bastante no estrangeiro, o livro foi  editado pela Imprensa Nacional, num in-4º de 413 páginas, com um bom design gráfico, embora as fotografias pudessem ter sido a cores.

No prefácio  José Pedro Serra,  director da Biblioteca  da Faculdade de Letras, historia a génese deste livro e agradece disponibilidade e parceria com o Novo Banco, pois como pouca gente saberá a biblioteca de Estudos Humanísticos de Pina Martins acabou, após eu ter realizado a catalogação breve,  por passar in extremis de um colecionador particular para o Novo Banco, que a tem preservado com qualidade e agora com plena disponibilidade de consulta pública, na grande biblioteca que a Faculdade de Letras possui, seja em termos de espaço  como no de conteúdo, onde um milhão de livros se encontra já, ou quase, catalogado e consultável. Isto é  sem dúvida uma obra, missão e tarefa altamente meritória nos tempos que correm de excessiva digitalização dos meios de conhecimento, pois o livro continua a ser um corpo vivo, concreto, dotado de uma história e vida, duma alma, ou dum corpo subtil de impressões, mensagens e memórias, que a reprodução digital não consegue preservar nem transmitir tal como o contacto sensível ao vivo permite. Neste sentido o acesso e o manuseio pelos estudantes de obras quinhentistas, seiscentistas setecentistas ou modernas, ou assinadas e anotadas, é certamente um antídoto contra a massificação, o apagamento das identidades e personas, a submissão à máquina, ao digital, à inteligência artificial, e por vezes, quem sabe, torna-se mesmo uma iniciação afortunada ao amor aos livros, à bibliofilia e a toda cultura e sensibilidade que daí advém.

Nesta bem conseguida obra de amor aos livros, de homenagem a José V. de Pina Martins e de investigação do seu percurso e biblioteca, após o prefácio, há uma breve Introdução, que foi lida na apresentação pela autora e que pode ouvir no fim no vídeo. Seguem-se depois os notáveis e substanciais capítulos O Colecionador, A Biblioteca como Obra (onde transcreve o valioso manuscrito inédito "Como nasceu a minha Biblioteca"), A Biblioteca como Corpo Instável, O Livro como Objecto Total, O Livro como Bem Simbólico, A Biblioteca como Lieu de Mémoire. Por fim, os Agradecimentos e cinco Apêndices: o  1º respeitante às 200 gravuras existentes na Biblioteca, catalogadas por Pedro [Falcão] de Azevedo, o 2º, 3º e 4º transcrevendo e tornando assim conhecidos dos não-bibliófilos os textos hermético, imaginativos e divertidos que Pina Martins escreveu para três catálogos em que deu livros, a fim de comprar outros, para leiloar pelos experientes e sabedores Pedro de Azevedo e Luís Burnay (que nos Episódios e Desabafos de um Livreiro, revela a decifração feita pelo seu pai do acróstico escrito para o 3º leilão, por Pina Martins, «entre o brinco conceptista e a significação esotérica»)  sendo o 5º apêndice o catálogo dos exemplares na  Biblioteca de Pina Martins, que foram dados à luz entre 1497e 1515 na mítica (pois o próprio Erasmo nela trabalhou) tipografia veneziana de Aldo Manuzio, realizado por Miriam Barros dos Santos. A valiosa obra, que embora bastante abrangente e profunda ainda permitiria acrescentos relevantes de livreiros e amigos (tal o já mencionado), mas então não seriam só 400 páginas, na realidade bem escritas ou selecionadas pela Vanda Anastácio, torna-se agora incontornável  para os estudos sobre Pina Martins ou mesmo do livro antigo em Portugal,  e contém ainda as Referências Bibliográficas (que inclui o meu artigo sobre José V. de Pina Martins, na Revista Portuguesa de História do Livro, 2020, transcrito neste blogue), e culmina com uma útil  e bastante completa Bibliografia do nosso querido amigo e notável investigador e professor, conversador e humanista, e inventivo pensador da utopia, José Vitorino de Pina Martins,  que saudamos de coração, desejando que esteja (com a  Primula, uma cristã valdense) em luminosa e boa companhia dialogante com os seus imortais amigos humanistas, a que poderíamos juntar aos já referidos não só os mais antigos tais como Marsilio Ficino, Lefèvre d'Étaples, Guillaume de Budé e Reuchlin, os mais recentes Marcel Bataillon, Eugenio Asensio e Sebastião Tavares Pinho.    

 Com uma das discípulas de José V. de Pina Martins, especialista das encadernações manuelinas, Margarida da Cunha. Fotografia, pelo seu paciente marido Rogério da Cunha.
Na apresentação falaram José Pedro Serra, director da Biblioteca da Faculdade,  Diogo Ramada Curto, director da Biblioteca Nacional, Duarte Azinheira,  o director da Imprensa Nacional Casa da Moeda, o representante do Novo Banco, Hermenegildo Fernandes, reitor da Faculdade de Letras,  o historiador e bibliófilo Manuel Cadafaz de Matos e, a finalizar, a ilustre professor e autora Vanda Anastácio.... Seguiu-se a inauguração da exposição com as edições aldinas, isto é de Aldo Manuzio (1449-1515) e seus familiares, sob os olhares benévolos de José V. de Pina Martins e de Giovanni Pico della Mirandola. Em simultâneo decorreu um convívio agradável que permitiu  as várias pessoas  saberem umas das  outras ou trocarem ideias, sentimentos, informações....  De livreiros e leiloeiros estava só Pedro de Azevedo,  das discípulas na área do livro antigo, na Biblioteca Nacional, de Pina Martins, Maria Valentina Sul Mendes não pode marcar presença, mas já esteve Margarida Cunha e seu marido, com quem conversámos. Podemos dialogar ainda com os dois simpáticos e dinâmicos anfitriões directores da Faculdade e da sua Biblioteca, e com seis amigos: o bibliófilo e sabedor director da  Biblioteca Nacional Diogo Ramada Curto, a historiadora e camoniana Isabel Almeida, o bibliófilo e professor na Faculdade de paleografia Bernardo Sá-Nogueira e o investigador e especialista do livro antigo, sobretudo na área oriental Manuel Cadafaz de Matos, que cedeu um núcleo importante da sua excelente coleção à biblioteca da Faculdade (e disponibilizou para os presentes alguns exemplares do último número da sua valiosa Revista Portuguesa de História do Livro), e o especialista de livro antigo e leiloeiro Pedro Azevedo, que me dando boleia para casa nos permitiu mergulhar em histórias da sua família e da sua iniciação aos livro e à cultura, nomeadamente com Agostinho da Silva, bem como olhando para o passado antevermos o futuro dos livros e do trato amoroso com eles, e da sabedoria e comunhão perene e bela que por eles se actualiza e esplende, e que José Vitorino de Pina Martins tão criativa, funda, abrangente e exemplarmente manifestou... Lux Dei!

                   

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Reflexões sobre a espiritualidade e as suas práticas, a busca da Divindade, a Filosofia Perene, a Tradição Primordial. Alguns dos elos mais luminosos.

Breve improviso de cerca de 14 minutos sobre o caminho espiritual, a busca da Divindade,  a Tradição Primordial, a Filosofia Perene, as práticas purificadoras, meditativas e iluminativas no Cristianismo e no Sanata Dharma indiano, que permitem abrir-nos ao espírito interno e  ao corpo místico da humanidade na sua pluridimensionalidade, e da importância deste trabalho face à actual alienação e infrahumanização que a oligarquia neoliberal ocidental tenta impor massivamente por diversos meios de influência e manipulação. Um trabalho ígneo, sacerdotal e guerreiro, a acrescentar-se axial e salvificamente ao profissional... 

São nomeados alguns dos principais elos de transmissão da Tradição espiritual, com incidência maior nos mestres da Rússia, da Filosofia Perene, em que referi Julius Evola (19-V-1898 a 11-VI-1974), René Guénon (15-XI-1886 a 7-I-1951), Ananda Coomaraswamy (22-VIII-1877 a 9-IX-1947), Titus Burckhardt (24-X-1908 a 15-I-1984) e ainda, por alguns modos, Dalila Pereira da Costa (4-III-1918 a 2-III-2012), Bô Yin Râ (25-XI-1886 a 14-II-1943, bastante trabalhado neste blogue) e Jacques de Marquette (1868-1969). Já da Índia,  lembrei alguns  dos melhores dos últimos séculos, Paramahansa Ramakrishna, gurudev Ranade (3-VII-1886 a 6-VI-1957), Gopinath Kaviraj (7-VIII-1887 a 12-VI-1976), Amarakavi Ramachandra, Shuddhananda Bharati, swami Abhishiktananda (1910-1973), Bede Griffiths (17-XIII-1906 a 13-V-1993, e com quem estive no seu paradisíaco ashram junto às margens do rio Kavery).   A imagem durante esta gravação é sempre a mesma, um ícone  do séc. XX do staretz russo S. Serafim de Sarov, cuja vida e ensinamentos tenho partilhado neste blogue. Não mencionei, por uma certa pressa,  Nicholas e  Helena Roerich, nem os seus filhos George e Svestolav, nem o discípulo Boris Abramov, quando falei neste improviso dos elos da tradição filosófica, religiosa e espiritual russa. Também dos indianos poderia ter mencionado Rabindranath Tagore (7-V-1861 a 7-VIII -1941, bastante partilhado neste blogue), Paramahansa Yogananda (1893-1952)  sri sri Ananda Murti (1921-1990). Todos estes mestres ou escritores são biografados sumariamente nas  Efemérides do encontro da Índia e Portugal, do Oriente e Ocidente, neste blogue, distribuídas pelos 12 meses. Boas escutas, investigações e práticas! Aum...