sábado, 11 de outubro de 2025

S. António, soneto de Oliva Guerra, em "Serenidade", 1933. Biografia, hermenêutica. Terá influenciado Fernando Pessoa?

                                 

Oliva Guerra, em 1933, quando publicou Serenidades, já dera à luz  sete livros de conferências, versos, prosa e novela para crianças e, com  42 anos,  amadurecida e serena, com a sua imensa sensibilidade, pode transmitir-nos neste livro  vinte e um poemas de grande qualidade,  vários, tal como o do Silêncio, merecendo a nossa leitura interiorizada e mesmo hermenêutica. Escolhemos o dedicado a Santo António de Lisboa, e que antecede S. Francisco de Assis, os únicos poemas expressamente religiosos, embora em todos vibre a sua grande sensibilidade e espiritualidade. 

Nascendo em Sintra a 18 de Maio de 1891, como viveu longamente, certamente apoiada por ser  pianista e musicóloga, professora de português e literatura, Oliva Guerra publicou ainda vários livros antes de partir para o além, que sempre sentira e poetisara, em 22 de julho de 1982. Foi condecorada  três vezes, e desde 1992 o prémio literário da Câmara Municipal de Sintra tem o seu nome, homenagem a quem nascendo em Sintra muito amou tal terra encantada, e sobre quem escreveu o belo Roteiro lírico de Sintra. Relembremos que  posteriormente em 1944 traduzirá de Gino Saviotti, o seu livro Santo António, e leiamos então o soneto...

                                     S. António de Lisboa 

Partiu um dia pelo mundo fora,
Demandando as paragens mais incertas,
Semeando a luz das suas mão abertas,
Volvendo noites em perpétua aurora.

Percorreu terras bárbaras, desertas,
Pregou a fé, seu sonho de hora a hora.
Foi - quem sabe? - no Portugal de outrora
O génio místico dos Descobrimentos.

Santo mais santo deste grande povo,
Vem teus milagres repetir de novo,
Vem missionar a Fé mais uma vez.
 
Numa ânsia remota de ternura
Andam os nossos tempos à procura
                           De um santo como tu tão português.»                                                                                                                                               A primeira quadra é maravilhosa de sugestões auricas e coloridas: mãos abertas, disponíveis, irradiam luz, semeiam-na mesmo, e transformam as trevas em dia, em amanhecer radioso. Que bela visão do ser que parte para a sua jornada diária, ou para a sua peregrinação, com este estado de alma e de corpo, transfigurando luminosamente o que o rodeia...
         A segunda quadra mostra-nos na grande seara do mundo, o trabalhador da palavra, da ideia, da crença, do sonho, que se vive ou se ergue hora a hora e que, nessa doação de descoberta e partilha com o outro do que lhe vai na alma de sagrado e de divino, S. António é um primeiro missionário dos Descobrimentos, embora só tenha tentado o norte de África e pela sua fraca saúde não pudesse concretizar o sonho. Serão os franciscanos que  irão depoismissionar o Oriente, com grandes momentos de amor e de luz. Génio místico dos Descobrimentos, lhes chama com valiosa intuição, Oliva Guerra. Génio, qual Djinn islàmico da lâmpada de Aladino, ou se quisermos, dos romanos, o Genius como o Anjo, místico, subtil, invisível, da pessoa, do local, da obra, dos Descobrimentos.
    O primeiro terceto parece que terá chegado aos ouvidos de Fernando Pessoa, ressoando em algumas passagens da Mensagem, nomeadamente acerca de Nuno Álvares Pereira e de D. Sebastião.
     No terceto final, que nos parece ressoar de novo em partes da Mensagem, nomeadamente na ânsia  remota e na procura de um profeta, santo, mestre ou avatar, Oliva Guerra ressuscita o amor ternura franciscano de outrora em novos peregrinos, semeadores, místicos, homens e mulheres  que consigam ser S. Portugal, ou o Arcanjo de Portugal em acção, ou simplesmente reflectido...
Oliva Guerra, uma alma da Cynthia artística de outrora mas perene, que bem merece ser revisitada, estudada e amada...
                                       
                    A letra musicalmente bela de Oliva Guerra...Lux, Amor!

Dos livros e da leitura, diálogo e escrita iluminante e libertadora. Inspirações de fotografias de mestres russos e particularmente de George Roerich.

Dostoievsky publicado popularmente em Portugal no começo da República. No canto, George Roerich, valioso filólogo e orientalista.

Somos todos almas leitoras e escritoras. Elos sucessivos ao longo dos séculos de uma perene busca da Humanidade de conhecimento, de verdade, de beleza, de justiça, de amor e da Divindade. 

 O que lês tu mais? Sobre quê dialogas ? O que meditas, ou escreves?   Consegues não te superficializar nas redes sociais e manter capacidade temporal e mental para aprofundares certas ideias, comentários, críticas?

Tens algumas pessoas amigas, ou autores preferidos, com quem estás num convívio intelectual e espiritual profundo que perdurará na eternidade? 

Há alguém para quem enviar textos ou mesmo escrever cartas, seja de demanda, seja de amor, seja de partilha, seja de sabedoria, faz sentido, acontece, é bom e iluminante ou libertador? 

Há  assuntos, ou temas, ou autores, sobre os quais as tuas reflexões, meditações e escritos podem-se considerar contributos valiosos para a melhoria da Humanidade?

Que nos inspirem os mestres eternos, de Dostoievsky e Berdiaev à família Roerich, e George ou Yuri Roerich, no cartãozinho inicial, dado em 1995 pela orientalista Helena em Calcuta, e que para vencermos as trevas da decadência, alienção e opressão ocidental saibamos ler, dialogar, escrever, publicar em satsangas ou companhias da verdade valiosas e luminosas.

Nicholas, Helena, Yuri e Svestolav Roerich, em Naggar, Kulu Valey, India.
O notável pintor Svetoslav Roerich, com o seu irmão Yuri, orientalista.

Yuri ou George Roerich, que dominava muitas línguas orientais, tais o sânscrito, o mogol e o tibetano, com um manuscrito tibetano nas mãos. Ao fundo pinturas do pai, Nicholas Roerich.

" - Ao trabalho, amigos e amigas. Forças, inspirações e perseverança! Aum Agni Aum, Aum Mani Padme Hum Hri!". 

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Miguel Trigueiros, e os seus poemas de "Deus", prefaciado por M.Trindade Salgueiro, Gilberto Kajawsky e Álvaro Ribeiro

                                  

 Miguel Trigueiros (10-V-1918 a 1999), formado e doutorado em Teologia, jornalista, poeta,  conselheiro cultural em três postos no Estrangeiro, quando publicou  o seu terceiro  livro de poesia Deus, em 1943, após o folheto prefaciado por Branca Gonta Colaço Palestra Rimada, 1933, e o Resgate,1939 (prémio Antero de Quental, do SNI, tal como Fernando Pessoa recebera com a Mensagem em 1934),  justificou o título «por ser Ele, na verdade, a aspiração constante, a Presença visível ou oculta e a soma de todos os caminhos poéticos percorridos, mesmo quando a comunicação das ideias e dos sentimentos se reveste de aspectos profanos», cobrindo assim com a diafinidade ou intensidade do seu Amor a Deus, os muitos belos poemas que ecoam ou transmitem o seu grande  amor pela mulher Maria Margarida (com quem virá a escrever, já em 1985, os Portugueses que somos). Não é pois um livro de poesia apenas religiosa, mas é também lírica, amorosa, social. 

Um dos mais belos poemas à sua mulher Maria Margarida.

Após inserir as palavras prefaciais e sábias do cardeal Trindade Salgueiro, que foi provavelmente seu professor, e de Gilberto Kujawsky, dedica a obra a sua mulher Maria Margarida e aos sete filhos  e apresenta o seu aforístico Manifesto, seguindo-se um texto, sob a forma de cruz latina, do filósofo Álvaro Ribeiro. E por fim os poemas, cuja Trajectória explicitou numa sucessão quádrupla: I - Entre o Vale e a Montanha (Resgate), II - Vozes da Escalada (Diálogo do Céu e da Terra), III - Primeiros Cimos (Sete Poemas do Natal) e IV - Cântico da Altura (Deus). Poemas cheios de aspiração e força. de compaixão e amor, mas que podem fazer perguntar a que nível de realização divina chegou? Apenas a fé ou há uma vivência, experiência, ou mesmo uma gnose mais íntima e espiritual? Veremos no fim... 

Transcrevamos do princípio do livro o início da carta do bispo Manuel Trindade Salgueiro (1898-1965): «Meu Amigo. Li com devoção o seu livro, que é largo bater de asas nos domínios luminosos da fé. Na sua carta a Frei Agostinho da Cruz escreve que:  "Só os versos feitos de alma/Trazem notícias de Deus." São feitos desse modo os seus versos e por isso as notícias que de Deus nos trazem, são harmoniosas, e límpidas e profundas, como vozes do Infinito.»

Valorizemos no valioso intelectual, teólogo e professor. natural de Ílhavo, que chegou a Arcebispo de Évora, a sua apreciação da poesia de Miguel Trigueiros como bater de asas, isto é, como raios em aspiração de amor, verdade, unidade, e que sondam e querem entrar nos domínios espirituais e divinos (e está no fundo a comentar o poema Mais Além).  E que a Fé, como aspiração e crença que Deus, o Bem, o Amor e a Ordem existem, nos fortalece para lutarmos por tais princípios e elevadas realidades. Finalmente, que só os versos  sentidos intimamente e de alma é que nos fazem vibrar nas escalas, frequências, vibrações, dimensões ou níveis  divinos, permitindo então captar-se ou intuir-se algo da voz, Palavra ou Logos do Infinito, transcendente e imanente.

Gilberto Melo Kujawsky (nascido em 1929 no Brasil, notável fílósofo anteriano e orteguiano) apresenta e contextualiza também muito bem Miguel Trigueiros, destacando o seu cristianismo e elevando-o até a um lídimo sucessor de Antero de Quental:  «(...) Líder de uma nova poesia cristã em Portugal, essencialmente caracterizada pelo teocentrismo e a re-aliança do sobrenatural na concepção e no conhecimento da realidade, a mensagem de Miguel Trigueiros é mensagem de revolução, de escândalo, na Babel dos nossos dias, porque sua poesia é antes de tudo a poesia da vontade, da vontade sobranceira a clamar bem alto pelos seus deveres, em vez de limitar-se à poesia de sentimentos implorando, apenas, pelos seus direitos.»  E depois de destacar a sua poesia como joanina (do evangelista João), como Palavra sagrada, como reveladora do Divino Verbo Criador em acção em tudo, mencionando mesmo Jakob Boehme, e dum modo excelente, "poesia de profunda comunhão interna a comunicar-nos a íntima voz das coisas, como esperava o místico Jakob Boehme ouvisse um dia toda a humanidade purificada", concluirá no último parágrafo, algo optimista ou generosamente: «Vemos em Miguel Trigueiros o primeiro grande poeta a cursar em Portugal (e talvez no Mundo) aquele sentido que Antero de Quental profetizava seria a orientação definitiva do pensamento europeu,  - "o sentimento do espírito como sendo o tipo, a forma da realidade; do bem, como sendo a essência do espírito; e da liberdade como a substância do bem". Anote-se que este resumo final entre ásperas não é transcrição exacta duma frase  de Antero, mas sim uma aproximação sintética ao essencial das Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, como sabemos o testamento filosófico de Antero de Quental». 

Segue-se, em três axiomas, o  Manifesto para uma Poesia Nova, e relembre-se que  ele pertenceu ao movimento Poesia Nova, com Sidónio Muralha, e de certo modo com Duarte de Montalegre ou José V. de Pina Martins, que estudara e convivera com ele em Coimbra: I - Nem arte pela arte, nem arte pelo homem, nem arte pela classe:arte pelo todo. II - Nem egocentrismo, nem antropocentrismo: teocentrismo. 3 - Nem arritmia, nem neo-formalismo: polirritimia.

  Por fim dá lugar ao seu mestre Álvaro Ribeiro que contribui com um belo texto em forma de Cruz, bem digno de se meditar mais atentamente, e  que como não está digitalizado, reproduzimos e transcrevemos:
«A poesia de Miguel Trigueiros, clara, harmoniosa, equilibrada, como todas as forças do Bem, representa um caso excepcional de directa superação do lirismo pelo exercício das virtudes teologais. A razão que vai sendo cada vez mais permeável à fé, e portanto cada vez mais animada de luz e calor, confere à poesia portuguesa uma inteligibilidade que a afasta, distingue e separa dos produtos modernistas de inspiração satânica. Miguel Trigueiros é fiel à tradição. Venccndo pela penitência o orgulhoso lirismo do homem natural, faz da oração a sua originalidade, e alegra-se pela graça de ser um cantor de Deus.»  Note-se um certo dualismo cxagerado, ao considerar a poesia modernista como satânica...
No ciclo dos poemas, e há vários de grande beleza e perfeição, em geral cheios de amor e admiração, aspiração e, vontade, e poderíamos pensar que seriam os últimos oferecerem as suas compreensões, experiências, ou mesmo visões de Deus. Não são eles porém poemas místicos de realização interior, mas sim os de alguém que aspira e ama a Deus, e que é sobretudo um amante da Humanidade, um ser animado de amor e compaixão pelo que o rodeia e que sente nessa fraternidade e simpatia a presença de Deus. Há contudo um mistico ou unitivo sentimento da Natureza, muito sentido e forte, bem patente no poema que o bispo Manuel Trindade Salgueiro destacara, dedicado a Frei Agostinho da Cruz, e intitulado Deus no Poeta, dos mais belos e elevados inegavelmente, mas também em outros, como no dedicado à ilha da Madeira e que é de antologia.
Após uma série de poemas sobre a mulher, as pessoas, os tipos profissionais ou socia
is, consagra alguns a Portugal, dando-nos no fundo a sua versão da Mensagem, de Fernando Pessoa,  e conclui com o seu Resumo da Escalada, belo, valioso, bem fundamentado até em termos de espiritualidade imanente mas que indiciará talvez uma certa carência de realização íntima de Deus, sem querermos estar a julgá-lo, tanto mais face à tão valiosa acção religiosa em Portugal e Brasil durante a sua vida, tal como Ferreira da Silva testemunha na breve notícia biográfica que lhe consagra na badana do livro: «O autor, ao percorrer como um cruzado os caminhos de Portugal, para levar a todo o lado na arte da sua poesia, a mensagem da sempre bela e imortal Verdade cristã, já mereceu com justiça a gratidão de todos os crentes da nossa terra». Oiçamo-lo, sob o título: 

     Deus em Tudo, em Todos e em cada Coisa (Resumo da Escalada) 

Deus é Presença e Luz. Para encontrá-lo,
E unir - à Sua voz - a nossa voz,
Não queiramos ir longe procurá-lO,
Pois Ele existe já dentro de nós.

Os caminhos são dois - Verdade e Amor.
O que espalha orações pelos escombros,
Do coração em festa e de alma em flor,
Sente as mãos do Senhor sobre os ombros.

Quem sabe o rumo do universo? Vede:
- Queima-se a Humanidade em chamas de ânsia...
Tanto espírito bom, morto de seda,
Com a Fonte a dois passos da distância!

Devemos, sob o signo da Humildade,
Se na Terra da vida cresce o vício,
Lavrá-la com o arado da vontade
E, depois semear-lhe o Sacrifício.

Onde há mundo de mais, há céu de menos.
Cansa o descrer... Acreditar não cansa.
Os píncaros mais altos são pequenos
Para quem leva as asas da esperança.

Deus redime e ilumina cada coisa
O seu olhar, feito de sonho e calma,
- Como poisa o luar na noite - poisa
Nas noites outonais da nossa alma.

E deixa de ser mudo o corpo mudo:
Um novo pensamento ascende em grito:
Traz do fundo de tudo, para tudo
As palavras do Livro do Infinito

São palavras de luz e de promessa;
Procuremos senti-las e entendê-las.
Penetremos além, onde começa
O sorriso profundo das estrelas.

E troquemos o instante pelo eterno.
Sigamos o caminho de Jesus.
- A Primavera vem depois do Inverno;
A alegria virá depois da cruz!

Passa o tempo velhinho; passam vidas;
Tal como passa o bem, passa a desgraça;
Passam todas as coisas conhecidas.
Só nome de Deus é que não passa.»
 
O poema, bem valioso, transparece um dos métodos da sua poesia, a inserção de frases ou ditos marcantes, poderosos, no meio das ideias ou doutrinas, em geral  bem sentidas e acreditadas, e com imagens activas que partilham o seu dinamismo anímico, nutrido no cristianismo, mas sem que citações dos Evangelhos surjam, com Jesus mesmo muito desaparecido face à sua aspiração a Deus, que começa neste poema por ser apresentado como Presença e Luz. Viu ele a Luz interior? Sentiu a sua presença? Como Amor, certamente, ou como destinatário da sua gratidão e adoração, certamente. Quanto ao ouvir a Sua voz e a unirmos a nossa à Dele, sabemos quão dificil é, ou mesmo do perigo da vozes ilusas. De qualquer modo,  poderemos discernir a sua voz ao trilhamos criativamente os dois caminhos, Verdade e Amor, dando-nos ele uma boa imagem sensação de algo da Presença ou influxo da Deus sentir as mãos divinas sobre os ombros, curiosamente algo que Fernando Pessoa também escreveu num belo poema inédito até 1989, quando  o publiquei.
De qualquer modo, Miguel Trigueiros adverte que Deus existe já dentro de nós e no ciclo do devir de constantes metamorfoses, e em que temos de lutar contra vícios e defeitos, com a força da vontade e o sacrifício. E se desabrocharmos as asas e olhos de esperança, conseguiremos tanto ouvir as palavras ou gritos que brotam do fundo  e que se sentidos e entendidos poderão elevar-nos ao sorriso profundo das estrelas, e poderia ter acrescentado à música das esferas, das harmonias planetárias e dos espíritos celestiais.
Os seus últimos conselhos aforísticos são bem valiosos: Troquemos o instante pelo eterno. Sigamos o caminho de Jesus. Tudo passa, só o nome de Deus é que não passa.
O "nome de Deus"?  Porque é só tal o que teremos sempre à nossa disposição anímica para as nossas orações e cantos, meditações e contemplações, e por isso Miguel Trigueiros intitulou e bem o seu livro Deus?
Esta palavra Deus, Deos, Dios, será então para um poeta, autor radiofónico, conferencista, a mais indicada para invocar, avatarizar, coalescer, sentir Deus, restando apenas, depois dos nossos esforços e amor com Ela e por Ela, recebermos (como médiuns prismáticos, dirá na entrevista de 1956) a graça Divina, seja como inspiração, Amor,  Presença ou Luz, o mais normal...
Demos graças pelos caminhos de Verdade, Luz e Amor  que conseguirmos trilhar, e saudemos neles Miguel Trigueiros e sua família e amigos mais chegados! 
Anote-se que este artigo e leitura mais detalhada e atenta do Deus, foi motivado por a excelente e bem cristã livreira alfarrabista Lurdes Paiva, da Ler com Gosto, no Porto, sabendo que eu possuía a obra me confessou que tinha uma  amiga muito interessada, pois alguns dos poemas são cantados em missas, tendo chegado à conclusão que ofereceríamos os dois (mais o Miguel Trigueiros) à senhora amiga o exemplar, que manuseei e aprofundei nestes dias 9 e 10 de Outubro no ano da graça de 2025.
Uma última questão, sobre o nome de Deus. Será que Miguel Trigueiros conhecia as tradições hesicastas ortodoxas e as dos mantras indianos, e terá usado algum tipo de oração repetição dum nome especifico de Deus, para além do nome "Deus"? Tal Jesus, ou Jesus e Maria? Claro, os nomes de Deus indianos e islâmicos, ou os seus mantras ou sons sagrados, como o nosso Amen, não terá utilizado.... 
Na valiosa entrevista, e bem psicológica, de Igrejas Caeiro, na RTP, realizada em 1956, audível hoje em: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/entrevista-a-miguel-trigueiros/, Miguel (Forjaz) Trigueiros (irmão de Luís Forjaz Trigueiros, com quem ainda dialoguei), na sua grande sensibilidade, delicadeza, jovialidade e musical voz, exclama algumas vezes "meu Deus", o que pode indiciar o uso de alguns dos mantras ou jaculatórias da tradição espiritual portuguesa, que o empregam, tal como o "Meu Deus, eu amo-vos de todo o meu coração" ou ainda o simples "meu Deus, meu Deus"...

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

São Sérgio de Radonezh. Biografia, ditos, testemunhos. E em vídeo as cerimónias realizadas diante do seu repouso-túmulo em Rostov, Russia em 2025

S. Sérgio de Radonezh, 1313-1392. 

S. Sérgio de Radonezh (ou Radonege) é um dos santos mais importantes no mundo russo, considerado mesmo o santo protector da Rússia, e celebrado a 8 de Outubro (pois corresponde ao dia da sua morte no calendário antigo, 28 de Setembro),  pois foi quem no século XIV liderou tanto o renascimento monástico e cultural da Rússia como a própria independência, já  que os príncipes russos estavam desde 1240 em grande parte submetidos ao mongóis, e já que sendo conselheiro dos grandes duques e dos metropolitas de Moscovo, apoiou o príncipe Dmitry Donskoy na sua luta contra os ocupantes tártaros e mongóis, pondo todos os monges em oração no dia e horas em que se concluiu vitoriosamente a famosa batalha de Kulikovo, perto do rio Don, junto a Moscovo, a 8 de Setembro de 1830, permitindo que o ducado de Moscovo começasse a unificar os diversos principados e a liderar o povo russo.

 Sérgio de Radonezh nascera a 3 de Maio de 131em Rostov, filho de Cirilo e Maria, sendo baptizado com o nome de Bartolomeu,  e desde cedo teve a aspiração divina. Depois de enterrar os pais, tornou-se monge aos vinte quatro anos (ordenado a 7-X-1337)  e criou o seu pequeno eremitério nas florestas de Rostov, com uma capela (em madeira) dedicada ao mistério da santíssima Trindade

 Notabilizou-se pela sua empatia e amor aos camponeses, pelo seu ascetismo, pela devoção a Deus, e atraiu rapidamente vários monges e discípulos, mas  só permitiu tornar-se sacerdote e ser o abade do mosteiro da Trindade, por carta do patriarca de Constantinopla, em 1354. Há muitos histórias dos dons e graças espirituais que recebeu e transmitiu, seja da participação angélica nas missas, seja da bênção ígnea espiritual que ele dava, mas só com boa intuição se discernirá a verdade da lenda. O seu eremitério-mosteiro tornar-se-á muito conhecido, e irradiarão dele mais de setenta e cinco centros religiosos, culturais e económicos no Norte da Rússia, já que os monges trabalhavam tanto com as mãos, como com a cabeça e o coração e iam animados da ligação pelo coração ao abade e santo, e a Deus. A regra era porém a da pobreza e a da posse dos bens em comum.

São Sérgio de Radonezh, numa pintura de 1932 de Nicholai Roerich.

Como não escreveu nada com as suas mãos, estamos dependentes dos testemunhos dos outros, nomeadamente do seu discípulo Cirilo de Bieluzersk , e Epifânio, o sábio. Citemos modernamente os Ditos de Sérgio que Helena Roerich (sob o pseudónimo de Josephine Saint Hilaire) transcreveu para o seu livro On Eastern CrossRoads. Legends and Prophecies of Asia:
«"S
e uma pessoa ouvir a voz do seu espírito, ele renascerá acima do precipício.
E o que parte para as florestas não deve ouvir a fala humana. E o que adormecer não ouvirá os pássaros, que são os arautos do sol.
E o que estiver em silêncio diante de manifestação dum milagre pagará uma penalidade com a sua vista. E o que proibir ajudar um irmão não conseguirá extrair o espinho do seu pé."
Um dia santo Aleixo veio perguntar a Sérgio: "O que há para se fazer"?
Sérgio respondeu, "Ajuda a Terra Russa".
Quando os camponeses perguntavam a Sérgio: "O que devemos fazer"? Ele respondia, "Ajudai a Terra Russa!"
Quando [o líder Kuzma] Minin se dirigiu [em oração] a Sérgio, a resposta dada foi: "Ajuda a Terra Russa".» 

Sérgio, o construtor. Pintura de Nicholas Roerich, de 1935. 
 Muitas outras histórias e legendas foram preservadas, mas vamos partilhar o escrito recente sobre São Sérgio por Ludmila Vasilyevna Shaposhnikova, a diretora geral do Museu Nicholas Roerich em Moscovo, primeira vice-presidente do Centro Internacional dos Roerichs, indóloga, filósofa, pesquisadora e divulgadora do legado filosófico e artístico dos Roerichs:

   «Seis meses antes de morrer em 1392, ele previu a chegada desta com precisão de um dia. Tal anúncio foi, provavelmente, a última coisa que ouviram dele. Depois ficou em silêncio. Fez um voto de silêncio. Assim partiu, sem dizer mais nenhuma palavra. Isto aconteceu em 1392. Foi enterrado na igreja de madeira do mosteiro, e três décadas depois, sobre seu túmulo, foi erguida a Catedral da Trindade de pedra branca, que permanece de pé até hoje [e onde se celebrou hoje a sua alma, conforme o vídeo final]. As relíquias de São Sérgio repousam nela num relicário de prata. Em toda a sua vida, ele não teve nem um milésimo dessa prata. Tal riqueza também não estava no mosteiro que construiu com outros numa floresta remota no monte Makovets, onde o trabalho humano e o alto Espírito eram considerados, esses sim, a maior riqueza. 

 Muitos anos depois, imagens de Sérgio aparecerão em ícones. Os pintores de ícones religiosos o retratarão com uma abstração celestial e santa brilhando nos olhos. No entanto, a História trar-nos-á outro Sérgio de Radonezh:  filósofo e pensador, patriota e político. Construtor da cultura russa e do Estado russo. Um incansável asceta e trabalhador da Terra. Perspicaz e talentoso, que prevê o futuro. Um homem de forte aparência. Traços marcantes, olhos de vidente e mãos fortes, acostumadas ao trabalho físico pesado. Assim vemos Sérgio nas telas de Nikolai Konstantinovich Roerich. 


O ensinamento de São Sérgio sobre a Trindade, o Bem Comum, a Comunidade, o Mundo Superior, o papel mais importante da moralidade e da cooperação na vida do povo, sobre a necessidade do trabalho como meio de realização espiritual, estabeleceu-se na Rússia com marco importante e exerceu uma influência decisiva no alto polo da vida espiritual do país, sem o qual a revolução espiritual não poderia ter ocorrido no seu espaço.
O trabalho construtivo e amplo dessa grande personalidade no campo da Cultura testemunhou a importância crucial que o santo atribuía a essa área do Espírito popular. A comunicação de Sérgio com o mundo superior, da qual suas visões ardentes estavam ligadas, conhecida por nós através de muitas fontes históricas e religiosas, não foi o resultado de qualquer artifício ou exercícios exaustivos. Tudo isso acontecia através do seu coração. "No conhecimento do coração", escreveu Helena Ivanovna Roerich, "esse grande e único motor e medida da espiritualidade, o Venerável superou muitos caminhantes espirituais. Foi ele quem encontrou a força desta fonte e, através dela, se conectou ao mundo Ígneo; disso testemunham vividamente as suas visões flamejantes".
 Sérgio era uma personalidade profundamente nacional, como se tivesse surgido da própria alma do povo russo e sido elevado acima dele, mas que, de forma surpreendente, manteve os laços que o ligavam ao povo.  São Sérgio é igualmente grande para todos. O seu feito é universal. Mas para o russo, é justamente isso que nos comove: uma profunda ressonância com o povo, uma grande tipicidade – a combinação em um só dos traços dispersos dos russos. Daí o amor e a veneração especiais por ele na Rússia, a silenciosa elevação a santo popular, que dificilmente coube a outro.
Foi em Sérgio de Radonezh que se concentraram, por assim dizer, as características mais importantes da história russa e do espírito da cultura russa, para depois, seis séculos mais tarde, ressoarem nos sábios pensamentos do Ensinamento da Étiva Viva [do casal Roerich], que se tornará o fundamento de um novo pensamento planetário. E se olharmos para este problema de forma suficientemente ampla, podemos dizer, sem medo de errar, que foi precisamente o campo energético da Cultura, criado por Sérgio, que serviu para o desenvolvimento posterior do pensamento russo. Neste campo, no século XIX, amadureceram a literatura russa e a arte russa que serviram de impulso para o desenvolvimento do processo que culminou na revolução Espiritual [gerada pela família Rerich].» 

Saudemos de Portugal S. Sérgio de Radonezh, ou Radonegue e peçamos que ele ore as bênçãos divinas sobre nós, e pelos dirigentes políticos ocidentais, infelizmente tão degenerados, tão desalinhados do Bem, da Verdade, da multipolaridade fraterna e da ligação Divina...

                                         St. Sergius of Radonezh - St. Herman of ...

Ligação ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=JfxY5hZcjHg&t=5411s

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Poema da Lua Cheia de Outubro de 2025. Com a bela música de Max Richter - On The Nature Of Daylight (Soft Felt Piano Version)

Poema escrito pelas 15:30, de 7-X-2025, dia de Lua Cheia (Lua em Carneiro, Sol em Balança). Aproveite, respire, medite, encha-se, irradia, ame, singre, crie, eleve-se, vença...

Dias de Lua Cheia, chapadas de luz nos rios, lagos e oceanos, 
transfigurações das gotas de água irisadas e irradiantes,
passadeiras para as almas que já caminham sobre as emoções,
exaltações nas que demandam a verdade, a justiça, o Bem, Deus.


Aproveite criativamente os dias de eflúvios solares-lunares,
absorva-os na sua alma, morra e renasça, cure-se e medite.
É na sua alma e coração que a Luz da Lua deve brilhar,
não deixando trevosos e desânimos impedir-lhe a entrada.

Meu Deus, minha Deusa, Sol e Lua, eu vos invoco e oro!

Brilhai no interior da alma e fazei-nos renascer na unidade,
na harmonia do passado, presente e futuro, valores e missões,
na aspiração da comunhão amorosa convosco, Sol e Lua,
antepassados e nascituros, na Terra Lúcida que desejamos,
na multipolaridade equitativa que flameja como nova Era. 

 

                        

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

S. Inácio de Brianchaninov comenta as instruções espirituais de S. Serafim de Sarov. Transcrição de parte do texto e gravação plena em video.


O bispo Inácio de Brianchainov (5-II-1807 a 12-V-1867) foi um dos mestres valiosos da santa Rússia, com um percurso de grande fulgor intelectual e devocional, eriçado de oposições iniciais à sua vocação e doenças, mas que o levou a passar por sucessivos mosteiros e a restaurá-los excelentemente tanto material como espiritualmente. Foi santificado em 1988. 

Deixou muitos escritos de espiritualidade ascética e mística e se não temos relatos das suas visões e iluminações tão conhecidos como os de S. Serafim de Sarov, observamos nos seus escritos um discernimento do que é mais importante no caminho espiritual e um conhecimento directo das graças espirituais e divinas. 

Ao longo da sua vida por diversas vezes escreveu sobre a oração, segundo a inspiração do momento e as pessoas a quem se dirigia. Uma das vezes foi mesmo sobre S. Serafim de Sarov e as suas Instruções Espirituais, e tal texto  foi publicado por Bubba Free John em 1973, versão que utilizamos na leitura-tradução que gravamos e partilhamos para o Youtube e que encontra no fim.

Para este artigo apenas transcrevemos a parte final do texto de S. Inácio, que foi todo (excepto duas ou três palavras) lido e gravado, por conter uma das mais valiosas instruções espirituais  de S. Serafim de Sarov, sobre a Luz de Cristo, ou se quisermos a Luz Divina interior vista por tantos místicos de diversas tradições, registadas por um seu discípulo, e que S. Inácio de Brianchaninov comentou levemente.

                                  XXVIII - A LUZ DE CRISTO
«Para se receber e ver no nosso coração a luz de Cristo, devemos o mais possível retirar-nos dos objetos visíveis. Tendo sido purificado a nossa alma  pela penitência, as boas ações, e a fé em que foi crucificado por nós, devemos fechar os olhos corporais, e mergulhar a nossa mente no nosso coração, onde devemos apelar com a invocação do nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Então, de acordo com o zelo e fervor do espírito para com o Amado, uma pessoa encontra no nome invocado uma delícia que desperta o desejo duma iluminação maior.
Quando, através deste exercício, a mente se demora (ou pausa no coração), então amanhece a luz de Cristo que santifica o templo da alma com a sua radiância divina, tal como diz o Profeta Malaquias: "Para os que receiam o Meu nome, nascerá o Sol da Justiça (Mal 4:2)." Esta luz é ao mesmo tempo vida, de acordo com a palavra do Evangelho: "Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens" (João 1.4)
A partir disto é claro que, ao contrário da visão doutrinária de Barlaão e dos Latinos, a luz não é material mas espiritual, e abre os olhos da alma e é vista por eles, embora também aja nos olhos corporais, como foi no caso do apóstolo S. Paulo (cf. Actos 9). S. Macário o Grande, explicando em detalhe e com especial claridade a doutrina da Luz na sua Palavra VII diz que «ela é um brilho substancial do poder do Espírito Santo na alma. Através desta luz  todo [o tipo de] conhecimento é revelado e  Deus é verdadeiramente conhecido pela alma merecedora e amada...».
Possamos nós entrar mais no céu íntimo da alma e aí transfigurarmos o nosso ser ou persona através da aspiração amorosa unitiva e a graça divina! Lux Dei! 

                     

domingo, 5 de outubro de 2025

S. Serafim de Sarov: Instruções Espirituais, 2ª p.: a Oração, a Guarda do Coração e a Luz Divina. Das suas "Instruções espirituais."

 Das Instruções Espirituais dadas por S. Serafim de Sarov e preservadas pelos fiéis que as transmitiram ao monge que as escreveu, eis uma segunda parte de extractos traduzidos da versão que está online: The Spiritual Instructions of St Seraphim. Little Russian Philokalia – Vol. 1: Saint Seraphim,  melhorando-a com a versão  do livro Seraphim de Sarov. Sa Vie, par Irine Gorainof. Entretien avec Motovilov et Instructions Spirituelles, 1979, e ainda com os comentários de S. Inácio de Brianchaninov às Instruções Espirituais contidas no final do livro  publicado por Bubba Free John, The Spiritual Instructions of Saint Seraphim of Sarov, 1973. 

                          Instrução VI -   Do  AMOR a DEUS

«Quem chegou ao amor pleno (variante, perfeito) existe nesta vida como se não existisse (var. vive neste mundo como senão vivesse) pois sente-se ou considera-se um estranho ao que vê (v. ao visível), aguardando pacientemente o invisível. Ele  transformou-se completamente no amor de Deus e esqueceu-se de qualquer outro amor.

Quem se ama a si mesmo não pode amar a Deus. Mas quem, por amor de Deus, não se ama, ama a Deus.
Quem verdadeiramente ama a Deus considera-se um peregrino e um estrangeiro nesta Terra,  pois no seu anseio pleno de alma e intelecto por Deus, contempla-O a sós.

A alma que está cheia do amor de Deus, no momento da sua partida do corpo, não teme o Príncipe do Ar [ou astral inferior, ou demónios], mas voa com os anjos como que indo de um país estrangeiro para a sua terra natal.

                               Instrução X  -  ORAÇÃO
Os que realmente decidiram servir a Deus devem exercitar-se a guardar constantemente a Sua lembrança no coração e a orar incessantemente a Jesus Cristo, repetindo interiormente: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade
(v. misericórdia) de mim, pecador...[Ou, noutra variante, Senhor Jesus Cristo, filho de Deus vivo, tem piedade de mim, pecador.]

Nas horas após a refeição do meio-dia, pode-se dizer a oração assim: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, pelas orações da Mãe de Deus, tem misericórdia de mim, pecador"; ou pode-se recorrer diretamente à santíssima Mãe de Deus, orando: "Santíssima Mãe de Deus, salva-nos"; ou pode-se repetir a saudação angélica: "Ó Theotokos (Portadora de Deus)  e Virgem, alegra-te." 

Agindo assim e  preservando-se de distrações contra a dispersão, e guardando a sua  consciência em paz, pode-se aproximar de Deus e unir-se a Ele. Pois, segundo São Isaac, o Sírio: “Sem oração ininterrupta, não nos podemos  aproximar de Deus” (Homilia 69).
A maneira de orar foi ainda muito bem exposta por S. Simeão, o Novo Teólogo (na Filocalia, “Discurso sobre os três modos de oração”).
O seu mérito foi muito bem descrito por S. João Crisóstomo: “A oração,” disse ele, “é uma grande arma, um tesouro rico, uma riqueza que nunca se esgota, um refúgio imperturbável, uma causa de tranquilidade, a raiz de uma multidão de bênçãos e a sua fonte e mãe” (da antologia eslava Margarit, Discurso 5, “Sobre o Incompreensível”).
Quando se ora na igreja, é proveitoso estar com os olhos fechados com a atenção no interior, e abrir os olhos apenas quando se sentir abatido, ou quando o sono começar a pesá-lo e incliná-lo; então deve-se fixar os olhos num ícone ou numa vela acesa diante dele.
Se na oração  o espírito se dissipar
(var. os pensamentos tomados),  deve-se humilhar diante Deus e pedir perdão, dizendo: "Eu pequei, Senhor, por palavra, acto, pensamento e por todos os meus sentimentos. "
Por isso devemos sempre esforçar-nos por não nos entregar à dispersão dos pensamentos, pois através disso a alma afasta-se da lembrança de Deus e do amor a Ele e, tal  como diz S. Macário, "o intuito principal do inimigo é este – desviar nosso pensamento da lembrança de Deus, e do temor e amor [a Ele] (Discurso 2, cap. 15)."

Quando na oração a mente e o coração estão unidos e os pensamentos da alma não estão dispersos (var. a alma não é perturbada por nada) então o coração enche-se dum calor espiritual e a luz de Cristo brilha, e inunda de paz e alegria todo o ser interior.
Devemos agradecer ao Senhor por tudo e entregar-nos à Sua vontade; devemos igualmente oferecer-Lhe todos os nossos pensamentos e palavras, e esforçar-nos para que tudo sirva apenas ao Seu bom prazer.
                        

                        Instrução XXVI  - Da Guarda  do Coração
Devemos vigiar atentamente o nosso coração e preservá-lo de pensamentos e impressões inadequadas: "Guarda o teu coração com toda a diligência, porque dele procedem as fontes da vida (Prov. 4:23)."  Assim nasce no coração a pureza: "Bem-aventurados os corações puros, pois ele verão a Deus" S. Mateus 5,8)
Da constante guarda do coração, a pureza nasce nele, pureza na qual se contempla o Senhor, de acordo com a certeza da Verdade eterna: "Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus" (Mat.  5:8).

O que de bom entrar no coração, não devemos derramá-lo externamente sem necessidade (var. utilidade); pois o que foi reunido só pode estar livre de perigo de inimigos visíveis e invisíveis se for guardado, como um tesouro, no fundo do coração.
O coração aquecido pelo fogo Divino, ferve quando está cheio de  água viva. Mas se tal água é derramada no exterior, o coração arrefece e a pessoa fica como que gelada.
[Não confessarmos o que vamos realizando, sem ser de certeza certo e útil]

                          Instrução XXVIII     -  A LUZ DE CRISTO
Para receber e contemplar no coração a luz de Cristo, deve-se, tanto quanto possível, desviar a atenção (var. desprender-se) dos objetos visíveis. Tendo purificado a alma previamente pelo arrependimento (var. contrição) e as boas ações, e cheios de fé no Cristo Crucificado, fechando os olhos corporais, mergulhemos a mente no coração, para invocarmos o nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Então, na medida do zelo e calor (var. assiduidade e fervor) para o Bem Amado, a pessoa  encontra no Nome uma delícia (var. consolação e doçura) o que desperta o desejo (var. incita) a buscar um conhecimento (var. iluminação) mais elevada.
Quando, através de tal prática, a mente entra no coração, a luz de Cristo brilha, iluminando a câmara da alma com o seu brilho Divino, como diz o profeta Malaquias: «Mas para vós que temeis o Meu nome, nascerá o Sol da Justiça (Mal. 4:2).»
Ao contemplar interiormente a Luz eterna  a mente é purificada, a pessoa abandona as representações sensoriais e, ao mergulhar na contemplação da Bondade incriada,  esquece tudo que é sensorial e não deseja nem mesmo ver-se a si mesma; e preferiria esconder-se no mais profundo da Terra, para não ser privado do verdadeiro (var. único)  bem – Deus.»