terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Da multidimensionalidade da escrita criativa, curativa, harmonizadora, espiritual.

A escrita diz-se, quer, é, criativa. Ou seja, através dela há o arrancar, desvendar e gerar, do desconhecido e do virtual, do que, antes, nós não sabíamos, conhecíamos ou estávamos bem conscientes. É um acto de alargamento consciencial, harmonizador e estimulador do nosso ser, do seu tónus vibratório e com reflexos no ambiente, individual, local e universal. A escrita pode ser criativa em termos de beleza e de perfeição formal, tal como um poema harmonioso e inspirador, uma descrição excelente duma paisagem ou a dum acontecimento. E pode ainda ser uma terapia, ao ajudar-nos a trazermos ao de cima, e a compreendermos, certos níveis nossos que não estavam harmoniosos ou que sofriam. Todavia, a criatividade que valorizarei mais é a que se aproxima ou até desvenda aspectos e facetas subtis da multidimensional realidade do ser, do planeta e do universo, com as suas grandes ideias-forças e mistérios, as suas energias e ritmos, dificuldades e crises, e com as especificidades únicas de cada um de nós, sujeito e objecto.
As mais elevadas escritas serão as que inspiram os outros nos caminhos da educação e aperfeiçoamento, as que ajudam a solucionar os problemas dos eco-sistemas e das sociedades e as que nos harmonizam psico-somaticamente, nos iluminam na alma do mundo, nos desvendam ou descobrem mais o ser espiritual, na sua temporalidade ou na sua perenidade e, finalmente, as que nos abrem aos mundos e seres espirituais ou mesmo à Divindade, ou ao Divino em nós.
Mas como poderá a mera escrita, em geral apenas associação de ideias, palavras, memórias, sentimentos e imagens, chegar a tal nível de descoberta criativa que de algum modo nos aproxima ou introduz nos misteriosos níveis subtis e espirituais do Cosmos?
A escrita é intensificada criativamente em primeiro lugar pela intencionalidade, pelo querer. E em segundo, pelo grau de consciência de atenção e de perfeição com que nos exercemos seja na vida quotidiana (que é uma escrita), seja no momento específico da redigirmos. Em terceiro, pelo alargamento áurico e psíquico que consigamos realizar e, finalmente, pela graça, inspiração e visão que possam afluir ou descer.
Quando é realizada mais conscientemente e numa aspiração a que o espaço branco da nossa mente e alma, papel e ecrã seja penetrado e infundido por energias, ideias, associações novas ou luminosas, pode-se realmente criar uma zona atractiva de novas intuições e descobertas, pois se não estamos demasiado atulhados e obstruídos, dilacerados ou indignados, então há abertura, atracção, desabrochamento da nossa psique e das suas capacidades supra-sensoriais.
Há que valorizar então a gravidade, profundidade, excelência do acto, ou seja, assumirmos a responsabilidade de a exercermos com perseverança e argúcia, já que estamos a tentar desenvolver um saber, uma arte, um dom, uma ciência, uma plenificação, a qual exige fidelidade, sinceridade, aspiração. A escrita é então também o Caminho.
Esta intenção de trazer algo do interior ou dos níveis subtis e elevados nossos e do universo, acaba por ser uma convocação do ser mais profundo ou pleno, tanto por aspiração e disponibilidade nossa como pelo convite a ele estar mais presente em nós, tornando-nos mais transparentes,  despertos, ou mesmo, poderemos dizer, irradiantes.
A criatividade é multifacetada, é um diálogo entre a nossa personalidade e mente limitada e os níveis mais subtis e "ilimitados" nossos, e do universo. E é uma tentativa de iluminar mais a realidade, de fazer descer mais luz sobre determinado assunto, ser ou questão. E de nos unificarmos mais, com ele e connosco, na nossa multidimensionalidade.
Cada ser patenteia, contudo, a cada momento dentro de si, e mais à tona do seu oceano anímico, certos conteúdos, imagens, emoções, realizações. E por ser recente a sua entrada em nós, ou por ser cultivada e amada por nós, ou ainda por ser temida, tais conteúdos são recorrentes, predisponentes e determinantes na nossa criatividade...
Se conseguirmos discernir e intensificar alguns dos núcleos vibratórios e seus fios, quais sinapses, de comunicação, pelas metodologias de auto-conhecimento que cultivarmos, eles entram em ressonância com outros afins e algumas correntes  intercomunicativas valiosas se estabelecem e mais luz e harmonia se faz. Hoje cada vez mais se reconhece até cientificamente que estamos todos interligados num emaranhamento de mentes,  circulando correntes vibratórias afins por todo o planeta. Isto é bem evidente em sonhos ou até mesmo em meditação e discernimento das imagens ou pensamentos que chegam ou passam pela nossa consciência.
Um dos perigos porém da sociedade moderna, e nomeadamente através das redes sociais, é a dispersão que o afluxo diversificado e frequentemente muito limitado, conflituoso e emocionalizante causa em nós, acabando por enfraquecer a emergência de ilhas ou picos de energia concentrada que possam ora irradiar ora fazer descer dos mundos subtis ou das ideias mais aspectos ou visões valiosos, originais.
Há então que saber desembaraçar-nos da mediania do pensamento e interesses, evitar o ruído das televisões ou dos meios de comunicação, e elevar-nos e concentrar-nos no desabrochar de tais núcleos anímicos, de modo a ligá-los com os níveis imaginais, arquétipos e universais. 
Para isto acontecer mais fecundamente no planeta pode ser bom valorizarmos diálogos com pessoas amigas mais afins de certos estudos, partilhas, acções ou mesmo activismos.
A escrita é pois um instrumento de ligação entre seres, ideias, culturas, saberes e  mundos e traz tanto a alma mais ao corpo, à mão e torna o ser uma árvore, uma coluna, uma torre, um posto emissivo e receptivo, como um semeador que lança à terra as possibilidades de um futuro melhor.
Estamos a ser canais para o Universal, a Verdade, a Justiça, o Amor, Gaia, o Espírito, o Anjo e Arcanjo, rumo tanto a uma vida humana e ecológica melhor como a uma relação mais profunda e consciente com a Divindade.
 Assim a escrita auto-consciente que quer ser criadora centra-nos, concentra-nos, faz-nos despertar os sentidos subtis e espirituais, faz desabrochar o coração espiritual e tendemos a harmonizar o corpo e a alma, ficando mais abertos ao Todo, à Verdade, à Justiça, ou seja, realizando o nosso swadharma, a nossa parte na Ordem do Universo ou Plano Divino..
A escrita pode ser assim uma forma de meditação: paramos, escrevemos com movimentos conscientes, estamos conscientes da postura, ora fluímos ora adaptamos a respiração, a mente concentra-se a partir do seu interior e, de olhos abertos ou fechados, podemos ser agraciados com ideias, imagens ou estados conscienciais, além dos sentimentos de harmonia e de satisfação, ananda se diz na tradição indiana.
A escrita meditativa criativa aproxima-nos da essência do nosso ser, do espírito e dos níveis espirituais e divinos, e tal é sentido energeticamente, por vezes até com localização corporal ou em centros de força.
A mão, o movimento, obedecendo a linhas rítmicas de discernimento e de força bem subtis e para nós ainda pouco conscientes, vai traçando ou atraindo as palavras e deixa ou permite que o ser venha mais ao de cima, se torne mais presente em nós, e logo torna-nos mais lúcidos, firmes e determinados na demanda e na comunhão com a alma do assunto, e do mundo. O que pode ser aprofundado no silêncio, na consciência intensificada do ser em nós, eixo de mundos...
Um dos grandes desafios para uma pessoa espiritual e que escreve é portanto conseguir amalgamar bem, ou infundir, o espírito no que sente e pensa e finalmente escreve.
Mas não há muita autoconsciência no processo de escrita, em geral, nomeadamente na que ocupa as montras das livrarias, embora haja quem medite profunda ou demoradamente o que vai escrevendo.
Frequentemente as pessoas abrem a torneira da mente e da memória, e das associações de ideias e palavras e vão avançando, norteados pelas forças de atracção ou repulsão semi-conscientes que as influenciam ou mesmo determinam, o que pode ser bom, qual escrita automática, para as pessoas se conhecerem melhor...
Será importante haver cada vez mais pessoas que sintonizam o seu fluir sensível, emocional e mental  com o espírito divino que são e o mundo espiritual, embora seja raro, pois o espírito está bem acima da maior parte das pessoas que pouco acreditam nele ou pouco têm a ver e a ser com ele, mais identificadas ao ego, à personalidade, ao corpo, aos seus amores e gostos, e é tanta a alienação (da sua realização íntima) que esta sociedade moderna oferece ou mesmo impõe, nomeadamente nos canais de informação..
Conseguirmos então percepcionar o que quer que seja com a totalidade do nosso ser, sem estarmos tão alienados e divididos por clubes ou partidos, e conseguirmos utilizar as palavras certas, eficazes, verdadeiras, mágicas é o grande trabalho do criador, do escritor...
Então as palavras têm uma força substancial espiritual e penetram e tocam e fundem-se na substancia espiritual do  leitor, ainda que este saiba pouco da substância espiritual que o anima, já que o espírito é pouco conhecido ou desconhecido.
 De certo modo a escrita nos seus níveis mais elevados é tanto uma investigação como um rito, performance ou partilha geradora de um estado psíquico de clarificação, transparência e receptividade à unidade da existência-manifestação e ao conhecimento e amor subtis e tão ocultos pelo que nos rodeia, com tantos seres e suas mentes desequilibradas, cérebros agitados, vibrações dispersantes e seus barulhos e desinformações, ilusões e manipulações.
Nos tempos modernos, nos seus consumismos e imperialismos tão ameaçadores da Humanidade e do Planeta, e tão pouco valorizadores do aprofundamento psíquico, ecológico e espiritual da vida, a escrita é então um acto sagrado, de amor e de comunhão cada vez mais necessário...
Saibamos pois escrever, ler, dialogar e viver mais na Luz divina... 

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