Aproximar-nos da Verdade, Aletheia, Veritas, Satya, ou, talvez melhor, não nos afastarmos da Verdade, significará não nos deixarmos enredar e obscurecer por mentiras, dúvidas e conflitos, nossos e do mundo, e antes estarmos em studium, estudo-esforço de demanda de acesso e comunhão à Verdade, a qual é a essência dos seres e a correspondência justa entre o que é ou somos verdadeiramente, a realidade nossa ainda que por vezes um ideal ou eu superior, e o que se pensa e sente, diz e se faz na vida vivida.
A Verdade, no seu nível talvez mais elevado humano, é estarmos em ligação e união com o Espírito e com a Ordem do Universo em que estamos inseridos, numa arte, esforço e harmonia criativa pela saúde, educação, liberdade, plenitude e felicidade nossa e dos outros, tanto dos mais próximos como de tantos seres e povos oprimidos, ou da Natureza, com as suas terras, eco-sistemas e animais por vezes tão explorados e violentados...
Através de uma vida ética e justa, a verdade, a realização e desabrochar maior do Ser, alcança-se no interior, na alma espiritual e no coração e, quando a conseguimos sentir, intuir e estabilizar mais, então as nossas actividades e diálogos serão bem mais proporcionados, transparentes, reflectores e verdadeiros, no cristal multifacetado do Cosmos.
Quando demandamos no mundo e na História a Verdade, se no nosso interior houver transparência, sintonia e abertura comungante (nomeadamente pela respiração, oração e a meditação) à essência do nosso ser e à sua verticalidade espiritual e até divina, os frutos psico-físicos serão melhores e mais frutíferos, para a vida eterna, diz-se até...
A inter-actividade, frequentemente conflituosa, com as outras aproximações ou realizações da verdade, pois estamos num mundo cada vez mais globalizado e no qual biliões de egos, com as suas relativas tendências, informações, conhecimentos e verdades, se encontram e confrontam, é um campo de trabalho bem complexo e desafiante, obrigando-nos constantemente a discernir melhor o que devemos apoiar ou recusar, aprofundar ou desvalorizar.
Em termos históricos, o sentimento de que há a Verdade, e que portanto se a deve demandar , é uma característica parece-me essencial do ser humano e provavelmente da consciência colectiva da Humanidade, e não tentaremos cingir mais de onde ela vem, senão apontando para o núcleo mais profundo do nosso ser verdadeiro, e será a partir dessa imanência sentida tanto psíquica, como energética ou mesmo imunitária e sanguínea, que se deverá compreender tanto a busca do conhecimento de cada dum desses biliões de seres como também a violência quando o sentido de justiça, irmão-gémeo da verdade é afectado: a pessoa estando indignada perante a falsidade ou violência, sai do amor e usa a força-violência ora para estabelecer limites ou castigos aos erros e falsidades, numa certa sede justiça, que se pode tornar vontade cruel de vingança, tão visível nos nossos dias, tanto mais que essa força é demasiado usada pelos mais poderosos para abusarem e explorarem os outros
A demanda da Verdade deve ser então realizada na realidade do dia a dia e das relações humanas e sociais, desde a geo-política à alimentação e saúde, com discernimento, equanimidade, justiça e com perspectiva contextualizante histórica e ética.
Também a demanda do conhecimento e verdade da civilização moderna ergueu-se até aos níveis tão desafiantes mentalmente, por exemplo, da física quântica, e tais descobertas devem ser equacionadas na demanda de auto-realização pelo conhecimento psíquico e espiritual, acima das limitações dogmáticas tanto das ditas Escrituras sagradas das várias religiões como também da própria a ciência moderna, que com a sua objectividade confirmada e replicável instrumental ou laboratorialmente deveria estar acima de suspeitas, mas que infelizmente nos últimos anos tem dado muitos sinais de falsidades e corrupção, nomeadamente com os vírus e vacinas.
Embora seja um facto a quase impossível acessibilidade humana à Verdade absoluta e cósmica, seja como compreensão seja como visão, embora alguns iluminados da Índia tenham sido creditados com ela, em níveis mais diminutos poderemos ter acesso a ela, ainda que as condições limitadoras e dispersivas que os Estados, as políticas, os media e as redes sociais fornecem ou impõem sejam insidiosas. Devemos então com esforço e determinação prosseguirmos as verdades específicas, próprias, nossas, o swadharma de cada ser na sua humanidade e temporalidade, nomeadamente nos campos do saber e de agir que cada um sente mais afinidade de investigar, aprofundar e partilhar...
- "O que é a Verdade?", perguntou Poncio Pilatos, a Jesus, este respondendo com o silêncio, e provavelmente com a irradiação psico-espiritual da Unidade e Divindade que realizara, e poderia transmitir aos que acreditando nele se abrissem ao que já em si brilhava. Consta que a mulher de Pilatos era mais sensível a tal aura, o que é natural pois a mulher é em geral mais sensitiva, estrutural e psiquicamente, dentro da lei cósmica da polaridade. Dessa realização da Veritas, Satya, Aletheia algo transmitido foi em testamento aos que se reunissem em seu Nome, que além de Iesus, é o de Espírito, Verdade e a Vida, isto é, o Amor Sábio e Justo provindo do coração do Espírito e da Divindade.
Já Gautama, o Buddha, o iluminado, acentuou na procura da Verdade o Caminho do Meio, como um processo de libertação da ignorância, do desejo e do sofrimento e vivido num posicionamento ora activo ora introspectivo correcto, desprendido, sem ego conflituoso antes dialogante, perspectivante, compassivo, e que tipificou ainda como um óctuplo Caminho nobre.
A tradição indiana yoguica, que o nutrira antes de ele fundar a sua religião, sempre valorizou muito a Verdade, Satya, repudiando a mentira, a falsidade, a hipocrisia e caracterizando mesmo o núcleo essencial do ser humano como Sat, Chit, Ananda, Ser Verdadeiro, Consciência pura e Beatitude, mais cognoscível por quem estuda, se disciplina, é justo e aspira a tal unificação.
Poderemos então admitir que a Verdade Absoluta é primacial ou primordialmente o Divino Ser-Consciência-Felicidade, numa grandeza que nos ultrapassa, e depois a Consciência, a Vida cósmica e o Amor sábio divino que subjazem tudo e todos, aqui e acolá aflorando mais. Ao nível humano e relativo, a Verdade é também a unificação harmoniosa do que é e se conhece e se ama e se faz, cada um de nós sentindo ou vivendo, mais ou menos, tal vera Unidade, e assim se aproximando ou desviando mais dela.
A Verdade em si mesma na imensidade do tempo e do espaço é algo de tão infinito, incomensurável e transcendente que apenas é acessível parcialmente em experiências imanentes místicas ou de expansão de consciência, pelo que deveremos acolher e trabalhar bem, com sabedoria e amor e assim nos qualificando, os aspectos manifestados na realidade física, energética e psíquica e que nos desafiam ao sim e ao não, à verdade e à mentira, à dispersão ou à unificação anímica.
Tais desafios ou testes, se são bem resolvidos ou respondidos, permitirão intuir e sentir, conhecer, amar e vivenciar mais a Verdade e a Unidade, o Amor e a Divindade.
Nesta vivência entramos ou estamos na Sabedoria-Amor, a qual é uma abertura a esse nivel subtil e elevado e que é potenciada pela relação da destilação interior da nossa experiência exterior com a arte de conseguirmos unir harmoniosamente o céu e a terra, o universal e o particular, os princípios e os factos, a teoria e a prática, o idealismo e o pragmatismo, o espírito e o corpo, o múltiplo e o essencial, nós e os outros, a pessoa e a família ou grupo, o eu e o tu, o anjo ou o mestre e cada um de nós.
A Verdade subjaz e circula em toda a parte e sobretudo está mais manifesta psíquica e humanamente em cada ser que a admite e se abre a ela, e a acende no seu coração como chama da aspiração-realização-irradiação. E tenta relacionar-se correctamente com as ideias, as energias, os seres, o sagrado. Os grandes seres, os mestres e sábios, serão os seres que mais plenamente a realizaram e a vivem...
Tal vivência da Verdade manifesta-se em geral num estado de amor e alegria interno e no aprofundamento da luz do discernimento, pois trabalha-se a visão espiritual dissipadora das ilusões e desenvolve-se uma vida ecológica, ética e aprofundante das relações justas e até amorosas entre as partes na natureza, infelizmente ainda tão dilacerada, no Todo e na Unidade, no Infinito Divino...
Para aprofundar a consciência da Unidade, que é a Verdade, há então que expandir a consciência, fazendo-a sair de uma dependência corporal e personalística distorcedora (a concha fechada ou a coisificação, como dizia Leonardo Coimbra) e permitindo-lhe ser banhada pelas águas da inspiração e da intuição da Unidade e da Divindade, o que se alcança mais pela meditação e contemplação, visão e sonho, artes e esforços, serenidade e amor, abnegação e criatividade.
A Verdade, o Bem e o Belo foi e é uma trindade famosa filosófica, e nela somos chamados a cultivar o conhecimento, a ética e a estética ou beleza. E inegavelmente a Verdade está intimamente dependente de uma vivência ética e estética, se queremos vivenciar a sua plenitude libertadora.
Maat, a palavra justa e verdadeira no Egipto, marcava essa coincidência entre o que se pensava e conhecia, sentia e amava e, finalmente, o que se fazia, dizia e vivenciava...
A busca da Verdade, e sobretudo do que deve ser o nosso agir, ou o que vai acontecer, leva muitas pessoas a entrarem em técnicas, saberes e mistagogias de adivinhação, em geral deixando-se explorar por intermediários semi-ignorantes, quando a melhor forma de nos alinharmos mais com a Verdade será sempre o silêncio meditativo e o alinhamento ou sintonização receptiva com o sub-campo unificado de energia-informação-consciência, ou corpo místico da Humanidade, que diz respeito a nós e ao nosso papel funcional e criativo nele. Sob a invocação dos mestres, dos anjos e da Divindade. E mais humanamente contribui também para a demanda feliz da Verdade o diálogo com as pessoas afins e sábias, algo muito desenvolvido no Oriente com a ideia de sangha, comunidade, e satsanga, companhia da Verdade. Ou então os seus livros...
Sermos verdadeiros é então o caminho estreito ou árduo de não nos deixarmos submeter ou influenciar demasiado pela sociedade e os outros, a violência, a falsidade, e não trocarmos a Verdade e a comunhão com Ela pela dispersão consumista, seja de notícias ou de bens, pois o mundo é regido demasiado pela oligarquia e tende a alienar as pessoas do que é mais fundamental ou verdadeiro em termos de valores e de práticas. Sintonizemos então antes, com mais frequência, com o nosso génio e mundo interior e o que do mundo subtil, espiritual e ético do Cosmos, do Bem e da Divindade (adorada e acolhida seja) possa chegar a nós, e ser transmitido criativa, sábia e amorosamente como centelhas, partículas, raios, flechas e palavras da Verdade...