Um dos mais belos poemas de Amor de Antero de Quental, senão mesmo o mais belo ou conseguido, é certamente o que ele escreveu em 1860, junto ao Oceano Atlântico, na Figueira da Foz, com 18 anos, estudante em Coimbra, e intitulou tão sugestivamente À Beira Mar. Nele, a sua alma juvenil, plena de aspiração, idealismo e amor, desvenda-se e transmite-nos uma bela visão, ou aspiração humana, do Amor Eterno e Divino. Mas como conseguirmos nós sentir e intuir melhor o que ele sentiu, ao conceber e ao escrever, e como via ele a poesia, a arte e o amor nessa idade?
Talvez socorrendo-nos do que ele escreveu bem sincera e confessionalmente uns meses depois a Flórido Teles de Meneses Vasconcelos: «A Arte, meu Flórido, parece-me, a mim que já em bem pouco tenho crenças, a única coisa capaz de ainda poder fazer saltar nos peitos todos os corações capazes de nobremente baterem por alguma coisa boa e bela. Não faço aqui de céptico da moda; bem sabes; quem crê na arte crê no belo, no bom, isto é, no Amor e em Deus, e com estes elementos pode tudo perder-se mil vezes, que mil vezes será tudo salvo. É por isso que tantas esperança ponho na arte; é já um culto antecipado da religião que ainda está por nascer para uma sociedade de que só por aqui terão alguns uma vaga intuição. Desses alguns quero eu ser, como tu és, meu apóstolo e precursor de novos mundos, como são todos os que, depondo ambições do dia, viram os olhos da sua alma para o horizonte longínquo, aonde tem de raiar a Aurora de dia novo»...
Banhemos o olho da nossa alma no oceano de Esperança do Antero juvenil e prossigamos a mesma demanda de culto de uma religião mais bela e verdadeira, com a nossa vida harmoniosa e justa e as orações e meditações, contemplações e vivências unificadoras que conseguirmos merecer...
Foi o poema lido e comentado numa gravação, em Julho de 2017, que pode ouvir em seguida. No fim, encontra-se a transcrição do poema, com a adaptação de algumas palavras à ortografia portuguesa dos séculos XX e XXI.
Quanto a haver mesmo uma amada na alma de Antero de Quental nesse momento, ou se foi dirigido à Amada perene, ou mesmo, em amor ao Amor em si, será difícil ter a certeza dada a reserva que Antero tinha quanto a revelar com nomes a intimidade do seu amor, ainda que possamos intuir subtilmente o momento, os movimentos anímicos em sintonia com a natureza e, quem sabe muito mais difícil, as faces vividas ou então apenas desejadas, sonhadas...
Quanto a haver mesmo uma amada na alma de Antero de Quental nesse momento, ou se foi dirigido à Amada perene, ou mesmo, em amor ao Amor em si, será difícil ter a certeza dada a reserva que Antero tinha quanto a revelar com nomes a intimidade do seu amor, ainda que possamos intuir subtilmente o momento, os movimentos anímicos em sintonia com a natureza e, quem sabe muito mais difícil, as faces vividas ou então apenas desejadas, sonhadas...
Conclua-se com o final animador da carta, já parcialmente transcrita: «Os vinte anos, os que se têm na alma, não importa os do corpo, é a verdadeira idade do progresso»...
À BEIRA MAR
O CREPÚSCULO
"Oh! vem Maria! sobre a rocha erguida
Em ásp'ra costa, sobranceira ao mar,
Vamos sozinhos ver as brancas ondas
Sobre os rochedos, em cachões, saltar!
Ali, bem juntos, ao cair da tarde,
De mãos trocadas a falar de amor,
Quero, ao contar-te mil segredos d'alma,
Ver-te nas faces virginal pudor.
É próprio o sitio, é propicia a hora,
Incerta, dúbia entre sombra e luz;
Já descem trevas pelos fundos vales,
Inda algum brilho sobre o mar reluz:
Inda no dorso das inquietas ondas
Dourada fita tremeluz, além;
Mas, já ao longe, da campina os viços,
Envolvem sombras que dos montes vêm.
Gigante imenso de esplendor e brilho,
O sol, um instante, viu-se ali nutar;
Depois cansado, declinando rápido
A lassa fronte repousou no mar.
Semelha ao entrar-lhe pelo seio túmido,
Que de mil fogos inda foi tingir,
Medalha de ouro, que em caldeira imensa,
A pouco e pouco visse alguém fundir.
Em tanto a sombra vai descendo os montes
E envolve as terras misterioso véu;
Já se divisa, vergonhosa e tímida,
Pálida estrela tremular no céu:
Como em teu seio, pura virgem, nasce
Ligeira magoa de fugaz pesar,
Que vai crescendo, e transmudada em lágrimas
Te vem dos olhos nos cristais brilhar:
Como nos brota dentro de alma, e lavra
A pouco e pouco no veloz crescer,
Algum afecto que em paixão tornado
Nos vem no peito com fulgor arder:
Assim da estrela nasce o brilho, e cresce
A pouco e pouco pelo céu de anil;
Ponto luzente, no começo apenas,
Por fim brilhante, entre safiras mil.
Soidão calada pela terra alarga-se
Preludio augusto da nocturna voz;
Em doce enlêvo, cisma o homem stático
Em Deus, consigo meditando a sós.
Hora saudosa de incerteza mística,
De luta harmónica entre sombra e luz.
Por ti nos desce sobre o seio ardente
A santa crença que p'ra Deus conduz!
Hora em que é grato no regaço amigo
De alguma esperança de melhor porvir,
Olvidar magoas de um presente incerto,
E, esp'rando, e crendo, nessa fé dormir.
Em que amor gera dentro de alma os laços
Que as almas ligam com estreito nó,
E que no arroubo de amoroso rapto
Funde dois seres numa vida só.
E eu também quero sentir n'alma os íntimos
Celestes gozos que esta hora tem;
Em livro aberto ler um nome augusto
Que em letras de ouro vejo escrito além.
E no regaço da mulher amada,
Que é minha esp'rança de melhor porvir,
Quero estas magoas ir depor e apenas
Guardar um peito para amor sentir.
E antes que as terras iluminem fogos,
Com a luz divina que o Senhor lhe deu;
E antes que morram esses brilhos últimos
Do sol nas dobras do nocturno véu;
Quero ao soído gemedor das ondas
Casar as mágoas deste imenso amor,
Ardente e puro, como aqueles lumes
Candentes focos de vivaz fulgor.
Quero nas horas do crepúsculo ameno
Sobre o rochedo sobranceiro ao mar,
Aos pés da virgem que escolheu minha alma
Ler-lhe nos olhos confissões sem par."
Em ásp'ra costa, sobranceira ao mar,
Vamos sozinhos ver as brancas ondas
Sobre os rochedos, em cachões, saltar!
Ali, bem juntos, ao cair da tarde,
De mãos trocadas a falar de amor,
Quero, ao contar-te mil segredos d'alma,
Ver-te nas faces virginal pudor.
É próprio o sitio, é propicia a hora,
Incerta, dúbia entre sombra e luz;
Já descem trevas pelos fundos vales,
Inda algum brilho sobre o mar reluz:
Inda no dorso das inquietas ondas
Dourada fita tremeluz, além;
Mas, já ao longe, da campina os viços,
Envolvem sombras que dos montes vêm.
Gigante imenso de esplendor e brilho,
O sol, um instante, viu-se ali nutar;
Depois cansado, declinando rápido
A lassa fronte repousou no mar.
Semelha ao entrar-lhe pelo seio túmido,
Que de mil fogos inda foi tingir,
Medalha de ouro, que em caldeira imensa,
A pouco e pouco visse alguém fundir.
Em tanto a sombra vai descendo os montes
E envolve as terras misterioso véu;
Já se divisa, vergonhosa e tímida,
Pálida estrela tremular no céu:
Como em teu seio, pura virgem, nasce
Ligeira magoa de fugaz pesar,
Que vai crescendo, e transmudada em lágrimas
Te vem dos olhos nos cristais brilhar:
Como nos brota dentro de alma, e lavra
A pouco e pouco no veloz crescer,
Algum afecto que em paixão tornado
Nos vem no peito com fulgor arder:
Assim da estrela nasce o brilho, e cresce
A pouco e pouco pelo céu de anil;
Ponto luzente, no começo apenas,
Por fim brilhante, entre safiras mil.
Soidão calada pela terra alarga-se
Preludio augusto da nocturna voz;
Em doce enlêvo, cisma o homem stático
Em Deus, consigo meditando a sós.
Hora saudosa de incerteza mística,
De luta harmónica entre sombra e luz.
Por ti nos desce sobre o seio ardente
A santa crença que p'ra Deus conduz!
Hora em que é grato no regaço amigo
De alguma esperança de melhor porvir,
Olvidar magoas de um presente incerto,
E, esp'rando, e crendo, nessa fé dormir.
Em que amor gera dentro de alma os laços
Que as almas ligam com estreito nó,
E que no arroubo de amoroso rapto
Funde dois seres numa vida só.
E eu também quero sentir n'alma os íntimos
Celestes gozos que esta hora tem;
Em livro aberto ler um nome augusto
Que em letras de ouro vejo escrito além.
E no regaço da mulher amada,
Que é minha esp'rança de melhor porvir,
Quero estas magoas ir depor e apenas
Guardar um peito para amor sentir.
E antes que as terras iluminem fogos,
Com a luz divina que o Senhor lhe deu;
E antes que morram esses brilhos últimos
Do sol nas dobras do nocturno véu;
Quero ao soído gemedor das ondas
Casar as mágoas deste imenso amor,
Ardente e puro, como aqueles lumes
Candentes focos de vivaz fulgor.
Quero nas horas do crepúsculo ameno
Sobre o rochedo sobranceiro ao mar,
Aos pés da virgem que escolheu minha alma
Ler-lhe nos olhos confissões sem par."
Figueira da Foz, 1860.
Talvez a quadra mais bela e profunda delas, pela doutrina dos Cavaleiros de Amor, ou Fiéis do Amor, tão essencial na Tradição Espiritual Portuguesa, será esta:
"Em que amor gera dentro de alma os laços
Que as almas ligam com estreito nó,
E que no arroubo de amoroso rapto
Funde dois seres numa vida só."
Que as almas ligam com estreito nó,
E que no arroubo de amoroso rapto
Funde dois seres numa vida só."
Muita Luz e Amor para Antero de Quental e para as Almas que o lêem, ouvem e amam....
3 comentários:
Gratidão pela sábia interpretação das palavras de Antero neste crepúsculo à beira mar.
Muitas graças pela sintonia sua, nossa com Antero e o Amor. Que ardamos sempre nele, à beira ou no Mar.
Saudações, Azimute da Palavra.
Por ter havido algumas leituras deste texto, reli-o hoje e aprofundei-o dinamicamente. Deve gostar. Boas inspirações!
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