quinta-feira, 13 de julho de 2017

Biografia de Erasmo de Roterdão, 3ª parte e fim, por Pedro Teixeira da Mota.

Nos anos seguintes a 1519, em que continua a trabalhar pelo funcionamento em Lovaina do Colégio Trilingue, contra a oposição do meio universitário escolástico e conservador de Lovaina, Desidério Erasmo vai ter de se envolver ainda nas polémicas da Reforma, quer aconselhando o imperador Carlos V e o duque Frederico da Saxónia, o protector de Lutero, em posições para o exterior ambíguas, pois reconhece frequentemente a razão das proposições e declarações do reformador alemão, discordando contudo da sua aversão aos estudos humanistas, dos seus meios violentos, da sua incompreensão do Purgatório e da extensão do título de anticristos a todos os papas.
Prefere assim, em relação ao rumo que o conflito entre Lutero e o Papado seguia, a via do diálogo e do espírito, e não o da violência e da excomunhão, propondo o exame dos livros considerados heréticos por eruditos e autoridades, santificados pelas suas vidas (pois tal é a verdadeira fonte de autoridade), em vez de serem queimados em fogueiras públicas, tanto mais que eles continuariam dentro dos corações dos muitos que os liam e que sentem a necessidade de uma reforma, ainda que moderada, do cristianismo. Corrija-se, instrua-se Lutero, em vez de se o oprimir com a violência e a arrogância que alguns teólogos e monges têm demonstrado. Mas a atitude das Universidades de Lovaina e de Colónia, dominadas pelos monges e teólogos mais conservadores, não é nada moderada e condenam em especial as posições de Lutero contra a confissão, as indulgências e o mérito dos santos em poderem salvar almas.
Na sua extensa e implacável denúncia dos erros do papado dirigida À Nobreza Cristã da nação alemã, Lutero apela à união e à revolta contra o domínio papal, pois o poder espiritual não deve estar acima do temporal, as escrituras sagradas devem ser interpretadas livremente, os concílios devem ser convocados pela Cristandade, e a exploração financeira da Cristandade, bem como o luxo e o excessivo poder eclesiástico, devem terminar. O papa replica com a bula Exsurge Domine, em Junho de 1520, condenando as doutrinas de Lutero, mas este não baixa os braços e a impetuosa voz, ripostando com um panfleto, Contra a bula execrável do Anticristo.
Os autos-de-fé, em que se queimam os livros de Lutero, também começam a acontecer, de Lovaina a Londres, algo que certamente arrepiava Erasmo, ainda lembrado de Johann Reuchlin e da totalidade dos livros hebraicos que o frade e judeu convertido de Colónia, Johann Pfefferkorn queria ver queimados, e com eles a abertura humanista à universalidade do estudo, provocando na altura grande tensão, amenizada ainda assim com alguma graça, pois publicando Reuchlin, em sua defesa, uma centena de Cartas de homens ilustres, desde Pico e Aldo Manutio a Melanchton, que o apoiaram, consultaram ou elogiaram, ao longo dos anos de pioneiro labor trilingue, surgiu depois um conjunto de cartas anónimas, de pseudo-sábios de banalidades, em apoio das ideias destrutivas do frade de Colónia, com justificações muito ridículas, chamadas por isso As epístolas dos homens obscuros, e que eram um brincadeira irónica de Uldrich von Hutten e outros humanistas.
Em Outubro, Lutero lança a sua obra mais contundente, causando uma reacção de espanto generalizada, Do Cativeiro Babilónico da Igreja, um ataque fulminante ao funcionamento do papado e da Igreja e sobretudo à doutrina dos sacramentos (nomeadamente a transubstanciação na Eucaristia)onde critica o aprisionamento do ensinamento de Jesus (que seria basicamente o da salvação pela fé) nos cerimonialismos exagerados e em sacramentos inventados (pois para ele só teria sido instituído o Baptismo, a Penitência e a Ceia), tanto mais que a palavra sacramento é a tradução do que em grego significa mistério ou arcano. A corte papal sente então como apropriado recorrer à sua última arma, a excomunhão de Lutero e dos seus seguidores, proferida a 3 de Janeiro de 1521 com a bula Decet Romanum pontificem.
Abre-se assim cada vez mais o fosso na Cristandade, atiçando-se paixões por estarem também em causa grandes interesses económicos, tal o destino dos bens eclesiásticos na Alemanha. As respostas e os pedidos de justificação não se fazem esperar mas Lutero não comparece, conforme o Imperador Carlos V exigira, à dieta ou assembleia de Worms, onde em Março de 1521 é condenado e expulso do Império, repetindo-se as condenações por vários teólogos e universidades.
Martinho Lutero, desde a assembleia de Worms refugiado no castelo de Wartburg, sob a protecção do príncipe eleitoral Frederico de Saxónia, continua a escrever contra a Roma mentirosa, tal como o Passional Christi und Antchristi, e vai traduzindo para o alemão o Novo Testamento, com a ajuda do sábio Melanchton, usando em parte o trabalho de Erasmo, e imprimindo-o, em 1522, com o sempre fermentante mistagogicamente Apocalipse ilustrado por Lukas Cranach. Em Inglaterra será William Tyndale, o primeiro a publicar a tradução dos Evangelhos do grego para inglês, em 1525. Já Lefèvre d’Étaples, apresentará a primeira tradução francesa da Bíblia em 1530.
As visões do pseudo-João, no Apocalipse vertido por Lutero, ilustradas por Lukas Cranach
Erasmo, desapontado com a cisão cada vez mais evidente, atribui ainda a culpa maior ao mau aconselhamento do Papa, nomeadamente pelo seu antigo companheiro da Neakademia  de Aldo Manuzio, o núncio papal na Alemanha, Girolamo Aleandro, e compreende que a revolta terá consequências mais dramáticas. Quando ele lhe pede em Janeiro de 1521 que escreva contra Lutero, responde que ainda não leu bem todas as suas obras, podendo outros fazê-lo melhor que ele, preferindo esperar que Roma modifique alguns dos aspectos em causa e avance numa via de diálogo e concórdia.
Em Maio deixa Lovaina, bastião do catolicismo de Roma, pressionado pelos que não suportam a sua liberdade de pensamento, a moderação com que trata Lutero e os luteranos, e a sua visão da Igreja estar mais ameaçada pela decadência e violência do papado do que pelas reclamações de Lutero, e instala-se em Anderlecht, às portas de Bruxelas, no seu Brabante natal, respirando deliciado um ambiente de menos guerra. Ainda hoje se conserva a casa e o escritório onde viveu e trabalhou.
Mas no final de Outubro, por causa das correcções das provas da 3ª edição do Novo Testamento, terá de partir para sempre das terras natais, rumo a Basileia que, menos romana e mais alinhada com a Reforma de Lutero, o acolhe bem, ali exercendo os seus dotes conciliadores, sem pender para um lado ou o outro (como escreve por volta de 1523 numa carta ao protestante e exaltado nacionalista Ulrich von Hutten, justificando-se com uma frase que ficará famosa: «não nego que procuro a paz sempre que possível. Sou a favor de ouvir ambos os lados com ouvidos bem abertos. Amo a liberdade. Não servirei, nem posso servir nenhum partido»), continuando os seus trabalhos, os primeiros dez meses em casa de Froben, o grande editor e amigo sempre prestável, finalizando as Paráfrases de São Mateus, dedicadas a um cardeal, e publicando a sua primeira edição dos Colóquios (em 1522), que será um grande sucesso com sucessivas e acrescentadas edições, nos quais expõe com grande liberdade e ousadia os princípios da renovação cristã necessários e plenos de actualidade, não só questionando e ironizando o que está mal (das indulgências, aos jejuns, aos frades, ao celibato eclesiástico, à escolástica, à violência, à credulidade, ao egoísmo, à vaidade e ambição), como ensinando e propondo os caminhos justos e verdadeiramente sábios, religiosos e fraternos, em divertidos, engenhosos e instrutivos diálogos.
Quando Leão X morrera em Novembro de 1521, Erasmo não pode deixar de lamentar a morte de quem tanto apoiava os estudos humanistas como o protegia a ele próprio, por exemplo, das calúnias de prelados como as do castelhano López Zúniga. O novo papa Adriano de Utreque, eleito em 9 Janeiro de 1522, é um velho conhecido de Erasmo, e há algumas expectativas de que, devido à sua integridade moral e vida ascética, e por estar muito ligado ao imperador Carlos V, pois fora seu preceptor e era agora embaixador na Espanha, consiga implementar a tão desejada e suspirada reforma da Igreja.
Erasmo deseja também um acordo entre o papado e os reis de modo a conter-se a violência entre eles e a da Reforma incendiária, que de religiosa passará mesmo, tragicamente, aos camponeses em 1523, que serão esmagados pelos príncipes e poderosos, pelo que tanto escreve ao imperador e lhe dedica a Paráfrase de S. Mateus, como faz o mesmo com o papa, oferecendo-lhe a edição dos Comentários aos Salmos de Arnóbio, pela primeira vez impressos, e apelando a que ele se torne «tão bem o vigário de Cristo que o mundo sinta estar nele e agir nele o espírito de Cristo».
A resposta do papa tardará a chegar, levando Erasmo a escrever mais duas cartas (uma delas propondo alguns conselhos secretos para se pôr fim às lutas), pois só lhe chega às suas finas mãos (como se vê nos desenhos de Holbein e de Dürer) em Janeiro de 1523, confirmando a protecção papal sobre a vida e obra de Erasmo, pedindo-lhe mesmo, visto «que possuis uma grande facilidade para escrever, uma grande inteligência e uma erudição variada», para além de uma grande autoridade nos países onde grassa o mal, que «deves-te servir desses dons para glória do Cristo e a defesa da santa Igreja, tu a quem o céu encheu sem medida», propondo-lhe de novo, como já o fizera Leão X, que escreva contra Lutero.
Estudos das mãos de Erasmo, por Hans Holbein.
E numa segunda carta, que lhe chega pouco depois, o papa Adriano VI renova os elogios e protecções a Erasmo e à sua obra, atacada por alguns mais papistas que o próprio papa, convidando-o a vir a Roma dialogar sobre os meios secretos de atalharem a divisão da cristandade, dos quais sabemos alguns: «punição dos monges e sacerdotes criminosos, maior frequência da realização de missas para o clero e criação de uma assembleia de seres humanos íntegros, ponderados, doces, benévolos e pacíficos de todos os países» para examinarem as causas do estado actual da Cristandade e os modos de ela se transformar.
Erasmo atravessa então um momento muito difícil, pressionado, atacado ou louvado tanto por um como por outro lado, mas harmoniosamente tenta atenuar os aspectos negativos de ambos, propondo sempre que se corrija, instrua ou dialogue, em vez de se lutar, excomungar, queimar ou matar, pois só assim o fervor e devoção evangélicos, ou a cultura e a consciência humanista, sairão fortificados. Alguns aspectos, como os jejuns, o celibato e os dias santos obrigatórios, as discussões escolásticas, as questões metafísicas impossíveis de se resolverem, a vida dos monges, o luxo do papado, a comercialização da salvação das almas e o peso dos impostos sobre as pessoas (duas tendências que atravessarão os séculos), serão constantemente referidos ou mesmo criticados abertamente, tanto apoiando o lado protestante nesses aspectos embora verberando-lhes outros, quer criticando ou sugerindo as mudanças para os seus correspondentes ou destinatários católicos. O mais importante, e isso é que permite às pessoas sentirem-se salvas (da ilusão, da perdição, dos males), é a paz e o amor de Deus e de Jesus Cristo, e o desenvolvimento das suas qualidades, que são os verdadeiros frutos do Espírito em nós: bondade, paciência, sacrifício, alegria, discernimento e justiça. A sua valiosa correspondência imensa ao longo dos anos é bem intensa nestes tempos conturbados.
Em Janeiro de 1524, devido à morte do papa Adriano (em Setembro de 1523, ano e meio apenas de governação mais sóbria do leme romano da Igreja), Erasmo dedica a Paráfrase sobre os Actos dos Apóstolos ao novo papa Clemente VIII (que o será de 1523 a 1534) e envia-lhe antecipadamente, numa carta, o prefácio da obra, onde elogia a sua família humanista dos Medici e faz seus os votos da Cristandade esperançada na capacidade do novo pastor curar os males por remédios, em vez de reprimi-los.
Entretanto, pressionado pelo crescente extremismo de alguns do lado luterano, decide-se finalmente a intervir pessoalmente nas controvérsias da Reforma, no seguimento dos pedidos dos dois últimos papas e de cardeais amigos e, provavelmente, por uma maturação natural. Assim, quando a Paráfrase sai à luz, envia-a com uma nova carta, na qual anuncia que está a escrever sobre o Livre-arbítrio, contra as posições de Lutero (algo que o rei de Inglaterra Henrique VIII, aconselhado pelos amigos humanistas de Erasmo, já sugerira) e, portanto, em defesa da liberdade individual, da escolha pessoal no caminho cristão, fortemente atacado pela predestinação e determinismo veiculados por Lutero e os seus seguidores. A resposta do papa é rápida: não só agradece a Paráfrase, presenteando-o com uma soma considerável de dinheiro e congratulando-se com a decisão de Erasmo, como lhe reitera toda a protecção, fazendo calar o fanático Zúniga, que tentava publicar mais uma obra de ataque ao Novo Testamento de Erasmus, que só «procura introduzir tanta novidade com tanto escândalo».
Em Maio de 1524, Lutero tenta de novo receber o apoio de Erasmo para a Reforma, e pede-lhe em carta, se não tem coragem ou forças para se juntar aos evangelistas, para não escrever livros contra ele, o que Lutero também fará. Mas Erasmo responde (estimulado provavelmente pelo recente confronto epistolar com o exacerbado Ulrich von Utten, que o desafiara a escrever contra os protestantes), explicando-lhe como até então tinha trabalhado mais vigilantemente nos estudos dos Evangelhos mas agora «via muitos homens tornarem-se depravados e sediciosos. Vejo as letras e os estudos morrerem. Vejo as amizades quebrarem-se e temo que rebente um tumulto sangrento. Se o teu coração está sincero, peço a Cristo que te apoie no que fazes. Quanto a mim, ninguém me impedirá de ser útil ao Evangelho (...) talvez que Erasmus escrevendo contra ti será mais útil ao Evangelho que certos idiotas escrevendo por ti: devido a eles não me é permitido ser espectador desta tragédia, e queira Deus que ela não tenha um desfecho terrível... Rezo para que o Senhor faça com que tudo se resolva para a sua glória».
E quando sai finalmente a 6 de Setembro de 1524 o De Libero Arbitrio, ele é enviada com muito tacto para os dois lados em conflito, sabendo que provavelmente não agradará a muitos dos gregos e troianos (o que de facto sucederá, pois uma certa dúvida, subtil mas quase metódica, quanto à certeza ou veracidade de qualquer crença é desencantada por Erasmo...), mas cumprindo assim tanto a sua promessa de responder a Lutero, como a de defender valores do bom senso e do Cristianismo postos em causa, tais o das obras e da vontade própria («é excessivamente severo afirmar-se que o livre- arbítrio só serve para pecar e que só a graça faz as boas obras em nós»), o da vida como uma luta contra vícios e ignorâncias, senão ascética pelo menos sóbria e sacrificial, e o da resolução dos conflitos pelo diálogo e a concórdia.
A limitação do entendimento humano no seu estado actual, bem como a subjectividade da justificação pela fé, são também acentuadas, criticando assim o mero sentimento interno de certeza da inspiração do Espírito Santo, perante problemas de interpretações e doutrinas por vezes tão exigentes, e que se estava a tornar nas mãos dos Protestantes um novo dogmatismo, impondo a sua crença asfixiante sobre os demais e que pouco depois se tornará mesmo mortífera. Estes e outros juízos da inteligência penetrante de Erasmo, esquadrinhando e decantando com argúcia as letras ditas sagradas, ao serviço da verdade e de um Cristianismo puro, aberto, crítico e moderno mas ligado à sua Fonte eterna, incomodaram ambos os lados em conflito e o seu tratado nunca terá o acolhimento que merecia, para além de um primeiro sucesso na época.
«O livre-arbítrio», dirá Erasmo, «é o poder que a vontade humana tem, graças à qual o ser humano se pode aplicar a tudo o que é requerido para a salvação eterna». Esta sua obra é pois um corolário do seu entendimento da Filosofia de Cristo, e espelha a sua concepção pedagógica optimista da vida, na qual o estudo, a virtude, a oração e a experiência conduzem à realização fraterna, conforme escrevera ao papa Leão X: «as pessoas de engenho generoso e livre gostam de ser guiadas, não de ser coagidas».
Lutero replicará, com algumas passagens extremamente insultuosas ou violentas para com Erasmus, no De Servo Arbitrio, mantendo a sua crença num Deus omnipotente e absoluto e num determinismo total dos destinos dos seres humanos. O ser humano é como um burro montado ora por Deus ora pelo Diabo, e o livre arbítrio só leva ao pecado, ou provém do Diabo. Quanto às exigências de Deus, vistas por Lutero de um modo muito absoluto, não sendo cumpridas pelas pessoas, rebaixam-nas à perdição, pelo que só a fé poderá salvar o ser humano.
A subjectividade total desta fé, imposta depois sobre os outros, terá consequências trágicas nos que se oporão a uma nova rigidez religiosa, o caso mais paradigmático sendo o do sábio cientista e religioso espanhol Miguel Servet (1511-1553), que pela originalidade e profundidade da sua Restituição do Cristianismo (Viena, 1553) e pelas suas críticas às concepções da Trindade, teve de andar a fugir de católicos e protestantes, para vir a cair nas mãos de um dos reformadores mais severos ou mesmo fanático, Calvino, que controlava Genebra, aí morrendo queimado como herético em 27 de Outubro de 1553. 
Entre os protestantes uma só voz se ouvirá, em defesa da relatividade das crenças e certezas, defendendo os ditos heréticos, numa posição moderada mas exemplar, a do francês Sebastian Castellio (1515-1563), que cortará com Calvino (1509-1564) e o seu sucessor Théodore de Bèze (1519-1605), e traduzirá os clássicos e a Bíblia, enquanto os seus escritos contra as doutrinas de Calvino só bastante mais tarde puderam ser publicados.
Sebastian Castelio, um sábio com amor.
Em 1523 Desiderius Erasmus imprimira a Precatio Dominica, a Oração Dominical, um comentário ao Pai-Nosso, onde realça a paz e a fraternidade humana como condições indispensáveis à realização da vontade divina em cada um de nós. A obra é um convite à aproximação pessoal ao mistério da oração e ligação a Deus mas que deve também ressoar como um todo unânime do povo cristão. Erasmo, como pedagogo, exemplifica e impulsiona-nos a orar com as nossas próprias forças anímicas e palavras, mas a partir desse vaso e arquétipo de eleição que é a oração do Pai-Nosso em si mesmo. 
Margaret More Roper, mãe de cinco crianças, poetisa e escritora.
E um vaso puro receberá esta semente e sermo (palavra) de Jesus e de Erasmo e a fará frutificar, qual madrinha do santo Graal: a filha de Thomas More, Margaret, já então casada, traduzindo-o logo em 1524, sendo publicado na Inglaterra em 1525 sob o belo título: Um devoto tratado sobre o Pai Nosso, feito pela primeira vez em latim pelo mais famoso doutor mestre Erasmus Roterodamus e traduzido para inglês por uma jovem virtuosa e bem instruída “gentilmulher” de 19 anos de idade. Aí se lerá que «o pão é a tua palavra cheia de todo o poder, tanto doadora como sustentadora da vida», ou que o reino dos Céus, ou Evangelho (Boa Nova) ou reino de Deus é um plano ou nível espiritual que deve libertar e fazer renascer os que o conhecerem.
A 1ª obra  impressa de uma mulher inglesa sem ser da família real.
Num tempo de lutas religiosas, Erasmus cada vez mais consciente do valor da palavra sacra, da oração e da ligação à tradição do corpo místico da Igreja e dos seus santos, e a Deus, resolve publicar mais obras esclarecedoras e que possam ser entendidos por todos. Assim, em Outubro de 1524, surge o Modus orandi Deum e, como nos diz José V. de Pina Martins, num dos seus escritos sobre Erasmo, «trata-se de um livro mais curto ainda que do que o Enchiridion militis christiani, mas concebido de acordo com o mesmo espírito, fiel à mensagem novitestamentária, embora tenha sido criado e composto cerca de vinte anos depois do primeiro». O sucesso é visível nas dez edições de 1525, despertando a Europa de Veneza a Cracóvia e a Antuérpia. Em 2008 sairá a 1ª tradução portuguesa por Álvaro Mendes e Pedro Teixeira da Mota, Modo de Orar a Deus, com  contextualização e anotações valiosas.
O livro, embora escrito quase que de um só fôlego, condensa a leitura, a experiência e o aprofundamento que Erasmo conseguira fazer da oração e está ligada ao que chamava a filosofia de Cristo, na qual são valorizadas a doutrina da ascensão do visível ao invisível, do literal ao espiritual, reconhecida nos ensinamento de Jesus e de S. Paulo, e realçada pelos primeiros padres da Igreja, bem como as doutrinas da ligação directa ao Pai, através do pedido ou oração a Ele confiante (porque ardente e persistente), e a da comunhão dos santos e anjos ou corpo místico da humanidade. Há também uma constante valorização de uma vida justa, animada da piedade interior de se querer estar continuamente bem relacionada, ligada ou contígua a Deus. De realçar os acrescentos feitos por Erasmo no ano seguinte, em Março de 1525, numa época em que traduzia o De Orando Deum de S. João Crisóstomo, publicado em Maio desse mesmo ano, o qual poderá ter também contribuído nas motivações subjacentes a alguns desses acrescentos ao Modo de Orar a Deus, que dão inegavelmente mais vida e amor à obra, assim aprofundada.
O livro foi contudo vítima de alguns dos mais conservadores da ortodoxia católica, sendo, por exemplo, fonte de reparos de teólogos portugueses na Assembleia reunida em Valladolid, em 1527 (tal Diogo de Gouveia, vindo de Paris, por ordem ou sugestão do “piedoso” D. João III, e bastante feroz nas suas críticas: “queime-se”), para discutir expressamente a existência de proposições erradas ou heréticas na obra de Erasmo, nomeadamente acerca da Trindade, sendo pontos quentes, como nos descrevem os historiadores do erasmismo Marcel Bataillon e Artur Moreira de Sá, a frase «talvez esta seja uma boa parte da religião Cristã, nos assuntos divinos venerar-se tudo, mas nada se afirmar fora do que está expressamente formulado nos livros sacros», ou ainda o relevo que era dado à proposição «no Evangelho só o Pai é chamado verdadeiro Deus», e a consequente diminuição da atribuição da divindade ao Espírito Santo, que de facto, em parte alguma do Novo Testamento é chamado de Deus.
A obra chegará mesmo a entrar no Índice dos livros proibidos pela Inquisição Portuguesa (em 1561), como aliás os Colóquios ou os Comentários aos Evangelhos, tanto porque Erasmo propunha interpretações menos ortodoxas, e era irreverente e irónico ao questionar e criticar costumes e aspectos do clero, como também por ser «homem amigo de novidades», nomeadamente ao traduzir o Logos grego, do início do Evangelho de S. João, não por Verbum, Verbo, mas por Sermo, Palavra, discurso, o que contudo estava atestado em padres da Igreja bem antigos, como S. Cipriano, S. Agostinho, Lactâncio ou o ibérico Aurélio Prudêncio.
No fundo, o que estava a desenrolar-se era a luta entre os que aceitavam e valorizavam o estudo dos documentos fundadores da religião pela comparatividade, crítica filológica e contextualização histórica, e a sua livre mas fundamentada interpretação, contra os que, fechados no conservadorismo ou no fanatismo, queriam manter as interpretações passadas, ou até a ignorância da verdade, arrimados na teologia escolástica e silogística, «a sofistaria sorbónica», como então se dizia, quase só baseada em sentenças, especulações e raciocínios, distanciadores da realidade viva e espiritual em causa.
O ano de 1525 é intensíssimo, pois em Maio responde à pressa, mas com serenidade e respeito, a Lutero, no seu Hyperaspistes, diatribe adversus Servum Arbitrium Martini Lutheri, ou seja, o Super Escudo, diatribe contra o arbítrio servil de Mαrtinho Lutero (a que se seguirá em Setembro, uma segunda parte), mostrando como as boas obras e a participação voluntária, consciente e livre do homem eram necessárias, só desse modo se qualificando os seres humanos para cooperadores de Deus. Nestes aspectos ele é de novo um defensor dos melhores valores da Europa, nomeadamente o da combinação da tradição antiga (a Graça sempre esteve com a Humanidade, há uma religião natural) com o cristianismo, o da educação capaz de modificar as tendências e ambientes negativos, e o da inteligência e liberdade do ser humano (em vez de outra submissão aos novos dogmas e usos protestantes), chamado a participar voluntária, e não por fatalidade e sujeição servil, e até mais intimamente, pela razão e pela sabedoria, pela oração e a contemplação unitiva, no corpo místico da humanidade, com a Divindade, colaborando na concórdia planetária e universal (no séc. XXI cada vez mais de desenvolvimento sustentável, solidário e ecuménico). E apela, no final do texto, a que Cristo ilumine todos os seus discípulos, para que possam encontrar uma mesma voz, um mesmo espírito, uma mesma doutrina, numa comum acção de graças ao Eterno. Era de novo a intuição da possibilidade de união entre a cristandade, dinamizada pela respublica litterarum, inspirada pelo corpo místico da humanidade: o venha a nós o Vosso Reino...
Também a sua visão da Igreja merece ser realçada ao assentar não tanto na instituição material, de facto na época em grande crise devido a tantas contradições com a mensagem evangélica, mas no espírito de Cristo aglutinado em qualquer grupo de seres. Tal permitia-lhe tanto considerar como salvos, pagãos como Sócrates, a quem chega a exclamar Sancte Socrate, ora pro nobis, como reconhecer em qualquer ser que vivesse de um modo justo e aberto a Deus, um irmão, sendo a verdadeira Igreja universal a soma de todos esses seres, num verdadeiro corpo místico incluindo vivos e mortos, cristãos e não cristãos, o qual deveria ser reconhecido e vivido por qualquer uma das partes, em especial a luterana que se estava a afastar dele.
Em Junho de 1525, sem grandes recursos financeiros e sem certezas onde pode trabalhar mais independente, ainda que convidado de várias partes da Europa, vai trabalhando em Basileia nas obras de S. Agostinho, S. Jerónimo e S. João Crisóstomo, e vende a sua biblioteca ao seu amigo polaco Jan Laski, o irmão de Jaroslaw (Hieroslaus) a quem dedicara o Modo de Orar a Deus, guardando o usufruto dela até ao fim da vida.
Dürer deve ter ficado impressionado com a força calma de Erasmo.
E em 1526, no ano em que Albert Dürer desenha uma gravura sua ao vivo, publica a Instituição do matrimónio cristão, dedicado à «inclítica rainha dos ingleses» Catarina de Aragão, mulher de Henrique VIII, valorizando no casamento tanto a educação e a maleabilidade para a aceitação e harmonização recíproca, como a união sobretudo da alma e do espírito, pois a do corpo, ou motivada pela beleza física, não será duradoura. «Se formos um só espírito, viveremos alegre e docemente». Aliás, já no Colóquio Epicureano valorizava «a união profunda das almas, a confiança recíproca, o culto mútuo das virtudes» que levavam a que o amor, embora não persistindo com a mesma intensidade que no momento inicial do enamoramento, se tornasse crístico e «triunfasse do declínio do corpo como folha de palmeira eternamente verde». Também considera o estado de casado superior ao dos monges e frades, algo que alguns deles não apreciavam muito. Seguir-se-á, mas já em 1529, a Viúva Cristã, dedicado à rainha Maria da Hungria, a irmã mais nova de Carlos V, e que será de 1531 a 1556 regente dos Países Baixos, exercendo as suas funções neste período de lutas religiosas com moderação.
Em 1527, quando dá à luz nos prelos de Froben a 3ª edição do Novo Testamento, após ter consultado mais manuscritos antigos e desta vez acompanhado da versão da Vulgata, e quando em Paris Colinet chegara a imprimir vinte quatro mil exemplares dos Colóquios, publica algumas homilias de S. João Crisóstomo, então descobertas, com uma extensa dedicatória ao então rei de Portugal, D. João III, na qual, depois de elogiar o seu pai D. Manuel (que o já tinha sido por Aldo Manuzio na dedicatória da edição de Platão de 1511: no Oriente «vencedor de povos e feliz por lhes dar leis e vias para chegarem ao Olimpo»), apela ao envio missionários verdadeiramente cristãos no seu modo de viver, para poderem converter, não à força mas pelo exemplo, os povos ainda despidos das luzes de Cristo, conselho também transmitido na época pelo pioneiro evangelista católico Jacques Lefèvre d’ Étaples.
A resposta da corte portuguesa nunca virá, provavelmente porque no livro (enviado pelo seu amigo, comerciante de Antuérpia, Sechtz, que tanto instara para Erasmo se dirigir ao novo rei Midas...) criticava o monopólio das especiarias imposto por alguns «traficantes» portugueses então à Europa. Sem resposta, sem qualquer pagamento do trabalho (e, diz numa carta, pelo opúsculo da epistola aos Gálatas recebera 200 ducados de ouro do cardeal da Lorraine), Erasmo retirará a dedicatória nas edições seguintes, dizendo mesmo que «portanto, de hora em diante prevalecerá em mim o bem conhecido método judaico»...
1527 é ainda o ano do impossível: as tropas mercenárias do imperador Carlos V, enviadas contra a coligação do papa com o inimigo Francisco I, rei da França, comandadas pelo condestável Carlos de Bourbon, entram em 6 de Maio em Roma e, depois de muitas mortes, cercam o papa um mês, até este se render, e profanam e destroem igrejas, academias e bibliotecas. Entre os milhares de mortos está Paolo Bombasio, um dos mestres de grego de Erasmus.
O saque mostra tanto o triunfo do imperador sobre o papa Clemente VII, obrigado mesmo três anos depois a coroá-lo não em Roma mas em Bolonha, como também o enfraquecimento do poder temporal e espiritual da Santa Sé de Roma sobre os estados e igrejas nacionais. As repercussões são grandes, ora condenando-se os excessos e temendo-se o enfraquecimento da Igreja católica, ora dos lados reformistas e protestantes exaltando-se o feito libertador e salvífico (Alfonso de Valdés, nos seus diálogos), ou como o faz em parte, pois é crítico das guerras e violência, o pedagogo e filósofo valenciano Juan Luís Vives (1492-1540) em carta ao seu amigo Erasmo, já que só Carlos V, vencedor do papa e do rei de França, poderia fundar a era de paz tão desejada por todos e tão necessária à República das Letras e à Cristandade. 
Luis Vives, notável pedagogo e pacifista.
Entre os portugueses, Garcia de Resende descreverá o sucedido, lamentando a maldade do povo cristão, nos versos de fabulosa rima, ao estilo dos antigos romanceirosque constituem a sua Miscelânea, enquanto Gil Vicente faz ecos do acontecido nas suas críticas reformistas, senão mesmo erasmizantes, no Auto da Feira, representado na corte no Natal de 1527, e provavelmente no misteriosamente ou inquisitorialmente desaparecido (que tragédia...) auto do Jubileu dos Amores, representado em Bruxelas, em 1531, e no qual se criticava a corte de Roma. Também André de Resende, erasmiano, considera-o castigo divino, no sermão pregado em Maio de 1534 no sínodo de Évora. Quanto ao pintor neoplatónico Francisco de Holanda, ligado mais à linha imperial de Carlos V, desenhará a Roma papal humilhada e feita em ruínas e relíquias após o saque imperial, abandonada ou castigada pelo seu Imperador, dando talvez a entender que outra dominação ou império se deveria erguer. As suas ideias e os seus fabulosos desenhos, plenos de ressonâncias simbólicas e espirituais, foram estudados notavelmente nos nossos dias por Sylvie Deswarte e mais recentemente por Teresa Lousa.
Em 1528, após os ataques estilistas do francês Christophe de Longueil, publica nos prelos infatigáveis de Froben (agora já dirigidos pelo filho Jerónimo, pois, para grande tristeza de Erasmo, o pai acabara de morrer) numa edição ternária, o De duplici copia verborum ac rerumDa dupla abundância das palavras e ideias, que fora dedicado em 1511 a John Colet, director dos colégios da catedral de S. Paulo e do Menino Jesus, em Londres, e que se espalhara rapidamente pelo meio escolar europeu (sessenta edições em vida de Erasmo), o de De recta latini graecique sermonis pronunciatione, um diálogo que contém tanto um método de pronunciar as duas línguas como um plano para que todo o ensino seja o mais generalizado, completo e enciclopédico possível. Há também críticas ao sistema de ensino do colégio parisiense de Montaigu e dos seus fanáticos da tristeza, da humilhação e do servilismo que eram Standonck e Nöel Béda. E o Ciceroniano ou do melhor estilo de falar.
O terrível colégio de Montaigu, que de um modo ou outro terá os seus correspondentes actuais
Neste diálogo Ciceronianus, sive, De optimo genere dicendi, propõe uma oratória e escrita adequada aos tempos modernos, proporcionada, sábia e cristã e não meramente formal (tais os macacos de Cícero, na expressão polémica de Poliziano), pagã ou passadista. O mais importante é que o escritor ou o orador se exprima totalmente e que transmita, ou por ele perpasse, a Palavra divina.
Analisará o valor de Cícero, os que o tentaram imitar, o que constitui o verdadeiro orador e o escritor elegante e erudito, passando em revista os escritores humanistas europeus, onde faz uma crítica a si próprio e elogios a Ulrich Zazius, Reginald Pole, Crziczki e Luis Vives. O diálogo é além de tudo muito divertido, provocando o riso perante o excesso de devoção e imitação de Cícero, ou a busca obcecada da perfeição da forma, ao qual se associa um retorno ao paganismo, visível em muitos dos ditos admiradores de Cícero. A personagem, Nosoponus, que é o francês Christophe de Longueil, sofre de uma ciceronite aguda, evidente, por exemplo, quando ocupa uma noite inteira a escrever um parágrafo de uma carta, que levará ainda um mês a corrigir...
As oposições e réplicas serão muitas (como as de Étienne Dolet, destacando-se como a mais insultuosa a de Julio C. Scaliger), mas como Erasmo distinguira quatro tipos de ciceronianos, entre os quais os do tipo superior, não limitados mas sabendo combinar o culto da forma com a essência da sabedoria e do cristianismo, elogiando então Pico della Mirandola (« índole claramente divina, e genialmente apto a tudo»), os puristas do estilo mas também sábios substancialmente, tais como Pietro Bembo, o geral dos agostinhos Jacopo Sadoleto, Alciato e Guillaume Budé aceitaram bem as críticas. Mesmo assim, na segunda edição, Erasmo corrige ou clarifica algumas das classificações esboçadas, valorizando mais o catalão Juan Luís Vives e Budé. Das suas críticas e trabalhos resultará uma apresentação com muito mais profundidade das obras de Cícero, tornando-se uma linha de força depurada e cristianizada em muitos dos centros de ensino europeus.
Depois de ter publicado em 1526 o De civilitate morum puerilium, um tratado dos bons costumes ou civilidade das crianças (acerca das roupas, jogos, refeições, etc.,), que terá muita descendência, Erasmo imprime em Basileia, em 1529, coroando toda a vasta obra de pedagogo da juventude, o De pueris instituendis, Sobre a educação das crianças, onde destaca muito a educação desde a mais tenra idade, para preencher o vazio, com bons exemplos, afectos e conhecimentos, «porque os homens não nascem, fazem-se». Valoriza os aspectos dietéticos e higiénicos, os da aprendizagem das línguas e artes liberais, a par de noções germinais morais e religiosas, realçando os aspectos afectivos que devem ligar os pais e educadores às crianças, pois a verdadeira paternidade espiritual é a educativa. O professor deve respeitar a individualidade própria do formando, esforçando-se por trazer ao de cima as capacidades e vocação própria. A essência humana é racional e o seu fim é a procura da autenticidade e da verdade.
A estadia em Basileia também chega ao seu término, em Fevereiro de 1529, quando, após as lutas entre as facções católica e protestante, esta dirigida por Oecolampadius (identificada e fortalecida com a causa nacionalista alemã) acaba por vencer, resultando dois dias de destruição e fogueira dos ricos recheios das igrejas cristãs e a proibição da missa católica.
Erasmus, há muito sentindo-se no meio de uma cidade demasiado perturbada e agora claramente reformista, decide abandoná-la. Recebe vários convites, desde o banqueiro Anton Fugger em Ausgburgo até aos provindos de Colónia e Viena, mas prefere uma cidade menos mundana, mais sossegada, não demasiado longe da tipografia de Froben e Amerbach e assim, a 13 de Abril, parte ao meio dia da ponte central de Basileia, por decisão do conselho municipal que não o deixou partir em segredo, Reno abaixo de barco, acompanhado por alguns fiéis amigos e colaboradores, em diálogos hoje perdidos ou olvidados...
A empresa tipográfica de Fröben, certamente o melhor símbolo de Basileia.
Instala-se então em Fribourg-im-Breisgau, uma pequena e sossegada cidade católica, nas montanhas, nada distante, que o recebe entusiasticamente e o instala numa bela casa construída para o imperador Maximiliano, e onde está o seu amigo, e fino ciceroniano Ulrich Zäsi (Zazius), recomeçando logo os seus trabalhos com a pena. E, face ao extremismo das posições de alguns protestantes, em certos casos excedendo mesmo as de Lutero, escreve um opúsculo Contra os pseudo-evangelistas, onde critica a impiedade de uns e a intolerância de outros, defende a boa disposição perante as aflições e as ofensas, o esforço de servir o próximo desinteressadamente, o acto de sacralização que é a oração, considerando-os como deveres naturais e próprios de todo o ser humano.
Critica ainda, em 1529, numa carta ensaio intitulada Consulta utilíssima acerca da guerra a ser feita contra os Turcos, fortemente a guerra, as ambições que estão por detrás dela, demonstrando a quão poucas pessoas interessa e convém, e como o Cristo de modo algum recomendou a guerra, a violência e o constrangimento, mas sim a tolerância, o diálogo e a persuasão. A iminência da guerra liderada por Carlos V e o reconhecimento generalizado na Europa do magistério humanista de Erasmus serão talvez responsáveis pelo sucesso de mais quatro edições no mesmo ano, em cidades como Basileia, Viena, Colónia e Paris.
Publica em 1531 os Apophthegmata, uma recolha de máximas dos melhores autores da antiguidade, em especial extraídas da obra de Plutarco, para servirem de educação aos príncipes e governantes, onde continua a realçar o seu ideário político da não-violência, da honestidade e honra, do sacrifício pelo bem comum e da necessidade de uma boa educação.
    No findar deste ano, na noite do solstício do Inverno, dá-se a tal partida partida pregada a um dos perseguidores de Erasmo, o legado papal Girolamo Aleandro, quando se representa, em casa do Embaixador português em Bruxelas D. Pedro de Mascarenhas, diante do Imperador e a corte, dos embaixadores e de Aleandro e do Legado papal uma comédia de Gil Vicente, o Jubileu dos Amores, com tantas críticas irónicas às indulgências e excomunhões que «todos riram tanto que parecia que todo o mundo se desfazia em júbilo. A mim contudo estalava-se o coração. Julgava achar-me dentro da Saxónia e ouvir Lutero ou estar no meio dos horrores do Saque de Roma». Assim escrevia uns dias depois Aleandro para o papa descrevendo essa «sátira manifesta contra Roma, e punha os pontos nos ii (designando as coisas claramente): que de Roma e do papa não vinham senão traficâncias de indulgências...». Anote-se, além de André de Resende, que trocara há pouco os claustros dominicanos de Lovaina pela estadia em Bruxelas a ensinar retórica ao Embaixador, devido a ter sido proibida pelos dominicanos a leitura das obras de Erasmo, a presença de Damião de Góis, o grande amigo de Erasmo, o que poderá não ser alheio às perseguições de que será vítima posteriormente, e das quais o desaparecimento da comédia Jubileu dos Amores será certamente outra consequência.
Erasmo, numa zona bem calma, chega mesmo a comprar uma grande casa nos arredores, onde acolhe, na Primavera e Verão de 1533, durante uns dias, como convidado, o convictor (e será o último...) Damião de Góis, felicíssimo por poder aprender e conviver com o magister, sobretudo após o jantar, nos passeios e conversas onde certamente lhe terá narrado a partida a Aleandro, rindo-se com ele, que o aconselhará depois a aprofundar os seus estudos em Pádua. 
Damião de Goes, o grande elo de transmissão
pessoal de Erasmo para Portugal....
Da grande amizade entre ambos ficou uma correspondência valiosa (na qual Damião de Góis se propõe mesmo editar à sua custa as Obras completas de Erasmo), a dedicatória de Erasmo de um Compêndio de Retórica, algumas informações que o humanista de Alenquer pioneiro apologista ecuménico na defesa dos Lapões e da especificidade do Cristianismo Etíope ou do Preste João das Índias, transmitiu a Erasmo, quem sabe se influentes nalguns dos passos do Modo de Orar a Deus, e fios e ligações erasmianas atravessando pensamentos, sentimentos, convicções, escritos e níveis da alma de Damião de Góis, que terá contudo um fim de vida trágico, assombrado pelas denúncias do padre Simão Rodrigues, o processo, a prisão e a condenação inquisitorial, devida à sua piedade ecuménica e douta, estigmatizada pelo tracto passageiro com protestantes, como Lutero, Melanchton, Farel e Münster, e também pelo seu erasmismo, quem sabe se o principal transmissor ao vivo convicto e primeiro mártir?
No seu scriptorium Erasmo, provavelmente sentindo fim da sua passagem terrena a aproximar-se, continua a traduzir, ou a melhorar a sua obra, tal como os socráticos e críticos Colóquios e os Adágios (que como diz a sua etimologia são regras práticas para o bem agir), frutos da experiência e da meditação, por vezes comentados em extensas dissertações, que chegam mesmo a ser publicados individualmente, como o mais famoso e sempre actual A Guerra só é doce para os que a não experimentaram. E medita e redige ainda novos livros sobre a paz na Igreja e a preparação para a morte, aprofundando e aplicando às circunstâncias os eixos verticais ou princípios e valores do que considerava ser o Humanismo cristão, ou ainda, a digna e douta aproximação humana à verdade e a Deus.
       Em 1533 escreve, a pedido do pai de Ana Bolema, a Explicação do símbolo dos apóstolos, ou Catecismo, uma extensa análise e justificação das principais verdades dos mistérios ou símbolos do cristianismo, na forma de um diálogo entre um catecúmeno e um catequista, em seis catequeses de bom nível de aprofundamento do Símbolo ou Credo. Nele realça o aspecto da transmissão pessoal, pela palavra humana do catequista, da Palavra Divina que é o mestre interno em todos os que ensinam, e que pela sua graça transforma as mentes dos que são ensinados. O reino dos Céus é identificado também como a graça dos Evangelhos, o espírito divino que nos é infundido ao lermo-lo e praticá-lo. Compara o Pai, que é a Fonte, à mente, o Filho à razão, e o Espírito Santo, que procede de ambos à caridade ou amor, que é em nós vontade. Ou ainda, o Pai é a mente, o Filho a palavra concebida na mente e o Espírito Santo, a sua pronúncia ou missão (prolatio). Nesta obra transparece o seu optimismo antropológico: Deus, o espírito-mente (nous) de poder infinito, fundou o universo e a humanidade para partilhar o seu amor e felicidade, e Jesus o ungido veio instruir-nos a despertar o fogo do desejo da vida divina, pois enquanto na terra teremos que viver mais pela fé, já que só na outra vida, em corpos espirituais, veremos completamente, como os anjos, Deus face a face. Relembremos contudo, do seu Enchiridion, quanto a este aspecto, a sua posição mais militante ou empenhada, lutando nesta vida já «para se sair do labirinto difícil, e atingires a luz pura da vida espiritual» e assim recuperares «aquela luz puríssima da face (vultus) divina, que o Originador infundira sobre nós», frase já citada anteriormente, mas de facto a merecer, pela sua qualidade de sermo divino e axial, ser repetida, acolhida e meditada...
Em 1534 ainda tem de responder, com a Purgatio adversus epistolam non sobriam Lutheri, a um ataque ao seu Catecismo da parte de Lutero, indignado em primeiro por ele defender a Igreja católica de Roma, ao permanecer nela e ao convidar os cristãos a que permaneçam unidos (usufruindo da força dos milhões que oram no corpo místico e invocam a comunhão dos santos), caminhando pelo espírito e não de acordo com a carne e, em segundo lugar, por estar a semear dúvidas nos crentes simples, ao citar e descrever tão minuciosamente várias heresias e opiniões heterodoxas, como as dos arianos ou dos origenistas. Aliás, já um ano antes escrevera: «Erasmus declarou guerra a todas as religiões, ele é o inimigo pessoal de Cristo, o tipo perfeito, o modelo de Epicuro e Luciano» (dois autores pagãos “reabilitados” por Erasmo), ou ainda «no meu testamento e nas minhas últimas vontades, mando-vos odiar e execrar esta víbora do Erasmus»...
Entretanto, a fiel e sossegada Inglaterra entra também em rotura e crise com a decisão do rei abandonar a rainha Catarina de Aragão, incapaz de lhe dar filhos, o que o papa em Roma não aprova, contribuindo para o cisma da Inglaterra e o aparecimento da Igreja nacional, anglicana, em 1534. Essa passagem custa a vida a dois dos maiores amigos de Erasmo, Thomas More e John Fisher, ao não aprovarem o divórcio do rei, o novo casamento com Ana Bolena e a supremacia do rei sobre o papa em matéria religiosa. Erasmo, mais conciliador, afirmará enigmaticamente, numa carta a um amigo, preferir o casamento dele com as duas mulheres...
A morte heróica de ambos, santificados quinhentos anos depois, em 1935, abalou Erasmo, que escreverá mesmo: «eles foram os homens mais santos e sábios que a Inglaterra jamais teve. Com a morte de More, sinto como se eu tivesse morrido, mas tais são as marés das coisas humanas. Tínhamos entre os dois uma alma só».
Todas estas controvérsias e lutas da época (Ulrich Zwinglio, em rotura com Lutero, por exemplo, é abatido em batalha, em 1531, e Erasmo comenta: «encontrou a justiça terrena. Que a misericórdia de Deus lhe seja melhor», fazem-no exclamar então: «oiço as vozes dos ortodoxos e dos heréticos, dos Católicos e dos Anti-católicos, mas em parte alguma eu vejo Cristo», frase esta bem verdadeira e na linha da sua concepção de que «a Igreja é o povo cristão, aglutinado no Espírito de Cristo». Por outro lado, não era sem apreensão que via o número de inscritos nas faculdades universitárias nas zonas dos protestantes diminuírem e o espírito piedoso de modo algum aumentar.
Os ataques à sua pessoa e doutrinas são tantos, tal como nos diz Pierre Bayle (1647-1706) no seu Dictionnaire Historique et Critique: «porque Erasmo não abraçou a reforma de Lutero, e porque condenou muitas das coisas que se praticavam no Papismo, atraiu mil injúrias tanto da parte dos Católicos como da parte dos protestantes»,  que Erasmo vai tendo que explicar constantemente a verdade e as implicações do que meditou, escreveu e defendeu ao longo da vida, nomeadamente a paz, a livre consciência e investigação, a unidade da verdadeira Igreja ou corpo místico de Cristo. Mais importante que a guerra religiosa exterior é emendar-se a vida interior, não se enganar o próximo e não se sustentar a mentalidade vingativa e ambiciosa. E  em 1534, em ressonância com a grande consideração que o novo papa Paulo III o tem, confirma a sua fidelidade à Igreja Católica.
Entretanto, firme na sua vocação pedagógica do pacifismo e do humanismo cristão, comenta alguns Salmos, tal como o 88, realçando a concórdia, a caridade e a unidade do espírito, intrínsecas nos verdadeiros adoradores de Deus, pelas quais se comunica a verdadeira Igreja católica (palavra originada no grego catolicoi e significando universal), que é tanto terrena como celestial, ligada num campo unificado de consciência e comunicação, denominado corpo místico, e no qual avançamos tanto pelo conhecimento e (c)oração como pelos actos justos e de caridade, e pelas tribulações que são também purificações, metanóias, bênçãos.
Escreve os tratados Da preparação para a morte, Da amável concórdia da Igreja, neste demonstrando a necessidade da unidade da Igreja, explicando profundamente o que entende pela religião interior, a piedade douta, com os seus graus de ascensão no interior do coração, na medida da nossa modificação positiva da capacidade de amar, testada nas adversidades mas também fortalecida por bênçãos subtis, desde que oremos.
Publica ainda na oficina frobeniana, em 1535, o Ecclesiastae sive De ratione concionandi, ou seja, A Assembleia ou acerca do método de pregar, a pedido (derradeiro, pois em breve seria martirizado por Henrique VIII) de John Fisher, um tratado sobre a preparação do pregador, mostrando o valor e a responsabilidade de tal missão, que tanto deve ser eloquente através da artes da retórica e da dialéctica, como abrangente e profunda ao conhecer as três línguas sagradas e os textos evangélicos, para além de vivida no ensinamento e espírito de Cristo, em especial com «dignidade, pureza e prudência», de modo a abençoar as almas e a torná-las vivas. A obra está muito bem sistematizada para a aprendizagem da arte de pregar de acordo com os clássicos, em especial Quintiliano e Cícero, e refere ou cita dezenas de autores de Platão a Marsilio Ficino, de Petrarca a Rudolfo Agricola. Tem partes muito actuais do que viu ou ouviu e, graças a Damião de Góis, inclui referências às causas do cristianismo específico da Etiópia e à dos Lapões, bem como o que se está a passar nos Descobrimentos e conquistas. É aqui que dá uma das mais belas aproximações à essência do cristianismo, no qual a Palavra é verdadeiramente a fonte de toda a cura e salvação: «O Cristo é a Palavra todo-poderosa de Deus, que sem começo nem fim, se derrama eternamente do coração do Pai».
Escreve ainda no mesmo ano de 1535, contemplando também certamente da sua janela a sublimidade de Deus nas maravilhas da natureza, umas Orações, Precationes aliquot novae ac rursus novis adaucte, quibus adolescentes assuescant cum deo colloqui, seja para habituar a juventude a dialogar com Deus, seja para complementar o Modo de orar a Deus. Umas no estilo retórico, longas e contendo exemplos da Bíblia, outras mais concentradas e ardentes, quais jaculatórias. Algumas são a partir dos salmos de David, outras de S. João Crisóstomo, e as maiores são dirigidas às três pessoas da Trindade e pela paz na Igreja. Destinam-se a várias ocasiões, como ao navegar, antes e depois das refeições, ao semear, na doença, para a rectidão e inocência da vida, etc. Quais delas teria ele pronunciado, quais  apenas confiou ou entregou à reproduzibilidade mais perene do papel?
Por fim, com a intenção de finalizar ou imprimir estas suas derradeiras obras, deixa Friburg-im-Breisgau e chega a Basileia, em Julho de 1535, saindo o livro das Orações, no último Agosto quente e agradável que passa na terra, não sabemos se antes, se depois, de lhe ter sido oferecido pelo papa o barrete cardinalício mas certamente numa sincronia interessante, pois era a consagração do seu magistério espiritual e cristão, apesar de tantas dificuldades e ataques sofridos, em simultâneo com a publicação da sua última obra de educação espiritual para os jovens europeus do futuro.
Com efeito, o novo papa Paulo III, no afã provavelmente sincero e não interesseiro de o homenagear ou de o ter com mais responsabilidades na grande barca da Igreja, propõe-lhe o barrete cardinalício (que já atribuíra aos seus amigos Reginald Pole, Sadoleto e Caraffa), mas Erasmo, universal cabeça, enfraquecido cada vez mais no corpo, e já a pensar na libertação da morte, humildemente até, declina tal consagração.
Recolhido no quarto, escritório e cela escreve a sua última obra, com um título bem significativo quanto ao seu ideal de vida: Acerca da pureza da Igreja de Cristo, surgindo como um comentário ao Salmo 14, dedicado a um aduaneiro seu admirador e amigo, provavelmente procurando chamar os protestantes, mais ligados ao Antigo Testamento e aos Salmos, mas também os católicos, à comunhão da unidade da Igreja, ideal e universal.  
Com quase 70 anos de viagens e tribulações, há muito preparando-se para a morte graças às agoniantes dores das pedras nos rins (para além das orações e de ter escrito e meditado ou exercitado a Praeparatio ad mortem), enfraquecido ainda pela artrite e mais desprendido da terra pela passagem de tantos dos seus amigos para a Igreja triunfante do outro lado da vida, a sua biblioteca reservada para o polaco Jan Laski, os seus bens distribuídos (em vez de serem destinados para a edição das suas Obras Completas que contudo sairão em 1540), por amigos, atribuindo ainda algumas bolsas de dinheiro a estudantes pobres, virgens e viúvas, na noite de 11 para 12 de Julho, certamente quente ou ardente, sempre firme na lucidez, no espírito e na abertura à Divindade, rodeado serenamente pelos seus mais próximos («amo mais condiscípulos que discípulos»), entre os quais Jean Morel e Lambert Coomans, parte do centro da Europa, exclamando em latim: - Jesu misericordia! Domine, libera me! Domine, fac finem! Domine, miserere mei! e, por fim, na sua língua natal, Lieuer Gott!, Deus Amado, ou Querido Deus!..., e quem saberá discernir os movimentos da sua consciência e a realização interna predominante do magister Erasmus diante da passagem para o além e vibrando no amor divino entre os dois mundos...
A sua batalha pela unidade e concórdia numa Igreja purificada, piedosa e douta não morreu com ele e mesmo entre protestantes e católicos nos anos a seguir ainda houve encontros (Leipzig, Worms, Ratisbonna) promovidos por Carlos V e as alas moderadas, para se chegar a acordos que evitassem a divisão no cristianismo, consumada contudo, embora amenizada nos nossos dias. Quanto à sua não-violência e tolerância, aliados ao estudo livre e à sabedoria ecuménica, atravessarão os séculos, invencíveis pelo menos em alguns e na aspiração mais elevada da Humanidade.
Poucos meses depois da sua morte, Frederich Naussea (seu amigo há muitos anos, bispo de Viena da Áustria em 1541 e que participaria no Concílio de Trento), publica na Monodia, perante tal calamidade e tristeza, o seu elogio e louvor, considerando-o mesmo um santo, consciente do valor de Erasmus, tão dotado de uma concórdia de virtudes, na história intelectual e religiosa da humanidade, que cada ser humano pode sentir e realizar, graças à obra de Erasmo «verdadeiramente um santo», o que os discípulos sentiram quando Jesus vivia entre eles.
Nicolau Olahus, romeno, numa elegia à morte de Erasmo, do mesmo ano de 1536, realça também o seu papel na tentativa de uma reforma da cristandade pelo conhecimento e pelos meios pacíficos. Beatus Rhenanus, seu velho amigo e colaborador nos prelos frobenianos, para além de lembrar a sua generosidade e capacidade de trabalho, afirma ter ele sido o verdadeiro renovador dos estudos no centro da Europa, para além do lúcido crítico das reformas necessárias à Igreja.
Ao longo dos séculos, em toda a Europa suceder-se-ão elogios, dos quais não deveremos deixar de referir os que lhe fizeram na época alguns discípulos ou admiradores portugueses, nomeadamente o seu grande amigo Damião de Góis: «aquele prudentíssimo e gravíssimo Erasmo Roterodamo, neste nosso áureo e doutíssimo século, príncipe de toda a doutrina e eloquência», no prefácio à tradução de Catão, de Cícero), ou André de Resende, que aliás já em 1531 compusera um hiperbólico Erasmi encomium, impresso então por Froben, onde afirmava «homem de juízo acérrimo, considerado entre os escritores, o Aristarco do nosso tempo», sendo de se realçar que Aristarco fora um gramático e retórico de Alexandria, que restabelecera os textos de Homero, e inspirara a exegética espiritualizante de Orígenes, mestre de Erasmo, que por sua vez restabelecera os textos de Jesus. Pois André de Resende escrevendo agora a Damião de Góis, exclama: «extinguiu-se para o mundo aquele que era o ornamento que os séculos nuca chorarão suficiente». E apela: «aqueles que profanaram a sua reputação acusando-o de heresia, aprendam agora a moderar as suas sevícias e deixem ao menos intactas as suas obras que a posterioridade grata poderá venerar e honrar».
Muito sentida será ainda a homenagem poética e elegíaca, logo após a sua morte, organizada em Évora por Nicolau Clenardo, e em que participaram também, além deste humanista flamengo há muito anos ensinando em Portugal e verdadeiramente entristecido, Jorge Coelho, Joana Vaz, André Cotrim e André de Resende. De registar ainda Diogo Pires expressando em 1545 quanto o amava, em belos poemas e num epitáfio: «Aqui jaz um homem divino, Erasmo, do amor exemplo. Quanto à sua alma, essa tem morada no Olimpo, entre os bem-aventurados».
Mas também as críticas sucederam-se, das quais a maior foi a inclusão como autor danado no Índex dos livros proibidos da Igreja de Roma, em 1558, pelo implacável Paulo IV, amenizado quatro anos depois ao passar-se para a supressão e correcção apenas de algumas partes de certas obras.
Apesar destas tentativas de se restringir a mensagem libertadora de Erasmo, mais nuns países e suas Inquisições que noutros, nos séculos seguintes a sua obra continuará viva e a ser bastante reeditada e meditada. Já no século XX destaquemos os valiosos estudos de Augustin Renaudet, Pierre de Nolhac, P. S. Allen, Marcel Bataillon. Eugenio Asensio, José V. de Pina Martins, Pierre Mesnard, Jean-Claude Margolin, Jacques Chamorat e André Godin, entre tantos outros continuadores da luminosa demanda da verdade e do espírito realizada por Erasmus, dentro das condicionantes da sua época.
Passados quinhentos anos da vida do mestre pedagógico e espiritual da Europa de então, o seu nome foi dado ao projecto Erasmus, de intercâmbio de estudantes universitários na Europa e no mundo, sem dúvida um excelente meio para que o zelo do estudo, o diálogo instrutivo e formativo, a fraternidade e o ânimo verdadeiramente justo, pacífico, harmonioso, ecuménico e universal cresçam entre as novas gerações de estudantes e investigadores («vivi entre trabalhos de erudição, que me preservaram de muitos vícios»), peregrinos como ele neste mundo, que Erasmus sempre considerou possível de reflectir mais o reino dos céus, apenas com o amor a Deus e ao próximo, para cujo despertar e inflamar recomendava duas asas principais: - o conhecimento, ciência ou cultura, e a oração, piedade douta, espiritualidade ou filosofia de Cristo, da qual este livro bem trata.
Se os seus amigos e pares humanistas Thomas More e John Fisher foram já no século XX santificados, não será de modo algum herético, tal como ele e Marsilio Ficino ousaram dizer de Sócrates, sentirmos e exclamarmos: Magister Erasme, ora pro nobis.
Ó Erasmus, mestre ou santo, saibamos nós merecer a tua inspiração, e ter-te como irmão mais adiantado no Caminho! Ora connosco, para que o amor, a sabedoria e a graça do Espírito Divino iluminem e lenifiquem todos os seres, comunidades, religiões, sociedades, mundos!
E em verdade, o que sabemos nós dos verdadeiros critérios da determinação da santidade, e da sua validade no mundo espiritual e para a Divindade?
Neste sentido exclamará em 1934 um dos seus biógrafos, Thomas Quoniam: «Ó Erasmo, queremos acreditar que Deus reuniu no céu os sábios e os santos e não separou a virtude do sacrifício. Se pertences hoje, como o pensamos, ao areópago celeste dos justos, dispensa-nos um raio dessa luz divina da qual a tua obra nos traz já um reflexo encantador».

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