sábado, 2 de abril de 2016

Antero de Quental, Carlos Cirilo de Machado, Sárrea Prado, von Hartmann: o Magnetismo e a Unidade de Consciência.

Antero de Quental: o Magnetismo, os Pressentimentos, o Inconsciente de Eduard von Hartmann e a Unidade de Consciência ou Campo Unificado de Energia Consciência. A carta a Carlos Cirilo de Machado, 2º Visconde de Santo Tirso, as referências ao padre Chaves e ao deputado Ângelo Sárrea Prado. 1886, Vila de Conde.
                                     
           Antero de Quental, pintado segundo os sensíveis olhos do 2º Visconde de Menezes.
Numa carta a Carlos Cirilo Machado (1865-1919), enviada de Vila do Conde, em 1886, quando o destinatário era um "jovem amigo" de 21 anos, Antero partilha para a perenidade histórica da Tradição Espiritual Portuguesa vários dados que não receberam até hoje a necessária investigação e que tentaremos investigar e realçar em algumas das suas sementes, quem sabe se já sem poder germinativo e revelador de mais frutos e aspectos da vivência anímica e espiritual de Antero com os seus contemporâneos, uma vez que tantos anos se passaram e as referências são submergidas e as memórias, tal como os sonhos, dissolvem-se qual neblina ou nevoeiro matinal...
De Carlos Cirilo Machado, que foi o 2º Visconde de S. Tirso, no blogue Phalerae, de José Vicente de Bragança, a quem agradeço (bem como, pela fotografia desse amigo de Antero de Quental, aos descendentes de D. Maria Gabriel Cirilo Machado de Araújo França Pereira (1929-2006), neta do visconde de Santo Tirso), podemos ler um resumo biográfico, que abreviei um pouco e transcrevo em seguida. Quanto a sabermos se ele manteve ao longo da vida o interesse pelo "panpsiquismo", tal como Antero denominava, e a que resultados e conhecimentos terá chegado, pelo menos nas crónicas publicadas no Brasil na 2ª década do séc.XX, e  em 1923 e 1924 nos livros Cartas de Algures e De Rebus pluribus, encontramos algumas referências ou mesmo especulações com valor, ou então bem humoradas.
                                       
«Diplomata, escritor seguiu a carreira diplomática, tendo estado colocado nas Embaixadas de Portugal em Roma, Quirinal, Madrid e Londres, de 1891 a 1894. Eleito Deputado por Santo Tirso (1894). Encarregado de Negócios em Londres, em 1895, no impedimento do Embaixador Marquês de Soveral, foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros, na presidência de Hintze Ribeiro. Em 1896 é nomeado Ministro em Washington, USA, (1896-1901) e posteriormente Ministro em Bruxelas, cargo que exerceu até à implantação da República. De 1911-12 foi ainda Ministro na Rússia até que passou à disponibilidade em 13 de Abril de 1912.»
«Assentou praça em 18-8-1900, data em que foi nomeado Alferes de Cavalaria da Reserva (cf. Lista de Antiguidades de Oficiais do Exército de 1909)», já com alguma idade e certamente com algum objectivo de inserção social que nos escapa, sendo com a farda militar que se encontra fotografado, e com as numerosas condecorações diplomáticas recebidas em vida. Das suas obras destacam-se os já mencionados dois livros de crónicas jornalísticas, o De rebus pluribus (1923, duas edições) e Cartas de algures (1924).
A carta foi integralmente lida e comentada por mim e passada para o Youtube no dia 31-III-2016 e a ligação para se ouvir é esta, embora na altura não tivesse ainda alguns conhecimentos acrescentados neste texto, nomeadamente referentes ao posicionamento sobre espiritismo de Eduard von Hartmann e de Sárrea Prado:
                    
A carta, que só foi divulgada  pela primeira vez em Julho de 1961, por Galvão Carvalho, na revista Colóquio (e que eu ainda não consultei), como anota Ana Maria Almeida Martins no III volume da sua valiosa 2ª edição das Cartas de Antero de Quental,  tem considerações de grande valor filosófico-espiritual e revelam que Antero de Quental participou em experiências psíquicas pois, após começar dizendo: «Meu jovem amigo, Creio que o magnetismo é efectivamente alguma coisa, uma força orgânica, talvez a força orgânica», esclarece numa aproximação, aberta mas cautelosa, de verdadeira metodologia científica: «mas a este respeito nada mais sei e cuido que mais nada se sabe por ora (...) mas talvez  só daqui por mil anos se possa saber alguma coisa a respeito delas, digo alguma coisa que valha a teoria científica dessas forças», e prossegue: «Como quer que seja, eu ocupei-me em tempo com o magnetismo e vi coisas bem notáveis... Fez-mas ver um padre do Algarve, que por sinal tanto se embrenhou, e tão sinceramente, naquela pesquisa, que acabou por perder a fé católica e se despadrou, perdendo os meios que tirava do sacerdócio. Vivia há poucos anos em Lisboa, obscuramente, dando lições de Português, e chamava-se, se bem me lembro Chaves. O Sárrea Prado, deputado do Algarve, conheceu-o, ele, que também se dá às ciências ocultas, lhe pode contar muitos casos notabilíssimos de lucidez magnética.»
Destaquemos Antero de Quental afirmar que se interessou e ocupou com o magnetismo e que vira «coisas bem notáveis», afirmações estas bem valiosas e que eu saiba não equacionadas nem valorizadas ainda pelos sucessivos estudiosos anterianos. E repare-se que Antero equaciona magnetismo, ciências ocultas e lucidez magnética, com um ar, ou de um modo, de quem as conhece, tal como o eng. Ângelo Sárrea de Sousa Prado, deputado no Parlamento nos anos de 1880-81, 1882-83 e 1893 e que pertenceu à comissão africana da Sociedade de Geografia de Lisboa, tendo colaborado em projectos hidráulicos tanto em Luanda como em Portimão, como pude ler no blogue de Nuno Campos Inácio, Toponímia de Portimão e sua história, a quem agradeço. E que deixou duas obras ligadas aos seus trabalhos em Angola, como podemos ver na Porbase, da Biblioteca Nacional.
Será interessante sabermos mais das actividades ou dos conhecimentos ocultistas de Ângelo Sárrea de Sousa Prado [vim a descobrir posteriormente a sua participações nos começos do espiritismo e da sua organização, como pode ler no fim deste artigo], e talvez os seus descendentes possam acrescentar algo, sobre eventuais sessões ou diálogos com Antero de Quental. E, claro,  sabermos ainda dos grupos e pessoas que proporcionaram a Antero de Quental as várias experiências, nomeadamente o Padre Chaves (quem foi, com quem se ligou...), e a sonâmbula lúcida, ou que adivinhava.
Antero de Quental prossegue nesta carta, na qual se afirma como um pioneiro e quase mestre de Fernando Pessoa ocultista (que em jovem tanto o admirou e leu), considerando que o magnetismo, essa força orgânica que tudo liga pode ser a responsável do espiritismo, das mesas rodantes e dos pressentimentos. Oiçamo-lo, continuando a reproduzir a carta: «É fácil que pelo magnetismo se expliquem muitos dos efeitos maravilhosos do espiritismo e das mesas girantes, assim como toda uma classe de fenómenos, que muita gente nega, mas eu tenho por certo os pressentimentos. 
Agora como, isso não sei e penso que ninguém sabe.»
Vem depois uma explicação valiosa, pois além de assinalar que participou em vários casos, tenta justificar a lucidez ou clarividência por uma osmose anímico vibratória supra corporal: «O magnetismo parece estabelecer uma unidade de consciência entre várias pessoas, ainda que separadas por grandes distâncias, de sorte que o que uma sabe, sabem-no as outras logo. Pelo menos, em todos os casos de lucidez a que assisti nunca vi a sonâmbula adivinhar alguma coisa ignorada por todos os que se achavam em relação magnética com ela, mas só coisas que ela ignorava, mas que pelo menos um dos assistentes conhecia. 
A tal unidade de consciência é coisa que não repugna à razão filosófica. Se ler  [Eduard von] Hartmann, na Filosofia do Inconsciente  verá que essa é uma das pedras angulares do sistema daquele engenhoso e profundo alemão. Segundo ele, essa unidade, expressão da unidade fundamental das coisas, existe latente ordinariamente, e só se manifesta obscuramente nos factos do instinto. O magnetismo será, segundo esta ordem de ideias, o momento em que essa unidade de consciência de latente se torna patente».
  Como sabemos Antero de Quental apreciou bastante Eduard von Hartmann (na fotografia), colocando-o a par de Giordano Bruno e de Schelling como representantes do Panteísmo espiritualista e da busca de uma religião do futuro,  considerando até bem profeticamente «o seu pessimismo como um protesto da razão e até do senso moral contra o optimismo naturalista» então vigente, sem deixar de lhe apontar algumas limitações («conciso e deficiente em certos pontos», dirá a Oliveira Martins, em 13-5-1876), ou deixando pouco lugar na religião ao maravilhoso e ao imaginoso, e não discernindo e valorizando suficientemente o Absoluto ou o Inconsciente como Liberdade.  
Na carta, Antero de Quental parece dar o salto de considerar os fenómenos de conhecimento supra-sensorial como manifestações da tal unidade, ainda que não tente explicar como tal se passa: se por alargamento ou expansão da alma-consciência, se pela utilização de sentidos espirituais, se por acção de espíritos, embora quatro anos mais tarde no seu "testamento filosófico", como bem lhe chamou Sant'Anna Dionísio,  afirme a existência de uma substância ou "alma infinita das coisas" por onde tal comunicação acontece..
Limitações também expressas pelo próprio Eduard von Hartmann no seu livro já mais tardio, Spiritismus, 1885, onde, tratando do espiritismo e do magnetismo, confessa nunca ter assistido ou participado em experiências e conclui tratar-se apenas de magnetismo, mesmerismo ou sugestão o que está em acção nesses momentos. Tal não era a posição de vários filósofos e investigadores psíquicos (tal como Alexander Aksakof, traduzido em português), além de espíritas, que puseram em causa as contradições das suas explicações, propugnando a possível intervenção de espíritos, como aliás podemos ver no prefácio da tradução inglesa da obra e que está on-line.
E prossegue terminando a carta, atestando mais uma vez a sua vivência, conhecimento ou experiência (o Padre Chaves, o Sárrea Prado e a sonâmbula que adivinhava, a lucidez magnética e os pressentimentos): «Mas tudo isto é mera especulação, hipótese e filosofia: de positivo só temos por ora os factos, que muita gente lhe poderá atestar, como eu. E adeus, que acabou o papel. Antero de Q.»
Observemos ainda que a carta mostra o jovem Carlos Cirilo Machado a pedir esclarecimentos sobre o magnetismo a Antero de Quental. A que título, quais as razões que o levaram a fazer tal pedido na carta (hoje perdida) a Antero? 
Seria Antero  de Quental um nome de referência, um conhecedor e conhecido não só na Ética, na Filosofia, nas Letras e Poesia, mas também nas ditas Ciências Ocultas e Magnetismo? Ou seria pela sua aura de líder de estudantes e de mestre do pensamento e da demanda da Verdade? 
Ou seria de conversas anteriores, pois a amizade entre Carlos Cirilo Machado e Antero de Quental sabemos existe pelo menos desde 1881 e que então conversaram bastante, conforme está registado numa  carta de Antero a ele, de Dezembro, 1881: «pela minha parte, de entre os rapazes da última geração, está o Carlos no número limitado daqueles que eu estimo e de quem espero alguma coisa sã. Concebo que [eu] lhe tenha feito alguma falta: as nossas conversas não eram vãs, e o Carlos não é daqueles, que, por terem talento, se cuidam dispensados de ouvir e atender». (Ver ainda  http://pedroteixeiradamota.blogspot.pt/2018/01/a-casa-do-coracao-de-antero-de-quental.html ).
 Tentando aprofundar os aspectos ainda desconhecidos desta carta, descobri primeiro que um magnetizador esteve em Portugal nesses anos, suscitando naturalmente questões a muita gente. E segundo, que o engenheiro Ângelo Sárrea de Sousa Prado,  foi uns dos onze membros da Comissão Central Pró-sede da Federação Espírita Portuguesa nomeada em 26-8-1928, em Lisboa, conforme se pode ler na Revista de Espiritismo, nº 5, de Setembro-Outubro de 1928, presidindo ainda a duas conferências na Federação Espírita Portuguesa, em Setembro de 1928, as de Maria O' Neill (mestra de um dos meus iniciais dialogantes espirituais, o eng. Manuel Lourenço) e do médico António J. Freire. E, por indicação (conforme os comentários) do Luís Lyster Franco, que em 1927 pertencia aos corpos gerentes da Federação Espírita.
Mas voltemos, para finalizar, ao ponto essencial entrevisto ou pressentido por Antero de Quental: há uma força ou energia que se poderá denominar magnética, bem como uma unidade de consciência, ou ainda de vontade e inteligência-razão ainda que inconsciente (na linguagem de Hartmann), que permeia o Universo e os seres humanos, através da qual circula toda a informação e energia. 
A lucidez magnética, e seria valioso se ele nos explicitasse  melhor o que ele entendia e incluía mesmo com esta expressão, então usada por alguns como explicação do magnetismo e do hipnotismo, mas provavelmente é a visão psíquica interior ou, se quisermos, uma intensificação energética, uma sintonia e  receptividade subtil que permite a passagem, pressupondo a tal unidade, ou continuidade de circulação, de consciência e informação, de um estado ou um dado desconhecido, ou melhor latente, virtual a um estado patente, conhecido ou manifestado.
Nas Tendências Gerais da Filosofia da segunda metade do século XIX Antero de Quental faz algumas aproximações ao Espírito e à sua unidade universal que se podem equacionar com as descrições actuais da física moderna das partículas e ondas e que, na visão de Antero, são também psíquicas ou de ideias forças. Mas a este ensaio final de Antero de Quental voltaremos um dia dentro desta óptica ou visão, embora acrescentemos para já este passo significativo das Tendências Gerais de Filosofia na segunda metade do século XIX:
«O pensar moderno quebra essas prisões lógicas, faz circular através dos tipos pretendidos irredutíveis uma substância omnímoda, por virtude da qual todos os seres, momentos e modalidades dela comunicam continuamente entre si, influenciando-se mutuamente, opondo-se e, por essa constante e terrível oposição, realizando, não a recíproca anulação, mas a integração de todos os momentos na unidade, cujas diversas potências manifestam." 
 Chama-lhe ainda "a alma infinita das coisas",  considerando-a simultaneamente Divina e real...
Não seriam precisos mil anos, tal como Antero de Quental se lamentava, mas após cerca de cento e vinte anos de tal afirmação e ainda «que muita gente nega» tal, ou a telepatia (que está intimamente ligada com ela), cada vez mais se vai tornando mais clara a existência do campo unificado ou unitário de Energia-Consciência, ou seja, de uma matriz atómica e consciencial, denominado pelos antigos como o Logos (Inteligência-Amor), ou a Anima Mundi, a Alma divina do Mundo, a "alma infinita das coisas", na qual o Universo se constitui, e que modernamente é descrita ainda por alguns investigadores como o "emaranhamento das mentes", ou ainda os campos mórficos e psico-mórficos, e a partir do qual os pressentimentos, sincronias e visões se  manifestam, desde que haja as condições necessárias ou de afinidades e ressonâncias...
                                                       
No campo unificado da "substância omnímoda", ou de energia atómica e consciencial da Anima Mundi, ou do Absoluto, ou se quisermos da Divindade, saibamos continuar Antero de Quental e a Tradição Espiritual Portuguesa, com Cirilo Caros Machado, o Padres Chaves e Sárrea Prado, e conhecer melhor ou mais verdadeiramente a psique, o universo e a Divindade, com gratidão e em amor e para a  felicidade de todos os seres dos Universos...

4 comentários:

Unknown disse...

É muito interessante!!!! Impressionante!

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Sim, muito interessante! Graças!

Lyster Franco disse...

Calculo que não tenha passado despercebido, mas, de qualquer forma, aproveito para deixar também registado que o Engenheiro Ângelo Sarrea de Sousa Prado já aparece no primeiro número que saiu da Revista de Espiritismo (Janeiro-Fevereiro de 1927) como pertencendo à Junta Consultiva dos Corpos Gerentes (1926-1929) da Federação Espírita Portuguesa. Também no 3.º número (Maio-Junho de 1927) volta a surgir uma referência ao Eng.º Prado, agora como sendo um dos subscritores permanentes da Caixa de Propaganda da Revista, com uma contribuição de 20$00. Saudações Celestiais!

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas graças, Luís.
Como só consultei os exemplares da Revista que possuo, esses não vi e assim temos mais alguns dados sobre o "dado às ciências ocultas", como Antero o caracterizou. E também agradeço a ligação biográfica do Ministério de Economia, sobre ele, que aqui anexo, até para vermos a notável craveira intelectual de Angelo Sárrea Prado: http://tecop.addition.pt/np4/file/442/_ngelo_S_rrea_de_Sousa_Prado___SITE.pdf