domingo, 10 de abril de 2016

Antero de Quental, sua vida e obra, e a bibliografia da "Questão Coimbrã", por Francisco Martins de Carvalho.

Antero de Quental e a Escola Coimbrã, com a bibliografia completa da Questão Coimbrã.
Extractos fotografados  da erudita obra Algumas horas na minha Livraria, impressa em Coimbra em 1910, na qual Francisco Martins de Carvalho manifesta as suas grandes qualidades de bibliófilo, isto é, de amante, preservador e leitor de livros. Quanto aos aspectos de biblioterapia que a sua biblioteca e a sua alma adepta da Sabedoria realizaram haveria que investigar, interrogando-o a ele, aos livros e a quem com ele os discutiu, emprestou ou deu...
No fim, transcrevemos a descrição feita por Antero de Quental da Questão Coimbrã, anos mais tarde da polémica, em carta auto-biográfica de 14 de Maio de 1887...
No panfleto Bom Senso e Bom Gosto, carta ao Ex.º Sr. António Feliciano de Castilho, Antero de Quental responde às críticas que António Feliciano Castilho expressara em Outubro de 1865, na carta-posfácio ao Poema da Mocidade, do seu protegido Pinheiro Chagas, e tanto ataca o compadrio que rodeava Castilho, então quase que o patriarca das Letras em Portugal como exalta "a bela, a imensa missão do escritor": «É um sacerdócio, um ofício público e religioso de guarda incorruptível das ideias, dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras.
Para isso toda a altura, toda a nobreza interior são pouco ainda.
Para isso toda a independência de espírito, toda a despreocupação de vaidades, toda a liberdade de jugos impostos, de mestres, de autoridades, nunca será demais».
Segue-se a digitalização da lista das obras que foram dadas à luz durante a polémica, coligida pelo bibliófilo Francisco Martins de Carvalho, provenientes dos diversos observadores e agentes das nuvens psicomórficas que se ergueram e se derramaram, por vezes tempestuosamente, na então pacata alma portuguesa e nos seus veios e canais culturais e espirituais, a partir daí mais iniciados na modernidade, como bem observou posteriormente Fernando Pessoa, apontando Antero de Quental como a ponte, o precursor...
Na carta autobiográfica enviada a 14 de Maio de 1887 de Ponta Delgada ao seu amigo e tradutor alemão Wilhelm Storck, Antero de Quental caracterizará assim essa famosa polémica e o que ela significou e manifestou:
«Entre esses dois extremos, coloca-se a famosa Questão Literária ou A Questão Coimbrã, que durante mais de seis meses agitou o nosso pequeno mundo literário, e foi o ponto de partida da actual evolução da literatura portuguesa. Os novos datam todos de então. O hegelianismo dos coimbrões fez explosão.
O velho Castilho, o árcade póstumo, como então lhe chamaram, viu a geração nova insurgir-se contra a sua chefatura anacrónica. Houve em tudo isto muita irreverência e muito excesso; mas é certo que Castilho, artista primoroso mas totalmente destituído de ideia, não podia presidir, como pretendia, a uma geração ardente, que surgia, e antes de tudo aspirava a uma nova direcção, a orientar-se como depois se disse, nas correntes do espírito da época. Havia na mocidade uma grande fermentação intelectual, confusa, desordenada, mas fecunda: Castilho, que a não compreendia, julgou poder suprimi-la com processos de velho pedagogo. Inde irae. Rompi eu o fogo com o folheto Bom senso e Bom gosto, Carta ao Ex.mo A. F. de Castilho. Seguiu-se Teófilo Braga, seguiram-se depois muitos outros, la mêlée devient générale. Todo o inverno de 1865 a 66 se passou neste batalhar. Quando o fumo se dissipou, o que se viu mais claramente foi que havia em Portugal um grupo de dezasseis a vinte rapazes, que não queriam saber da Academia nem dos académicos, que já não eram católicos nem monárquicos, que falavam de Goethe e Hegel como os velhos tinham falado de Chateaubriand e de Cousin; e de Michelet e Proudhon, como os outros de Guizot e Bastiat; que citavam nomes bárbaros e ciências desconhecidas, como glótica, filologia, etc., que inspiravam talvez pouca confiança pela petulância e irreverência, mas que inquestionavelmente tinham talento e estavam de boa-fé e que, em suma, havia a esperar deles alguma cousa, quando assentassem.
Os factos confirmaram esta impressão: os dez ou doze primeiros nomes da literatura de hoje saíram todos (salvos dois ou três) da Escola Coimbrã ou da influência dela. O germanismo tomara pé em Portugal. Abrira-se uma nova era para o pensamento português. O velho Portugal ainda conservado artificialmente por uma literatura de convenção morrera definitivamente. Desta espécie de revolução fui eu o porta-estandarte, com o que me não desvaneço sobremaneira, mas do que também não me arrependo. Se a uma ordem artificial se seguiu uma espécie de anarquia, é isso ainda assim preferível, porque uma contém gérmenes de vida, e da outra nada havia a esperar. Pertence ainda a essa época o folheto: Dignidade das Letras e Literaturas Oficiais.»

Pouco depois da polémica Coimbrã. Antero, já formado em Direito, deixou com algumas saudades Coimbra e partiu para Penafiel, onde estava o seu grande amigo Germano Vieira Meireles (de quem adoptará as duas filhas quando ele morre), seguindo depois para Guimarães, onde estava Alberto Sampaio, antes de regressar à ilha mãe dos Açores, sempre na demanda inquieta e ardente de inserção e aprofundamento da Justiça, da Verdade e do Bem, e será bom conseguirmos discernir, ano após ano, quais os ideais ou ideias forças que o movimentavam mais, tanto psiquicamente como socialmente, até para estarmos mais conscientes do que nos move ou pode mover na dinâmica realidade que nos desafia.
A odisseia de Antero de Quental pode ser um espelho de auto-conhecimento e uma bússola de orientação para qualquer peregrino sério ou sincero... Lux Dei!

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