Homenagem a Vinoba, o sucessor de Gandhi, mestre da espiritualidade e da resistência civil não-violenta e que se libertou do corpo terreno há precisamente 34 anos (15/11/2014).
Vinoba Bhave
(de seu nome Vinayak Bhave) nasceu em 12 de Setembro de 1895, perto
de Bombaim. Dotado para as línguas (chegou a saber falar doze) e as
matemáticas, abandonou um futuro promissor, tanto mais que era da
casta brâmane, para se entregar ao Mahatma Gandhi e ao seu movimento
de não-violência (ahimsa) auto-suficiência e regência (swaraj)
e resistência civil fundada na verdade libertadora (satyagraya),
princípios estes perenes e mais do que nunca necessários no mundo
actual...
Passando
a viver no seu ashram (comunidade), Vinoba executa todas as
funções com tal perfeição que Gandhi confessa ao pastor inglês
Andrews, que lhe perguntava quem era ele: «É uma das pérolas raras
do ashram, um daqueles que vieram não para ser benzidos, mas
para abençoar, não para receber, mas para dar».
Foi mestre de
Gandhi no sânscrito e na interpretação e recitação dos textos
sagrados, pois enquanto brâmane os aprendera desde o berço,
discípulo profundo nos votos e técnicas da não-violência e assim na luta pela independência Vinoba, tal como Gandhi, chegou a estar preso várias vezes, aproveitando a ocasião para meditar mais profundamente e chegar à conclusão que a libertação exterior implica uma libertação interior mental e que esta só é obtida pelo auto-conhecimento, Atma Jnana, o conhecimento do espírito. E que para vencermos as fricções das personalidades e sociedade temos de nos elevar acima do plano mental e introduzir o poder do amor...
Quando
Gandhi morreu em 30 de Janeiro de 1948, tomou o seu lugar. Como disse
o famoso cantor Toukdoji: «O Pai partiu, o Filho carregou o fardo
sobre o seu ombro. Vinoba é agora para nós o que Bapou (Pai)
era para nós. Gandhiji morto, eis agora o advento do herdeiro do seu
imenso amor».
Vinoba inicia então o Bhoodan, o dom gratuito ou caridoso da terra, e recebe milhões de hectares para os mais desvaforecidos em grandes peregrinações a pé por toda a Índia, justificando-se: «Não basta espalhar ideias e não convém impô-las, e é preciso ainda que venham ter connosco e que adiram às coisas. Se elas aderirem às coisas, impõem-se e espalham-se. Se tivesse atravessado as aldeias a rolar sobre nuvens de poeira, as minhas ideias não teriam raízes».
Vinoba inicia então o Bhoodan, o dom gratuito ou caridoso da terra, e recebe milhões de hectares para os mais desvaforecidos em grandes peregrinações a pé por toda a Índia, justificando-se: «Não basta espalhar ideias e não convém impô-las, e é preciso ainda que venham ter connosco e que adiram às coisas. Se elas aderirem às coisas, impõem-se e espalham-se. Se tivesse atravessado as aldeias a rolar sobre nuvens de poeira, as minhas ideias não teriam raízes».
Conheceu nestas peregrinações centenas de milhares de pessoas e locais e uma imensa consciência da Unidade do género humano ou mesmo das suas religiões e tradições cresceu-lhe invisivel e invencívelmente na sua alma e naturalmente se transmitia-se aos que conheceram ou abraçaram.
Numa dessas peregrinações,em Yelwal, Mysore ,disse num
discurso, em 1957: «É minha fé fundamental que
há um espírito divino no coração do ser humano. Superficialmente
pode haver faltas, mas não são da essência interna. Precisamos
então de descobrir um caminho que entre no mais íntimo do coração
para que toda a bondade seja revelada. E esse caminho pode ser
encontrado; descobri-o em Telengana. Eu pedi terra, e um homem
avançou e deu-me terras. Para mim este minúsculo incidente foi um
sinal de Deus; confirmou a minha fé em Deus. É contra o dharma
(ordem cósmica) e a razão pensar que a terra pode ser propriedade
individual. E quando eu comecei a pedir terra num espírito de amor,
as pessoas começaram a responder. Foi como se um vento fresco
começasse a soprar, e as pessoas vieram, vindas de longe ou de
perto, juntar--se à nossa peregrinação».
Assim
se referia Vinoba às jornadas a pé (bhodan) que atravessaram
a Índia a pedir e a receber terras para os mais destituídos
(grandam). Isto na sua plenitude significa «que tudo o que se
possui deve ser posto à disposição da comunidade como um todo».
Assim se realizou uma reforma agrária, não-violenta e eficaz, de
milhões de hectares.
No
seu ashram em Wardha, homens de Estado e peregrinos
encontraram sempre um caloroso e sábio acolhimento, como eu próprio
o experimentei quando o visitei e com ele dialoguei pouco antes de ele
morrer.
Entre
os ocidentais que mais conviveram com Vinoba destacou-se Lanza del
Vasto, o sábio peregrino às fontes orientais da espiritualidade, da
não-violência e das comunidades harmoniosas, que nascera na
Sicília, em 1901. Cristão, foi discípulo profundo e prolongado de
Gandhi e do seu sucessor Vinoba. Era um artista, músico, poeta,
filósofo e escreveu livros importantes para o aperfeiçoamento humano
e sobre a não violência. Veio por mais de uma vez a Portugal
partilhar a sua maneira de ser, viver, pensar, sentir. Deu origem a
movimentações de resistência civil importantes sobretudo em
França, onde ainda subsistem comunidades (La Borie Noble) na sua linha, que foi denominada a Arca.
Desenho de Vinoba realizado por Lanza del Vasto |
Vinoba desprendeu-se do corpo, estando a fazer um libertador jejum, no seu
ashram de Paunar em 15 de Novembro, de 1982, com 87
anos de grande serviço à Índia e à Humanidade. Um dos maiores
pedagogos da Índia, com vasta obra, entre nós infelizmente
desconhecida, advertirá: «Ciência e tecnologia científica devem
ser diferenciadas. Não é a ciência mas a sabedoria espiritual que
deve decidir até onde a tecnologia científica deve ser aplicada na
prática, numa sociedade particular, num tempo particular. Não deve
haver restrições no avanço da ciência pura; quanto mais progredir
melhor. Mas o seu uso e aplicação deve ser pelo auto-conhecimento.
No mundo do futuro, ciência e sabedoria espiritual terão um lugar;
políticas de poder e religião sectária não terão nenhum»...
Esforcemo-nos para que tal seja uma realidade...
Sobre a Ciência e o Auto-Conhecimento disse, num discurso em 1957, inserido no livro Third Power: "A ciência em si não é moral nem imoral; é amoral e os seus padrões de valor têm de ser fornecidos do exterior. Incorrectamente dirigida leva ao Inferno. Correctamente dirigida pode levar ao Céu. O único poder que a poderá dirigir correctamente é o auto-conhecimento, o conhecimento espiritual"...
"Hoje em dia grande parte da ciência está controlada por políticos, pois demasiada investigação científica está governada por considerações políticas. Os políticos compram muitos cientistas que se tornam seus escravos. Estes pseudo-cientistas não merecem o nome; um verdadeiro cientista não admitiria tal escravidão. A ciência expandiu-se, sem dúvida, mas a atitude científica, falta ainda em larga escala; a vida em geral ainda não se tornou científica"...
Quem sou "eu"? Os sábios antigos responderam: "Eu sou Brahman" [Aham Brahmasmi] - ou seja, incluo tudo, rebanhos, burros e tudo. Esta experiência de unidade de vida é denominada Vedanta. Significa que eu devo tratar todos os seres com igual respeito. Eu tentarei certamente fazer isto, mas não conseguirei o sucesso completo por causa do meu corpo. O desejo estará lá, mas o corpo puxará noutro sentido. Esta ideia que um respeito igual é devido a tudo é a base de ahimsa, a não-violência.
Ahimsa é um modo de vida, Vedanta um modo de pensar. Vedanta, pensando, diz-nos o que é; Ahimsa, a conduta, diz-nos como devemos agir. cada uma complementa-se a si própria. Vedanta é a base para a prática da vida; ahimsa é a casa baseada em tal fundação. A nossa tarefa nas aldeias é explicar às pessoas que somos todos um e que devemos praticar esta igualdade na nossa vida quotidiana".
Poder-se-á dizer com alguma certeza que os líderes nacionais atingiram um nível elevado dum ponto de vista espiritual? Eles podem ser tão estreitos mentalmente como qualquer camponês que faz o seu melhor para apanhar um pouco de terreno do vizinho. Quando um líder nacional começa a pensar em estender as fronteiras do seu país, tomando conta dos distritos que têm mais produtividade, derivarão de uma visão espiritual tais objectivos? O político é tão egoísta como o camponês, ainda que ele possa fazer mais figura. Mas vinte partes de dez não são mais de que meio de um, ainda que pareçam mais.
Um dos grandes defeitos da espiritualidade, nomeadamente da Indiana, é não darmos atenção ao modo como poderemos libertar-nos deste "eu", do egoísmo. O segredo está em deixarmos que o "nós" afaste o "eu." Idealmente, talvez, é o Tu - a presença de Deus - que deve expulsar o "eu". Mas onde é que se encontra Deus? Digamos antes que o "eu" deve ser absorvido no "nós". Só quando conseguimos pensar e falar do nosso esforço espiritual, da nossa devoção é que o nosso trabalho alcançará a sua satisfação natural e tanto o indivíduo como a sociedade serão regenerados..."
Anote-se no notável pedagogo Vinobaji esta incidência ética muito clara e forte na não-violência, no respeito do outrem e do mais fraco, primeiro e, segundo, a inserção na comunidade, no nós, como sendo os meios principais de se vencerem o egoísmo e o individualismo excessivo.
Esforcemo-nos para que tal seja uma realidade...
Sobre a Ciência e o Auto-Conhecimento disse, num discurso em 1957, inserido no livro Third Power: "A ciência em si não é moral nem imoral; é amoral e os seus padrões de valor têm de ser fornecidos do exterior. Incorrectamente dirigida leva ao Inferno. Correctamente dirigida pode levar ao Céu. O único poder que a poderá dirigir correctamente é o auto-conhecimento, o conhecimento espiritual"...
"Hoje em dia grande parte da ciência está controlada por políticos, pois demasiada investigação científica está governada por considerações políticas. Os políticos compram muitos cientistas que se tornam seus escravos. Estes pseudo-cientistas não merecem o nome; um verdadeiro cientista não admitiria tal escravidão. A ciência expandiu-se, sem dúvida, mas a atitude científica, falta ainda em larga escala; a vida em geral ainda não se tornou científica"...
Quem sou "eu"? Os sábios antigos responderam: "Eu sou Brahman" [Aham Brahmasmi] - ou seja, incluo tudo, rebanhos, burros e tudo. Esta experiência de unidade de vida é denominada Vedanta. Significa que eu devo tratar todos os seres com igual respeito. Eu tentarei certamente fazer isto, mas não conseguirei o sucesso completo por causa do meu corpo. O desejo estará lá, mas o corpo puxará noutro sentido. Esta ideia que um respeito igual é devido a tudo é a base de ahimsa, a não-violência.
Ahimsa é um modo de vida, Vedanta um modo de pensar. Vedanta, pensando, diz-nos o que é; Ahimsa, a conduta, diz-nos como devemos agir. cada uma complementa-se a si própria. Vedanta é a base para a prática da vida; ahimsa é a casa baseada em tal fundação. A nossa tarefa nas aldeias é explicar às pessoas que somos todos um e que devemos praticar esta igualdade na nossa vida quotidiana".
Poder-se-á dizer com alguma certeza que os líderes nacionais atingiram um nível elevado dum ponto de vista espiritual? Eles podem ser tão estreitos mentalmente como qualquer camponês que faz o seu melhor para apanhar um pouco de terreno do vizinho. Quando um líder nacional começa a pensar em estender as fronteiras do seu país, tomando conta dos distritos que têm mais produtividade, derivarão de uma visão espiritual tais objectivos? O político é tão egoísta como o camponês, ainda que ele possa fazer mais figura. Mas vinte partes de dez não são mais de que meio de um, ainda que pareçam mais.
Um dos grandes defeitos da espiritualidade, nomeadamente da Indiana, é não darmos atenção ao modo como poderemos libertar-nos deste "eu", do egoísmo. O segredo está em deixarmos que o "nós" afaste o "eu." Idealmente, talvez, é o Tu - a presença de Deus - que deve expulsar o "eu". Mas onde é que se encontra Deus? Digamos antes que o "eu" deve ser absorvido no "nós". Só quando conseguimos pensar e falar do nosso esforço espiritual, da nossa devoção é que o nosso trabalho alcançará a sua satisfação natural e tanto o indivíduo como a sociedade serão regenerados..."
Anote-se no notável pedagogo Vinobaji esta incidência ética muito clara e forte na não-violência, no respeito do outrem e do mais fraco, primeiro e, segundo, a inserção na comunidade, no nós, como sendo os meios principais de se vencerem o egoísmo e o individualismo excessivo.
Seguem-se mais algumas páginas reproduzidas do livro, acerca de Vinoba, da autoria de Lanza del Vasto, também conhecido por Shantidas, servidor da Paz, nome iniciático que lhe foi dado por Gandhi.
Om Shanti, Shanti, Shanti..
Para finalizar um pequeno extracto, referente ao meu encontro com Vinoba, do Livro das Peregrinações na Índia, que certamente um dia será publicado...
"Cheguei na manhã de
17 de Março a Wardha, ao Paunar Âshram do Achârya Vinoba Bhave, o
sucessor de Gandhi (que morrera a 30/1/1948) na liderança do
movimento, já não do auto-governo da Índia (svaraj)
que fora conseguido, mas da não-violência (ahimsa)
e dos modos de vida tradicionais indianos. Uma série de construções
simples alinhadas proporcionam um balcão com sombra por onde avanço
para um ancião que caminha em direcção a mim, amparado por duas
mulheres, também trajando de branco, e que grita sorridente abrindo
os braços finos e longos: — Ravi!
Ravi! um dos nomes do Sol, e que
significa brilhante. Saúdo-o também com alegria e vamos para o seu
quarto sala, onde sentado explico-lhe quem sou, donde venho, com quem
estive e como conheço o seu amigo Lanza del Vasto.
Ele
fala-me de Gandhi e da sua vida, da força interior e espiritual que
os animava, alude a um certo desentendimento com Lanza del Vasto, que
partira cedo demais para a Europa em vez de ter ficado mais tempo a
aprender com eles antes de trazer o ensinamento da não-violência
gandhiana para o Ocidente, embora lhe tenha escrito uma bela
biografia. Está rodeado de servidores da paz e da não-violência e
de jovens ajudantas que mantém o âshram. Estão cá alguns dos seus
antigos companheiros do Bhoodan,
as grandes jornadas a pé pela Índia, durante treze anos, em prol da
não-violência e duma reforma agrária justa, para as quais a
presença peregrina e sábia dum verdadeiro brâmane (o que conhece e
vive no Omnipresente Brahman), com os seus discursos simples mas
directos e intensos, causou que mais de dois milhões de hectares
entrassem e fossem distribuídos pelos pobres.
Está
ainda bem activo apesar da sua idade avançada e os políticos vêm
consultá-lo em momentos cruciais. Não escreveu ele no seu magnífico
comentário à Bhagavad-Guîtâ:«Se
a mente está concentrada, uma pessoa nunca perderá a habilidade.
Mesmo se tiverdes 60 anos, tereis a energia e o entusiasmo dum jovem.
À medida que uma pessoa envelhece, a mente deve tornar-se mais
forte. Olhai para um fruto. É verde ao princípio, depois amadurece,
murcha e cai, mas durante todo este tempo a semente torna-se mais
forte. O corpo exterior definha, cairá, mas isso não é a parte
essencial do fruto. A parte essencial, a alma, é a semente. O mesmo
sucede com os nossos corpos. Ainda que o corpo vá envelhecendo, a
memória deve tornar-se mais forte e o conhecimento mais brilhante»....
Mas isto é muito difícil sem dominarmos a personalidade e a mente,
por uma conduta disciplinada em que saibamos colocar os limites
correctos às nossas acções, e sem uma prática constante de acção
de graças, concentração e meditação no Eu espiritual ou na
Divindade.
Fala-se
do abate de animais que dois Estados Indianos, com maioria de
comunistas no governo, Kerala e Bengala, têm permitido, em desacordo
com a Constituição, e também da decisão de Vinoba de iniciar em
22 de Abril uma greve de fome por tempo indeterminado contra esta
matança. Assisto a um dos seus satsangas
ou conversas, em que a educação
espiritual, certamente a tónica maior de toda a vida investigadora, ensinante e testemunhante de Vinoba, é valorizada perante um mundo cada vez mais precipitado
no materialismo da produção e do consumo a todo o custo. É a transformação do coração e do interior dos seres o mais necessário e isso implica a sabedoria e o poder espiritual em acção, e uma atitude ecuménica em relação a todas as religiões e tradições, de fé nos seres humanos e na unidade possível dos seus corações.
Compro alguns dos seus livros e ele assina-os. Num deles, Pensamentos acerca da Educação, explica que dois dos significados principais da educação são construir caracteres e mostrar-nos como reganharmos sukha, a alegria ilimitada, que vem da raiz kha, o céu amplo e ilimitado.
Compro alguns dos seus livros e ele assina-os. Num deles, Pensamentos acerca da Educação, explica que dois dos significados principais da educação são construir caracteres e mostrar-nos como reganharmos sukha, a alegria ilimitada, que vem da raiz kha, o céu amplo e ilimitado.
Por isso, é bom
meditar ou contemplar mais o céu infinito, que Vinoba e os peregrinos bem conhecem nas suas caminhadas purificadoras e harmonizadoras....»
Sem comentários:
Enviar um comentário