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| Vladimir Sergueïevitch Soloviev, 16.I.1853 a 31.VII.1900. |
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Teillard Chardin, Helena Iswolsky e a poetisa Marina Tsvetaeva, finais dos anos 30.
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Helena Iswolsky, tradutora, jornalista e escritora russa (1896-1975), nascida na Alemanha onde o pai, antigo ministro do Czar, era diplomata, e de mãe alemã, com quem emigrou para Paris no começo da 1ª grande Guerra, conviveu com Jacques Maritain, Teillard Chardin e outros intelectuais e padres católicos e ortodoxos, que circulavam à volta do movimento do personalismo da Action Catholique e da revista Esprit, significativamente aonde a nossa Dalila Pereira da Costa publicou o seu primeiro ensaio em 1970, Expérience de l'extase, já abordado neste blogue. Helena Iswolsky conheceu e colaborou mesmo com Nicolas Berdiaev (1874-1948), na época o principal filósofo russo emigrado em França, expulso da Mátria em 1922 com outros intelectuais considerados inimigos ideológicos do comunismo pelas autoridades soviéticas. A sua obra como jornalista e escritora foi vasta, pois as vicissitudes da Fortuna abateram-se sobre a família e obrigaram-na a ganhar a vida através da escrita, o que não foi difícil porque era uma boa poliglota, cristã e de coração vivo no amor.

O seu livro Soul of Russia, Alma da Rússia, publicado em Londres, em 1944, pois no dealbar da 2º grande Guerra, em 1941, emigrara da França para os USA, está dedicado a sua mãe e dividido em dezasseis valiosos capítulos, oferecendo-nos uma boa visão da evolução histórica da religião e da espiritualidade russa, sintética nas suas 159 páginas, acrescentadas de uma razoável bibliografia em cada capítulo, nos quais destacamos o XIII, A Procura de Deus, onde se acerca de Dostoievsky e de Tolstoi, e o XIV, o Profeta da Universalidade, onde partilha a compreensão da vida e obra de Vladimir Soloviev, que fora grande amigo de Dostoievsky e de certo modo o mestre de Nicolas Berdiaev, Pavel Florensky e Sergei Bulgakov, estes dois últimos profundos filósofos, isto é, amantes da Sabedoria, como foi bem captado pelo pintor Mikahil Nesterov:

O capítulo dedicado ao genial filósofo e teólogo Vladimir Soloviev (1853 a 1900), em dez páginas, partilha resumidamente o essencial do percurso da sua vida e alma, tendo eu lido as três primeiras páginas, comentando-as, tal como pode ouvir na gravação vídeo, destacando-se nelas a sua visão e compreensão da Sabedoria Divina, a Hagia Sophia, a alma Divina do Mundo e que ele tanto aprofundara em vida, com grande originalidade, tal como fez em relação à Trindade, sendo reconhecido mesmo por cristãos católicos (tal Osvaldo Lira, no seu prólogo à Rusia y la Iglesia Universal, 1946), já que Soloviev, após uma evolução abrangente e investigadora de vários caminhos, reafirmou o pensamento religioso ortodoxo e tradicional da Rússia, aberto ou fundado pelos primeiros padres do Oriente mas por ele exponenciado magnificamente, profeticamente mesmo, na sua visão da missão universal da grande alma russa.
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| V. Soloviev, S. Trubetskoy, N. Grot e L. Lopatin, em 1893 |
Foi muito fracturante o seu famoso discurso em 1881 contra a pena de morte pois, embora amigo de Tolstoi e discutindo bastante com ele, não apoiava o princípio da não-violência na sua radicalidade, ou seja, a não resistência ao mal. Foi ainda um crítico fundamentado do Positivismo de Augusto Comte, conforme a tese defendida brilhantemente, com vinte e um anos, em 1874 na Universidade de S. Petersburg, e do Darwinismo, mas também do nacionalismo exagerado dos Eslavófilos, a que chamava um nacionalismo zoológico. Quanto a afinidades de fontes de inspiração, apreciava muito os poetas simbólicos Alexander Bloc, místico, e Andrei Biely.
No veemente discurso contra a pena de morte, em 1881, face ao assassinato do czar Alexandre II, e pedindo ao filho Alexandre III clemência, afirmou ainda a sua visão espiritual: «A natureza tende para a unidade absoluta; a natureza humana e o mundo externo têm a mesma alma, e esta alma procura dar à luz o Divino».
Helena Iswolsky resume bem alguns aspectos da teodiceia e aspiração espiritual de Soloviev: «A encarnação da Palavra [Sermo, Logos ou Verbo] aconteceu na Pessoa de Jesus Cristo, mas há uma encarnação de Deus em cada ser humano, criado à sua imagem. Cada pessoa é um homem-Deus, um membro do Corpo Místico. Deus está também incarnado na sociedade Cristã, reflectindo a justiça Divina.
Soloviev descreveu Deus como um absoluto e perfeito todo. O mundo é a expressão do pensamento e amor Divino. Há uma plenitude, uma totalidade do ser: a pluralidade dos seres criados mergulha numa suprema unidade. A unidade do mundo é a sua alma. Soloviev chama-a também Sabedoria Divina (Sophia na Grécia) que é descrita no Livro dos Provérbios.»
Mais misteriosa e profética é a sua visão de que as várias igrejas se unirão na luta contra o Antecristo e que a Rússia tinha ou tem "a sua palavra por dizer" (ideia também de Dostoievsky) na impulsão ou mesmo liderança na missão de universalidade religiosa e espiritual, justa e fraterna, da Humanidade. Ora se a luta contra o Antecritos, que foi mesmo a sua última obra é discutível, já a ideia da misão universal da Russia ela continua muito presente, metamorfoseada ou adaptada ao século XXI, sobretudo na sua terceira década, face ao confronto do Ocidente com a Rússia, em filósofos como Daria Dugina, já martirizada, e Alexandre Dugin...
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Visão da Mãe do Mundo e Hagia Sophia protectora nossa, por Nicholas Roerich
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Anote-se em português dada à luz pela Guimarães Editora, como de costume sem data, A Verdade do Amor, traduzida do francês e prefaciada sobriamente em dezassete páginas por Álvaro Ribeiro, um dos mestres da escola da Filosofia Portuguesa, enraízada em parte em Leonardo Coimbra, autor dum valioso ensaio onde Soloviev e Berdiaef estão bem presentes, a Rússia de Hoje e o Homem de Sempre, 1935. Noutra linha da nossa tradição espiritual temos a tradução prefaciada que José V. de Pina Martins, ainda com o nome de Duarte Montalegre, fez de Nicolas Berdiaeff, O Marxismo e a Religião, Coimbra, 1948, [já comentado no blogue] Esperamos acercar-nos ainda de parte da extensa obra de Vladimir Soloviev...
Oiçamos então agora a descrição, com pathos, ou emoção, feita por Helen Iswolsky da vida e visões iluminativas de Vladimir Soloviev, lida e comentada por mim: