Antero de Quental, em Junho de 1864, ano em que se formou em Direito, publicou no jornal O Século XIX,
de Penafiel,
onde colaborava com muita regularidade, usando até o pseudónimo Bacharel José, e que era dos seus grandes amigos António Joaquim de Araújo e Germano Vieira de Meireles, duas poesias de uma senhora, D. Henriqueta Elisa, antecedidas dum texto juvenil tão delicado, idealista e cavaleiresco para não dizer romântico, e igualmente espiritual e cósmico, acerca da Mulher, e em especial da poetisa, da mulher que
escreve, que resolvemos, dado não se encontrar ainda na web, transcrevê-lo do volume I, das Prosas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1923, de um exemplar que pertenceu a António Alvim, familiar de António de Azevedo Castelo Branco, grande amigo de Antero.
A Propósito de umas poesias de D. Henriqueta Elisa.
«Um nome de uma mulher purifica a página onde se escreve, como uma só planta de aloés purifica uma floresta inteira.
Os
dedos grosseiros da crítica não têm que ver com estas finíssimas,
impalpáveis teias de seda, suspendidas entre flores, onde o céu deposita
as pérolas dos seus rocios da madrugada. São invioláveis como o
mistério, porque são misteriosas como a verdadeira beleza estas
poesias, que as mulheres escrevem como nós choramos - quando as mulheres
sabem chorar... como nós escrevemos.
-
Basta ter um coração. Um coração feminino! Não há princípio de estética
transcendental, a mostrar-nos o caminho do belo, como esta bússola de
oiro sempre virada para o Norte misterioso do sentimento.
A ideia do homem corre desatinada, como folha solta da árvore, impelida por aquele vento rijo e frio que se chama a Dúvida.
Mas a intuição da mulher,
como pomba que voa direita ao ninho, sem bem ver, sem bem saber como,
atina logo com a corrente de ar que a há-de levar ao último horizonte da
harmonia.
Quem
adivinha é a alma: a Sibila da humanidade, que prediz as quedas e as
tristezas do coração! A feiticeira do mundo, que deita as sortes e
ensina o caminho da felicidade perdida!
Como
é flor tudo o que cai da amendoeira em chegando a primavera, assim é
poesia e beleza a chuva de flores ou lágrimas, que a alma, sacudida pela
inspiração, deixa cair sobre o solo duro da vida.
Ora
na mulher tudo é alma. Um seu cabelo que o vento levasse correndo pelo
espaço, seria isso bastante para encher o Universo de mais espíritos do
que sonharam Milton e Klopstok. Um seu olhar, se o céu se despovoasse de
seus anjos, seria o bastante a povoá-lo de novo das suas miríades.
Eu
creio de fé na beleza destas poesias, que as mulheres escrevem com mão
trémula, todas inclinadas sobre os ecos mais íntimos do coração. A minha Poética, por mais larga que seja, tentando avaliar a extensão daquele éter puríssimo, parece-me então tão disforme como um anão pesado e
curto, que pretendesse medir, pela medida dos seus passos, a distância
que separa dois astros no céu.
"Não
batas numa mulher, nem mesmo com um ramo de flores" - dizia a doce mas
profunda sabedoria do Oriente. Ora a crítica é um molho de espinhos.
Sintamos
a beleza destas poesias e não as discutamos. A arte, que discute e
pensa e estuda, pode deslumbrar-nos com a irrupção dos seus esplendores -
mas só o coração nos sabe fazer chorar. -
Entre um frase e uma lágrima quem hesitará?...
Uma lágrima é a melhor poesia.
É esse o soberano poema da mulher - a Piedade.»
**
Seguiam-se no jornal O Século XIX os dois poemas, dos quais o "Guia dos Túmulos", lemos e comentamos em dois vídeos de 5:00 e 20:00 gravados no Youtube, o segundo dos quais se encontra no fim deste artigo.
Deste tão belo escrito juvenil de Antero
realçaremos o que ele diz do coração e da alma, certamente muito espontaneamente, e como tais níveis
interiores do ser exigem um cultivo especial: o coração, para ele sinónimo de sentimentos e intuições, e sensível como bússola do Belo e, podemos acrescentar, do Bem e Verdadeiro, é em si a porta para um dos objectivos principais da vida: despertar e manter o coração sensível e flamejante, ou seja, ardente de amor, como nos sugere a pintura de Zurbaran...
Quanto à alma feminina que adivinha ou intui, a sibila, maga, meiga ou feiticeira, a partir do seu
sentimento, intuição e amor, por contraposição ao pensamento, à racionalidade e à dúvida do homem, expande-se mais ora na entrega e no abraço ora nas dimensões subtis próprias, ora no campo unificado de
energia, éter, consciência que une todos os seres, ora nas profundezas da sua
intimidade, onde escuta a voz interior ou os ecos que a inspiram, por estes modo todos sendo verdadeiramente medianeira entre a terra e o céu, como lhe chamará Antero de
Quental noutro dos seus três textos femininos, A Influência da
Mulher na Civilização, escrito em 1860-61.
O texto é de grande beleza, embora traga já presente uma linha sofrida da mulher (quem sabe antevendo animicamente a sua frustração de não ter encontrado mais almas femininas afins ou mesmo a alma gémea), certamente real: a Mulher como Pietas, Piedade, Compaixão.
Mas será tal o soberano poema da Mulher, interrogamos? E se for a Mulher como Amor, Amante, Despertante, Unificante? Ou ainda a Musa e inspiradora?
Há tantas faces da Divindade no Feminino que se podem avatarizar ou espelhar em cada mulher que não nos auto-limitemos nem nos deixemos assexuar pelas novas tendências globalistas desindividualizantes e anti-naturais...
Muito bela a sua visão de que um cabelo ou olhar da Mulher levado pelo vento ou éter possa ter tantos efeitos luminosos no planeta, uma teoria que nos nossos dias de realce da inter-relacionalidade de todos os seres, ou do campo unificado de energia consciência, ganha cada vez mais aspirantes.
Do idealismo que inspira e anima a visão poética da Mulher por Antero, podemos ainda admitir realisticamente que um olhar dela possa despertar o anjo ou as qualidades angélicas ou de Amor num ser ou nos seres...
Que esta missão de aumentar a piedade e o amor, e religar a terra e o céu, o corpo e o espírito, os grupos e países entre si, possa
desenvolver-se cada mais harmoniosamente em, e graças a, todas as mulheres e almas da
Terra e dos Céus, por onde peregrina Antero de Quental neste seu dia de anos e de entrada no mundo psico-espiritual. Algo que a cada dia 8 de Março, dia da Mulher, podemos sintonizar mais para a Mulher poder ter cada vez mais uma vida livre e saudável e uma entrada maior na sua consciência íntima de ser espiritual e de amor, criativamente...
Muita Luz e Amor divinos, dos grandes seres e da Divindade, nas mulheres e na Henriqueta Elisa, nele e em todos......
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