quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Antero de Quental e as causas enfraquecedoras da sua caminhada para a Luz, por Catarino Cardoso. "Alma Nova", 1926.

  Nuno Catarino Cardoso (1887-1969), escritor, investigador e compilador de antologias poéticas, num artigo Antero de Quental. II O Seu Físico (reproduzido no fim) para a revista Alma Nova, de 15-VIII-1926, descreve brevemente os seus traços fisionómicos, onde destaca os  olhos azuis e cabelos fulvos, e afirma de chofre que ele era um doente, justificando tal em confissões epistolares de Antero, pois os  nervos e pensamentos escapavam-lhe do controle, e a vontade por vezes não levava o corpo à acção desejada.  Transcreve  extractos de umas cinco cartas, mas certamente ainda poderia encontrar bem mais, pois Antero em algumas linhas de muitas cartas, sobretudo a partir dos trinta anos, queixava-se regularmente dos seus males, embora isso não o impedisse de desenvolver actividades, investigações, poemas, textos e valiosos diálogos.
Conclui apressada e mal ou exageradamente: «tendo quase horror pelo semelhante, minado pela doença e pelo pessimismo, supondo a Pátria perdida, o fim de Antero, dificilmente, vencidos os últimos escrúpulos morais, podia ser diferente do que foi». 
Na verdade, Antero de Quental tinha bastante amor pelo seu semelhante e sobretudo pelos seus amigos, familiares (e altamente pelas duas crianças de Germano Meireles que adoptara), valorizara sempre muito alcançar-se o amor desinteressado pela Humanidade, e embora observasse a gravidade da situação política portuguesa, não era tal razão suficiente para se matar. 
Quanto ao vencer os escrúpulos morais, os que a educação religiosa e mesmo a ético-filosófica lhe ofereciam para preservar a inviolabilidade da vida, e que o levaram algumas vezes a comentar que era contra o suicídio, convém lembrar que tanto o seu amor e destemor com a morte foram sempre grandes e por isso mais do que vencer escrúpulos morais tratou-se provavelmente apenas de ter sentido que chegara a hora de partir, de voluntariamente abandonar um corpo já demasiado desgastado e pouco capaz de lhe servir de veículo adequado a um ser do seu quilate psico-espiritual, embora certamente fiquem sempre dúvidas quanto às últimas desilusões ou compreensões que o impulsionaram para tal acto, e se ele pensava subsistir individualmente, ou se dissolveria no Absoluto ou no Nada, ou ainda se adormeceria cristãmente na mão de Deus, como ficou a rezar o soneto final dos seus Sonetos Completos...
Passa Nuno Catarino Cardoso depois em análise algumas das explicações propostas por médicos e pensadores para os padecimentos psicosomáticos de Antero de Quental, desde o estrangulamento do piloro (segundo Manuel Bento de Sousa), a um temperamento com algum histerismo, como Charcot diagnosticou, ou às fobias que Sousa Martins lhe diagnosticou, ou à doença da vontade, que Fidelino Figueiredo considerou, inclinando-se mais  para ser um fóbico, algo que nos parece incorrecto, pois Antero era forte e corajoso, um líder nos tempos universitários, embora houvesse vários momentos ou épocas em que estava mais fraco ou em que pensamentos, sentimentos e actos não se interligavam como ele gostaria ou desejaria.
 Quanto às causas de tal, para além da doença que começa a padecer no anos de 1877, e da genética familiar, também a sua actividade poética e filosófica desindividualizante, na qual recebeu influências de leituras e desenvolveu algumas linhas de força enfraquecedoras da boa ligação ou fluída entre corpo saudável, aura equilibrada, alma com optimismo e amor (e faltou-lhe a mulher, mesmo gostando muito da mãe), espírito imortal e abertura ou aspiração à Divindade. Mesmo assim muito lutou, intuindo aspectos valiosos de panpsiquismo, tal como algumas das cartas bem nos patenteiam.
Onde finalmente Catarino Cardoso se corrige e redime é quando escreve: «sempre estóico e quase sempre coerente consigo mesmo», continuando já de modo mais fraco «o drama da vida deles resume-se em duas linhas por ele escritas: Viver não foi em vão, se isto é a Vida, nem foi demais o desengano e a dor».
Como se pode resumir o drama de uma vida, ou de qualquer vida, ou em especial do genial Antero, em duas linhas? Como pode escamotear a realidade ao citar esse extracto de um dos mais luminosos  sonetos, o Solemnia Verba, quando o que estão lá são três linhas, começando assim: «Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão ...»?
 Saibamos realizar a mais alta evolução psíquica e espiritual possível e que a Luz e o Amor Divinos estejam bem vivos na alma imortal de Antero de Quental e nos seres que mais gostam dele....

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