Antero de Quental, um dos grandes seres da tradição cultural e espiritual Portuguesa, destacou-se, desde a sua juventude estudantil coimbrã, com a ardência e a sinceridade dum poeta, filósofo e cavaleiro do amor, da justiça, da liberdade, da verdade e da universalidade, publicando poesias e textos marcantes, liderando estudantes, amigos e leitores, passando por uma época de militância ideológica e política no idealismo reformista e no socialismo nascente, intervindo em polémicas e questões e simultaneamente lendo, meditando e dialogando os seus grandes temas filosóficos, metafísicos e espirituais e burilando os seus Sonetos, publicados de 1861 a 1886, que se tornarão, com o ensaio Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX e o seu epistolário publicado postumamente, as suas obras primas e perenes. Aos 49 anos, após um processo evolutivo de demanda muito exigente, angustiado e sublimado, com desilusões sociais e enfraquecimentos psico-somáticos, regressa ao seu torrão natal em S. Miguel mas, desiludindo-se e cansado, parte deste mundo ou suicida-se "precocemente", qual esfinge tutelar portuguesa de uma época e geração algo dilacerada.
Antero Tarquínio de Quental nasce em 18 de Abril de 1842, em Ponta Delgada, na ilha vulcânica de S. Miguel, no arquipélago dos Açores, de Fernando de Quental e Ana Guilhermina da Maia (filha do desembargador Antero José da Maia e Silva) numa família nobre com fortes tradições militares (seu avô e pai tinham sido combatentes liberais), religiosas (o padre Bartolomeu Quental fora seu seu ascendente no séc. XVII) e poéticas (o seu avô André da Ponte Quental Câmara fora poeta e companheiro de Bocage), conhecendo-se o seu primeiro poema jovem de 14 anos, mas desde cedo terá bebido da poesia dos improvisos e desafios das festas do Espírito Santo ou, se quisermos, da taça da criatividade das Musas, tão invocada por Bocage e pelo seu avô André da Ponte do Quental. Desse leite poético há dois registos valiosos, um numa carta a Carolina Michaelis onde diz que:«nascera poeta na ilha ainda antes do tempo escolar, em alegre festa campesina, onde, depois de ouvir entoar e compor cantigas populares, teve a sensação anch'io sono poeta, improvisando quase que inconscientemente as primeiras quadras amorosas».
No outro registo valioso, em relação à Ode a Deus, de Alexandre Herculano, diz-nos «Teria os meus dez anos, quando pela primeira vez, a ouvi recitar a um bom padre, que me ensinava rudimentos de gramática latina. Não ouso dizer que tivesse entendido. E, no entanto, profunda foi a impressão que recebi, como a revelação dum mundo novo e superior, a revelação do ideal religioso. Escapava-me o sentido de muitos conceitos, a significação de muitas palavras: mas, pelo tom geral de sublimidade, pela tensão constante de um sentimento grande e simples, aqueles versos revolviam-me, traziam-se lágrimas aos olhos, como se me introduzissem, embalado numa onda de poderosa harmonia, na região das coisas transcendentes (...) A minha nascente intuição do ideal religioso achava uma expressão reveladora na poesia grave e penetrante daquele hino sacro».
Para alguns esta impressão seria mesmo fonte de uma vocação sacerdotal que lhe aflorou a alma de quando em quando, tal como afirmará pouco depois de se formar, em Janeiro de 1865, em carta a Alberto Sampaio: «Eu cuido que me vou fazer padre».
Ainda aprendeu francês com António Castilho em S. Miguel e depois no seu colégio do Pórtico em Lisboa, que frequentou uns meses entre em 1852 e 1853, regressando porém com o seu encerramento para Ponta Delgada. Frequentou a partir de Outubro de 1855 em Coimbra os estudos secundários preparatórios para a universidade, os quais conclui em 1858, escrevendo aos pais em 29 de Julho «debaixo da agradável impressão de ter feito os exames e de me achar habilitado com os exames de Instrução Primária, Francês, Latim, Lógica, Retórica, História e Geografia, Geometria e Introdução aos três Reinos da Natureza, e apto para me matricular em qualquer Faculdade, a qual será a que o Papá e a Mamã escolherem», acrescentando que «agora que lancei a ciência nas certidões, posso-me entregar um pouco aos meus passatempos favoritos de Literatura e Poesia: são estes os meus divertimentos nesta terra, e confesso que têm para mim milhares de atractivos, e que os prefiro a todos os outros»
Matricula-se no 1º ano Direito, na Universidade de Coimbra, em 29-IX-1858, onde cedo a sua bela figura de olhos azuis e cabelos fulvos e o seu génio poético, filosófico, revolucionário e orientalista brilha e entre mesmo em choque com o meio ambiente e as praxes, pois sendo caloiro andava a cortar o cabelo a outros caloiros e envolveu-se numa rixa à entrada da Sé, pelo que é condenado pelo Conselho dos Decanos a oito dias de prisão em Maio 1859, cumprindo então apenas seis, sendo na ocasião o seu grande amigo José Alberto Sampaio expulso da Universidade por dois anos. Só cumprirá o restante da pena já no 2º ano da Universidade, no Outono de 1859. Sabemos pouco dos efeitos desta detenção de apenas sete dias na alma de Antero de Quental, mas certamente terá aumentado o seu inconformismo e heterodoxia.
Em Junho em 1859 publica o seu juvenil e algo romântico primeiro ensaio, na revista conimbricense Prelúdios Literários, no nº 13, A Educação das Mulheres, onde os seus verdes e idealistas 17 anos mostram a afinidade e opção romântica e cavaleiresca de ver a mulher como ser frágil a ser protegido, ainda que em certas frases manifeste outra percepção não paternalista «pois tais como somos, é a mulher que assim nos faz», ou ainda, mesmo algo tântrica ou shakti: «Bebemos, com efeito, nos seios da mãe, nos olhos da amante, nos braços da esposa todas as virtudes e os vícios, com que depois surgimos no mundo: sendo a mulher o misterioso guia e mestre da nossa educação moral, em todas as fases da nossa vida, claro é, o que formos no bem ou no mal, a ela o devemos», referindo ainda, numa expressão psico-energética operativa, «a influência deste magnetismo sobre a alma do homem».
Em 1860, funda com Cunha Seixas, João de Deus, Alberto Sampaio e Alberto Teles Utra Machado o jornal O Académico, colaborando ainda em vários outros que nasciam então.
No ano de 1861, em que frequenta e passa o 3º ano de Direito, continua a colaborar em numerosas revistas e jornais, tais como O Phosphoro (onde publica o seu 1º soneto, como na terra do exílio e não na sua terra), o Tira Teimas e o Grémio Alentejano, por vezes utilizando o pseudónimo Vasco Vasques Vasqueanes e em Dezembro, finalmente, sai o seu primeiro livro, pequenino, intitulado Sonetos, contendo apenas quinze, editado por Sténio, pseudónimo do seu amigo Alberto Teles de Utra Machado.
Antero Tarquínio de Quental nasce em 18 de Abril de 1842, em Ponta Delgada, na ilha vulcânica de S. Miguel, no arquipélago dos Açores, de Fernando de Quental e Ana Guilhermina da Maia (filha do desembargador Antero José da Maia e Silva) numa família nobre com fortes tradições militares (seu avô e pai tinham sido combatentes liberais), religiosas (o padre Bartolomeu Quental fora seu seu ascendente no séc. XVII) e poéticas (o seu avô André da Ponte Quental Câmara fora poeta e companheiro de Bocage), conhecendo-se o seu primeiro poema jovem de 14 anos, mas desde cedo terá bebido da poesia dos improvisos e desafios das festas do Espírito Santo ou, se quisermos, da taça da criatividade das Musas, tão invocada por Bocage e pelo seu avô André da Ponte do Quental. Desse leite poético há dois registos valiosos, um numa carta a Carolina Michaelis onde diz que:«nascera poeta na ilha ainda antes do tempo escolar, em alegre festa campesina, onde, depois de ouvir entoar e compor cantigas populares, teve a sensação anch'io sono poeta, improvisando quase que inconscientemente as primeiras quadras amorosas».
No outro registo valioso, em relação à Ode a Deus, de Alexandre Herculano, diz-nos «Teria os meus dez anos, quando pela primeira vez, a ouvi recitar a um bom padre, que me ensinava rudimentos de gramática latina. Não ouso dizer que tivesse entendido. E, no entanto, profunda foi a impressão que recebi, como a revelação dum mundo novo e superior, a revelação do ideal religioso. Escapava-me o sentido de muitos conceitos, a significação de muitas palavras: mas, pelo tom geral de sublimidade, pela tensão constante de um sentimento grande e simples, aqueles versos revolviam-me, traziam-se lágrimas aos olhos, como se me introduzissem, embalado numa onda de poderosa harmonia, na região das coisas transcendentes (...) A minha nascente intuição do ideal religioso achava uma expressão reveladora na poesia grave e penetrante daquele hino sacro».
Para alguns esta impressão seria mesmo fonte de uma vocação sacerdotal que lhe aflorou a alma de quando em quando, tal como afirmará pouco depois de se formar, em Janeiro de 1865, em carta a Alberto Sampaio: «Eu cuido que me vou fazer padre».
Ainda aprendeu francês com António Castilho em S. Miguel e depois no seu colégio do Pórtico em Lisboa, que frequentou uns meses entre em 1852 e 1853, regressando porém com o seu encerramento para Ponta Delgada. Frequentou a partir de Outubro de 1855 em Coimbra os estudos secundários preparatórios para a universidade, os quais conclui em 1858, escrevendo aos pais em 29 de Julho «debaixo da agradável impressão de ter feito os exames e de me achar habilitado com os exames de Instrução Primária, Francês, Latim, Lógica, Retórica, História e Geografia, Geometria e Introdução aos três Reinos da Natureza, e apto para me matricular em qualquer Faculdade, a qual será a que o Papá e a Mamã escolherem», acrescentando que «agora que lancei a ciência nas certidões, posso-me entregar um pouco aos meus passatempos favoritos de Literatura e Poesia: são estes os meus divertimentos nesta terra, e confesso que têm para mim milhares de atractivos, e que os prefiro a todos os outros»
Matricula-se no 1º ano Direito, na Universidade de Coimbra, em 29-IX-1858, onde cedo a sua bela figura de olhos azuis e cabelos fulvos e o seu génio poético, filosófico, revolucionário e orientalista brilha e entre mesmo em choque com o meio ambiente e as praxes, pois sendo caloiro andava a cortar o cabelo a outros caloiros e envolveu-se numa rixa à entrada da Sé, pelo que é condenado pelo Conselho dos Decanos a oito dias de prisão em Maio 1859, cumprindo então apenas seis, sendo na ocasião o seu grande amigo José Alberto Sampaio expulso da Universidade por dois anos. Só cumprirá o restante da pena já no 2º ano da Universidade, no Outono de 1859. Sabemos pouco dos efeitos desta detenção de apenas sete dias na alma de Antero de Quental, mas certamente terá aumentado o seu inconformismo e heterodoxia.
Em Junho em 1859 publica o seu juvenil e algo romântico primeiro ensaio, na revista conimbricense Prelúdios Literários, no nº 13, A Educação das Mulheres, onde os seus verdes e idealistas 17 anos mostram a afinidade e opção romântica e cavaleiresca de ver a mulher como ser frágil a ser protegido, ainda que em certas frases manifeste outra percepção não paternalista «pois tais como somos, é a mulher que assim nos faz», ou ainda, mesmo algo tântrica ou shakti: «Bebemos, com efeito, nos seios da mãe, nos olhos da amante, nos braços da esposa todas as virtudes e os vícios, com que depois surgimos no mundo: sendo a mulher o misterioso guia e mestre da nossa educação moral, em todas as fases da nossa vida, claro é, o que formos no bem ou no mal, a ela o devemos», referindo ainda, numa expressão psico-energética operativa, «a influência deste magnetismo sobre a alma do homem».
Em 1860, funda com Cunha Seixas, João de Deus, Alberto Sampaio e Alberto Teles Utra Machado o jornal O Académico, colaborando ainda em vários outros que nasciam então.
No ano de 1861, em que frequenta e passa o 3º ano de Direito, continua a colaborar em numerosas revistas e jornais, tais como O Phosphoro (onde publica o seu 1º soneto, como na terra do exílio e não na sua terra), o Tira Teimas e o Grémio Alentejano, por vezes utilizando o pseudónimo Vasco Vasques Vasqueanes e em Dezembro, finalmente, sai o seu primeiro livro, pequenino, intitulado Sonetos, contendo apenas quinze, editado por Sténio, pseudónimo do seu amigo Alberto Teles de Utra Machado.
É um dos grandes dialogantes poetas nocturnos da boémia coimbrã, interessando-se pelas pelas literaturas e religiões clássicas e orientais, em nomeadamente as persas e indianas e vai começando a aprofundar os estudos filosóficos e políticos de modo a ter uma voz e acção nas grandes questões sócio-políticas.
Numa carta a Flórido Teles de Meneses de 7-VIII-1861 pergunta-lhe, a propósito de uma revista: «como vão os teus amigos da Miscelânea e meus, que o sou eu deles - como irmãos e adeptos nesta grande maçonaria da inteligência e da poesia e um pouco também da dor».
Será na Primavera de 1861 um dos fundadores da Sociedade do Raio, sociedade secreta estudantil contra o despotismo da Universidade, do reitor Basílio Barreto e dos lentes e pela melhoria ou modernização do ensino, a qual operava ao estilo de carbonária e de maçonaria, realizando as suas iniciações, juramentos e discursos, a altas horas da noite, às ocultas das autoridades.
Paulatinamente o grupo vai crescendo, o que terá contribuído, além de já ser um finalista, poeta e líder, para em 21-X-1862 ser Antero o porta-voz dos estudantes na saudação ao príncipe Humberto de Sabóia, Itália, em visita à Universidade, desferindo um discurso em prol da liberdade e do secularismo, elogiando sobretudo Garibaldi, e algo crítico da Igreja Católica e da Universidade. É sua também a poesia, Itália, lida por outro estudante no dia seguinte no Teatro Académico.
E a 8 de Dezembro os estudantes fazem uma ousada saída colectiva na sala dos Capelos, quando o reitor Sousa Pinto começava o seu discurso. O acto de desobediência obrigará Antero a redigir o Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País, subscrito por 314 estudantes.
Começa assim:
«Ao Governo, aos homens desinteressados e liberais desta terra, vamos dar razão do nosso procedimento. Oiçam-nos. Pedimos um quarto de hora de atenção: não é muito que ao prazer e ao interesse se roubem alguns minutos para atender à voz da mocidade de um pais. Essa voz parte da alma: é a voz da eterna justiça. Todo o facto pede uma explicação. Se o acontecimento é grave, graves devem ser os motivos que o produziram; e, mais que ninguém, homens novos, quando deliberam, podem sim enganar-se, mas a intenção é sempre generosa e nobre. Pergunta-se hoje em Coimbra, pergunta-se por todo o país:
Que querem os Estudantes da Universidade de Coimbra?
Que significa a evacuação da sala dos Capelos no dia 8 de Dezembro de 1862?
Que protesto é esse duma corporação contra o seu chefe? Os Estudantes não são meia dúzia de crianças turbulentas que, numa hora de galhofa, se combinem para pregar uma peça engraçada; tantos homens não só intendem, como um bando de rapazes de escola, só com o fim de se divertirem á custa de uma coisa muito séria. Não foi, pois, o prurido da infância o motor daquele acontecimento. Esta hipótese nem se discute. O bom senso da nação rejeita-a como uma ofensa feita a si mesma na pessoa dos seus melhores filhos».
Quase no fim, diz ainda:
«Os Estudantes querem a reforma de um processo inquisitorial; garantias de justiça; que se seja julgado e condenado como homem, como cidadão dum estado livre, e não como relapso fugido aos cárceres do Santo-Ofício; que a igualdade perante a lei seja uma realidade aqui, e não risível fantasmagoria; que nos julguem homens desapaixonados, e não os que mais estão no declive escorregadio das vinganças; que se distinga entre ciência e costumes, e acabe por uma vez essa pena infamante que, com um traço negro de tinta, mata a reputação, o futuro de uma vida em começo, quando, muita vez também, não mata o coração de uma família.
Que querem os Estudantes da Universidade? Que se indague tudo da ciência, que é património de todos, e nada da vida particular, que é asilo individual e inviolável; que por detrás da cadeira do ensino se não lobrigue o olho do esbirro; que se faça progredir a ciência, e se deixe a moral desenvolver-se por si. (...)»
Numa carta a Flórido Teles de Meneses de 7-VIII-1861 pergunta-lhe, a propósito de uma revista: «como vão os teus amigos da Miscelânea e meus, que o sou eu deles - como irmãos e adeptos nesta grande maçonaria da inteligência e da poesia e um pouco também da dor».
Será na Primavera de 1861 um dos fundadores da Sociedade do Raio, sociedade secreta estudantil contra o despotismo da Universidade, do reitor Basílio Barreto e dos lentes e pela melhoria ou modernização do ensino, a qual operava ao estilo de carbonária e de maçonaria, realizando as suas iniciações, juramentos e discursos, a altas horas da noite, às ocultas das autoridades.
Paulatinamente o grupo vai crescendo, o que terá contribuído, além de já ser um finalista, poeta e líder, para em 21-X-1862 ser Antero o porta-voz dos estudantes na saudação ao príncipe Humberto de Sabóia, Itália, em visita à Universidade, desferindo um discurso em prol da liberdade e do secularismo, elogiando sobretudo Garibaldi, e algo crítico da Igreja Católica e da Universidade. É sua também a poesia, Itália, lida por outro estudante no dia seguinte no Teatro Académico.
E a 8 de Dezembro os estudantes fazem uma ousada saída colectiva na sala dos Capelos, quando o reitor Sousa Pinto começava o seu discurso. O acto de desobediência obrigará Antero a redigir o Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País, subscrito por 314 estudantes.
Começa assim:
«Ao Governo, aos homens desinteressados e liberais desta terra, vamos dar razão do nosso procedimento. Oiçam-nos. Pedimos um quarto de hora de atenção: não é muito que ao prazer e ao interesse se roubem alguns minutos para atender à voz da mocidade de um pais. Essa voz parte da alma: é a voz da eterna justiça. Todo o facto pede uma explicação. Se o acontecimento é grave, graves devem ser os motivos que o produziram; e, mais que ninguém, homens novos, quando deliberam, podem sim enganar-se, mas a intenção é sempre generosa e nobre. Pergunta-se hoje em Coimbra, pergunta-se por todo o país:
Que querem os Estudantes da Universidade de Coimbra?
Que significa a evacuação da sala dos Capelos no dia 8 de Dezembro de 1862?
Que protesto é esse duma corporação contra o seu chefe? Os Estudantes não são meia dúzia de crianças turbulentas que, numa hora de galhofa, se combinem para pregar uma peça engraçada; tantos homens não só intendem, como um bando de rapazes de escola, só com o fim de se divertirem á custa de uma coisa muito séria. Não foi, pois, o prurido da infância o motor daquele acontecimento. Esta hipótese nem se discute. O bom senso da nação rejeita-a como uma ofensa feita a si mesma na pessoa dos seus melhores filhos».
Quase no fim, diz ainda:
«Os Estudantes querem a reforma de um processo inquisitorial; garantias de justiça; que se seja julgado e condenado como homem, como cidadão dum estado livre, e não como relapso fugido aos cárceres do Santo-Ofício; que a igualdade perante a lei seja uma realidade aqui, e não risível fantasmagoria; que nos julguem homens desapaixonados, e não os que mais estão no declive escorregadio das vinganças; que se distinga entre ciência e costumes, e acabe por uma vez essa pena infamante que, com um traço negro de tinta, mata a reputação, o futuro de uma vida em começo, quando, muita vez também, não mata o coração de uma família.
Que querem os Estudantes da Universidade? Que se indague tudo da ciência, que é património de todos, e nada da vida particular, que é asilo individual e inviolável; que por detrás da cadeira do ensino se não lobrigue o olho do esbirro; que se faça progredir a ciência, e se deixe a moral desenvolver-se por si. (...)»
Se por um lado estava em pujante luta pela Liberdade na Universidade, e também no Amor exprimia os seus anseios e os seus primeiros versos são mais emanações do coração amoroso e na demanda e assim em Outubro e Novembro de 1863 publica os livrinhos Beatrice e Fiat Lux e onde de certo modo se filia ou se identifica com os Cavaleiros de Amor, de Dante (invocado em epígrafe inicial), Camões, Jorge Ferreira de Vasconcelos ou Bocage...
Em 1864 escreve com regularidade crónicas coimbrãs semanais muito irónicas no jornal O Século XIX, de Penafiel, fundado pelo pai do seu futuro amigo e discípulo Joaquim de Araújo e pelo seu colega Germano Vieira Meireles, onde assina como Bacharel José, o seu terceiro "heterónimo-pseudónimo", o 1º tendo sido Vasco Vasques Vasqueanes e o 2º Raimundo Castromino.
E lidera, em Abril - Maio de 1864, já com a Sociedade do Raio desaparecida mas aproveitando a aura dela, os tumultos de protesto contra o Governo do Duque de Loulé (Rolim de Moura) por se recusar, a 25-IV, a dispensar de exames os estudantes, aquando do nascimento do rei D. Carlos, enviando antes a tropa para Coimbra. É Antero quem no dia 30 vai à frente dos estudantes numa saída épica até ao Porto, denominada a Rolinada, e só regressarão a 13 de Maio quando o Reitor concedeu a amnistia.
Forma-se como Bacharel em Direito em 4-VII-1864, e ironiza «contra essa sentença fatal, que assim condena um inocente cábula a arrastar perpetuamente, qual rocha de Sísifo, essa grilheta duma carta de Bacharel em Direito». Vai por três meses aos Açores, certamente para grande satisfação dos pais, e regressa a Coimbra à sua casa na rua do Borralho nº 12 durante algum tempo, para andar em errância pelo país em casa de amigos e com pouco dinheiro.
A sua muito inteligente Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a Chamada Opinião Publica Liberal, sai em Janeiro de 1865 e revela-o na plenitude da sua mente altamente dialéctica e irónica.
E em Agosto dá à luz a sua compilação de poemas idealistas, revolucionários, socialistas, as Odes Modernas, a qual causa bastante escândalo pois manifesta publicamente com mais impacto os seus ideais de justiça e revolução, socialismo e liberdade, algo inspirados nas ideias que mestres franceses de então Michelet, Quinet e Proudhon, entre outros europeus, tais como Hegel e Feuerbach, transmitiam. O sucesso da obra em termos de vendas foi muito escasso. A obra leva uma bela dedicatória de duas páginas a Germano Meireles, seu grande amigo e uma Nota final, forte no apoio à Revolução necessária socialmente e incluindo uma bibliografia dos filósofos e autores mais valiosos.
Desencadeia no final desse ano de 1865 a polémica do Bom senso e Bom gosto, ao atrever-se a publicar e a imprimir em 2 de Novembro uma carta-opúsculo com esse nome a António Feliciano Castilho, seu antigo professor e o patriarca de então da Literatura, defendendo a poesia moderna que ele e os seus condiscípulos Teófilo Braga e Vieira de Castro escreviam e que fora criticada ou condenada por Castilho numa carta-posfácio ao editor António Maria Pereira, da obra de Pinheiro Chagas, O Poema da Mocidade. Anote-se que Germano Meireles, ao publicar uma apreciação crítica às Odes Modernas, já desferira um ataque bem forte a Castilho.
Antero critica a literatura oca, superficial, passadista, ultra-romântica, tão valorizada por Castilho e põe fogo a um rastilho que arderá dois anos e na qual participaram vários escritores, vencendo até num duelo em 7 de Fevereiro que se tornará mítico, no jardim da Arca d'Água no Porto, o mais preparado Ramalho Ortigão, que avançara em defesa de Castilho, atacando pesadamente num folheto intitulado A Literatura de Hoje a "cobardia" de Antero ofender o patriarca já quase cego.
Em Março, algo desiludido de todas estas experiências, parte de barco para três meses em Ponta Delgada sentindo as indecisões quanto ao rumo a tomar na vida, chegando a pensar ir para Goa ou Macau. Mas experimentou o prazer de pôr os pés sobre terra sua e antever nela uma possibilidade de refúgio, como escreve em carta de 30 de Abril, para o seu grande amigo Germano Meireles, nas vésperas da partida para o «rio turvo das incertezas e probabilidades» lisboeta, confessando-lhe quão gostaria de ter ficado «na terra firme do isolamento, do descanso e da segurança da vida sem ilusões, porque sem esperanças nem aspirações enganadoras» e que sente (e apenas com 24 anos) «pena de não ter conseguido realizar o meu sonho de homem quebrado e indiferente cujas miragens me trouxeram aqui. Tenho pena de não ter achado aqui o silêncio e a despreocupação que esperava e ansiava».
O regresso a Lisboa visa testar na prática os seus ideais de coerência de pensamento e modo de vida, e em linha com a ideia mestra da época, a Revolução, entrando como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional de Lisboa em Julho e Agosto, trabalhando depois dois ou três meses no Porto.
Em Novembro parte para o estrangeiro e para Paris pela 1ª vez, para viver como tipógrafo e operário socialista, algo que contudo não aguenta muito tempo, apesar de ter ido assistir a algumas lições na Sorbonne, pelas condições difíceis e a falta da mítica e tão desejada fraternidade, regressando no final de Janeiro de 1867 algo desiludido, abalado e enfraquecido de saúde, refugiando-se na quinta de Santa Ana, junto a Guimarães, dos pais do seu amigo Alberto Sampaio.
Volta de novo na Primavera em 1867 uns meses a Paris, aquando da Exposição Universal, onde se encontra com a mãe e a irmã e visita o famoso escritor Jules Michelet, por ele muito admirado, a quem entrega as Odes Modernas, fazendo de conta que era apenas um amigo do autor, declamando-lhe mesmo alguns poemas, escutados com entusiasmo por Michelet.
No princípio de Agosto passa por Lisboa quinze dias e a 19 de Agosto regressa à ilha de S. Miguel, "a minha pátria", como escreverá já em 1887, passando um ano inteiro em Ponta Delgada com os pais e os amigos, recebendo o escritor Bulhão Pato por algum tempo. Este nas suas Memórias descreverá com grande intuição o Antero de então:«Cabeça fulva, audaz e leonina, Erguida com um porte universal, Olho azul, na pupila cristalina, Acesa uma faísca genial; A candura aliada ao verbo intrépido, Na boca, de um sorriso matinal!»
Em 1868 chega a Lisboa no final de Outubro, após uns bons meses insulares e com a Republica implantada em Espanha e, perante o pedido do partido de Emilio Castelar de colaborar num jornal, pensa ir para Madrid. Envolve-se bastante na questão ibérica e publica dois opúsculos, Portugal perante a Revolução de Espanha - Considerações sobre o futuro da Política Portuguesa do ponto de vista da Democracia Ibérica.
Escrito com grande genialidade, começa assim:
«Há dois meses que admiramos a revolução de Espanha: será tempo talvez de tratarmos de a entender. O entusiasmo é bom, porque eleva o espírito; mas a crítica é melhor ainda, porque o esclarece. As revoluções, sem por isso desdenharem a comoção e o aplauso, não pedem ao mundo senão uma coisa: serem compreendidas. Dramáticas, épicas, fantásticas, as revoluções não são todavia nem dramas, nem epopeias, nem contos de Hoffman: sob as aparências ardentes e brilhantes da paixão e da poesia são simplesmente, friamente problemas. O olhar impassível dessas esfinges não diz aos povos-édipos, que as encontram no seu caminho secular, ama-me ou odeia-me: dizem apenas explica-me. Somente o abismo que se abre ao lado, lá está comentando, com a sua boca tenebrosa, aquela serena palavra»...
Em 1864 escreve com regularidade crónicas coimbrãs semanais muito irónicas no jornal O Século XIX, de Penafiel, fundado pelo pai do seu futuro amigo e discípulo Joaquim de Araújo e pelo seu colega Germano Vieira Meireles, onde assina como Bacharel José, o seu terceiro "heterónimo-pseudónimo", o 1º tendo sido Vasco Vasques Vasqueanes e o 2º Raimundo Castromino.
E lidera, em Abril - Maio de 1864, já com a Sociedade do Raio desaparecida mas aproveitando a aura dela, os tumultos de protesto contra o Governo do Duque de Loulé (Rolim de Moura) por se recusar, a 25-IV, a dispensar de exames os estudantes, aquando do nascimento do rei D. Carlos, enviando antes a tropa para Coimbra. É Antero quem no dia 30 vai à frente dos estudantes numa saída épica até ao Porto, denominada a Rolinada, e só regressarão a 13 de Maio quando o Reitor concedeu a amnistia.
Forma-se como Bacharel em Direito em 4-VII-1864, e ironiza «contra essa sentença fatal, que assim condena um inocente cábula a arrastar perpetuamente, qual rocha de Sísifo, essa grilheta duma carta de Bacharel em Direito». Vai por três meses aos Açores, certamente para grande satisfação dos pais, e regressa a Coimbra à sua casa na rua do Borralho nº 12 durante algum tempo, para andar em errância pelo país em casa de amigos e com pouco dinheiro.
A sua muito inteligente Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a Chamada Opinião Publica Liberal, sai em Janeiro de 1865 e revela-o na plenitude da sua mente altamente dialéctica e irónica.
E em Agosto dá à luz a sua compilação de poemas idealistas, revolucionários, socialistas, as Odes Modernas, a qual causa bastante escândalo pois manifesta publicamente com mais impacto os seus ideais de justiça e revolução, socialismo e liberdade, algo inspirados nas ideias que mestres franceses de então Michelet, Quinet e Proudhon, entre outros europeus, tais como Hegel e Feuerbach, transmitiam. O sucesso da obra em termos de vendas foi muito escasso. A obra leva uma bela dedicatória de duas páginas a Germano Meireles, seu grande amigo e uma Nota final, forte no apoio à Revolução necessária socialmente e incluindo uma bibliografia dos filósofos e autores mais valiosos.
Desencadeia no final desse ano de 1865 a polémica do Bom senso e Bom gosto, ao atrever-se a publicar e a imprimir em 2 de Novembro uma carta-opúsculo com esse nome a António Feliciano Castilho, seu antigo professor e o patriarca de então da Literatura, defendendo a poesia moderna que ele e os seus condiscípulos Teófilo Braga e Vieira de Castro escreviam e que fora criticada ou condenada por Castilho numa carta-posfácio ao editor António Maria Pereira, da obra de Pinheiro Chagas, O Poema da Mocidade. Anote-se que Germano Meireles, ao publicar uma apreciação crítica às Odes Modernas, já desferira um ataque bem forte a Castilho.
Antero critica a literatura oca, superficial, passadista, ultra-romântica, tão valorizada por Castilho e põe fogo a um rastilho que arderá dois anos e na qual participaram vários escritores, vencendo até num duelo em 7 de Fevereiro que se tornará mítico, no jardim da Arca d'Água no Porto, o mais preparado Ramalho Ortigão, que avançara em defesa de Castilho, atacando pesadamente num folheto intitulado A Literatura de Hoje a "cobardia" de Antero ofender o patriarca já quase cego.
Em Março, algo desiludido de todas estas experiências, parte de barco para três meses em Ponta Delgada sentindo as indecisões quanto ao rumo a tomar na vida, chegando a pensar ir para Goa ou Macau. Mas experimentou o prazer de pôr os pés sobre terra sua e antever nela uma possibilidade de refúgio, como escreve em carta de 30 de Abril, para o seu grande amigo Germano Meireles, nas vésperas da partida para o «rio turvo das incertezas e probabilidades» lisboeta, confessando-lhe quão gostaria de ter ficado «na terra firme do isolamento, do descanso e da segurança da vida sem ilusões, porque sem esperanças nem aspirações enganadoras» e que sente (e apenas com 24 anos) «pena de não ter conseguido realizar o meu sonho de homem quebrado e indiferente cujas miragens me trouxeram aqui. Tenho pena de não ter achado aqui o silêncio e a despreocupação que esperava e ansiava».
O regresso a Lisboa visa testar na prática os seus ideais de coerência de pensamento e modo de vida, e em linha com a ideia mestra da época, a Revolução, entrando como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional de Lisboa em Julho e Agosto, trabalhando depois dois ou três meses no Porto.
Em Novembro parte para o estrangeiro e para Paris pela 1ª vez, para viver como tipógrafo e operário socialista, algo que contudo não aguenta muito tempo, apesar de ter ido assistir a algumas lições na Sorbonne, pelas condições difíceis e a falta da mítica e tão desejada fraternidade, regressando no final de Janeiro de 1867 algo desiludido, abalado e enfraquecido de saúde, refugiando-se na quinta de Santa Ana, junto a Guimarães, dos pais do seu amigo Alberto Sampaio.
Volta de novo na Primavera em 1867 uns meses a Paris, aquando da Exposição Universal, onde se encontra com a mãe e a irmã e visita o famoso escritor Jules Michelet, por ele muito admirado, a quem entrega as Odes Modernas, fazendo de conta que era apenas um amigo do autor, declamando-lhe mesmo alguns poemas, escutados com entusiasmo por Michelet.
No princípio de Agosto passa por Lisboa quinze dias e a 19 de Agosto regressa à ilha de S. Miguel, "a minha pátria", como escreverá já em 1887, passando um ano inteiro em Ponta Delgada com os pais e os amigos, recebendo o escritor Bulhão Pato por algum tempo. Este nas suas Memórias descreverá com grande intuição o Antero de então:«Cabeça fulva, audaz e leonina, Erguida com um porte universal, Olho azul, na pupila cristalina, Acesa uma faísca genial; A candura aliada ao verbo intrépido, Na boca, de um sorriso matinal!»
Em 1868 chega a Lisboa no final de Outubro, após uns bons meses insulares e com a Republica implantada em Espanha e, perante o pedido do partido de Emilio Castelar de colaborar num jornal, pensa ir para Madrid. Envolve-se bastante na questão ibérica e publica dois opúsculos, Portugal perante a Revolução de Espanha - Considerações sobre o futuro da Política Portuguesa do ponto de vista da Democracia Ibérica.
Escrito com grande genialidade, começa assim:
«Há dois meses que admiramos a revolução de Espanha: será tempo talvez de tratarmos de a entender. O entusiasmo é bom, porque eleva o espírito; mas a crítica é melhor ainda, porque o esclarece. As revoluções, sem por isso desdenharem a comoção e o aplauso, não pedem ao mundo senão uma coisa: serem compreendidas. Dramáticas, épicas, fantásticas, as revoluções não são todavia nem dramas, nem epopeias, nem contos de Hoffman: sob as aparências ardentes e brilhantes da paixão e da poesia são simplesmente, friamente problemas. O olhar impassível dessas esfinges não diz aos povos-édipos, que as encontram no seu caminho secular, ama-me ou odeia-me: dizem apenas explica-me. Somente o abismo que se abre ao lado, lá está comentando, com a sua boca tenebrosa, aquela serena palavra»...
E encerrará com um ousadíssimo parágrafo final certamente, mais do que anti-nacionalista, muito provocador e despertante:
«Será este o caso de Portugal? Atrevo-me a dizer que é. As forças
mais vivas, as energias mais moças e inteligentes, os elementos mais generosos da nossa sociedade, estão comprimidos, asfixiados por esta forma estreita da velha nacionalidade. Entre uma coisa e outra é necessário escolher. Ora eu sustento que, entre as realidades eternas da natureza humana, de um lado, e, do outro, a criação artificiosa e antiquada da política, não há que hesitar. Se não é possível sermos justos, fortes, nobres, inteligentes, senão deixando cair nos abismos da historia essa coisa a que já se chamou nação portuguesa, caia a nação, mas sejamos aquilo para que nos criou a natureza, sejamos inteligentes, nobres, fortes, justos, sejamos homens, muito embora deixemos de ser portugueses. Uma nação moribunda é uma coisa poética: infelizmente a melhor poesia, em politica, não passa de uma politica medíocre. Chorar, recordar-se, ou ameaçar em sonoros versos, pode ser extremamente sentimental: mas não adianta uma polegada os nossos negócios... Eu, por mim, pondo de parte toda a poesia e toda a sentimentalidade, contentar-me-hei de afirmar aos patriotas portugueses esta verdade de simples bom senso: que, nas nossas actuais circunstâncias, o único acto possível e lógico de verdadeiro patriotismo consiste em renegar a nacionalidade»
É a época do funcionamento do bastante revolucionário grupo de Cenáculo, na Travessa do Guarda-mór, nº 19, 1º, ao Bairro Alto, uma continuação das repúblicas coimbrãs em Lisboa, com animados diálogos ou discussões, onde pontificavam o arrendatário da casa, Jaime Batalha Reis, e Antero, Eça, Mariano Machado e outros.
A 7 de Julho de 1869 viaja do Porto até aos USA num veleiro (o patacho Carolina) de um seu amigo algarvio, Joaquim Negrão, já que à última da hora João de Deus se escusara, por enjoar, e visita ao de leve algumas cidades sentindo-se muito pouco afim de tal civilização nascente. Muita da viagem será realizada dentro do camarote, a aprender alemão no seu beliche, mas não é fácil imaginá-lo sem dialogar com os elementos e o Sol. A 19 de Novembro está de regresso ao Porto, bem mais magro.
Em 1870 e 1871 vai confabulando com os seus novos amigos mais empenhados na política, tais como Oliveira Martins e José Fontana, vai morando e escrevendo em sucessivas moradas lisboetas, tais como R. de S. Pedro de Alcântara, 111; Rua de Cruz do Pau, nº26, 2º andar; R. de Santo António à Estrela, nº 150, 2º; e Rua dos Prazeres, nº 63, 1º, em geral vivendo com o Jaime Batalha Reis e com as portas abertas aos amigos. Em 11 de Maio de 1870 funda o Republica - Jornal da Democracia Portuguesa, com Jaime Batalha Reis, Manuel Arriaga, Oliveira Martins, e António Enes, mas os artigos não são assinados, excepto uma poesia revolucionária de Manuel d'Arriaga. Sairão sete números, num total de 100 páginas com artigos sobre a situação na Europa, a abolição da monarquia, a situação actual portuguesa, a liberdade dos cultos, república ou união ibérica, e alguns são claramente de Antero, tal como o editorial inicial.
No final do ano vai até Córdova, Espanha, às minas de Santa Eufémia onde o seu amigo Oliveira Martins é administrador.
Em 1871, talvez impulsionado pelo eclodir da Comuna de Paris a 27 de Março, decide abrir em Lisboa com um grupo de "rapazes novos e independentes uma sala de conferências livres abertas a toda a gente" e em 17 de Maio de 1871 sai o Programa das Conferências Democráticas assinado por Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, J. P. Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga.
As Conferências do Casino, como ficarão conhecidas (pois realizadas no Casino Lisbonense, ao então Largo da Abegoaria), iniciam-se no dia 22, com uma conferência de Antero sobre o Espírito das Conferências, e no dia 27 de Maio pronuncia a célebre conferência sobre As Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Três Últimos Séculos, seguindo-se ainda as de Augusto Soromenho, Eça de Queirós e Adolfo Coelho.
A conferência é logo impressa e tem duas edições em curto prazo e ficará como um texto de referência da literatura panfletária portuguesa, por muitos comentado.
Estando prevista a conferência seguinte por Salomão Sáragga, acerca dos controversos e nada ortodoxos historiadores críticos de Jesus, quando o ministro do Reino, o Marquês de Ávila e Bolama, decide proibi-las por portaria de 26 de Junho, pois «expõem e procuram sustentar doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do Estado». Antero já uns dias antes (a 22) tivera de se defender num artigo no Jornal do Comércio intitulado Resposta aos Jornais Católicos de tais acusações.
Antero lavra logo um protesto no mesmo dia, 26 de Junho de 1871, «em nome da liberdade do pensamento, da liberdade da palavra, da liberdade de reunião, bases de todo o direito público, únicas garantias da justiça social», assinado ainda por Adolfo Coelho, Jaime Batalha Reis, Salomão Sáragga e Eça de Queirós e, pouco depois, dá uma contundente resposta, em defesa da liberdade, numa carta pública de 30 de Julho, bem irónica, dirigida ao Marquês de Ávila, Presidente do Conselho de Ministros.
São meses de grande actividade política, até com encontros clandestinos com membros estrangeiros da Internacional Socialista, um dos quais no meio do rio Tejo. E contudo em carta de Abril a António de Azevedo Castelo Branco confessa-se dramaticamente descoraçado: «Eu vejo-me no meu isolamento activo e amargo, fora da humanidade e da vida dos homens: só pela inteligência entro na comunhão da minha espécie. Vejo só pelos olhos do cérebro: os do coração tem-se-me ido fechando gradualmente, e hoje apenas entrevejo por eles, no crepúsculo do mundo, a piedade universal». Seriam também consequências das suas desilusões amorosas?
Pensa em candidatar-se a professor de Literatura no Curso Superior de Letras (a Faculdade de Letras de Lisboa de então) e consulta Oliveira Martins, mas este numa carta que desconhecemos dissuade-o, provavelmente argumentando com a oposição que os professores teriam a um pensador e poeta tão revolucionário. Antero acata os conselhos pragmáticos, mas podemos questionar-nos se o carisma de dele não teria conseguido convencer ou converter mesmo alguns dos membros do júri...
No final de Novembro 1871 retira-se para o Porto, para trabalhar mais sossegado na sua obra de então, o Programa para os Trabalhos da Geração Nova (que teria três partes: Ideias, Instituições e Sentimentos), vivendo na rua de Santa Catarina, nº 144, a casa de Oliveira Martins, e em Fevereiro de 1872 funda e dirige com José Fontana o jornal O Pensamento Social: não mais deveres sem direitos, não mais direitos sem deveres, colaborando ainda Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis e Nobre França, onde escreverá numerosos artigos nos cinquenta e cinco números do seu ano e meio de vida.
E quando está para perfazer os trinta anos, em Fevereiro de 1872, publica, aparentemente a contra-corrente, um conjunto substancial da sua tão sensível poesia lírica e amorosa As Primaveras Românticas, Versos dos vinte anos (1861-1864). E pouco depois, um trabalho intitulado Considerações sobre a Filosofia da História Literária Portuguesa, primeiro, sucessivamente, no jornal Primeiro de Janeiro e depois em opúsculo, onde desenvolve e partilha a sua visão filosófica e social da Literatura, a partir da consideração sobretudo de duas obras da escola realista, dos seus condiscípulos Eça de Queirós e Teófilo Braga.
No mês de Julho é membro do júri, ou mesmo presidente, de alguns exames no Liceu do Porto, mas a partir de Setembro já está de novo em Lisboa, na rua dos Douradores, nº 135-4º, e depois na rua da Madalena, nº 17-4º e por entre poesias, uma polémica com Teófilo Braga, artigos socialistas e a ideia de criar um partido novo, a União Democrática Portuguesa, é surpreendido com a morte do pai, Fernando Quental, em 7 de Março, partindo um mês depois para a terra natal.
Adoece então com perturbações digestivas (talvez do estrangulamento do piloro) e nervosas e começa um longo calvário de dores, diagnósticos e tratamentos ineficazes, que o vão diminuindo, chegando a estar dois meses em Angra do Heroísmo, em consulta e tratamento homeopático, recebendo a visita por três semanas do seu amigo Oliveira Martins e só regressando a Lisboa no final de Setembro de 1874, com a mãe e a irmã Ana, no habitual barco da carreira a vapor, o Insulano.
O sofrimento passado consegue-o sublimar na poesia, nomeadamente aproximando-se da ideia e vivência interior da morte sem medo, meditando-a e chegando a senti-la com a «mais alta idealidade, compreensiva e plácida», como confessa uns meses depois em carta a António de Azevedo Castelo Branco, a propósito do ciclo dos sonetos que erguera em Elogio à Morte. Tal boa relação com ela conservará sempre....
1875 é um ano bastante activo na participação política, sendo um dos redactores do novo Partido dos Operários Socialistas, e literária, neste caso dirigindo a Revista Ocidental com o seu amigo Jaime Batalha Reis, contudo de curta duração e oferecendo ao público em Março a 2ª edição das Odes Modernas bastante modificadas e acrescentadas e já sem a dedicatória a Germano e a Nota final tão radical ou revolucionária.
Em 1876 passa três meses, de Maio a Julho, em Ponta Delgada, regressando a Lisboa para a Praça da Alegria, nº 12-2º com a mãe, a qual contudo vem a morrer em 29 de Novembro, abalando-o bastante já que tinha uma relação forte com ela, como exprime em cartas a Oliveira Martins e a Germano Vieira Meireles: «Caro Germano. Morreu minha mãe, e tenho estado muito triste. A minha vida é agora ainda mais erma, e a saudade daquela excelente mulher, que era quase o único amparo na minha existência de doente incurável, tem obscurecido o meu horizonte e quase mo representa lúgubre. Quanto dera eu hoje por não ter esta imaginação e sensibilidade de poeta, que já foram o meu orgulho e são actualmente o meu maior tormento! Custa muito a ser estóico quando se é assim feito!... Entretanto persisto, visto que devo persistir, e faço todos os esforços de razão e de vontade para achar aceitável esta existência e aceitá-la de boa mente. Propus-me uma coisa difícil, porque vou vendo que se parece muito com a santidade... Veremos. (...) Adeus. Recebe, um abraço bem do coração do teu Anthero».
Esta parecença com a santidade pode ser melhor compreendida com o contributo para o In-Memoriam de Antero escrito por João Lobo de Moura:«era quase um santo, um santo leigo, desligado da doutrina cristã; mas sempre obediente à ideia do bem, lutando pela perfeição, cheio de indulgência para com os seus instintos religiosos, que não punha dúvida em manifestar».
Em Junho de 1877, em consequência dos seus «ataques de spleen, nevrose, hipocondria, asneira, ou como melhor se lhes possa chamar, que têm a virtude de me bestificar, endoidecer, entristecer, tornando-me incapaz de tudo, visto que até de lhe escrever me tornam incapaz», decide-se «a ver se outra medicina é mais feliz comigo do que a nacional» e parte para Paris a fim de consultar o famoso neurologista Charcot. Submete-se a diversos tratamentos para os seus padecimentos nervosos, mas vai escrevendo poesia, e publica na revista Dois Mundos, no nº 1 um artigo sobre Jules Michelet, e no nº 2 um sobre Alexandre Herculano, e parte para a Lisboa a 5 de Dezembro dois dias após a morte do seu amigo de coração Germano Vieira Meireles, algo que o abala bastante como podemos depreender da dedicatória que nas Odes Modernas lhe tributou. Entretanto uma nova réstia de luz do amor tocava a sua alma ao sentir amor por uma francesa, paciente como ele nas termas de Bellevue
Em 1878 está alguns meses no Porto com Oliveira Martins, na sua casa à Rua da Boavista, 513, e no Verão torna a voltar aos tratamentos termais em Bellevue, nos arredores de Paris, talvez namorando Clotilde, ou sentindo a dor da dificuldade do amor, regressando nos começos de Outubro a Lisboa, para casa de sua irmã Ana à Calçada de S. Ana, nº 199, 4º. Segue trabalhando na sua
Teoria da Religião, que nunca virá a ultimar.
Politicamente, um ano depois de ter declinado uma candidatura no Partido Republicano Socialista, pois não era um republicano, em Outubro de 1879, estando ainda no Porto com Oliveira Martins, aceita ser candidato a deputado no Partido Socialista por um dos círculos de Lisboa, mas frustra-se a esperança sua, e dos seus poucos apoiantes. Ficou publicado porém o Manifesto-Circular aos Eleitores dos Círculos 94, 97 e 98 pelo Partido Operário Socialista.
No final do ano instala-se em Lisboa na Calçada de Santa Ana, nº 207, 2º, e resolve adoptar as filhas muito novinhas do seu amigo Germano Vieira Meireles, Albertina (3 anos) e Beatriz (ano e meio), começando a preparar um contributo para a Literatura Infantil, o Tesouro Poético da Infância, «para o qual coligi as melhores poesias da nossa literatura» e redigirá mesmo uma, intitulada As Fadas, que assim começa: «As Fadas... Eu creio nelas!/ Umas são moças e belas,/Outras, velhas de pasmar.../ Umas vivem nos rochedos,/ Outras pelos arvoredos,/ Outras à beira do mar...».
1880 será um ano passado em Lisboa, e em Janeiro a morte de Zara Margarida, irmã do seu amigo Joaquim de Araujo leva-o a escrever e a enviar-lhe um poema intitulado Zara, que será impresso mais tarde, em 1894, com traduções em várias línguas.
Em 1881, dá à luz no Porto, na Biblioteca da Renascença do seu amigo Joaquim de Araújo uma segunda edição aumentada, mas ainda reduzida, dos Sonetos, que o afirmam como a grande voz poética da época.
Concorre em 21 de Agosto a deputado pelo Partido Socialista e, após dois meses no Porto em casa de Oliveira Martins, tem pronta a sua casa em Vila do Conde nos princípios de Outubro («após esta calamidade chamada mudanças», onde passa a residir com a mulher de Germano Meireles e as duas filhas Beatriz e Albertina.
Em cartas aos amigos testemunha a sua alma, seja agradecendo muito a Alberto Sampaio o envio de dez garrafas de vinho bom, seja confessando o seu relax de estar a conseguir adormecer bem e pedindo o envio de vários livros a Alberto Sampaio: «tenha paciência com estas impertinências de um caturra solitário, para quem agora os livros são não só um mundo, mas todo mundo./ Eu aqui consigo fazer uma coisa rara, prodigiosa: dormir. Faço-o como se fosse a coisa mais natural deste mundo./ Veja se não hei-de considerar esta terra, além de maravilhosa, salvadora! - É quanto actualmente lhe posso dizer, porque, por ora, não tenho feito mais que dormir, como quem tinha contas antigas a ajustar».
Ultrapassa facilmente a desilusão política, da derrota nas eleições como candidato do Partido Socialista e entra no que foi denominado por Ana Maria Almeida Martins A Década Dourada de Vila do Conde, quando, talvez pela proximidade do grande oceano e a mulher e as duas criança do seu amigo de coração Germano Meireles, as suas inquietações metafísicas começarão a dar mais frutos interiores de estabilização de compreensão e amor, realizando em si algo do sonhado “Budismo coroando um Helenismo”, ou do que ele entendia ser uma espiritualidade moderna.
Com efeito, desde finais de Setembro de 1881, instalado em Vila do Conde, junto ao revigorador Oceano, mar do Amar, vai aperfeiçoando os seus notáveis Sonetos, na forma e no conteúdo, escrevendo treze novos, os quais testemunham uma nítida evolução espiritual, embora confesse que poucos ainda conseguem abordar e transmitir as suas compreensões últimas.
Sabemos, por exemplo, que escreve o soneto Evolução em Março, o Na Mão de Deus em Maio, o Redenção I em Julho, a Redenção II e o Lacrimae Rerum em Outubro e o Oceano Nox em Novembro. Numa carta de Julho de 1882 a João de Deus, por exemplo, envia aquele que mais tarde encerra os Sonetos, Na Mão de Deus, com a seguinte explicação muito valiosa: «Será talvez o primeiro de que gostes por mais de alguma coisa do que só pela forma. O meu pessimismo tem-se desvanecido com esta vida contemplativa no meio da natureza».
A saída da ruidosa capital e o ambiente calmo e familiar estavam a fazer-lhe muito bem e logo em 1881, em Novembro, escrevia a Sebastião da Costa Botelho: «Além de doente e precocemente envelhecido, sou muito filósofo demais, para lastimar a perda das distracções da capital, distracções de que bem raras vezes me aproveitava, e, ainda assim, as mais delas antes com desgosto, por ter sempre presente as misérias reais, que se escondem quase sempre, e especialmente nesta pobre terra, sob aquelas ostentações de prazer». Ou no mesmo mês a Alberto Sampaio: «Isto por aqui é bonito, com o seu ar nobre e campestre, e põe a gente numa disposição de espírito plácida e suave. Para envelhecer em paz, era proximamente disto que eu necessitava».
O apoio dos livros e da sua biblioteca será também importante nessa sua primeira experiência de orientar um casa, família e jardim
como podemos ver em algumas cartas, numa pedindo um livro emprestado:«Agora passemos do jardim à biblioteca. Pondo em ordem os meus livros, não sei como me lembrou que tinha tido (...). A obra vale pouco, mas tem os factos, e acabava-me de encher um raio [prateleira] de estante onde tenho Dicionário Teológico de Bergier e outros livros de ejusdem farinae. Se pois dás fé desse alfarrábio e o achares à mão e não te servir de nada, trá-lo quando vieres, que sempre aqui lhe darei um lugar, dispensado-me de comprar alguma obra análoga, que desejo ter no tal raio de estante». E noutra, a Carlos Cirilo Machado, cedendo:«Folguei com a impressão que lhe causou a leitura do Portugal Contemporâneo daquele nosso escritor [Oliveira Martins], que se está tornando verdadeiramente grande. Uma vez que gostou, e como é livro para se reler, em vez de mo devolver, guarde-o, e ficará também como lembrança minha».
O Oceano e alguns amigos por perto faziam também parte dessa sua época mais feliz. Em carta a João de Deus de 13-I-1882, diz-lhe:«Eu dou-me aqui bem, apesar de viver completamente só. Quando quero falar, vou ao Porto conversar com o Oliveira Martins. Se tu ali estivesses também, tinha tudo quanto desejo./Aqui as praias são amplas e belas, e por elas passeio e me estendo ao sol com voluptuosidade que só conhecem os poetas e os lagartos, adoradores da luz».
Noutra carta à sua irmã Ana podemos visualizar tais momentos luminosos: «A Albertina está muito crescida e desenvolvida, e já começa a fazer meia, no que tem bastante graça. É a minha companheira nos passeios que dou por esses campos ou á beira-mar, e realmente já não posso sair sem a levar comigo. Revela muito bom carácter e discrição, o que me vai tornando completamente Papá.»
Entretanto o irmão André, casado e com filhos, após um ano já de grande desequílibrio endoidece de todo e Antero tem de descer a Coimbra e levá-lo a Lisboa e entregá-lo em Rilhafoles. Quanto não deve ter sofrido, imaginamos por algumas cartas, tal a Alberto Sampaio, de Janeiro de 1882: «Tudo isto, como podes imaginar, me tem afligido bastante, e aumentado esta minha melancolia, que de dia para dia é mais amarga! "A vida é uma comédia para os que pensam, uma tragédia para os que sentem" [frase de H. Walpole, que traduzimos]. Eu, desgraçadamente, sou dos últimos, e essa sensibilidade e humor trágico tem torturado e há-de torturar até ao fim a minha existência./ Mas nada de lamentações (...) »
É só em Abril de 1883 que sai à luz o seu belo contributo para a educação das crianças, o Tesouro Poética para a Infância, onde vai inserido o seu belo poema as Fadas. No prefácio diz: «Este livrinho, destinado exclusivamente à infância, dedico-a às mães e cuido fazer-lhes um presente de algum valor. Convencido de que há no espírito das crianças tendências poéticas e uma verdadeira necessidade de ideal, que convém auxiliar e satisfazer, como elementos preciosos para a educação - no alto sentido desta palavra, isto é, para a formação do carácter moral - coligi para aqui tudo quanto no campo da literatura portuguesa me pareceu, por um certo tom ao mesmo tempo simples e elevado, ou ainda meramente gracioso e fino, poder contribuir para aquele resultado, em meu conceito, importantíssimo».
Em Maio de 1883 escreve a Voz Interior e em 1884 em Abril os sonetos Luta e Solemnia Verba e, em Junho, Comunhão. No epistolário vai mantendo também as suas várias relações de amizade e distribuindo conselhos amistosos e críticas merecidas, confissões e sublimes doutrinações.
Vai-se movendo, ora ficando no Porto em casa de Oliveira Martins, ora como escreve numa carta a Luís de Magalhães: «Ontem à noite, voltando duma excursão que fiz pelo Minho em companhia de Oliveira Martins». E em Setembro de 1884, numa ida ao Porto, é apanhado no Palácio de Cristal na famosa fotografia do grupo dos Cinco, certamente um dia de animados diálogos e piadas. Haveria bastante cansaço e desilusão da vida, ou estavam todos mais ou menos ainda sentindo-se guerreiros para as suas batalhas, indiferentes às oposições?
Na fotografia tirada em 1884, vemo-lo ao então centro do que se tornou conhecido como o grupo dos Cinco, que reúne cinco dos principais escritores da época, e que legendamos assim, da esquerda nossa para a direita: Eça de Queiroz, ao canto, algo cansado pelas ironias e de um certo mundanismo; Oliveira Martins, firme e calmo na sua cordialidade, labor e escrita; Antero, místico e sem chapéu, olhando de frente a morte e o futuro; Ramalho Ortigão, elegante, altaneiro, social, convergindo para o centro e Guerra Junqueiro, revolucionário, satírico e desafiante.
Em 1885, Março, escreve os sonetos Com os Mortos, e O que diz a Morte, os últimos da sua veia poética e bem significativos de crença na vida depois da morte («Mas se paro um momento, se consigo//Fechar os olhos, sinto-os a meu lado//De novo, esses que amei: vivem comigo,//Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,//Juntos no antigo amor, no amor sagrado,//Na comunhão ideal do eterno Bem.»), e no dia 30, em Vila do Conde, acompanha a libertação física, após doença de tísica prolongada, da mulher de Germano Meireles, Teresa de Jesus Costa, passando as duas crianças a serem educadas no colégio religioso das Doroteias, no Porto.
«Será este o caso de Portugal? Atrevo-me a dizer que é. As forças
mais vivas, as energias mais moças e inteligentes, os elementos mais generosos da nossa sociedade, estão comprimidos, asfixiados por esta forma estreita da velha nacionalidade. Entre uma coisa e outra é necessário escolher. Ora eu sustento que, entre as realidades eternas da natureza humana, de um lado, e, do outro, a criação artificiosa e antiquada da política, não há que hesitar. Se não é possível sermos justos, fortes, nobres, inteligentes, senão deixando cair nos abismos da historia essa coisa a que já se chamou nação portuguesa, caia a nação, mas sejamos aquilo para que nos criou a natureza, sejamos inteligentes, nobres, fortes, justos, sejamos homens, muito embora deixemos de ser portugueses. Uma nação moribunda é uma coisa poética: infelizmente a melhor poesia, em politica, não passa de uma politica medíocre. Chorar, recordar-se, ou ameaçar em sonoros versos, pode ser extremamente sentimental: mas não adianta uma polegada os nossos negócios... Eu, por mim, pondo de parte toda a poesia e toda a sentimentalidade, contentar-me-hei de afirmar aos patriotas portugueses esta verdade de simples bom senso: que, nas nossas actuais circunstâncias, o único acto possível e lógico de verdadeiro patriotismo consiste em renegar a nacionalidade»
É a época do funcionamento do bastante revolucionário grupo de Cenáculo, na Travessa do Guarda-mór, nº 19, 1º, ao Bairro Alto, uma continuação das repúblicas coimbrãs em Lisboa, com animados diálogos ou discussões, onde pontificavam o arrendatário da casa, Jaime Batalha Reis, e Antero, Eça, Mariano Machado e outros.
A 7 de Julho de 1869 viaja do Porto até aos USA num veleiro (o patacho Carolina) de um seu amigo algarvio, Joaquim Negrão, já que à última da hora João de Deus se escusara, por enjoar, e visita ao de leve algumas cidades sentindo-se muito pouco afim de tal civilização nascente. Muita da viagem será realizada dentro do camarote, a aprender alemão no seu beliche, mas não é fácil imaginá-lo sem dialogar com os elementos e o Sol. A 19 de Novembro está de regresso ao Porto, bem mais magro.
Em 1870 e 1871 vai confabulando com os seus novos amigos mais empenhados na política, tais como Oliveira Martins e José Fontana, vai morando e escrevendo em sucessivas moradas lisboetas, tais como R. de S. Pedro de Alcântara, 111; Rua de Cruz do Pau, nº26, 2º andar; R. de Santo António à Estrela, nº 150, 2º; e Rua dos Prazeres, nº 63, 1º, em geral vivendo com o Jaime Batalha Reis e com as portas abertas aos amigos. Em 11 de Maio de 1870 funda o Republica - Jornal da Democracia Portuguesa, com Jaime Batalha Reis, Manuel Arriaga, Oliveira Martins, e António Enes, mas os artigos não são assinados, excepto uma poesia revolucionária de Manuel d'Arriaga. Sairão sete números, num total de 100 páginas com artigos sobre a situação na Europa, a abolição da monarquia, a situação actual portuguesa, a liberdade dos cultos, república ou união ibérica, e alguns são claramente de Antero, tal como o editorial inicial.
No final do ano vai até Córdova, Espanha, às minas de Santa Eufémia onde o seu amigo Oliveira Martins é administrador.
Em 1871, talvez impulsionado pelo eclodir da Comuna de Paris a 27 de Março, decide abrir em Lisboa com um grupo de "rapazes novos e independentes uma sala de conferências livres abertas a toda a gente" e em 17 de Maio de 1871 sai o Programa das Conferências Democráticas assinado por Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, J. P. Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga.
As Conferências do Casino, como ficarão conhecidas (pois realizadas no Casino Lisbonense, ao então Largo da Abegoaria), iniciam-se no dia 22, com uma conferência de Antero sobre o Espírito das Conferências, e no dia 27 de Maio pronuncia a célebre conferência sobre As Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Três Últimos Séculos, seguindo-se ainda as de Augusto Soromenho, Eça de Queirós e Adolfo Coelho.
A conferência é logo impressa e tem duas edições em curto prazo e ficará como um texto de referência da literatura panfletária portuguesa, por muitos comentado.
Estando prevista a conferência seguinte por Salomão Sáragga, acerca dos controversos e nada ortodoxos historiadores críticos de Jesus, quando o ministro do Reino, o Marquês de Ávila e Bolama, decide proibi-las por portaria de 26 de Junho, pois «expõem e procuram sustentar doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do Estado». Antero já uns dias antes (a 22) tivera de se defender num artigo no Jornal do Comércio intitulado Resposta aos Jornais Católicos de tais acusações.
Antero lavra logo um protesto no mesmo dia, 26 de Junho de 1871, «em nome da liberdade do pensamento, da liberdade da palavra, da liberdade de reunião, bases de todo o direito público, únicas garantias da justiça social», assinado ainda por Adolfo Coelho, Jaime Batalha Reis, Salomão Sáragga e Eça de Queirós e, pouco depois, dá uma contundente resposta, em defesa da liberdade, numa carta pública de 30 de Julho, bem irónica, dirigida ao Marquês de Ávila, Presidente do Conselho de Ministros.
São meses de grande actividade política, até com encontros clandestinos com membros estrangeiros da Internacional Socialista, um dos quais no meio do rio Tejo. E contudo em carta de Abril a António de Azevedo Castelo Branco confessa-se dramaticamente descoraçado: «Eu vejo-me no meu isolamento activo e amargo, fora da humanidade e da vida dos homens: só pela inteligência entro na comunhão da minha espécie. Vejo só pelos olhos do cérebro: os do coração tem-se-me ido fechando gradualmente, e hoje apenas entrevejo por eles, no crepúsculo do mundo, a piedade universal». Seriam também consequências das suas desilusões amorosas?
Pensa em candidatar-se a professor de Literatura no Curso Superior de Letras (a Faculdade de Letras de Lisboa de então) e consulta Oliveira Martins, mas este numa carta que desconhecemos dissuade-o, provavelmente argumentando com a oposição que os professores teriam a um pensador e poeta tão revolucionário. Antero acata os conselhos pragmáticos, mas podemos questionar-nos se o carisma de dele não teria conseguido convencer ou converter mesmo alguns dos membros do júri...
No final de Novembro 1871 retira-se para o Porto, para trabalhar mais sossegado na sua obra de então, o Programa para os Trabalhos da Geração Nova (que teria três partes: Ideias, Instituições e Sentimentos), vivendo na rua de Santa Catarina, nº 144, a casa de Oliveira Martins, e em Fevereiro de 1872 funda e dirige com José Fontana o jornal O Pensamento Social: não mais deveres sem direitos, não mais direitos sem deveres, colaborando ainda Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis e Nobre França, onde escreverá numerosos artigos nos cinquenta e cinco números do seu ano e meio de vida.
E quando está para perfazer os trinta anos, em Fevereiro de 1872, publica, aparentemente a contra-corrente, um conjunto substancial da sua tão sensível poesia lírica e amorosa As Primaveras Românticas, Versos dos vinte anos (1861-1864). E pouco depois, um trabalho intitulado Considerações sobre a Filosofia da História Literária Portuguesa, primeiro, sucessivamente, no jornal Primeiro de Janeiro e depois em opúsculo, onde desenvolve e partilha a sua visão filosófica e social da Literatura, a partir da consideração sobretudo de duas obras da escola realista, dos seus condiscípulos Eça de Queirós e Teófilo Braga.
No mês de Julho é membro do júri, ou mesmo presidente, de alguns exames no Liceu do Porto, mas a partir de Setembro já está de novo em Lisboa, na rua dos Douradores, nº 135-4º, e depois na rua da Madalena, nº 17-4º e por entre poesias, uma polémica com Teófilo Braga, artigos socialistas e a ideia de criar um partido novo, a União Democrática Portuguesa, é surpreendido com a morte do pai, Fernando Quental, em 7 de Março, partindo um mês depois para a terra natal.
Adoece então com perturbações digestivas (talvez do estrangulamento do piloro) e nervosas e começa um longo calvário de dores, diagnósticos e tratamentos ineficazes, que o vão diminuindo, chegando a estar dois meses em Angra do Heroísmo, em consulta e tratamento homeopático, recebendo a visita por três semanas do seu amigo Oliveira Martins e só regressando a Lisboa no final de Setembro de 1874, com a mãe e a irmã Ana, no habitual barco da carreira a vapor, o Insulano.
O sofrimento passado consegue-o sublimar na poesia, nomeadamente aproximando-se da ideia e vivência interior da morte sem medo, meditando-a e chegando a senti-la com a «mais alta idealidade, compreensiva e plácida», como confessa uns meses depois em carta a António de Azevedo Castelo Branco, a propósito do ciclo dos sonetos que erguera em Elogio à Morte. Tal boa relação com ela conservará sempre....
1875 é um ano bastante activo na participação política, sendo um dos redactores do novo Partido dos Operários Socialistas, e literária, neste caso dirigindo a Revista Ocidental com o seu amigo Jaime Batalha Reis, contudo de curta duração e oferecendo ao público em Março a 2ª edição das Odes Modernas bastante modificadas e acrescentadas e já sem a dedicatória a Germano e a Nota final tão radical ou revolucionária.
Em 1876 passa três meses, de Maio a Julho, em Ponta Delgada, regressando a Lisboa para a Praça da Alegria, nº 12-2º com a mãe, a qual contudo vem a morrer em 29 de Novembro, abalando-o bastante já que tinha uma relação forte com ela, como exprime em cartas a Oliveira Martins e a Germano Vieira Meireles: «Caro Germano. Morreu minha mãe, e tenho estado muito triste. A minha vida é agora ainda mais erma, e a saudade daquela excelente mulher, que era quase o único amparo na minha existência de doente incurável, tem obscurecido o meu horizonte e quase mo representa lúgubre. Quanto dera eu hoje por não ter esta imaginação e sensibilidade de poeta, que já foram o meu orgulho e são actualmente o meu maior tormento! Custa muito a ser estóico quando se é assim feito!... Entretanto persisto, visto que devo persistir, e faço todos os esforços de razão e de vontade para achar aceitável esta existência e aceitá-la de boa mente. Propus-me uma coisa difícil, porque vou vendo que se parece muito com a santidade... Veremos. (...) Adeus. Recebe, um abraço bem do coração do teu Anthero».
Esta parecença com a santidade pode ser melhor compreendida com o contributo para o In-Memoriam de Antero escrito por João Lobo de Moura:«era quase um santo, um santo leigo, desligado da doutrina cristã; mas sempre obediente à ideia do bem, lutando pela perfeição, cheio de indulgência para com os seus instintos religiosos, que não punha dúvida em manifestar».
Em Junho de 1877, em consequência dos seus «ataques de spleen, nevrose, hipocondria, asneira, ou como melhor se lhes possa chamar, que têm a virtude de me bestificar, endoidecer, entristecer, tornando-me incapaz de tudo, visto que até de lhe escrever me tornam incapaz», decide-se «a ver se outra medicina é mais feliz comigo do que a nacional» e parte para Paris a fim de consultar o famoso neurologista Charcot. Submete-se a diversos tratamentos para os seus padecimentos nervosos, mas vai escrevendo poesia, e publica na revista Dois Mundos, no nº 1 um artigo sobre Jules Michelet, e no nº 2 um sobre Alexandre Herculano, e parte para a Lisboa a 5 de Dezembro dois dias após a morte do seu amigo de coração Germano Vieira Meireles, algo que o abala bastante como podemos depreender da dedicatória que nas Odes Modernas lhe tributou. Entretanto uma nova réstia de luz do amor tocava a sua alma ao sentir amor por uma francesa, paciente como ele nas termas de Bellevue
Em 1878 está alguns meses no Porto com Oliveira Martins, na sua casa à Rua da Boavista, 513, e no Verão torna a voltar aos tratamentos termais em Bellevue, nos arredores de Paris, talvez namorando Clotilde, ou sentindo a dor da dificuldade do amor, regressando nos começos de Outubro a Lisboa, para casa de sua irmã Ana à Calçada de S. Ana, nº 199, 4º. Segue trabalhando na sua
Teoria da Religião, que nunca virá a ultimar.
Politicamente, um ano depois de ter declinado uma candidatura no Partido Republicano Socialista, pois não era um republicano, em Outubro de 1879, estando ainda no Porto com Oliveira Martins, aceita ser candidato a deputado no Partido Socialista por um dos círculos de Lisboa, mas frustra-se a esperança sua, e dos seus poucos apoiantes. Ficou publicado porém o Manifesto-Circular aos Eleitores dos Círculos 94, 97 e 98 pelo Partido Operário Socialista.
No final do ano instala-se em Lisboa na Calçada de Santa Ana, nº 207, 2º, e resolve adoptar as filhas muito novinhas do seu amigo Germano Vieira Meireles, Albertina (3 anos) e Beatriz (ano e meio), começando a preparar um contributo para a Literatura Infantil, o Tesouro Poético da Infância, «para o qual coligi as melhores poesias da nossa literatura» e redigirá mesmo uma, intitulada As Fadas, que assim começa: «As Fadas... Eu creio nelas!/ Umas são moças e belas,/Outras, velhas de pasmar.../ Umas vivem nos rochedos,/ Outras pelos arvoredos,/ Outras à beira do mar...».
1880 será um ano passado em Lisboa, e em Janeiro a morte de Zara Margarida, irmã do seu amigo Joaquim de Araujo leva-o a escrever e a enviar-lhe um poema intitulado Zara, que será impresso mais tarde, em 1894, com traduções em várias línguas.
Em 1881, dá à luz no Porto, na Biblioteca da Renascença do seu amigo Joaquim de Araújo uma segunda edição aumentada, mas ainda reduzida, dos Sonetos, que o afirmam como a grande voz poética da época.
Concorre em 21 de Agosto a deputado pelo Partido Socialista e, após dois meses no Porto em casa de Oliveira Martins, tem pronta a sua casa em Vila do Conde nos princípios de Outubro («após esta calamidade chamada mudanças», onde passa a residir com a mulher de Germano Meireles e as duas filhas Beatriz e Albertina.
Em cartas aos amigos testemunha a sua alma, seja agradecendo muito a Alberto Sampaio o envio de dez garrafas de vinho bom, seja confessando o seu relax de estar a conseguir adormecer bem e pedindo o envio de vários livros a Alberto Sampaio: «tenha paciência com estas impertinências de um caturra solitário, para quem agora os livros são não só um mundo, mas todo mundo./ Eu aqui consigo fazer uma coisa rara, prodigiosa: dormir. Faço-o como se fosse a coisa mais natural deste mundo./ Veja se não hei-de considerar esta terra, além de maravilhosa, salvadora! - É quanto actualmente lhe posso dizer, porque, por ora, não tenho feito mais que dormir, como quem tinha contas antigas a ajustar».
Ultrapassa facilmente a desilusão política, da derrota nas eleições como candidato do Partido Socialista e entra no que foi denominado por Ana Maria Almeida Martins A Década Dourada de Vila do Conde, quando, talvez pela proximidade do grande oceano e a mulher e as duas criança do seu amigo de coração Germano Meireles, as suas inquietações metafísicas começarão a dar mais frutos interiores de estabilização de compreensão e amor, realizando em si algo do sonhado “Budismo coroando um Helenismo”, ou do que ele entendia ser uma espiritualidade moderna.
Com efeito, desde finais de Setembro de 1881, instalado em Vila do Conde, junto ao revigorador Oceano, mar do Amar, vai aperfeiçoando os seus notáveis Sonetos, na forma e no conteúdo, escrevendo treze novos, os quais testemunham uma nítida evolução espiritual, embora confesse que poucos ainda conseguem abordar e transmitir as suas compreensões últimas.
Sabemos, por exemplo, que escreve o soneto Evolução em Março, o Na Mão de Deus em Maio, o Redenção I em Julho, a Redenção II e o Lacrimae Rerum em Outubro e o Oceano Nox em Novembro. Numa carta de Julho de 1882 a João de Deus, por exemplo, envia aquele que mais tarde encerra os Sonetos, Na Mão de Deus, com a seguinte explicação muito valiosa: «Será talvez o primeiro de que gostes por mais de alguma coisa do que só pela forma. O meu pessimismo tem-se desvanecido com esta vida contemplativa no meio da natureza».
A saída da ruidosa capital e o ambiente calmo e familiar estavam a fazer-lhe muito bem e logo em 1881, em Novembro, escrevia a Sebastião da Costa Botelho: «Além de doente e precocemente envelhecido, sou muito filósofo demais, para lastimar a perda das distracções da capital, distracções de que bem raras vezes me aproveitava, e, ainda assim, as mais delas antes com desgosto, por ter sempre presente as misérias reais, que se escondem quase sempre, e especialmente nesta pobre terra, sob aquelas ostentações de prazer». Ou no mesmo mês a Alberto Sampaio: «Isto por aqui é bonito, com o seu ar nobre e campestre, e põe a gente numa disposição de espírito plácida e suave. Para envelhecer em paz, era proximamente disto que eu necessitava».
O apoio dos livros e da sua biblioteca será também importante nessa sua primeira experiência de orientar um casa, família e jardim
como podemos ver em algumas cartas, numa pedindo um livro emprestado:«Agora passemos do jardim à biblioteca. Pondo em ordem os meus livros, não sei como me lembrou que tinha tido (...). A obra vale pouco, mas tem os factos, e acabava-me de encher um raio [prateleira] de estante onde tenho Dicionário Teológico de Bergier e outros livros de ejusdem farinae. Se pois dás fé desse alfarrábio e o achares à mão e não te servir de nada, trá-lo quando vieres, que sempre aqui lhe darei um lugar, dispensado-me de comprar alguma obra análoga, que desejo ter no tal raio de estante». E noutra, a Carlos Cirilo Machado, cedendo:«Folguei com a impressão que lhe causou a leitura do Portugal Contemporâneo daquele nosso escritor [Oliveira Martins], que se está tornando verdadeiramente grande. Uma vez que gostou, e como é livro para se reler, em vez de mo devolver, guarde-o, e ficará também como lembrança minha».
O Oceano e alguns amigos por perto faziam também parte dessa sua época mais feliz. Em carta a João de Deus de 13-I-1882, diz-lhe:«Eu dou-me aqui bem, apesar de viver completamente só. Quando quero falar, vou ao Porto conversar com o Oliveira Martins. Se tu ali estivesses também, tinha tudo quanto desejo./Aqui as praias são amplas e belas, e por elas passeio e me estendo ao sol com voluptuosidade que só conhecem os poetas e os lagartos, adoradores da luz».
Noutra carta à sua irmã Ana podemos visualizar tais momentos luminosos: «A Albertina está muito crescida e desenvolvida, e já começa a fazer meia, no que tem bastante graça. É a minha companheira nos passeios que dou por esses campos ou á beira-mar, e realmente já não posso sair sem a levar comigo. Revela muito bom carácter e discrição, o que me vai tornando completamente Papá.»
Entretanto o irmão André, casado e com filhos, após um ano já de grande desequílibrio endoidece de todo e Antero tem de descer a Coimbra e levá-lo a Lisboa e entregá-lo em Rilhafoles. Quanto não deve ter sofrido, imaginamos por algumas cartas, tal a Alberto Sampaio, de Janeiro de 1882: «Tudo isto, como podes imaginar, me tem afligido bastante, e aumentado esta minha melancolia, que de dia para dia é mais amarga! "A vida é uma comédia para os que pensam, uma tragédia para os que sentem" [frase de H. Walpole, que traduzimos]. Eu, desgraçadamente, sou dos últimos, e essa sensibilidade e humor trágico tem torturado e há-de torturar até ao fim a minha existência./ Mas nada de lamentações (...) »
É só em Abril de 1883 que sai à luz o seu belo contributo para a educação das crianças, o Tesouro Poética para a Infância, onde vai inserido o seu belo poema as Fadas. No prefácio diz: «Este livrinho, destinado exclusivamente à infância, dedico-a às mães e cuido fazer-lhes um presente de algum valor. Convencido de que há no espírito das crianças tendências poéticas e uma verdadeira necessidade de ideal, que convém auxiliar e satisfazer, como elementos preciosos para a educação - no alto sentido desta palavra, isto é, para a formação do carácter moral - coligi para aqui tudo quanto no campo da literatura portuguesa me pareceu, por um certo tom ao mesmo tempo simples e elevado, ou ainda meramente gracioso e fino, poder contribuir para aquele resultado, em meu conceito, importantíssimo».
Em Maio de 1883 escreve a Voz Interior e em 1884 em Abril os sonetos Luta e Solemnia Verba e, em Junho, Comunhão. No epistolário vai mantendo também as suas várias relações de amizade e distribuindo conselhos amistosos e críticas merecidas, confissões e sublimes doutrinações.
Vai-se movendo, ora ficando no Porto em casa de Oliveira Martins, ora como escreve numa carta a Luís de Magalhães: «Ontem à noite, voltando duma excursão que fiz pelo Minho em companhia de Oliveira Martins». E em Setembro de 1884, numa ida ao Porto, é apanhado no Palácio de Cristal na famosa fotografia do grupo dos Cinco, certamente um dia de animados diálogos e piadas. Haveria bastante cansaço e desilusão da vida, ou estavam todos mais ou menos ainda sentindo-se guerreiros para as suas batalhas, indiferentes às oposições?
Na fotografia tirada em 1884, vemo-lo ao então centro do que se tornou conhecido como o grupo dos Cinco, que reúne cinco dos principais escritores da época, e que legendamos assim, da esquerda nossa para a direita: Eça de Queiroz, ao canto, algo cansado pelas ironias e de um certo mundanismo; Oliveira Martins, firme e calmo na sua cordialidade, labor e escrita; Antero, místico e sem chapéu, olhando de frente a morte e o futuro; Ramalho Ortigão, elegante, altaneiro, social, convergindo para o centro e Guerra Junqueiro, revolucionário, satírico e desafiante.
Em 1885, Março, escreve os sonetos Com os Mortos, e O que diz a Morte, os últimos da sua veia poética e bem significativos de crença na vida depois da morte («Mas se paro um momento, se consigo//Fechar os olhos, sinto-os a meu lado//De novo, esses que amei: vivem comigo,//Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,//Juntos no antigo amor, no amor sagrado,//Na comunhão ideal do eterno Bem.»), e no dia 30, em Vila do Conde, acompanha a libertação física, após doença de tísica prolongada, da mulher de Germano Meireles, Teresa de Jesus Costa, passando as duas crianças a serem educadas no colégio religioso das Doroteias, no Porto.
Dois dias antes escrevia algumas cartas bem valiosas, numa explicando a Francisco Machado de Faria e Maia tanto o seu estado interior, nomeadamente dos «nervos (desarranjo singularíssimo, porque deixando intacta a imaginação e a inteligência, perturbou profundamente tudo quanto depende da vontade)» como poético-espiritual «cheguei a dar expressão poética (e creio que ninguém ainda o tinha feito) ao misticismo moderno, misticismo científico e positivo, se assim se pode dizer». Noutra delas a Alberto Sampaio, homenageando a mulher de Germano Vieira Meireles: «A Teresa está agonizando: talvez não chegue ao fim da semana. Tem tido um longo e cruel padecimento, mas tem-no suportado com mais coragem ou paciência do que eu esperava dela. Várias vezes se tem lembrado, de quem era realmente amiga, e com pena de não te poder ver antes de morrer». A que acrescenta uns dias depois: «A pobre Teresa expirou ontem de manhã; enterram-na hoje. Sofreu muito. Ela não sofre mais, mas isso faz-me mais pena do que eu jamais crera. Mostrou na sua doença muita paciência e doçura. Ela merecia ser lamentada (regretée), e lamentá-la-ei sempre». (Traduzimos do francês].
Talvez como fruto dum anseio transmitido por carta ao seu grande amigo António de Azevedo Castelo Branco em 6 de Junho de 1885: «Perguntar-me-ás o que faço numa terra onde não conheço ninguém, fechado numa casa erma? Não poderei responder-te senão dizendo que, singular como reconheço ser esta vida, não me acomodo com outra e quase tenho já medo de me ver entre os homens e o negócio dos homens. Leio e penso - ou imagino que penso. Quisera concentrar-me todo na redacção das minhas doutrinas filosóficas, por me persuadir que merecem não morrer comigo», publica em Maio de 1886 no jornal a Província ao longo de cinco dias o ensaio A Filosofia da natureza dos naturalistas, só editado em livro em 1894, com um bom prefácio contextualizante de Eugénio Vaz Pacheco do Canto e Castro, que explica: «Foi Antero quem iniciou a crítica impessoal, a crítica objectiva, desapaixonada, fria, inspirada por um sentimento de equidade e de justiça - critica, em suma, que é uma lição; porque ensina, e que pode fazer do criticado um adversário, mas nunca um inimigo - e do crítico um juiz, mas nunca um louvaminheiro nem um delator. Os artigos críticos do grande Mestre têm todos estes caracteres acentuadamente impressos: não são exclusivamente laudatórios nem exclusivamente agressivos; são justos e por isso mesmo verdadeiros. Têm autoridade; porque falam sinceramente uma linguagem que não é a do ódio nem a dos afectos; mas que é a voz duma consciência honrada para a qual os Homens são o menos e a Verdade o mais. Se alguns desses trabalhos perderam já aquele cunho de novidade que os fez circular vertiginosamente dum a outro canto do nosso país, e se por isso não movem ao interesse e entusiasmo que suscitaram aos primitivos leitores, é certo, que ainda assim, constituem documentos de suma valia, quer sob o ponto de vista meramente literário, quer como subsidio para quem no futuro pretenda historiar as diferentes fases do movimento das ideias em Portugal, na última metade do século XIX».
E a 20 de Agosto sai finalmente a edição dos Sonetos Completos, sem dúvida a sua obra máxima, a par do epistolário enorme semeado nas almas dos amigos, representando uma demanda intensa e dramática no mundo das ideias em forma poética. O prefácio contextualizante de Oliveira Martins, recebera entretanto já uns meses antes a crítica de Antero numa carta a Jaime Batalha Reis: «é acompanhado de um estudo de Oliveira Martins no qual diz, quanto a mim, de mais e de menos. Diz de mais do Autor, que não é sujeito para tanto, e diz de menos quanto à apreciação das minhas ideias filosóficas e religiosas, que trata com pouco respeito. Mas, uma vez que assim o pensa, assim se há-de imprimir. V. sabe que o Oliveira Martins desdenhou sempre da metafísica. Lastimemo-lo!»
Já Jaime de Magalhães Lima compreendeu-o muito bem, conforme Antero lhe escreve em 13-X-1886: «O seu escrito sobre os meus Sonetos causou-me verdadeira satisfação, por ver que a unidade moral e a vida íntima, que fazem com que a meus olhos aquela colecção de versos seja mais do que uma colecção, existe de facto, pois assim é tão bem percebida e compreendida por uma pessoa desprevenida». No fim desta carta, Antero insere os Sonetos na Tradição Espiritual perene Portuguesa...
Os Açores acolhem-no quase o ano todo em 1887, pois chega a 8 de Março, «com feliz viagem e pequeno incómodo» como escreve numa carta a Oliveira Martins sete dias depois, na qual se questiona ainda: «Tive um certo prazer em tornar a ver a minha terra, ainda que não sei porquê, e talvez só por instinto, pois deve haver uma relação profunda entre o homem e a terra em que nasceu e se criou». Regressa só a 20 de Outubro, com estadias em vários locais e diálogos presenciais ou por carta com vários amigos. É a 14 de Maio que escreve a sua famosa carta autobiográfica a Wilhelm Storck, que já lhe enviara as traduções em alemão de alguns sonetos. Ela será certamente semente do testamento autobiográfico de Fernando Pessoa, escrito em 30-III-1935, seis meses antes de morrer. Antero está ainda a quatro anos de tal e fá-lo mais para responder à intenção de poder ser apresentado melhor ao público alemão, conforme lhe pedira Wilhelm. Muito valiosa toda ela, pois Antero faz uma conscienciosa retrospectiva da sua vida e obra, talvez possamos destacar um parte pelo que nos mostra da sua evolução filosófico-espiritual, ou mesmo, se quisermos, da filosofia para a mística, para o espiritual:
«O naturalismo, ainda o mais elevado e mais harmónico, ainda o dum Goethe ou dum Hegel, não tem soluções verdadeiras, deixa a consciência suspensa, o sentimento, no que ele tem de mais profundo, por satisfazer. A sua religiosidade é falsa, e só aparente; no fundo não é mais do que um paganismo intelectual e requintado. Ora eu debatia-me desesperadamente, sem poder sair do naturalismo, dentro do qual nascera para a inteligência e me desenvolvera. Era a minha atmosfera, e todavia sentia-me asfixiar dentro dela. O naturalismo, na sua forma empírica e científica, é o struggle for life, o horror duma luta universal no meio da cegueira universal; na sua forma transcendente é uma dialéctica gelada e inerte, ou um epicurismo egoistamente contemplativo. Eram estas as consequências que eu via sair da doutrina com que me criara, da minha alma-mater, agora que a interrogava com a seriedade e a energia de quem, antes de morrer, quer ao menos saber para que veio ao mundo.
A reacção das forças morais e um novo esforço do pensamento salvaram-me do desespero. Ao mesmo tempo que percebia que a voz da consciência moral não pode ser a única voz sem significação no meio das vozes inúmeras do Universo, refundindo a minha educação filosófica, achava, quer nas doutrinas, quer na história, a confirmação deste ponto de vista. Voltei a ler muito os filósofos, Hartmann, Lange, Du Bois-Raymond e, indo às origens do pensamento alemão, Leibnitz e Kant. Li ainda mais os moralistas e místicos antigos e modernos, entre todos a Teologia Germânica e os livros budistas. Achei que o misticismo, sendo a última palavra do desenvolvimento psicológico, deve corresponder, a não ser a consciência humana uma extravagância no meio do Universo, à essência mais funda das coisas.
O Naturalismo apareceu-me, não já como a explicação última das coisas, mas apenas como o sistema exterior, a lei das aparências e a fenomenologia do Ser. No Psiquismo, isto é, no Bem e na Liberdade Moral, é que encontrei a explicação última e verdadeira de tudo, não só do homem moral mas de toda a natureza, ainda nos seus momentos físicos elementares. A monadologia de Leibnitz, convenientemente reformada, presta-se perfeitamente a esta interpretação do mundo, ao mesmo tempo naturalista e espiritualista. O espírito é que é o tipo de realidade: a natureza não é mais do que uma longínqua imitação, um vago arremedo, um símbolo obscuro e imperfeito do espírito. O universo tem pois como lei suprema o bem, essência do espírito. A liberdade, em despeito do determinismo inflexível da natureza não é uma palavra vã: ela é possível e realiza-se na santidade. Para o santo, o mundo cessou de ser um cárcere: ele é pelo contrário o senhor do mundo, porque é o seu supremo interprete. Só por ele é que o Universo sabe para que existe: só ele realiza o fim do Universo»
Chega a Lisboa a 23 de Outubro e após uns quinze dias em Novembro no Cartaxo, em casa do seu amigo João Lobo de Moura, que no In-Memoriam de Antero assinala como nele estavam presentes um coração e uma razão bem luminosos, um nervos e vontade de viver frágeis e perturbadores, que só a sua resignação e ironia conseguiam vencer, com a ajuda de alguns amigos mais íntimos.
No final do ano regressa a Vila do Conde onde estará o ano todo de 1888, com Eça de Queiroz no Porto preparando o lançamento da Revista de Portugal.
Em 1889, em Maio, após passar de novo umas duas semanas na quinta do seu amigo João Lobo de Moura no Cartaxo chega em Junho a Lisboa, e é apanhado desta vez na pintura de Columbano, na qual se sente algo pouco à vontade no ar fantasmático com que é representado.
Em 10 de Agosto já está em Vila do Conde de novo e avança no desafio de colaborar na Revista de Portugal que Eça de Queirós vai lançar. É a altura de pôr por escrito o seu pensamento ou cosmovisão filosófica, que já por algumas vezes o destruíra e que na carta a Storck resumira, começando ser dado à luz em Janeiro de 1890 no 1º número da Revista de Portugal, sob o título de Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX. Será a sua obra prima em filosofia e prosa, certamente no séc. XIX o mais importante ensaio filosófico português. Na sua esteira, Leonardo Coimbra comentá-lo-á num livrinho publicado em 1925. E em cartas Antero assinala a sua vontade e esperança que uma filosofia mais profunda e transcendentalista, para a qual ele pensa e trabalha, consiga também falar ao coração e à imaginação como as velhas crenças religiosas ainda realizavam.
1890 é um ano de múltiplos trabalhos já que de repente, no meios dos seus escritos filosóficos e políticos e dos seus trabalhos para uma nova edição dos Sonetos, a Inglaterra faz a 11 de Janeiro o Ultimatum a Portugal e ergue-se no Porto um movimento patriótico de oposição a tal opressão devido à reacção cívica dos portuenses e em especial dos estudantes, que lhe vão pedir a Vila do Conde que aceite o cargo de Presidente da Liga Patriótica do Norte, ao que anui, registando-se eventos de grande emoção e civismo, sendo Antero eleito a 6 de Fevereiro Presidente da Liga Patriótica do Norte, com cenas iniciais de grande entusiasmo e publicação de textos valiosos, tais como um contra o cônsul inglês no Porto, no jornal a Província a 11 de Fevereiro, o A Que Vimos, no 1º número do jornal O Rebate, a 11 de Março, saindo também em folha volante o seu Discurso lido na sessão de 7 de Março da Liga Patriótica do Norte pelo seu presidente Antero de Quental»; mas vai-se manifestando um progressivo esmorecimento, já que os partidos políticos principais não o apoiaram, dando-se o encerramento da Liga, na sua última sessão, em 28 de Abril.
A fraqueza do País e dos políticos desiludem-no, e abandona de vez a participação pública na marcha dos acontecimentos políticos. Recusa mesmo o convite que Bernardino Machado lhe fizera de ser professor de Literatura Portuguesa num liceu feminino do Porto, algo que se tivesse aceitado certamente teria originado um percurso diferente e mais longo da vida.
Em Julho ou Agosto é dada à luz a edição definitiva dos Sonetos Completos, com vários deles traduzidos em línguas europeias.
Em Setembro faz o seu segundo testamento, em Vila do Conde, e parte para Lisboa, onde fica em casa da irmã e ocasionalmente na casa de Oliveira Martins, na rua dos Caetanos, 30, 1º.
Em 20 de Março regressa a Vila de Conde para fechar casa, e a 30 de Abril despede-se da vila, certamente com alguma emoção e regressa a Lisboa já para se retirar para os Açores, despedindo-se dos amigos, em especial num jantar no famoso restaurante Tavares. O que se passaria de pensamentos e pressentimentos nas almas deles?
A 5 de Junho estarão só três amigos a darem-lhe os últimos abraços e adeus: Oliveira Martins, Vasconcelos Abreu e Frederico Ayala, algo que certamente deram graças, como no In-Memoriam testemunham.
Com os seus padecimentos psico-físicos a agravarem-se, cansado do corpo já pouco prestar e desiludido e muito entristecido de lhe terem retirado a tutela e cuidado das duas jovenzinhas que educara e de ter de voltar ao continente algo vencido, desencarna samuraica e voluntariamente em 11 de Setembro de 1891 às 21:00, com dois tiros de pistola, comprada na véspera, desferidos às 20:00, sentado calma ou quem sabe nervosamente, triste, num banco do jardim, que se encontrava debaixo de uma âncora em relevo e da significativa palavra, essa que acompanha todos os peregrinos e nobres viajantes, e que talvez o tenha desamargurado um pouco antes de se lhe abrir a vereda misteriosa e provavelmente árdua da vida depois da morte: "Esperança".
Antero de Quental foi um dos raros pensadores que se interrogou forte e destemidadamente sobre a morte e as elevadas regiões do Não-Ser, investigando o dito grego Morrer é ser iniciado, e unindo a teoria à práatica, o ideal ao real. Pouco antes de morrer, desejara fundar uma ordem de contemplativos, a Ordem dos Mateiros. Fidelino de Figueiredo realçou esse testamento anímico de alguém que: «teria sido um S. Bento de Portugal, restaurador da disciplina das almas, iniciador da sua reconstrução pelo recolhimento meditativo (...) Três coisas devemos pedir ao recolhimento monástico ou à sua irradiação: firmeza, paciência e esquecimento. Só para as propagar e difundir valeria a pena fundar a velha ordem dos Mateiros, de Antero de Quental — velha, sem nunca ter existido».
Numa das suas mais belas poesias, publicada na 2ª edição das Odes Modernas, Antero concluirá: «A Ideia, o sumo Bem, o Verbo, a Essência, / Só se revela aos homens e às nações / No céu incorruptível da Consciência» e essa sempre foi a sua denodada e difícil busca: ter uma consciência tão limpa que permitisse a visão do Céu dos seus Ideais ou Ideias, que não apenas a da morte...
A sua correspondência, trocada ao longo dos anos com vários amigos, é das mais belas, instrutivas e inspiradoras da epistolografia portuguesa, e Ana Maria Almeida Martins tem-na publicado muito bem, na sua última edição, já em três volumes. Eis dois ou três excertos para concluirmos:
"Cada vez me convenço mais de que - na impossibilidade de penetrarmos absolutamente, totalmente até ao fundo do problema da existência - ainda assim a humildade do coração nos aproxima mais da Verdade que o orgulho da inteligência. Ora, desprezar o mundo, desprezar os homens, ver o vácuo e o tédio como resíduo final de tudo é grande pecado de orgulho"...
"O espírito humano não é um fragmento truncado e incompreensível ou uma coisa à parte isolada no meio do Universo, mas sim um elemento fundamental dele e a mais alta potência e expressão da sua essência"....
Uma das cartas dirigidas a Jaime de Magalhães Lima (do Cartaxo, a 28-V-1889) e na qual assinala a sua luta pela santidade ou suplantação do egoísmo, algo que sempre nos desafiará a todos:«Vivendo cada vez mais para os outros, sentindo morrer em cada dia dentro de si mais uma parcela do eu egoísta que tanto nos ilude, tanto nos faz sofrer e errar, irá entrando gradualmente naquela região da impersonalidade que é a verdadeira beatitude».
Entre as obras sobre Antero, destaquemos o volumoso In-Memoriam que lhe foi dedicado em 1896, e as escritas por Jaime de Magalhães Lima, Luís de Magalhães, Joaquim Araújo, Jaime Cortesão, José Bruno Carreiro (talvez a mais valiosa, Antero de Quental, Subsídios para a sua Biografia, 1948), Feliciano Ramos, Leonardo Coimbra, Bourbon e Meneses, Rebelo de Bettencourt, Sant'Anna Dionísio, Joaquim de Carvalho, António Sérgio, Luís Teixeira, Hernâni Cidade, Fernando Saboia de Medeiros (do Brasil), João Gaspar de Simões, Ruy Galvão de Carvalho, António Ramos de Almeida, José Vitorino de Pina Martins, Victor de Sá, Óscar Lopes, Eduardo Lourenço, José Calvet Magalhães, Leonel Ribeiro, Fernando Catroga, Ana Maria Almeida Martins, Fernando M. Soares Silva, Manuel Cândido, entre muitos, muitos outros.
Antero, um dos nossos pensadores revolucionários, idealistas e espiritualistas, tão necessário nos nossos dias de pragmatismos por vezes tão materialistas, insensíveis e violentos...
Antero de Quental, um dos cavaleiros do Amor e da Verdade em Portugal...
Talvez como fruto dum anseio transmitido por carta ao seu grande amigo António de Azevedo Castelo Branco em 6 de Junho de 1885: «Perguntar-me-ás o que faço numa terra onde não conheço ninguém, fechado numa casa erma? Não poderei responder-te senão dizendo que, singular como reconheço ser esta vida, não me acomodo com outra e quase tenho já medo de me ver entre os homens e o negócio dos homens. Leio e penso - ou imagino que penso. Quisera concentrar-me todo na redacção das minhas doutrinas filosóficas, por me persuadir que merecem não morrer comigo», publica em Maio de 1886 no jornal a Província ao longo de cinco dias o ensaio A Filosofia da natureza dos naturalistas, só editado em livro em 1894, com um bom prefácio contextualizante de Eugénio Vaz Pacheco do Canto e Castro, que explica: «Foi Antero quem iniciou a crítica impessoal, a crítica objectiva, desapaixonada, fria, inspirada por um sentimento de equidade e de justiça - critica, em suma, que é uma lição; porque ensina, e que pode fazer do criticado um adversário, mas nunca um inimigo - e do crítico um juiz, mas nunca um louvaminheiro nem um delator. Os artigos críticos do grande Mestre têm todos estes caracteres acentuadamente impressos: não são exclusivamente laudatórios nem exclusivamente agressivos; são justos e por isso mesmo verdadeiros. Têm autoridade; porque falam sinceramente uma linguagem que não é a do ódio nem a dos afectos; mas que é a voz duma consciência honrada para a qual os Homens são o menos e a Verdade o mais. Se alguns desses trabalhos perderam já aquele cunho de novidade que os fez circular vertiginosamente dum a outro canto do nosso país, e se por isso não movem ao interesse e entusiasmo que suscitaram aos primitivos leitores, é certo, que ainda assim, constituem documentos de suma valia, quer sob o ponto de vista meramente literário, quer como subsidio para quem no futuro pretenda historiar as diferentes fases do movimento das ideias em Portugal, na última metade do século XIX».
E a 20 de Agosto sai finalmente a edição dos Sonetos Completos, sem dúvida a sua obra máxima, a par do epistolário enorme semeado nas almas dos amigos, representando uma demanda intensa e dramática no mundo das ideias em forma poética. O prefácio contextualizante de Oliveira Martins, recebera entretanto já uns meses antes a crítica de Antero numa carta a Jaime Batalha Reis: «é acompanhado de um estudo de Oliveira Martins no qual diz, quanto a mim, de mais e de menos. Diz de mais do Autor, que não é sujeito para tanto, e diz de menos quanto à apreciação das minhas ideias filosóficas e religiosas, que trata com pouco respeito. Mas, uma vez que assim o pensa, assim se há-de imprimir. V. sabe que o Oliveira Martins desdenhou sempre da metafísica. Lastimemo-lo!»
Já Jaime de Magalhães Lima compreendeu-o muito bem, conforme Antero lhe escreve em 13-X-1886: «O seu escrito sobre os meus Sonetos causou-me verdadeira satisfação, por ver que a unidade moral e a vida íntima, que fazem com que a meus olhos aquela colecção de versos seja mais do que uma colecção, existe de facto, pois assim é tão bem percebida e compreendida por uma pessoa desprevenida». No fim desta carta, Antero insere os Sonetos na Tradição Espiritual perene Portuguesa...
Os Açores acolhem-no quase o ano todo em 1887, pois chega a 8 de Março, «com feliz viagem e pequeno incómodo» como escreve numa carta a Oliveira Martins sete dias depois, na qual se questiona ainda: «Tive um certo prazer em tornar a ver a minha terra, ainda que não sei porquê, e talvez só por instinto, pois deve haver uma relação profunda entre o homem e a terra em que nasceu e se criou». Regressa só a 20 de Outubro, com estadias em vários locais e diálogos presenciais ou por carta com vários amigos. É a 14 de Maio que escreve a sua famosa carta autobiográfica a Wilhelm Storck, que já lhe enviara as traduções em alemão de alguns sonetos. Ela será certamente semente do testamento autobiográfico de Fernando Pessoa, escrito em 30-III-1935, seis meses antes de morrer. Antero está ainda a quatro anos de tal e fá-lo mais para responder à intenção de poder ser apresentado melhor ao público alemão, conforme lhe pedira Wilhelm. Muito valiosa toda ela, pois Antero faz uma conscienciosa retrospectiva da sua vida e obra, talvez possamos destacar um parte pelo que nos mostra da sua evolução filosófico-espiritual, ou mesmo, se quisermos, da filosofia para a mística, para o espiritual:
«O naturalismo, ainda o mais elevado e mais harmónico, ainda o dum Goethe ou dum Hegel, não tem soluções verdadeiras, deixa a consciência suspensa, o sentimento, no que ele tem de mais profundo, por satisfazer. A sua religiosidade é falsa, e só aparente; no fundo não é mais do que um paganismo intelectual e requintado. Ora eu debatia-me desesperadamente, sem poder sair do naturalismo, dentro do qual nascera para a inteligência e me desenvolvera. Era a minha atmosfera, e todavia sentia-me asfixiar dentro dela. O naturalismo, na sua forma empírica e científica, é o struggle for life, o horror duma luta universal no meio da cegueira universal; na sua forma transcendente é uma dialéctica gelada e inerte, ou um epicurismo egoistamente contemplativo. Eram estas as consequências que eu via sair da doutrina com que me criara, da minha alma-mater, agora que a interrogava com a seriedade e a energia de quem, antes de morrer, quer ao menos saber para que veio ao mundo.
A reacção das forças morais e um novo esforço do pensamento salvaram-me do desespero. Ao mesmo tempo que percebia que a voz da consciência moral não pode ser a única voz sem significação no meio das vozes inúmeras do Universo, refundindo a minha educação filosófica, achava, quer nas doutrinas, quer na história, a confirmação deste ponto de vista. Voltei a ler muito os filósofos, Hartmann, Lange, Du Bois-Raymond e, indo às origens do pensamento alemão, Leibnitz e Kant. Li ainda mais os moralistas e místicos antigos e modernos, entre todos a Teologia Germânica e os livros budistas. Achei que o misticismo, sendo a última palavra do desenvolvimento psicológico, deve corresponder, a não ser a consciência humana uma extravagância no meio do Universo, à essência mais funda das coisas.
O Naturalismo apareceu-me, não já como a explicação última das coisas, mas apenas como o sistema exterior, a lei das aparências e a fenomenologia do Ser. No Psiquismo, isto é, no Bem e na Liberdade Moral, é que encontrei a explicação última e verdadeira de tudo, não só do homem moral mas de toda a natureza, ainda nos seus momentos físicos elementares. A monadologia de Leibnitz, convenientemente reformada, presta-se perfeitamente a esta interpretação do mundo, ao mesmo tempo naturalista e espiritualista. O espírito é que é o tipo de realidade: a natureza não é mais do que uma longínqua imitação, um vago arremedo, um símbolo obscuro e imperfeito do espírito. O universo tem pois como lei suprema o bem, essência do espírito. A liberdade, em despeito do determinismo inflexível da natureza não é uma palavra vã: ela é possível e realiza-se na santidade. Para o santo, o mundo cessou de ser um cárcere: ele é pelo contrário o senhor do mundo, porque é o seu supremo interprete. Só por ele é que o Universo sabe para que existe: só ele realiza o fim do Universo»
Chega a Lisboa a 23 de Outubro e após uns quinze dias em Novembro no Cartaxo, em casa do seu amigo João Lobo de Moura, que no In-Memoriam de Antero assinala como nele estavam presentes um coração e uma razão bem luminosos, um nervos e vontade de viver frágeis e perturbadores, que só a sua resignação e ironia conseguiam vencer, com a ajuda de alguns amigos mais íntimos.
No final do ano regressa a Vila do Conde onde estará o ano todo de 1888, com Eça de Queiroz no Porto preparando o lançamento da Revista de Portugal.
Em 1889, em Maio, após passar de novo umas duas semanas na quinta do seu amigo João Lobo de Moura no Cartaxo chega em Junho a Lisboa, e é apanhado desta vez na pintura de Columbano, na qual se sente algo pouco à vontade no ar fantasmático com que é representado.
Em 10 de Agosto já está em Vila do Conde de novo e avança no desafio de colaborar na Revista de Portugal que Eça de Queirós vai lançar. É a altura de pôr por escrito o seu pensamento ou cosmovisão filosófica, que já por algumas vezes o destruíra e que na carta a Storck resumira, começando ser dado à luz em Janeiro de 1890 no 1º número da Revista de Portugal, sob o título de Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX. Será a sua obra prima em filosofia e prosa, certamente no séc. XIX o mais importante ensaio filosófico português. Na sua esteira, Leonardo Coimbra comentá-lo-á num livrinho publicado em 1925. E em cartas Antero assinala a sua vontade e esperança que uma filosofia mais profunda e transcendentalista, para a qual ele pensa e trabalha, consiga também falar ao coração e à imaginação como as velhas crenças religiosas ainda realizavam.
1890 é um ano de múltiplos trabalhos já que de repente, no meios dos seus escritos filosóficos e políticos e dos seus trabalhos para uma nova edição dos Sonetos, a Inglaterra faz a 11 de Janeiro o Ultimatum a Portugal e ergue-se no Porto um movimento patriótico de oposição a tal opressão devido à reacção cívica dos portuenses e em especial dos estudantes, que lhe vão pedir a Vila do Conde que aceite o cargo de Presidente da Liga Patriótica do Norte, ao que anui, registando-se eventos de grande emoção e civismo, sendo Antero eleito a 6 de Fevereiro Presidente da Liga Patriótica do Norte, com cenas iniciais de grande entusiasmo e publicação de textos valiosos, tais como um contra o cônsul inglês no Porto, no jornal a Província a 11 de Fevereiro, o A Que Vimos, no 1º número do jornal O Rebate, a 11 de Março, saindo também em folha volante o seu Discurso lido na sessão de 7 de Março da Liga Patriótica do Norte pelo seu presidente Antero de Quental»; mas vai-se manifestando um progressivo esmorecimento, já que os partidos políticos principais não o apoiaram, dando-se o encerramento da Liga, na sua última sessão, em 28 de Abril.
A fraqueza do País e dos políticos desiludem-no, e abandona de vez a participação pública na marcha dos acontecimentos políticos. Recusa mesmo o convite que Bernardino Machado lhe fizera de ser professor de Literatura Portuguesa num liceu feminino do Porto, algo que se tivesse aceitado certamente teria originado um percurso diferente e mais longo da vida.
Em Julho ou Agosto é dada à luz a edição definitiva dos Sonetos Completos, com vários deles traduzidos em línguas europeias.
Em Setembro faz o seu segundo testamento, em Vila do Conde, e parte para Lisboa, onde fica em casa da irmã e ocasionalmente na casa de Oliveira Martins, na rua dos Caetanos, 30, 1º.
Em 20 de Março regressa a Vila de Conde para fechar casa, e a 30 de Abril despede-se da vila, certamente com alguma emoção e regressa a Lisboa já para se retirar para os Açores, despedindo-se dos amigos, em especial num jantar no famoso restaurante Tavares. O que se passaria de pensamentos e pressentimentos nas almas deles?
A 5 de Junho estarão só três amigos a darem-lhe os últimos abraços e adeus: Oliveira Martins, Vasconcelos Abreu e Frederico Ayala, algo que certamente deram graças, como no In-Memoriam testemunham.
Com os seus padecimentos psico-físicos a agravarem-se, cansado do corpo já pouco prestar e desiludido e muito entristecido de lhe terem retirado a tutela e cuidado das duas jovenzinhas que educara e de ter de voltar ao continente algo vencido, desencarna samuraica e voluntariamente em 11 de Setembro de 1891 às 21:00, com dois tiros de pistola, comprada na véspera, desferidos às 20:00, sentado calma ou quem sabe nervosamente, triste, num banco do jardim, que se encontrava debaixo de uma âncora em relevo e da significativa palavra, essa que acompanha todos os peregrinos e nobres viajantes, e que talvez o tenha desamargurado um pouco antes de se lhe abrir a vereda misteriosa e provavelmente árdua da vida depois da morte: "Esperança".
Antero de Quental foi um dos raros pensadores que se interrogou forte e destemidadamente sobre a morte e as elevadas regiões do Não-Ser, investigando o dito grego Morrer é ser iniciado, e unindo a teoria à práatica, o ideal ao real. Pouco antes de morrer, desejara fundar uma ordem de contemplativos, a Ordem dos Mateiros. Fidelino de Figueiredo realçou esse testamento anímico de alguém que: «teria sido um S. Bento de Portugal, restaurador da disciplina das almas, iniciador da sua reconstrução pelo recolhimento meditativo (...) Três coisas devemos pedir ao recolhimento monástico ou à sua irradiação: firmeza, paciência e esquecimento. Só para as propagar e difundir valeria a pena fundar a velha ordem dos Mateiros, de Antero de Quental — velha, sem nunca ter existido».
Numa das suas mais belas poesias, publicada na 2ª edição das Odes Modernas, Antero concluirá: «A Ideia, o sumo Bem, o Verbo, a Essência, / Só se revela aos homens e às nações / No céu incorruptível da Consciência» e essa sempre foi a sua denodada e difícil busca: ter uma consciência tão limpa que permitisse a visão do Céu dos seus Ideais ou Ideias, que não apenas a da morte...
A sua correspondência, trocada ao longo dos anos com vários amigos, é das mais belas, instrutivas e inspiradoras da epistolografia portuguesa, e Ana Maria Almeida Martins tem-na publicado muito bem, na sua última edição, já em três volumes. Eis dois ou três excertos para concluirmos:
"Cada vez me convenço mais de que - na impossibilidade de penetrarmos absolutamente, totalmente até ao fundo do problema da existência - ainda assim a humildade do coração nos aproxima mais da Verdade que o orgulho da inteligência. Ora, desprezar o mundo, desprezar os homens, ver o vácuo e o tédio como resíduo final de tudo é grande pecado de orgulho"...
"O espírito humano não é um fragmento truncado e incompreensível ou uma coisa à parte isolada no meio do Universo, mas sim um elemento fundamental dele e a mais alta potência e expressão da sua essência"....
Uma das cartas dirigidas a Jaime de Magalhães Lima (do Cartaxo, a 28-V-1889) e na qual assinala a sua luta pela santidade ou suplantação do egoísmo, algo que sempre nos desafiará a todos:«Vivendo cada vez mais para os outros, sentindo morrer em cada dia dentro de si mais uma parcela do eu egoísta que tanto nos ilude, tanto nos faz sofrer e errar, irá entrando gradualmente naquela região da impersonalidade que é a verdadeira beatitude».
Entre as obras sobre Antero, destaquemos o volumoso In-Memoriam que lhe foi dedicado em 1896, e as escritas por Jaime de Magalhães Lima, Luís de Magalhães, Joaquim Araújo, Jaime Cortesão, José Bruno Carreiro (talvez a mais valiosa, Antero de Quental, Subsídios para a sua Biografia, 1948), Feliciano Ramos, Leonardo Coimbra, Bourbon e Meneses, Rebelo de Bettencourt, Sant'Anna Dionísio, Joaquim de Carvalho, António Sérgio, Luís Teixeira, Hernâni Cidade, Fernando Saboia de Medeiros (do Brasil), João Gaspar de Simões, Ruy Galvão de Carvalho, António Ramos de Almeida, José Vitorino de Pina Martins, Victor de Sá, Óscar Lopes, Eduardo Lourenço, José Calvet Magalhães, Leonel Ribeiro, Fernando Catroga, Ana Maria Almeida Martins, Fernando M. Soares Silva, Manuel Cândido, entre muitos, muitos outros.
Antero, um dos nossos pensadores revolucionários, idealistas e espiritualistas, tão necessário nos nossos dias de pragmatismos por vezes tão materialistas, insensíveis e violentos...
Antero de Quental, um dos cavaleiros do Amor e da Verdade em Portugal...
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