1-VIII. Frei Amador Arrais, frade carmelita e escritor, e que fora pregador real e Bispo de Portalegre, nascido em Beja em 1530, parte da Terra neste 1º de Agosto em 1600, em Coimbra, desiludido do Cabido de Portalegre que não quisera aceitar a implementação da reforma de costumes decretada pelo Concílio de Trento. Na sua obra principal, de cunho moral e humanista, feita com um irmão, Os Diálogos, no diálogo quarto trata Da glória e triunfo dos Lusitanos, com belas páginas consagradas a Viriato e aos seus heróicos sucessores ao longo dos séculos, com algumas páginas dedicadas à Índia, mostrando-se leitor de João de Barros, Garcia de Orta e Jerónimo Osório, descrevendo particularmente o reino de Narsinga e os monumentos (tal a famosa cruz em pedra) e o culto de S. Tomé, em Meliapor, onde uma bela pintura de Nossa Senhora levada pelos portugueses, é ainda hoje venerada. Citará Propércio, da Elegia 3, «quanto com armas tanto prevalecerão com piedade, que [Deus] temperou suas mão vencedoras», consideração da harmonia do rigor e do amor, desenvolvendo-a ainda com a profunda doutrina transmitida por Platão:«Deus fazedor dos homens misturou no peito dos Príncipes que haviam de governar as Repúblicas ouro celestial, que são virtudes divinas, porque fossem de altos e divinos pensamentos. E aos que haviam de ajudar a estes no governo púbico, ainda que não se lhes igualassem na dignidade, ornou-lhes o coração de prata do céu, que são os esmaltes e atavios de excelentes inclinações e costumes. Mas no peito dos lavradores e outros oficiais mecânicos que servem a república, enxertou ferro e cobre. Acrescentou mais Platão que aqueles em cujo peito Deus encerrara ouro e prata, eram obrigados a desprezar os metais da terra e não ajuntar tesouros, nem seguir as riquezas deste mundo. Por esta metáfora figurou este sumo filósofo a vida do religioso e do perfeito cristão.»
O P. João Rodrigues morre em Macau neste dia em 1633. Chegara jovem de dezasseis anos ao Japão, e aprendera tão bem a língua que se tornara o intérprete de Hideyoshi, então o principal daimyo, ou governante, do Japão. Após 33 anos de estudos e trabalhos foi expulso, mas começou a investigar as tradições cristãs (pré-portuguesas) na China e o esoterismo do budismo, e participou numa expedição de entrega de canhões ao imperador da dinastia Ming, tendo ido até Pequim, onde lhes foi pedido mais armas e homens, regressando daí a dois anos. A sua História da Igreja no Japão revela uma grande capacidade de registo e descrição do real que o rodeava, desde as indumentárias à liturgia do chá. É o autor da primeira gramática até então impressa da língua japonesa, ainda hoje apreciada pela sua profundidade e pela poesia clássica transcrita.
Bal Gangadhar Tilak, um rei não coroado do Decão, o pai do desassossego indiano, o líder do Partido de Toda a Índia, desencarna em 1920. Mahatama Gandhi dirá: «O seu vasto saber, os seus imensos sacrifícios e o serviço de toda a sua vida fizeram-lhe ganhar um lugar único no coração do povo... Creio que o seu comentário sobre o Canto do Amado (Bhagavad Gita) será o mais duradouro monumento à sua memória. Sobreviverá mesmo ao fim com sucesso da luta por Swarajya, o auto-governo. Mesmo então a sua lembrança permanecerá fresca como sempre, devido à imaculada pureza da sua vida e ao seu grande comentário sobre a Bhagavad Gita.» Além desta exegese, escreveu um vasto tratado sobre a pátria Ártica dos Indo-europeus. Pouco antes de morrer, ao visitar, com o mestre e poeta Shuddhananda Bharati (que eu conheci), o Sai Baba de Sirdir, este diz-lhe: «Vai e descansa. A liberdade chegará à Índia». Era um conselho profético merecido, pois Tilak, um marata, representara a linha mais incendiária no partido do Congresso Nacional Indiano, pouco disposta a cooperar com os ingleses e exigindo a independência imediata. Será contudo ahimsa, a não-violência activa, de Gandhi, aliada à auto-governação, swarajya, que galvanizarão toda a nação invencivelmente. No recente livro, ao qual fiz uma apreciação no blogue, Tributes to and Remembrances of Gurudev R. D. Ranade, The Saint of Nimbal, by Rajendra Chauan and Deepak V. Apte, há um testemunho do mestre Ranade, que o conheceu, valiosa e em que se realça muito bem a unidade do coração e da cabeça-cérebro no Caminho espiritual.
Bal Gangadhar Tilak, um rei não coroado do Decão, o pai do desassossego indiano, o líder do Partido de Toda a Índia, desencarna em 1920. Mahatama Gandhi dirá: «O seu vasto saber, os seus imensos sacrifícios e o serviço de toda a sua vida fizeram-lhe ganhar um lugar único no coração do povo... Creio que o seu comentário sobre o Canto do Amado (Bhagavad Gita) será o mais duradouro monumento à sua memória. Sobreviverá mesmo ao fim com sucesso da luta por Swarajya, o auto-governo. Mesmo então a sua lembrança permanecerá fresca como sempre, devido à imaculada pureza da sua vida e ao seu grande comentário sobre a Bhagavad Gita.» Além desta exegese, escreveu um vasto tratado sobre a pátria Ártica dos Indo-europeus. Pouco antes de morrer, ao visitar, com o mestre e poeta Shuddhananda Bharati (que eu conheci), o Sai Baba de Sirdir, este diz-lhe: «Vai e descansa. A liberdade chegará à Índia». Era um conselho profético merecido, pois Tilak, um marata, representara a linha mais incendiária no partido do Congresso Nacional Indiano, pouco disposta a cooperar com os ingleses e exigindo a independência imediata. Será contudo ahimsa, a não-violência activa, de Gandhi, aliada à auto-governação, swarajya, que galvanizarão toda a nação invencivelmente. No recente livro, ao qual fiz uma apreciação no blogue, Tributes to and Remembrances of Gurudev R. D. Ranade, The Saint of Nimbal, by Rajendra Chauan and Deepak V. Apte, há um testemunho do mestre Ranade, que o conheceu, valiosa e em que se realça muito bem a unidade do coração e da cabeça-cérebro no Caminho espiritual.
Neste mesmo dia 1º de Agosto de 1920 iniciava-se um movimento de renúncia aos cargos e às ligações com o governo britânico na Índia e lançava-se um empréstimo da liberdade, o Tilak swararjya, para ajudar os mais necessitados económica e educativamente. Santana Rodrigues, no seu muito lúcido e fundamentado livro A Índia contemporânea, Lisboa, 1926, diz-nos que neste dia «foi proclamado o movimento de não cooperação: o abandono rigoroso de todos os empregos, escolas, tribunais, mercês honoríficas e títulos do Estado, a não participação nas recepções oficiais e nos empréstimos do Estado e a guerra sistemática aos tecidos e mercadorias estrangeiras, enquanto num sábio espírito de reconstrução se incitava à unidade de todas as crenças, à integração regular dos párias na colectividade, ao alistamento de voluntários ao serviço nacional, à fundação de escolas, universidades e obras de assistência social e à restauração das antigas industrias nativas. Foi um impulso vigoroso, e o êxito fecundo e brilhante. Centenas de magistrados e advogados abandonaram as suas privilegiadas posições...»
2-VIII. Bartolomeu Dias, o continuador e substituto de Diogo Cão na demanda da passagem para o sudeste Índico, larga de Lisboa neste dia em 1486, e dobrará finalmente o Cabo da Boa Esperança. Grande será porém a sua desilusão quando a tripulação não quer prosseguir ao principal, a Índia, que ele pressentia já perto, embora tivesse sido vencido o legendário Cabo. Capitão em 1500 dum dos barcos da frota de Álvares Cabral, desaparecerá então com a seu navio numa tempestade, mas Fernando Pessoa imortalizá-lo-á na Mensagem comum epitáfio firme: «Jaz aqui na pequena praia extrema, / O Capitão do Fim. Dobrado o assombro, / O Mar é o mesmo, já ninguém o tema! / Atlas mostra alto o mundo no seu ombro.» E na realidade, destes esforços dos navegadores pioneiros, surgiu o mundo redondo e abraçável, belo resultado de ciência e persistência, e pena foi que as rosas trazidas por eles se manchassem de sangue, mas tal foi fruto dos condicionalismos histórico-religiosos da época que não permitiam senão o império da conquista e luta, no século XXI ainda persistindo aqui e acolá
O capitão D. Paulo de Lima Pereira manifestou durante trinta e um anos uma energia guerreira invencível na Índia. Ao ser nomeado alguém de menos merecimento que ele para vice-rei preferiu regressar ao reino, porém em má hora, pois naufragará e, depois de cinco meses de odisseia nos sertões de África, morre ardendo de febre, junto da mulher e do confessor neste dia em 1589. Dois anos depois, esta virá buscar os seus ossos e levá-los para o Convento de S. Francisco de Goa, onde canta a lápide: «Canatale, Dabul, e Jor dirão, que está aqui D. Paulo de Lima a quem os trabalhos acabaram na Cafraria na era de 1589». O historiador Diogo de Couto biografou-o e a História Trágica e Marítima inclui a relação dos seus trabalhos.
Neste dia 2 de Agosto de 1864, em Macau, o Padre F. F. X. Rondina assina a dedicatória da sua obra baseada no seu discurso Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo reivindicada contra Ernesto Renan, recitado na Sé Macau, e impresso no Seminário Diocesano, porque aquele «escritor, embebido de doutrinas panteístas, depois de ter nos seu Estudos da História Religiosa, afirmado a eternidade da matéria, negado a existência dum Deus distinto das criaturas, rejeitado tudo o que é sobrenatural, vem hoje com um miserável romance na mão, intitulado a Vida de Jesus, combater a crença da divindade de Jesus Cristo, pedra angular da Religião revelada.» Rondina, apesar de ter aprendido há pouco o português, escreve bem e mostra-se muito informado quanto aos vários racionalistas que cumprimentavam Ernesto Renan. E como crente na leitura literal dos Evangelhos não podia deixar de criticar várias asserções, e por vezes com razão, escritas por Renan na sua obra e por ele rebatidas. Contudo errava quando a pensava que a perda «da fé na Divindade de Cristo, na infalibilidade dos seus dogmas e na veracidade das suas promessas», acabaria com o Cristianismo, já que o aprofundamento crítico do Cristianismo não se deve nem se pode limitar...
3-VIII. Cristóvão Colombo parte para a sua primeira viagem às Índias ocidentais ou Américas em 1492, do porto de Palos, na Espanha, com três navios, às oito horas da manhã: «Andámos com forte ondulação até ao pôr do sol em direcção sul sessenta milhas, que são quinze léguas», rumo às Canárias. Fora árdua e prolongada a batalha pela aprovação real e em 1502 Colombo escreverá ao rei: «E eu com este fogo vim a vossas altezas. Desejar saber os segredos do mundo. Trato e conversação tive com gente sábia, eclesiásticos e seculares, latinos e gregos, judeus e mouros, e com muitos outros de outras seitas... Nosso Senhor fez-me abundoso em marinharia, de astrologia deu-me o que bastava, e assim de geometria e aritmética... a que me abriu Nosso Senhor o entendimento que era possível navegar daqui às Índias».
Simão Vaz de Paiva, Luís Pais Pacheco, Rodrigo Sanches de Paredes, Gonçalo Monteiro de Carvalho, os quatro embaixadores, vindos de Macau com outros 60 cristãos, para reatarem as relações comerciais com o Japão, morrem degolados, mártires da fé cristã, em 1640, na cidade, construída à portuguesa e em parte administrada pelos jesuítas, de Nagasaki, que será desnecessária e criminosamente arrasada em 1945 pela bomba atómica norte-americana. Instado a renegar a sua crença pouco antes de morrer, rezam as crónicas, Simão Vaz respondeu que estava vendo a Jesus Cristo e a sua glória, o que era bem possível pois o ardor e o drama aguçam a clarividência. Em 1638 a revolta dos camponeses e dos cristãos de Shimabara, liderados por Jerónimo, que terminara com a morte à espada dos 37.000 sobreviventes do prolongado cerco do castelo de Hara, intensificara a perseguição contra os cristãos. Em 1640 o xógum Iemitsu cria um tipo de Inquisição para prender e matar os poucos missionários que tinham ficado ou ainda ousavam aventurar-se pelas terras nipónica. Os próprios japoneses tinham de provar que realizavam uma peregrinação por ano a um santuário budista ou shintoísta, e os suspeitos de cristianismo tinham de pisar uma imagem de Jesus e Maria. Terminara o século de ouro dos portugueses no Japão (1543-1639), no qual marinheiros, comerciantes e missionários transmitiram características e impulsões ocidentais e portuguesas, para além de influências específicas nas ciências, artes e usos, que contribuíram para o fermentar do Japão. Nos nossos dias, entre nós, João Paulo Costa, Pedro Canavarro têm estudado o relacionamento luso-nipónico e, um nível mais de guia no terreno, Inês Carvalho Matos, publicou um livro Património de Cristianismo no Japão, em que ilustra bem o ponto da situação do passado no presente.
4-VIII. Morre em Alcácer Kibir, em 1580, grande parte da força e missão de Portugal, e apressa-se a decadência do fugaz império marítimo português, quando D. Sebastião levou os seus exércitos a uma batalha desnecessária, culminada no lutar até morrer. Já após o famoso grito "Ter,Ter", que brotou naturalmente perante a força da arremetida moura, o infausto Rei Desejado terá respondido, lendariamente quiçá, aos que insistiam na fuga, que «a liberdade real com a vida se havia de perder». Muitos dos que foram presos na derrota serão resgatados, afirmando alguns terem visto o corpo do «último do sangue de Henriques» exangue, mas a crença e a lenda da sua sobrevivência permanecerá por longo tempo, acalentada pelo não aparecimento do seu corpo e por messianistas e sebastianistas, ora visionários da sua presença na Europa ora sonhadores duma de grandeza futura que lhes tinha sido cerceada no presente. Sábios como Jerónimo Osório, Diogo de Teive, D. Luís de Ataíde e até o insigne espanhol Arias Montano, vindo expressamente do seu refúgio na Pena, tinham tentado em vão suster o imprudente acometer. Um dia trágico na memória subtil da pátria, certamente trabalhável em bons sentidos, tal o de se ressuscitar e manifestar melhor o nosso corpo espiritual, seja pelo sofrimento seja pelo amor, alegria, prudência…
O xógum dos Tokugawa, Iemitsu, o mais duro ou mesmo cruel até então, e que receava a coligação de daimiós cristãos, samurais desempregados e portugueses, sobretudo depois da revolta dos camponeses de Shimabara, em 1639, por serem muitas e graves as culpas cometidas pelos portugueses, decreta neste dia a terceira e última ordem de expulsão dos portugueses e jesuítas, proibindo rigorosamente o comércio e vinda de navios de Macau. Quem vier será morto e o barco destruído. Para pedir a revogação deste édito partirão de Macau em 1640 quatro embaixadores (já referidos na efeméride de 3-VIII-1640) com 70 homens numa nau. Presos, julgados, convidados a renegar a fé, e com todas as minúcias executados, serão 61, provenientes de 16 povos, enquanto 13 serão poupados para levarem a Macau a «boa nova do martírio».
3-VIII. Cristóvão Colombo parte para a sua primeira viagem às Índias ocidentais ou Américas em 1492, do porto de Palos, na Espanha, com três navios, às oito horas da manhã: «Andámos com forte ondulação até ao pôr do sol em direcção sul sessenta milhas, que são quinze léguas», rumo às Canárias. Fora árdua e prolongada a batalha pela aprovação real e em 1502 Colombo escreverá ao rei: «E eu com este fogo vim a vossas altezas. Desejar saber os segredos do mundo. Trato e conversação tive com gente sábia, eclesiásticos e seculares, latinos e gregos, judeus e mouros, e com muitos outros de outras seitas... Nosso Senhor fez-me abundoso em marinharia, de astrologia deu-me o que bastava, e assim de geometria e aritmética... a que me abriu Nosso Senhor o entendimento que era possível navegar daqui às Índias».
Simão Vaz de Paiva, Luís Pais Pacheco, Rodrigo Sanches de Paredes, Gonçalo Monteiro de Carvalho, os quatro embaixadores, vindos de Macau com outros 60 cristãos, para reatarem as relações comerciais com o Japão, morrem degolados, mártires da fé cristã, em 1640, na cidade, construída à portuguesa e em parte administrada pelos jesuítas, de Nagasaki, que será desnecessária e criminosamente arrasada em 1945 pela bomba atómica norte-americana. Instado a renegar a sua crença pouco antes de morrer, rezam as crónicas, Simão Vaz respondeu que estava vendo a Jesus Cristo e a sua glória, o que era bem possível pois o ardor e o drama aguçam a clarividência. Em 1638 a revolta dos camponeses e dos cristãos de Shimabara, liderados por Jerónimo, que terminara com a morte à espada dos 37.000 sobreviventes do prolongado cerco do castelo de Hara, intensificara a perseguição contra os cristãos. Em 1640 o xógum Iemitsu cria um tipo de Inquisição para prender e matar os poucos missionários que tinham ficado ou ainda ousavam aventurar-se pelas terras nipónica. Os próprios japoneses tinham de provar que realizavam uma peregrinação por ano a um santuário budista ou shintoísta, e os suspeitos de cristianismo tinham de pisar uma imagem de Jesus e Maria. Terminara o século de ouro dos portugueses no Japão (1543-1639), no qual marinheiros, comerciantes e missionários transmitiram características e impulsões ocidentais e portuguesas, para além de influências específicas nas ciências, artes e usos, que contribuíram para o fermentar do Japão. Nos nossos dias, entre nós, João Paulo Costa, Pedro Canavarro têm estudado o relacionamento luso-nipónico e, um nível mais de guia no terreno, Inês Carvalho Matos, publicou um livro Património de Cristianismo no Japão, em que ilustra bem o ponto da situação do passado no presente.
4-VIII. Morre em Alcácer Kibir, em 1580, grande parte da força e missão de Portugal, e apressa-se a decadência do fugaz império marítimo português, quando D. Sebastião levou os seus exércitos a uma batalha desnecessária, culminada no lutar até morrer. Já após o famoso grito "Ter,Ter", que brotou naturalmente perante a força da arremetida moura, o infausto Rei Desejado terá respondido, lendariamente quiçá, aos que insistiam na fuga, que «a liberdade real com a vida se havia de perder». Muitos dos que foram presos na derrota serão resgatados, afirmando alguns terem visto o corpo do «último do sangue de Henriques» exangue, mas a crença e a lenda da sua sobrevivência permanecerá por longo tempo, acalentada pelo não aparecimento do seu corpo e por messianistas e sebastianistas, ora visionários da sua presença na Europa ora sonhadores duma de grandeza futura que lhes tinha sido cerceada no presente. Sábios como Jerónimo Osório, Diogo de Teive, D. Luís de Ataíde e até o insigne espanhol Arias Montano, vindo expressamente do seu refúgio na Pena, tinham tentado em vão suster o imprudente acometer. Um dia trágico na memória subtil da pátria, certamente trabalhável em bons sentidos, tal o de se ressuscitar e manifestar melhor o nosso corpo espiritual, seja pelo sofrimento seja pelo amor, alegria, prudência…
O xógum dos Tokugawa, Iemitsu, o mais duro ou mesmo cruel até então, e que receava a coligação de daimiós cristãos, samurais desempregados e portugueses, sobretudo depois da revolta dos camponeses de Shimabara, em 1639, por serem muitas e graves as culpas cometidas pelos portugueses, decreta neste dia a terceira e última ordem de expulsão dos portugueses e jesuítas, proibindo rigorosamente o comércio e vinda de navios de Macau. Quem vier será morto e o barco destruído. Para pedir a revogação deste édito partirão de Macau em 1640 quatro embaixadores (já referidos na efeméride de 3-VIII-1640) com 70 homens numa nau. Presos, julgados, convidados a renegar a fé, e com todas as minúcias executados, serão 61, provenientes de 16 povos, enquanto 13 serão poupados para levarem a Macau a «boa nova do martírio».
Adolfo Costa, médico goês, publica no Heraldo de 4 de Agostod e 1946, um artigo: A Propósito... Swadeshismo e Swaraj, onde escreve com discernimento e até clarividência quanto à sangrenta partição da Índia:«Nós não somos contra o swadeshismo que representa o levantamento da indústria indiana a expulsar os produtos de outros países: achamo-lo até legítimo e perfeitamente dignificador porque o seu significado não representa outra coisa senão a vontade que o povo da Índia tem de trabalhar e viver por si. O swadeshismo é a independência económica da Índia e achamos justo e nobre que um povo trabalhe para a sua independência económica, que é a base da riqueza e do trabalho./ Mas, infelizmente, na Índia britânica, o swadeshismo foi introduzido pelos líderes anti-britânicos como um meio de alcançar swaraj, que é a independência política, e esta, na nossa aliás obscura opinião, não tem a sua razão de ser num país retalhado de castas e raças em que os ódios tradicionais, religiosos e étnicos - embora acalmados de quando em vez para a realização de um fim - se desencadearão, sangrentos e indómitos, mal esse fim se alcance. Basta o pensador reflectir que, mesmo agora, sem que se tenha conseguido a independência ou supondo mesmo que ela está à vista, a Liga Moslémica se ergue, agressiva e ameaçadora, contra o Congresso e ainda contra o Governo inglês, os harijans apedrejam ao Mahatma Gandhi, e os siks, belicosos por índole, declaram-se contrários à política dos congressistas, constituindo tudo isso os sinais prodrómicos do que sucederá fatalmente, caso essas multidões antagónicas se vejam livres da tutela que, ainda assim era o fiel da balança que equilibrava todas as dissensões e ódios». Estes receios finais serão desmentidos, porém, com a crescente grandeza e unidade da Índia no século XXI, embora de facto os indianos islâmicos, por incompatibilidades, tenham-se concentrado e independentizado no Paquistão.
5-VIII. Carta sonhadora de luso-arabismo do humanista flamengo Clenardo, mestre (com Aires de Barbosa) e tutor do cardeal D. Henrique, em 1541: «E se nenhum motivo parecesse a el-Rei inconciliável com o seu ânimo e vistas, fundar em Coimbra e dotar generosamente uma cadeira de língua árabe?» Já o mesmo realizara em Maiorca o sábio catalão Raimundo Lulo, no mosteiro de Miramar, apoiado pela bula do papa português Pedro Hispano em 1276. Clenardo, no seu amor pela língua árabe, fez-se passar a Fez, quando terminou a sua tarefa de tutor e professor de latim e grego na Península, mas a animosidade do cônsul português Sebastião de Vergas obriga-o a retirar-se e, doente, morrerá com apenas 49 anos no convento dos franciscanos de Alhambra, em Granada, em 5-XI-1542.
Com base em denúncia, são presos em 1787, em Pondá, Bardez e Goa os 47 conjurados contra a governação portuguesa na Índia, na quase totalidade brâmanes católicos, o que indica uma consciência mais culta e apurada e um desejo de maior reconhecimento e protagonismo, como o de poderem ser bispos, e até de usufruírem de alguma independência em relação ao governo metropolitano lisboeta. Contavam com o apoio de Tipú, sultão de Mysore. A repressão dura foi um modo de atemorizar os ânimos. Foi chamada a Conjuração dos Pintos, sendo executados alguns militares e outros, os padres, degredados para a fortaleza de S. Julião da Barra, junto ao aurífero Tejo.
Abandona a vestimenta terrena Sri Takur Satyananda Deva, em 1969, em Baraganore. Discípulo de swami Abhedananda e por este de Sri Ramakrishna Paramahansa, dirá: «Há um Eu Supremo no cosmos. Medita pois nele como Supremo Eu. Mas na vida agitada põe-O em toda a parte. Tenta vê-Lo em cada átomo. Em cada pessoa que encontres, permite-Lhe estar visível». Aconselhava judiciosamente a tomada de consciência da Divindade simultaneamente, no aspecto estático e no dinâmico, no transcendente e no imanente.
5-VIII. Carta sonhadora de luso-arabismo do humanista flamengo Clenardo, mestre (com Aires de Barbosa) e tutor do cardeal D. Henrique, em 1541: «E se nenhum motivo parecesse a el-Rei inconciliável com o seu ânimo e vistas, fundar em Coimbra e dotar generosamente uma cadeira de língua árabe?» Já o mesmo realizara em Maiorca o sábio catalão Raimundo Lulo, no mosteiro de Miramar, apoiado pela bula do papa português Pedro Hispano em 1276. Clenardo, no seu amor pela língua árabe, fez-se passar a Fez, quando terminou a sua tarefa de tutor e professor de latim e grego na Península, mas a animosidade do cônsul português Sebastião de Vergas obriga-o a retirar-se e, doente, morrerá com apenas 49 anos no convento dos franciscanos de Alhambra, em Granada, em 5-XI-1542.
Com base em denúncia, são presos em 1787, em Pondá, Bardez e Goa os 47 conjurados contra a governação portuguesa na Índia, na quase totalidade brâmanes católicos, o que indica uma consciência mais culta e apurada e um desejo de maior reconhecimento e protagonismo, como o de poderem ser bispos, e até de usufruírem de alguma independência em relação ao governo metropolitano lisboeta. Contavam com o apoio de Tipú, sultão de Mysore. A repressão dura foi um modo de atemorizar os ânimos. Foi chamada a Conjuração dos Pintos, sendo executados alguns militares e outros, os padres, degredados para a fortaleza de S. Julião da Barra, junto ao aurífero Tejo.
Abandona a vestimenta terrena Sri Takur Satyananda Deva, em 1969, em Baraganore. Discípulo de swami Abhedananda e por este de Sri Ramakrishna Paramahansa, dirá: «Há um Eu Supremo no cosmos. Medita pois nele como Supremo Eu. Mas na vida agitada põe-O em toda a parte. Tenta vê-Lo em cada átomo. Em cada pessoa que encontres, permite-Lhe estar visível». Aconselhava judiciosamente a tomada de consciência da Divindade simultaneamente, no aspecto estático e no dinâmico, no transcendente e no imanente.
6-VIII. Em Lahore nasce em 1587, Khusrau, segundo filho do imperador Jahangir e de Manbai, de quem os jesuítas enviados à corte do grão-mogol muito gostaram, mas que acabou por ter uma vida desventurada, embora sempre amado do seu povo.
Termina cedo a sua promissora passagem pela Terra, em 1937, apenas com 32 anos, Adeodato Barreto, que entrara no mundo físico em Margão, Goa, em 3-XII-1905 e que, cursado o liceu e revelando já os seus dotes, viera para Portugal licenciar-se em Coimbra, em 1929 e 1930, em Direito e Ciências Histórico-Filosóficas. Foi um grande dinamizador da cultura luso-indiana, fundando universidades livres, o jornal Índia Nova (entre 1928 e 1929, com seis números publicados), ligas e escolas, até desencarnar em Aljustrel, onde estabilizara durante quatro anos como notário, pedagogo e cooperativista. Na sua valiosa Civilização Hindu, publicada em 1936 pelo grupo da revista Seara Nova (onde desde 1926 funcionava uma secção do Oriente), e que foi em 2000, reeditada, visualiza as lutas ainda actuais no séc. XXI: «Duas orientações se disputam hoje o privilégio de conduzir o futuro da humanidade: uma é pela tradição e pelo grupo, outra é pela revolução e pelo indivíduo. Mas uma e outra esquecem o que há de essencial neste debate: a subordinação do material ao espiritual. É neste ponto crucial que se manifesta o que se entende ser a missão da Índia moderna: às facções em luta, e sem esquecer o que deve tanto à tradição como à revolução, ela recorda à humanidade transviada que o seu fim último não é nem uma nem outra, mas sim o seu próprio aperfeiçoamento interior». A revista Índia Nova, que fundara com José Teles e Tello de Mascarenhas, bem merecia ser reeditada.
Na sua linha de pensamento podemos dizer que na sociedade política mundial cada vez mais global e em que as tradições são tanto de se respeitar como de se revolucionar, para se as fazer evoluir e aperfeiçoar, sem dúvida a visão espiritual da existência e um modo de vida não-violento, ecológico e fraterno, como o que triunfou de certo modo na Índia, com Gandhi e a sua epopeia libertadora face à opressão inglesa, são dois pilares do templo sempre utópico, sempre em construção, duma Humanidade melhor.
Nasce neste dia 6, em Assagão, Bardês, Índia portuguesa, em 1863, o notável jornalista e polemista Leopoldo Cipriano da Gama, tendo fundado, dirigido ou colaborado cerca de uma dúzia de jornais. António dos Mártires Lopes, na sua valiosa monografia A Imprensa de Goa, Lisboa, 1971, cita o rasgado elogio, do historiador Menezes Bragança, ainda hoje exemplar: «Jornalista na lídima acepção da palavra. Rapidez de elaboração mental, arranque de lutador, sólida e variada cultura e maneira incisiva de dizer. Conhecia como pouco as literaturas clássicas. Da literatura francesa e inglesa, sabia o que havia de mais representativo e culminante. os seus artigos denunciavam, a cada passo, a sua educação humanista. E a história, como ele a sabia evocar, nas suas luminosas e sugestivas crónicas internacionais, em adequados paralelos, não na indigesta mole de factos, mas no seu alcance profundo, nas suas largas repercussões. Na polémica, era um lutador audaz, e de temer. Era o argumento que convence, o sarcasmo que arrasa, a gargalhada que desnorteia»
7-VIII. O Padre jesuíta italiano Matteo Ricci, vindo de Goa, chega neste dia a Macau em 1582 e pouco depois passa, com o P. Ruggieri, à China onde conseguirá pelos seus talentos atrair o imperador, letrados e mandarins, aceitando algumas das ideias e práticas do culto chinês, na sua transmissão do cristianismo. Fornece-os das primeiras obras de arte europeias, corrige conhecimentos de geografia, matemática e astronomia, aplicados sobretudo nos calendários e instrumentos mecânicos, como relógios e astrolábios, e está disponível 27 anos para o que descreve como: «grandíssimo o concurso da gente a uma novidade tão grande e nunca vista na China».
Deposita-se em 1628 a primeira pedra do mosteiro da Santa Cruz no Buçaco, onde monges lidarão com as potências do corpo e da alma, no meio duma natureza frondosa, em similitude com os ashrams indianos. O ensaísta, professor e jornalista Sant’Anna Dionísio, discípulo de Leonardo Coimbra, e com quem convivi em diálogos acromáticos, escreverá: «Verdadeiro recolhimento de ascese, seria o único deserto, no género, que existia em Portugal. O silêncio era rigorosamente imposto à comunidade, sendo apenas isentos desse preceito o prior, e mais três monges, um deles, o da portaria. Aos outros era somente permitido quebrar a mudez de quinze em quinze dias. A própria regra monástica preceituava o dever da plantação de árvores e proibia o corte de alguma sem o voto favorável, pelo menos, de dois terços da comunidade... No Buçaco, de resto (como em toda a floresta), há alguma coisa de inefável que não se transfere. A própria alma do homem que se diga positivo, posta a sós perante a impressionante multiplicidade, quase ecuménica, do seu arvoredo é assaltada pela dúvida (por assim dizer indefinida ou metafísica) sobre se esse mundo de seres é puramente vegetativo ou alguma coisa mais». Bons ensinamentos de Sant'Anna Dionísio para estes tempos ainda com tanto arboricídio público.
Em 1941, Lua cheia, ao meio-dia, neste dia 7 de Agosto passa para o mundo espiritual, na mesma casa onde nascera há 80 anos (6-5-1861) em Calcutá, o educador, mestre e poeta, Rabindranath Tagore, filho do Maharishi Devantranath Tagore, e como este destacado mestre no movimento espiritualista e nacionalista do Bramo Samaj. Esteve em Inglaterra por duas vezes entre os 17 e os 19, casou aos 23 e viveu a natureza pura e rural. A morte da mulher e dos três filhos fazem-no ainda despertar mais para o Amor divino e universal, desenvolvido tradicionalmente pela via do Bhakti Yoga, transmitindo realizações espirituais com impressivo lirismo na sua poesia, recebendo o prémio Nobel da Literatura em 1913, e tornando-se muito divulgado no Ocidente: traduzido por Yeats, André Gide (outros dois prémios Nobel) e, entre nós traduziram-no ou sobre ele escreveram Adeodato Barreto, Santana Rodrigues, Tudela de Castro, Telo de Mascarenhas, Augusto Casimiro, António Figueirinhas, Bento Caraça, Alexandre Fonseca, entre outros. Fundou a universidade ao ar livre de Shantiniketan, em Bengala, que visitei ainda há uns anos em pleno e belo funcionamento. A sua obra é tão rica que qualquer citação dela será sempre uma ínfima e limitada amostra, contudo eis algumas: «Sinto que Deus no mais íntimo de mim tem alegria em expressar-se através de mim e esta alegria, este amor penetra todas as partes do meu ser, derramando na minha mente, no meu intelecto, este universo inteiro que está vívido diante de mim, meu passado infinito e meu destino eterno. Há um laço de perpétuo amor entre nós dois». No seu último poema escrito diz-nos: «Uma vez encontrada a verdade, / lavada na sua própria luz interna / ninguém a pode privar dela. / Leva-a consigo / para a sua casa entesourada / Como o seu último prémio».
O tesouro das suas obras e estados anímicos, tão vibrantes de amor e sabedoria, é uma fonte de impulsão sucessiva ou perene. Oiçamo-lo ainda: “Meu coração, ave da selva brava, encontrou o céu nos teus olhos. Eles são o berço da manhã e o reino das estrelas. Meus cantos perdem-se na sua profundeza. Deixa-me voar nesse céu, na sua imensidade solitária. Deixa-me violar as suas nuvens e abrir largas asas na sua claridade.” E ainda: “Vida da minha vida, tudo farei para conservar puro o meu corpo, porque sei que em meu corpo vive o teu divino alento. Sem descanso procurarei proteger meu pensamento de todas as mentiras, porque tu és aquela verdade que inflama no meu espírito a luz da razão. Sem descanso tudo farei para afastar do meu coração toda a maldade, conservando florido e puro o meu amor, porque sei que tu vives no mais íntimo altar do meu coração. Farei tudo, para te revelar em meus actos, porque é a tua força que em mim se torna acção.” Encontra no meu blogue e no youtube alguns contributos sobre a sua grande alma, mahatma.
8-VIII. Em Chaves, em 1489, é dado à luz o Tratado da Confissão, a primeira obra impressa em português, cabendo a sua identificação e apresentação em 1965 ao Prof. José V. de Pina Martins, profundo conhecedor da tipografia antiga e do Humanismo, após intermedirização dos livreiros alfarrabistas Américo Marques, João Rodrigues Pires, Tarcísio Trindade e seu irmão António, este tendo sido o comprador inicial numa biblioteca sita no nordeste transmonatano. Composta em caracteres góticos espanhóis, e conhecendo-se obras neles desde 1475, é possível que já antes outros textos tivessem sido publicados.
Chegam neste dia 8 a Lisboa em 1584 os quatro jovens japoneses embaixadores dos dáimios cristãos acompanhados pelos jesuítas, sendo muito bem recebidos em Sintra, Évora, Vila Viçosa, seguindo depois para Roma, via Madrid, com grandiosas recepções e procissões. A reciprocidade que se desejava não veio a confirmar-se, apesar do elevado número de cristãos que chegara a haver no Japão (cerca de 750.000) no princípio do século XVII, devido às expulsões e perseguições, que só terminariam nos finais do século XIX. Três razões principais são aduzidas: crueldade, oposição das religiões tradicionais japonesas e receio de subversão dos princípios feudais de dedicação total ao xógum, maxime, perda da soberania nacional em qualquer território. Com efeito, o militantismo dalguns jesuítas e a fraternidade cristã eram demasiado perturbadores das estruturas e ideologias feudais nipónicas.
Termina cedo a sua promissora passagem pela Terra, em 1937, apenas com 32 anos, Adeodato Barreto, que entrara no mundo físico em Margão, Goa, em 3-XII-1905 e que, cursado o liceu e revelando já os seus dotes, viera para Portugal licenciar-se em Coimbra, em 1929 e 1930, em Direito e Ciências Histórico-Filosóficas. Foi um grande dinamizador da cultura luso-indiana, fundando universidades livres, o jornal Índia Nova (entre 1928 e 1929, com seis números publicados), ligas e escolas, até desencarnar em Aljustrel, onde estabilizara durante quatro anos como notário, pedagogo e cooperativista. Na sua valiosa Civilização Hindu, publicada em 1936 pelo grupo da revista Seara Nova (onde desde 1926 funcionava uma secção do Oriente), e que foi em 2000, reeditada, visualiza as lutas ainda actuais no séc. XXI: «Duas orientações se disputam hoje o privilégio de conduzir o futuro da humanidade: uma é pela tradição e pelo grupo, outra é pela revolução e pelo indivíduo. Mas uma e outra esquecem o que há de essencial neste debate: a subordinação do material ao espiritual. É neste ponto crucial que se manifesta o que se entende ser a missão da Índia moderna: às facções em luta, e sem esquecer o que deve tanto à tradição como à revolução, ela recorda à humanidade transviada que o seu fim último não é nem uma nem outra, mas sim o seu próprio aperfeiçoamento interior». A revista Índia Nova, que fundara com José Teles e Tello de Mascarenhas, bem merecia ser reeditada.
Na sua linha de pensamento podemos dizer que na sociedade política mundial cada vez mais global e em que as tradições são tanto de se respeitar como de se revolucionar, para se as fazer evoluir e aperfeiçoar, sem dúvida a visão espiritual da existência e um modo de vida não-violento, ecológico e fraterno, como o que triunfou de certo modo na Índia, com Gandhi e a sua epopeia libertadora face à opressão inglesa, são dois pilares do templo sempre utópico, sempre em construção, duma Humanidade melhor.
Nasce neste dia 6, em Assagão, Bardês, Índia portuguesa, em 1863, o notável jornalista e polemista Leopoldo Cipriano da Gama, tendo fundado, dirigido ou colaborado cerca de uma dúzia de jornais. António dos Mártires Lopes, na sua valiosa monografia A Imprensa de Goa, Lisboa, 1971, cita o rasgado elogio, do historiador Menezes Bragança, ainda hoje exemplar: «Jornalista na lídima acepção da palavra. Rapidez de elaboração mental, arranque de lutador, sólida e variada cultura e maneira incisiva de dizer. Conhecia como pouco as literaturas clássicas. Da literatura francesa e inglesa, sabia o que havia de mais representativo e culminante. os seus artigos denunciavam, a cada passo, a sua educação humanista. E a história, como ele a sabia evocar, nas suas luminosas e sugestivas crónicas internacionais, em adequados paralelos, não na indigesta mole de factos, mas no seu alcance profundo, nas suas largas repercussões. Na polémica, era um lutador audaz, e de temer. Era o argumento que convence, o sarcasmo que arrasa, a gargalhada que desnorteia»
7-VIII. O Padre jesuíta italiano Matteo Ricci, vindo de Goa, chega neste dia a Macau em 1582 e pouco depois passa, com o P. Ruggieri, à China onde conseguirá pelos seus talentos atrair o imperador, letrados e mandarins, aceitando algumas das ideias e práticas do culto chinês, na sua transmissão do cristianismo. Fornece-os das primeiras obras de arte europeias, corrige conhecimentos de geografia, matemática e astronomia, aplicados sobretudo nos calendários e instrumentos mecânicos, como relógios e astrolábios, e está disponível 27 anos para o que descreve como: «grandíssimo o concurso da gente a uma novidade tão grande e nunca vista na China».
Deposita-se em 1628 a primeira pedra do mosteiro da Santa Cruz no Buçaco, onde monges lidarão com as potências do corpo e da alma, no meio duma natureza frondosa, em similitude com os ashrams indianos. O ensaísta, professor e jornalista Sant’Anna Dionísio, discípulo de Leonardo Coimbra, e com quem convivi em diálogos acromáticos, escreverá: «Verdadeiro recolhimento de ascese, seria o único deserto, no género, que existia em Portugal. O silêncio era rigorosamente imposto à comunidade, sendo apenas isentos desse preceito o prior, e mais três monges, um deles, o da portaria. Aos outros era somente permitido quebrar a mudez de quinze em quinze dias. A própria regra monástica preceituava o dever da plantação de árvores e proibia o corte de alguma sem o voto favorável, pelo menos, de dois terços da comunidade... No Buçaco, de resto (como em toda a floresta), há alguma coisa de inefável que não se transfere. A própria alma do homem que se diga positivo, posta a sós perante a impressionante multiplicidade, quase ecuménica, do seu arvoredo é assaltada pela dúvida (por assim dizer indefinida ou metafísica) sobre se esse mundo de seres é puramente vegetativo ou alguma coisa mais». Bons ensinamentos de Sant'Anna Dionísio para estes tempos ainda com tanto arboricídio público.
Em 1941, Lua cheia, ao meio-dia, neste dia 7 de Agosto passa para o mundo espiritual, na mesma casa onde nascera há 80 anos (6-5-1861) em Calcutá, o educador, mestre e poeta, Rabindranath Tagore, filho do Maharishi Devantranath Tagore, e como este destacado mestre no movimento espiritualista e nacionalista do Bramo Samaj. Esteve em Inglaterra por duas vezes entre os 17 e os 19, casou aos 23 e viveu a natureza pura e rural. A morte da mulher e dos três filhos fazem-no ainda despertar mais para o Amor divino e universal, desenvolvido tradicionalmente pela via do Bhakti Yoga, transmitindo realizações espirituais com impressivo lirismo na sua poesia, recebendo o prémio Nobel da Literatura em 1913, e tornando-se muito divulgado no Ocidente: traduzido por Yeats, André Gide (outros dois prémios Nobel) e, entre nós traduziram-no ou sobre ele escreveram Adeodato Barreto, Santana Rodrigues, Tudela de Castro, Telo de Mascarenhas, Augusto Casimiro, António Figueirinhas, Bento Caraça, Alexandre Fonseca, entre outros. Fundou a universidade ao ar livre de Shantiniketan, em Bengala, que visitei ainda há uns anos em pleno e belo funcionamento. A sua obra é tão rica que qualquer citação dela será sempre uma ínfima e limitada amostra, contudo eis algumas: «Sinto que Deus no mais íntimo de mim tem alegria em expressar-se através de mim e esta alegria, este amor penetra todas as partes do meu ser, derramando na minha mente, no meu intelecto, este universo inteiro que está vívido diante de mim, meu passado infinito e meu destino eterno. Há um laço de perpétuo amor entre nós dois». No seu último poema escrito diz-nos: «Uma vez encontrada a verdade, / lavada na sua própria luz interna / ninguém a pode privar dela. / Leva-a consigo / para a sua casa entesourada / Como o seu último prémio».
O tesouro das suas obras e estados anímicos, tão vibrantes de amor e sabedoria, é uma fonte de impulsão sucessiva ou perene. Oiçamo-lo ainda: “Meu coração, ave da selva brava, encontrou o céu nos teus olhos. Eles são o berço da manhã e o reino das estrelas. Meus cantos perdem-se na sua profundeza. Deixa-me voar nesse céu, na sua imensidade solitária. Deixa-me violar as suas nuvens e abrir largas asas na sua claridade.” E ainda: “Vida da minha vida, tudo farei para conservar puro o meu corpo, porque sei que em meu corpo vive o teu divino alento. Sem descanso procurarei proteger meu pensamento de todas as mentiras, porque tu és aquela verdade que inflama no meu espírito a luz da razão. Sem descanso tudo farei para afastar do meu coração toda a maldade, conservando florido e puro o meu amor, porque sei que tu vives no mais íntimo altar do meu coração. Farei tudo, para te revelar em meus actos, porque é a tua força que em mim se torna acção.” Encontra no meu blogue e no youtube alguns contributos sobre a sua grande alma, mahatma.
8-VIII. Em Chaves, em 1489, é dado à luz o Tratado da Confissão, a primeira obra impressa em português, cabendo a sua identificação e apresentação em 1965 ao Prof. José V. de Pina Martins, profundo conhecedor da tipografia antiga e do Humanismo, após intermedirização dos livreiros alfarrabistas Américo Marques, João Rodrigues Pires, Tarcísio Trindade e seu irmão António, este tendo sido o comprador inicial numa biblioteca sita no nordeste transmonatano. Composta em caracteres góticos espanhóis, e conhecendo-se obras neles desde 1475, é possível que já antes outros textos tivessem sido publicados.
Chegam neste dia 8 a Lisboa em 1584 os quatro jovens japoneses embaixadores dos dáimios cristãos acompanhados pelos jesuítas, sendo muito bem recebidos em Sintra, Évora, Vila Viçosa, seguindo depois para Roma, via Madrid, com grandiosas recepções e procissões. A reciprocidade que se desejava não veio a confirmar-se, apesar do elevado número de cristãos que chegara a haver no Japão (cerca de 750.000) no princípio do século XVII, devido às expulsões e perseguições, que só terminariam nos finais do século XIX. Três razões principais são aduzidas: crueldade, oposição das religiões tradicionais japonesas e receio de subversão dos princípios feudais de dedicação total ao xógum, maxime, perda da soberania nacional em qualquer território. Com efeito, o militantismo dalguns jesuítas e a fraternidade cristã eram demasiado perturbadores das estruturas e ideologias feudais nipónicas.
Liberta-se do corpo físico Swami Nityananda, de Vajreshwari, a 8 de Agosto de 1961, quando tinha 63 anos. Desde muito cedo viveu num estado de felicidade (ananda), donde o seu nome, e jornadeou por vários locais em práticas espirituais que reforçaram a sua realização, começando depois a querer estabilizar primeiro num ashram, que fundou em Kanhangad em Kerala, depois passando para o vale de Tansey, em seguida Mangalore e finalmente Gaaneshpuri, onde viveu de 1936 a 1961, num ashram junto ao templo de Shiva, com grande fama de iluminado e miraculoso, hoje um local de peregrinação. O swami Muktananda foi dos seus discípulos o que se tornou mais famoso. Há alguns curiosos vídeos no youtube deste tipo de yoga siddha ou avadhuta, nada convencionais. Foi uma discípula, Tulsi Amma, quem recolheu o melhor dos seus satsangs e ensinamentos no Chidakasha Gita, obra que foi depois traduzida a pedido de Nityananda por P. Ramanath Pai, sob o título Voice of the Self. Swami Nityananda (of Vajreshwari), 1962, e que recebeu ainda introduções de swami Chinmayananda e de Sri Prakasa, onde há ensinamentos valiosos sobre a respiração, a concentração, a interiorização libertadora, as energias, a unidade. Eis alguns extractos bem originais e de hermenêutica complexa por vezes: «A respiração é Vedanta, Veda. O Veda é sem partes, não divisível. Não é pela língua que o Veda é pronunciado. É um Brahmane aquele que pronuncia o Veda a partir da garganta [do seu chakra]. O Veda é apenas uma Palavra. É o Veda que tem a forma de Agni. Vedanta não tem forma, nem muda; é o todo. Veda é manifestado pela pronunciação. Pronunciar o Veda é o Dharana, recolecção da mente.» Dirá ainda: «a cabeça é um oceano de felicidade (ananda). O corpo prânico (vital) que está dentro dela é a sede da libertação. Este conhecimento não é obtido por livros mas directamente na cabeça. O livro é um fragmento, a cabeça um todo.» Eis-nos com ditos bem valiosos de se aprofundarem...
Ganeshapuri, o mahasamadhi, o local da desincarnação, de swami Nityananda. |
O P. Gonçalo da Silveira escreve da ilha de Moçambique em 1560 que os moçambicanos de Tongue «têm um Deus, ao qual chamam Umbee. Têm a alma, que vive depois da morte e que pena ou recebe castigo, e segundo a malícia ou bondade; assim lhes quadram muito os nossos artigos e mandamentos». Dos erros refere poligamia e superstições de sortes e feitiços, «mas crê na administração daquela nova igreja, e de suaves esperanças e ricos frutos». Será contudo depois o P. André Fernandes quem melhor compreenderá e descreverá a vida e crenças dos Bantos.
Nasce em Miranda do Douro, em 1854, Francisco Maria Esteves Pereira, formado em Engenharia Militar, chegando a Coronel. Muito dotado, conseguindo falar cerca de uma dezena de línguas, a partir de 1888 iniciou os seus estudos de orientalismo, tornando-se um dos seus mais notáveis cultores, com prolíferas e valiosas traduções do etíope e do sânscrito, este que aprendera com o Monsenhor Dalgado, e veio a ser membro de várias academias e sociedade nacionais e internacionais.
Nasce na Rússia em 9 de Agosto de 1952 Irina Glushkova e tornar-se-á um notável indologista e linguísta, grande conhecedor da tradição bhakti ou santa do Maharashtra, nomeadamente de Jnanaiswhar, em especial, mas também de Tukaram, Namdeva e dos seus devotos peregrinos bhaktas, os warkari.
10-VIII. No segundo cerco de Diu, os portugueses capitaneados por D. João de Mascarenhas e D. Fernando de Castro lutam valorosamente durante meses e vencem os exércitos muçulmanos, turcos e indianos neste dia em 1546. Fernão Vaz Dourado, autor do belo Atlas dos Descobrimentos, é ferido, talvez em ressonância com o frontispício da sua obra onde pintara um Ecce Homo. Damião de Goes narrará de Lovaina empolgantemente este cerco em 1549, e logo a Europa culta admirará o esforço luso.
Em Goa morre neste dia em 1571 o P. Belchior Nunes Barreto, portuense, doutor em cânones. Vinte anos anos antes partira para a Índia onde exercera vários cargos e acolhera, por milagre ou por auto-sugestão, «a carne branda e com substância e com cheiro bom» de S. Francisco de Xavier vindo de Malaca. Mas chegara-o a conhecer vivo e que impressão lhe deixara: «Ó irmãos meus, que partes vi nele esses poucos dias que o conversei! Ó que coração tão "encendido" em amor de Deus! Com que flamas arde do amor ao próximo! Ó que zelo para acudir às almas que estão enfermas ou mortas! Que diligência para as ressuscitar e restituir ao estado de graça! Ó que afabilidade que tem, sempre rindo com rosto alegre e sereno; sempre ri e nunca ri, porque, sempre recolhido em si, nunca se dissolve com as criaturas», e eis-nos com sinais das alquimias do amor religioso. Ao despoletar uma conversão religiosa em Fernão Mendes Pinto, partiu com ele numa longa embaixada ao Japão, sendo Belchior Barreto um dos primeiros missionários a entrar na China. Escreveu várias cartas missionárias valiosas.
O incansável P. António Vieira escreve a sua última carta neste dia em 1688, num testamento de desprendimento: «O nosso comércio é só de almas nem temos outro meio de nos conservarmos com Deus, e com o mundo, senão um exactíssimo e total desinteresse». Mas a sua ingénua crença e risonha utopia era: «haverá paz universal em todo o mundo, cessarão as guerras e armas em todas as nações e então se cumprirão inteiramente as profecias».
Jacinto Caetano Barreto Miranda, brâmane, advogado e historiador apenas com 37 anos, mas com várias obras já publicadas, deixa o revestimento terreno neste dia em Margão, em 1879. Autor aos 21 anos do emocionante, patriótico e revolucionário panfleto Quadros Históricos de Goa, em que «mostrando a grandeza do que fomos, interpelou o que somos», põe o dedo em feridas: «Não descreverei ao meu amigo a história da governação da Índia, porque dói-me o coração levantar a ponta do véu, que cobre o quadro doloroso das prepotências do poder, que, colocado em distante largo da corte, deu a maior liberdade ao despotismo, proclamando rasgadamente o quero, posso e mando; nem delinearei o episódio dos sofrimentos dos povos, que sentiram todo o peso duma omnipotência que rivalizava com a de Deus», teve tanto sucesso que pode dizer-se, como Aleixo Manuel da Costa, autor do valioso Dicionário de Literatura Goesa, anota: «o livro tomou de assalto o espírito público. Como Byron, o jovem escritor podia exclamar: "Fui uma noite deitar-me "desconhecido" e era já "célebre" quando acordei na manhã seguinte."»
11-VIII. Segundo algumas tradições é instituída em 1161 ou 1162 em Coimbra, por D. Afonso Henriues, a ordem militar de Avis que, com a de Santiago e a de Cristo, fortificará a coluna vertebral e axial de Portugal. O seu nome primevo foi ordem de S. Bento de Aviz, por seguir a regra beneditina, sendo a primeira portuguesa, e o seu mestre mais famoso foi D. João I, "o mestre de Aviz".
Em Goa morre neste dia em 1571 o P. Belchior Nunes Barreto, portuense, doutor em cânones. Vinte anos anos antes partira para a Índia onde exercera vários cargos e acolhera, por milagre ou por auto-sugestão, «a carne branda e com substância e com cheiro bom» de S. Francisco de Xavier vindo de Malaca. Mas chegara-o a conhecer vivo e que impressão lhe deixara: «Ó irmãos meus, que partes vi nele esses poucos dias que o conversei! Ó que coração tão "encendido" em amor de Deus! Com que flamas arde do amor ao próximo! Ó que zelo para acudir às almas que estão enfermas ou mortas! Que diligência para as ressuscitar e restituir ao estado de graça! Ó que afabilidade que tem, sempre rindo com rosto alegre e sereno; sempre ri e nunca ri, porque, sempre recolhido em si, nunca se dissolve com as criaturas», e eis-nos com sinais das alquimias do amor religioso. Ao despoletar uma conversão religiosa em Fernão Mendes Pinto, partiu com ele numa longa embaixada ao Japão, sendo Belchior Barreto um dos primeiros missionários a entrar na China. Escreveu várias cartas missionárias valiosas.
O incansável P. António Vieira escreve a sua última carta neste dia em 1688, num testamento de desprendimento: «O nosso comércio é só de almas nem temos outro meio de nos conservarmos com Deus, e com o mundo, senão um exactíssimo e total desinteresse». Mas a sua ingénua crença e risonha utopia era: «haverá paz universal em todo o mundo, cessarão as guerras e armas em todas as nações e então se cumprirão inteiramente as profecias».
Jacinto Caetano Barreto Miranda, brâmane, advogado e historiador apenas com 37 anos, mas com várias obras já publicadas, deixa o revestimento terreno neste dia em Margão, em 1879. Autor aos 21 anos do emocionante, patriótico e revolucionário panfleto Quadros Históricos de Goa, em que «mostrando a grandeza do que fomos, interpelou o que somos», põe o dedo em feridas: «Não descreverei ao meu amigo a história da governação da Índia, porque dói-me o coração levantar a ponta do véu, que cobre o quadro doloroso das prepotências do poder, que, colocado em distante largo da corte, deu a maior liberdade ao despotismo, proclamando rasgadamente o quero, posso e mando; nem delinearei o episódio dos sofrimentos dos povos, que sentiram todo o peso duma omnipotência que rivalizava com a de Deus», teve tanto sucesso que pode dizer-se, como Aleixo Manuel da Costa, autor do valioso Dicionário de Literatura Goesa, anota: «o livro tomou de assalto o espírito público. Como Byron, o jovem escritor podia exclamar: "Fui uma noite deitar-me "desconhecido" e era já "célebre" quando acordei na manhã seguinte."»
11-VIII. Segundo algumas tradições é instituída em 1161 ou 1162 em Coimbra, por D. Afonso Henriues, a ordem militar de Avis que, com a de Santiago e a de Cristo, fortificará a coluna vertebral e axial de Portugal. O seu nome primevo foi ordem de S. Bento de Aviz, por seguir a regra beneditina, sendo a primeira portuguesa, e o seu mestre mais famoso foi D. João I, "o mestre de Aviz".
O Rei D. Manuel I escreve neste dia 11 de 1516 a D. Miguel da Silva, seu embaixador em Roma, comunicando-lhe, a propósito do naufrágio do rinoceronte que enviara ao papa, «direis a sua santidade com há ainda poucos dias que o soubemos e o muito desprazer que por isso recebemos porque a alimária quando nos foi trazida por ser coisa tão nova nestas partes nunca vista e quase não achada nos livros, e nos ser enviada da maneira que o ela foi, nós a estimamos e estimávamos mais que cem mil dobras. E quando determinámos de a mandar a sua santidade, a prezávamos mais que duzentas mil». Contabilidades...
O
humanista, médico, matemático, cosmógrafo-mor do reino e examinador de
mestres e pilotos Pedro Nunes morre neste dia 11 de Agosto em 1578, com
76 anos de sabedoria mais do que terrena, celestial. Com a rainha D.
Catarina, mulher de D. João III, comentara apreensivo o horóscopo do
infausto D. Sebastião. O seu Tratado da Esfera (1537 e traduzido
ainda em vida em francês), fundamental para a náutica dos
Descobrimentos, foi a agulha astronómica de Camões nos Lusíadas, e
entre os seus discípulos distinguiram-se no Oriente, Martim Afonso de
Sousa e D. João de Castro. Disse: «Não há dúvida que as navegações deste
reino de cem anos a esta parte são as maiores, as mais maravilhosas, de
mais altas e mais discretas conjecturas que as de nenhuma outra gente
do mundo. Os portugueses ousaram cometer o grande mar Oceano. Entraram
por ele sem nenhum receio. Descobriram novas ilhas, novas terras, novos
mares, novos povos, e o que mais é: novo céu, novas estrelas». E dirá
ainda: «Os descobrimentos de certas ilhas, terras firmes não se fizeram a
acertar: partiam os nossos mareantes muito ensinados e providos de
instrumentos e regras de Astrologia e Geometria». A Europa saía da suas
limitações terrestres, sobretudo liderada pela Renascença italiana e
pela navegação conduzida pelas coroas ibéricas. Revelador da irradiação
cultural de alguns dos portugueses de então, está o facto de Pedro Nunes
ter sido amigo do matemático, astrólogo e conselheiro náutico inglês
John Dee (1527-1608), autor da famosa obra esotérica-mistagógica Monada Hieroglifica, e que possuía alguns dos seus
livros, com os quais ajudou a formação dos mareantes ingleses.
O sufi Mian Mir, dervishe de vida simples e frugal, mestre espiritual do imperador mogol Shah Jahan, o construtor do Taj Mahal, e de seu filho o malogrado e querido Dara Shikoh (na imagem, com Mian Mir), nascido em 1550, retorna ao mundo espiritual neste dia em 1635. Quando lhe ofereciam dinheiro dizia: «Não preciso, não sou um mendigo. Dêem aos pobres. Eu sou rico. Deus toma conta das minhas necessidades. A minha confiança em Deus ir-se-ia, se pedisse a alguém que no fundo é um mendigo». A descrição que Dara Shikoh conta da iniciação tida com ele em sonho é exemplar, perene, actualizável: «Sentado ele deu-me a mão e pediu-me para me aproximar. Despiu o meu peito e fez o mesmo ao seu e encostou-me ao seu coração. Disse então: — Toma este tesouro. Uma grande luz divina deslocou-se para o meu ser, entrando no meu coração. Senti-me cheio e feliz, mas não a pude conter mais, pois o meu peito estava quase a rebentar. A minha respiração estava iluminada, feliz, beatífica». Saibamos nós aprofundar e elevar-nos nos encontros luminosos que por vezes nos surgem, sobretudo se aspirarmos a eles…
12-VIII. O historiador João de Barros deixa neste dia o seu cargo de feitor da Casa da Índia em 1567, ao fim de 34 anos de labor, mais por serviço do que para enriquecimento, e que desde 1539, altura em que organizara uma expedição ao Brasil de dez navios que naufragaram no Maranhão, serviu apenas para tentar diminuir as dívidas. Em 1531, antes da instituição da Inquisição ser fundada, publicara uma arrojada obra de filosofia moral, a Ropica Pnefma, que virá a ser condenada pelo Índice ou rol dos livros proibidos, onde faz dialogar quatro entidades: «A Vontade e o Entendimento, que são as principais partes da alma, deixando a Razão, sua superior, ajuntaram-se com o Tempo e fizeram-se mercadores de espirituais mercadorias, que são os vícios que estas duas potências aceitam e compram quando desobedecem à Razão. E com que compram estas tais mercadorias? Com os talentos e moeda do Evangelho, que são as graças e dotes que Deus a cada um dá, para com eles multiplicar e merecer e, quando lhe pedir conta, darem multiplicação como bons e fiéis servos. E o que for negligente, escondendo o talento da sua possibilidade, ou dele fizer mau emprego, será lançado no fogo eterno. Assim que, tomado desta espiritual parábola todo o fundamento, vão as três pessoas que disse seu caminho enquanto dura a vida e, à hora da morte (que é a ponte por onde todos os mortais passam do reino deste mundo para o outro), acham a Razão, que é o synderesis morsu (faculdade de julgar) da consciência, pelo juízo da qual são, nesta vida, julgadas todas as mercadorias e empregos que cada um nela fez». O pendor humanista e erasmiano de João de Barros perpassa também pelas páginas mais oficiais ou históricas das Décadas, tal quando defende que deviam estabelecer-se contactos amistosos com a gente pagã dos gentios, referindo que os hindus se consideravam «amigos do povo cristão, por todos virem de uma geração e serem muito conformes em alguns costumes e no modo dos seus templos».
Neste dia de 12 de Agosto, mas de 1602, morre o historiador persa Abu al-Fażl “ʿAllāmī”. Chegara à corte mogol na Índia de Akbar em 1574 e bem cedo se destacara pela sua inteligência, sabedoria e universalismo, sendo o principal conselheiro de Akbar na sua demanda de uma religião espiritual supra-religiões, assente na Sūlh-i-kul, a paz universal e numa síntese dos melhores ensinamentos de todas, e a contribuição filosófico-espiritual de Abu al-Fazl estava muito assente nos ensinamentos de Suhrawardī. Veio a chamar-se Lin-Ilahi, mas poucos foram os chamados, e alguns não apreciavam uma certa adoração de Akbar, visto como um Madhi ou Messias. Foi morto numa emboscada criminosa por ordem de Salim, o filho de Akbar, que se tornaria mais tarde o imperador Jahangir. A sua História do reinado de Akbar, Akbar-nāmah, e as suas cartas são de grande valor.
O sufi Mian Mir, dervishe de vida simples e frugal, mestre espiritual do imperador mogol Shah Jahan, o construtor do Taj Mahal, e de seu filho o malogrado e querido Dara Shikoh (na imagem, com Mian Mir), nascido em 1550, retorna ao mundo espiritual neste dia em 1635. Quando lhe ofereciam dinheiro dizia: «Não preciso, não sou um mendigo. Dêem aos pobres. Eu sou rico. Deus toma conta das minhas necessidades. A minha confiança em Deus ir-se-ia, se pedisse a alguém que no fundo é um mendigo». A descrição que Dara Shikoh conta da iniciação tida com ele em sonho é exemplar, perene, actualizável: «Sentado ele deu-me a mão e pediu-me para me aproximar. Despiu o meu peito e fez o mesmo ao seu e encostou-me ao seu coração. Disse então: — Toma este tesouro. Uma grande luz divina deslocou-se para o meu ser, entrando no meu coração. Senti-me cheio e feliz, mas não a pude conter mais, pois o meu peito estava quase a rebentar. A minha respiração estava iluminada, feliz, beatífica». Saibamos nós aprofundar e elevar-nos nos encontros luminosos que por vezes nos surgem, sobretudo se aspirarmos a eles…
12-VIII. O historiador João de Barros deixa neste dia o seu cargo de feitor da Casa da Índia em 1567, ao fim de 34 anos de labor, mais por serviço do que para enriquecimento, e que desde 1539, altura em que organizara uma expedição ao Brasil de dez navios que naufragaram no Maranhão, serviu apenas para tentar diminuir as dívidas. Em 1531, antes da instituição da Inquisição ser fundada, publicara uma arrojada obra de filosofia moral, a Ropica Pnefma, que virá a ser condenada pelo Índice ou rol dos livros proibidos, onde faz dialogar quatro entidades: «A Vontade e o Entendimento, que são as principais partes da alma, deixando a Razão, sua superior, ajuntaram-se com o Tempo e fizeram-se mercadores de espirituais mercadorias, que são os vícios que estas duas potências aceitam e compram quando desobedecem à Razão. E com que compram estas tais mercadorias? Com os talentos e moeda do Evangelho, que são as graças e dotes que Deus a cada um dá, para com eles multiplicar e merecer e, quando lhe pedir conta, darem multiplicação como bons e fiéis servos. E o que for negligente, escondendo o talento da sua possibilidade, ou dele fizer mau emprego, será lançado no fogo eterno. Assim que, tomado desta espiritual parábola todo o fundamento, vão as três pessoas que disse seu caminho enquanto dura a vida e, à hora da morte (que é a ponte por onde todos os mortais passam do reino deste mundo para o outro), acham a Razão, que é o synderesis morsu (faculdade de julgar) da consciência, pelo juízo da qual são, nesta vida, julgadas todas as mercadorias e empregos que cada um nela fez». O pendor humanista e erasmiano de João de Barros perpassa também pelas páginas mais oficiais ou históricas das Décadas, tal quando defende que deviam estabelecer-se contactos amistosos com a gente pagã dos gentios, referindo que os hindus se consideravam «amigos do povo cristão, por todos virem de uma geração e serem muito conformes em alguns costumes e no modo dos seus templos».
Neste dia de 12 de Agosto, mas de 1602, morre o historiador persa Abu al-Fażl “ʿAllāmī”. Chegara à corte mogol na Índia de Akbar em 1574 e bem cedo se destacara pela sua inteligência, sabedoria e universalismo, sendo o principal conselheiro de Akbar na sua demanda de uma religião espiritual supra-religiões, assente na Sūlh-i-kul, a paz universal e numa síntese dos melhores ensinamentos de todas, e a contribuição filosófico-espiritual de Abu al-Fazl estava muito assente nos ensinamentos de Suhrawardī. Veio a chamar-se Lin-Ilahi, mas poucos foram os chamados, e alguns não apreciavam uma certa adoração de Akbar, visto como um Madhi ou Messias. Foi morto numa emboscada criminosa por ordem de Salim, o filho de Akbar, que se tornaria mais tarde o imperador Jahangir. A sua História do reinado de Akbar, Akbar-nāmah, e as suas cartas são de grande valor.
O notável bibliotecário, por mais de trinta anos director da Biblioteca Nacional de Goa, Octaviano Guilherme Ferreira nasce neste dia, de 1870, em Aldoná, Bardez. Foi também professor liceal, membro de algumas academias e agente consular da França, recebendo a mais alta condecoração francesa, Chevalier de la Légion de Honneur. Na sua 1ª obra, de 1905, intitulada Horas Vagas. Bibliotecas, traça uma panorama geral da evolução cultural das sociedades e em particular das bibliotecas, detendo-se mais detalhadamente na de Goa. Admirando-se com o desenvolvimento científico mostrará uma certa afinidade pitagórica e renascentista ao escrever: «Tudo se analisa e se interroga, tudo disseca, tudo se discute, desde os astros d'oiro que rolam no éter ao ritmo suave do cântico das esferas até aos micróbios patogénicas que no interior dos organismos prosseguem a sua implacável destruição; desde a gravitação dos mundos aos movimentos moleculares; desde a vida, o pensamento, a consciência aos altos problemas da origem e finalidade humana. - A exploração do cosmos sob todos os pontos de vista é ardentemente empreendida; com o telescópio desvendam-se os mistérios dos infinitamente grandes e com o microscópio os dos infinitamente pequenos. - A retorta ilumina a constituição dos corpos e o bisturi patenteia a estrutura e a composição dos organismos.// A ciência, a deusa dos castos sorrisos, refugiada no seu Olimpo misterioso e inacessível, exerce uma atracção poderosa e indefinida.» E bem sensível à equidade humana, dirá já nesse ano de 1905: «Hoje, o proletário intelectual é tão enorme e tão miserável como o proletariado dos operários; as angústias dilacerantes tão bem as esconde a blusa do trabalhador como fraque do jornalista. A crise, a indecisão que tão nitidamente caracterizam a época moderna, como um período de transição, reflectem-se mais ou menos vivamente na literatura. Funda-se uma escola, preconiza-se um ideal, que por anos e anos traduzem o gosto artístico e dominam o espírito das multidões; com o caminhar da civilização, a alma humana sente novas necessidades, fulgem-lhe novas aspirações, antevê novos horizontes de arte e um revolucionário destrói uma escola e funda outra que no decurso dos anos há-de ter igual sorte. Romântico, realistas, decadentes, psicologistas e outros lutam na mesma arena, lutam pelo mesmo escopo e nenhuns conseguiram ainda fixar a fórmula definitiva, o Ideal Supremo do Belo. E no meio destes batalhadores, Zola prega no Fecondité a sua nova doutrina tentando opor um dique à dissolução dos costumes, para a qual ele mesmo concorreu com a prodigiosa sugestão afrodisíaca dos seus livros realistas, e no branco púlpito das neves polares desenha-se o vulto profético e misterioso de Tolstoi pregando com calor as suas novas teorias.» Criticou ainda uma sociedade que gera tantos seres que não têm tempo nem dinheiro para a cultura pois «para eles o horizonte é limitado, o universo tem acanhados âmbitos; não entrevêem os espaços luminosos que são a conquista do cérebro humano, não enxergam, embora confusamente, porque a universalidade de vistas e dom de raros eleitos, o imenso domínio intelectual que o homem alcançou, não desfrutam com uma tal contemplação, os puros, os transcendentes, os subtis gozos do espírito que nobilitam e elevam acima das pequeninas misérias do mundo e que excedem sem medida todos os prazeres que nos são dados.»
13-VIII. Por carta régia de 1846 é fixada aos descendentes de Vitogi Sinai Dhumo a pensão mensal de 20 xerafins «atendendo aos extraordinários e relevantes serviços prestados por seu ascendente ao Estado na Índia, já com empréstimos consideráveis e gratuitos, feitos em diversas épocas de guerra, já com socorros aos Povos em anos de fome», encontrando-se agora pobres. O marquês de Alorna elogiou-o: «é dos mais agudos e astutos entre todos», e sabia adquirir notícias certas dos gabinetes dos régulos vizinhos. Houve bastantes agentes diplomáticos indianos ao serviço de Portugal, tanto hindus, como muçulmanos, ou parsis, e o notável historiador Panduranga Pissurlencar (1894-1969) fez luz sobre muitos deles.
14-VIII. Morre o rei D. João I em 1433, já com 76 anos e 48 como rei e o seu corpo é deposto em frente ao altar de S. Vicente. D. Duarte recusa adiar para a tarde a proclamação, como pedia mestre Guedelha, astrólogo, porque não lhe minguava a esperança de firmeza em Deus que tinha. D. Duarte elogiará assim os seus pais, D. João I e Dona Filipa de Lencastre, no Leal Conselheiro: «Não me partiram de seu amor, porque assim desejo de lhes fazer serviço e prazer como se vivos fossem, e receio aquelas coisas, que vivendo sabia bem que não haviam por bem... E alegrando-me fazer as que penso que lhes prazem». E narra como seu pai dado à didáctica simbólica «fez bordar um camelo, por ser besta de maior carga, com quatro sacos em que eram postos, sobre cada um, estas letras: no primeiro, Temor de mal reger; segundo, Justiça com amor e temperança; terceiro, Contentar corações desvairados; quarto, Acabar grandes feitos com pouca riqueza». Foi com D. João I que se iniciou a expansão Portuguesa a sul do Algarve: Ceuta, em 1415.
A nomeação de Mukarrab Khan, partidário dos ingleses, para governador do Surate, em 1615, enfraquece o tratado assinado pouco antes pelos portugueses e mogóis: «porquanto se tem entendido que os Ingleses e Holandeses com capa de mercadores vêm a estas partes para nelas fazerem assento e conquistarem terras em que se estendam; por viverem na Europa apertados, e pobres, e sua vizinhança na Índia seria de muito dano a todos», é-lhes recusado o comércio pelo imperador Jahanguir e o vice-rei...
Jaime Cortesão, um dos fundadores do movimento portuense da Renascença Portuguesa e da revista Águia, democrata, participante na I Grande Guerra, autor duma vasta e original obra sobre os Descobrimentos e sobre a Cultura, com uns raros 96 anos de lutador cívico e amante da sabedoria, deixa o plano físico neste dia em 1960. Relembra-nos: «A epopeia de Camões não foi um epitáfio, mas um testamento. Longe de esconder uma sentença de morte, afirma a própria essência da vida nacional». Também Jaime Cortesão legará o seu testamento nas Cartas aos Novos onde realçará tanto a plasticidade da riqueza amorosa do português, no seu dom de simpatia e comunicação cordial, como denunciará a inveja e a maledicência como vícios marcadamente portugueses.
15-VIII. Nasce em Lisboa Fernando de Bulhões, mais conhecido por S. António de Pádua, onde veio a morrer em 1195. Franciscano, ainda companheiro de S. Francisco de Assis, asceta, simbolista e pregador, será metamorfoseado em casamenteiro, descobridor de coisas perdidas, e militar protector, com direito a soldo. Na imagem, na igreja de S. Eufémia, em Penela. Jaime Cortesão descreve-o com originalidade nos princípios do século XX ainda como «o bom e humilde servo de Deus e dos homens. A alma do povo santificado por si próprio. O deus lar de todos os lares».
É fundada a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em 1498 pela rainha D. Leonor (algo inspirada por Frei Miguel Contreiras), e que nos últimos anos de vida usava uma bengala de cana da Índia, país onde também existiam já há muito as Misericórdias, e até para animais, aos cuidados dos piedosos monges e devotos Jainas. As obras de assistência espalhar-se-ão por todo o mundo, revelando bem o amor fraterno que ardia em muitos dos corações dos navegantes e missionários de então.
Fernão Peres de Andrade chega a Cantão na China em 1517 e é bem recebido. Em seguida envia o embaixador e farmacêutico Tomé Pires para Pequim, donde voltará detido para Cantão, e onde será depois morto. Embora desde 1513, com Jorge Álvares, as relações com os chineses fossem amistosas, a partir da acção guerreira do outro irmão Andrade, Simão, em 1519, as relações esfriaram e é provável que a tal evento se deva a morte de Tomé Pires. Jerónimo Osório, que sentiu grande simpatia pela sabedoria e governação justa dos chineses, comentou-o assim: «o que assentou a prudência de um, o derrubou a temeridade e desatino do outro».
O arquitecto João Castilho, construtor de templos e simbologias em Tomar (o maravilhoso portal da igreja que envolve a antiga charola templária no convento de Cristo), Vila do Conde, Guimarães, Batalha, Mazagão e nos Jerónimos, parte para o Templo da Eternidade, em 1518, e deixa o seu corpo no de Montemor.
S. Francisco Xavier desembarca em 1549 com os jesuítas Cosme de Torres e João Fernández, Yajiro (Paulo de Santa Fé) e dois outros japoneses em Kagoshina, e inicia-se o encontro entre o Ocidente (do Cristianismo) e o Japão. Em 1552 consegue uma licença do dáimio de Yamaguchi «para construírem um mosteiro e casa a fim de espalharem a lei de Buda», que se enche rapidamente de visitantes e dialogantes, pois a tradição japonesa religiosa, embora estivesse então numa época menor, tinha uma longa continuidade de escolas filosófico-religiosas, a partir do shintoísmo e do budismo.
D. Gaspar de Leão, arcebispo de Goa, desprende-se do corpo em 1576 e no seu valioso tratado místico Desengano dos Perdidos impresso em Goa e portanto raríssimo, embora reimpresso nos anos 60 pelo ilustre conhecedor e especialista do Humanismo Eugenio Asensio, explica «ora todos navegamos e caminhamos, queiramos, quer não queiramos para a morte. É logo necessário saber, e examinar, que mercadorias passam no reino da Morte, para carregarmos das que lá valem e não das outras... Só a mercância do Céu passa. Só o amor de Deus passa de Reino a Reino».
Sri Aurobindo nasce em Calcuta neste dia em 1872. Revolucionário pela independência da Índia, preso, iluminado, yogi, mestre e filósofo notável, a partir do seu ashram de Pondichery, deixou uma obra gigantesca de livros e de impulsos para uma nova humanidade. «As forças universais movimentam-se pela sua própria força e consciência dentro delas — mas há também o Espírito Cósmico que as suporta e determina pelo seu olhar geral e vontade de dispor o jogo delas — apesar da acção directa ser deixada às forças. É o jogo da Matéria universal, com o Espírito universal observando por detrás dela». Auroville será, a uns quilómetros do ashram de Pondichery, uma comunidade e uma cidade futurista eco-espiritual nascida do seu sonho, e da sua companheira a Mãe, de uma Humanidade mais integral.
A Índia torna-se por fim independente da dominação inglesa neste dia em 1947, depois de ter participado ao lado dos aliados nas duas grandes guerras e provado a sua determinação de libertar-se duma tutela prejudicial. Os manes dos grandes lutadores e mestres sorriem. Tornado o Dia da República, é anualmente festejado com a proverbial grandeza e fausto oriental.
16-VIII. O mestre Ramakrishna, corpo enfraquecido pelo cancro na garganta, entra em meditação com os discípulos em 1886 e passa ao estado de samadhi (absorção interior) rapidamente. Como por vezes ficava até dois dias neste estado, os discípulos vão cantando os nomes de Deus em voz alta a noite toda, e só de manhã é que desconfiam que o mestre se libertou do corpo e entrou no mahasamadhi, a grande unificação. Ainda se massaja a coluna com óleo, porém o Dr. Sarkar confirma a morte. A sua mulher, a Santa Mãe, triste, preparando-se para tirar as manilhas ou braceletes e vestir só um sari branco, como faziam as viúvas, vê clarividentemente surgir Sri Ramakrishna, e proibi-la de fazer isso, comunicando-lhe: «Julgas que eu fui para outro lado? Passei apenas dum quarto para outro». O corpo é cremado. Os discípulos velam de noite as cinzas e, a dado momento, Vivekananda, que se tornará o líder da Ordem monástica de Ramakrishna, exclama: «Ei! Os nossos corpos são os santuários vivos do Mestre. Vamos todos santificar-nos tomando um pouco das relíquias do seu corpo santo». E cada um engole um pouco, cantando: «Glória a Ramakrishna». Ainda hoje a casa e o jardim de Cassipore em Calcutá são locais carregados de energias especiais, alimentadas pela devoção, e onde se fazem as iniciações, e Bellur Math, onde se encontra o resto das cinzas, a sede da Ordem, é um local muito venerado de peregrinação, mesmo nas margens da ampla e luminosa, Ganga Ma, a Mãe Ganges.
13-VIII. Por carta régia de 1846 é fixada aos descendentes de Vitogi Sinai Dhumo a pensão mensal de 20 xerafins «atendendo aos extraordinários e relevantes serviços prestados por seu ascendente ao Estado na Índia, já com empréstimos consideráveis e gratuitos, feitos em diversas épocas de guerra, já com socorros aos Povos em anos de fome», encontrando-se agora pobres. O marquês de Alorna elogiou-o: «é dos mais agudos e astutos entre todos», e sabia adquirir notícias certas dos gabinetes dos régulos vizinhos. Houve bastantes agentes diplomáticos indianos ao serviço de Portugal, tanto hindus, como muçulmanos, ou parsis, e o notável historiador Panduranga Pissurlencar (1894-1969) fez luz sobre muitos deles.
14-VIII. Morre o rei D. João I em 1433, já com 76 anos e 48 como rei e o seu corpo é deposto em frente ao altar de S. Vicente. D. Duarte recusa adiar para a tarde a proclamação, como pedia mestre Guedelha, astrólogo, porque não lhe minguava a esperança de firmeza em Deus que tinha. D. Duarte elogiará assim os seus pais, D. João I e Dona Filipa de Lencastre, no Leal Conselheiro: «Não me partiram de seu amor, porque assim desejo de lhes fazer serviço e prazer como se vivos fossem, e receio aquelas coisas, que vivendo sabia bem que não haviam por bem... E alegrando-me fazer as que penso que lhes prazem». E narra como seu pai dado à didáctica simbólica «fez bordar um camelo, por ser besta de maior carga, com quatro sacos em que eram postos, sobre cada um, estas letras: no primeiro, Temor de mal reger; segundo, Justiça com amor e temperança; terceiro, Contentar corações desvairados; quarto, Acabar grandes feitos com pouca riqueza». Foi com D. João I que se iniciou a expansão Portuguesa a sul do Algarve: Ceuta, em 1415.
A nomeação de Mukarrab Khan, partidário dos ingleses, para governador do Surate, em 1615, enfraquece o tratado assinado pouco antes pelos portugueses e mogóis: «porquanto se tem entendido que os Ingleses e Holandeses com capa de mercadores vêm a estas partes para nelas fazerem assento e conquistarem terras em que se estendam; por viverem na Europa apertados, e pobres, e sua vizinhança na Índia seria de muito dano a todos», é-lhes recusado o comércio pelo imperador Jahanguir e o vice-rei...
Jaime Cortesão, um dos fundadores do movimento portuense da Renascença Portuguesa e da revista Águia, democrata, participante na I Grande Guerra, autor duma vasta e original obra sobre os Descobrimentos e sobre a Cultura, com uns raros 96 anos de lutador cívico e amante da sabedoria, deixa o plano físico neste dia em 1960. Relembra-nos: «A epopeia de Camões não foi um epitáfio, mas um testamento. Longe de esconder uma sentença de morte, afirma a própria essência da vida nacional». Também Jaime Cortesão legará o seu testamento nas Cartas aos Novos onde realçará tanto a plasticidade da riqueza amorosa do português, no seu dom de simpatia e comunicação cordial, como denunciará a inveja e a maledicência como vícios marcadamente portugueses.
15-VIII. Nasce em Lisboa Fernando de Bulhões, mais conhecido por S. António de Pádua, onde veio a morrer em 1195. Franciscano, ainda companheiro de S. Francisco de Assis, asceta, simbolista e pregador, será metamorfoseado em casamenteiro, descobridor de coisas perdidas, e militar protector, com direito a soldo. Na imagem, na igreja de S. Eufémia, em Penela. Jaime Cortesão descreve-o com originalidade nos princípios do século XX ainda como «o bom e humilde servo de Deus e dos homens. A alma do povo santificado por si próprio. O deus lar de todos os lares».
É fundada a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em 1498 pela rainha D. Leonor (algo inspirada por Frei Miguel Contreiras), e que nos últimos anos de vida usava uma bengala de cana da Índia, país onde também existiam já há muito as Misericórdias, e até para animais, aos cuidados dos piedosos monges e devotos Jainas. As obras de assistência espalhar-se-ão por todo o mundo, revelando bem o amor fraterno que ardia em muitos dos corações dos navegantes e missionários de então.
Fernão Peres de Andrade chega a Cantão na China em 1517 e é bem recebido. Em seguida envia o embaixador e farmacêutico Tomé Pires para Pequim, donde voltará detido para Cantão, e onde será depois morto. Embora desde 1513, com Jorge Álvares, as relações com os chineses fossem amistosas, a partir da acção guerreira do outro irmão Andrade, Simão, em 1519, as relações esfriaram e é provável que a tal evento se deva a morte de Tomé Pires. Jerónimo Osório, que sentiu grande simpatia pela sabedoria e governação justa dos chineses, comentou-o assim: «o que assentou a prudência de um, o derrubou a temeridade e desatino do outro».
O arquitecto João Castilho, construtor de templos e simbologias em Tomar (o maravilhoso portal da igreja que envolve a antiga charola templária no convento de Cristo), Vila do Conde, Guimarães, Batalha, Mazagão e nos Jerónimos, parte para o Templo da Eternidade, em 1518, e deixa o seu corpo no de Montemor.
João Castilho, no claustro dos Jerónimos |
D. Gaspar de Leão, arcebispo de Goa, desprende-se do corpo em 1576 e no seu valioso tratado místico Desengano dos Perdidos impresso em Goa e portanto raríssimo, embora reimpresso nos anos 60 pelo ilustre conhecedor e especialista do Humanismo Eugenio Asensio, explica «ora todos navegamos e caminhamos, queiramos, quer não queiramos para a morte. É logo necessário saber, e examinar, que mercadorias passam no reino da Morte, para carregarmos das que lá valem e não das outras... Só a mercância do Céu passa. Só o amor de Deus passa de Reino a Reino».
Sri Aurobindo nasce em Calcuta neste dia em 1872. Revolucionário pela independência da Índia, preso, iluminado, yogi, mestre e filósofo notável, a partir do seu ashram de Pondichery, deixou uma obra gigantesca de livros e de impulsos para uma nova humanidade. «As forças universais movimentam-se pela sua própria força e consciência dentro delas — mas há também o Espírito Cósmico que as suporta e determina pelo seu olhar geral e vontade de dispor o jogo delas — apesar da acção directa ser deixada às forças. É o jogo da Matéria universal, com o Espírito universal observando por detrás dela». Auroville será, a uns quilómetros do ashram de Pondichery, uma comunidade e uma cidade futurista eco-espiritual nascida do seu sonho, e da sua companheira a Mãe, de uma Humanidade mais integral.
A Índia torna-se por fim independente da dominação inglesa neste dia em 1947, depois de ter participado ao lado dos aliados nas duas grandes guerras e provado a sua determinação de libertar-se duma tutela prejudicial. Os manes dos grandes lutadores e mestres sorriem. Tornado o Dia da República, é anualmente festejado com a proverbial grandeza e fausto oriental.
16-VIII. O mestre Ramakrishna, corpo enfraquecido pelo cancro na garganta, entra em meditação com os discípulos em 1886 e passa ao estado de samadhi (absorção interior) rapidamente. Como por vezes ficava até dois dias neste estado, os discípulos vão cantando os nomes de Deus em voz alta a noite toda, e só de manhã é que desconfiam que o mestre se libertou do corpo e entrou no mahasamadhi, a grande unificação. Ainda se massaja a coluna com óleo, porém o Dr. Sarkar confirma a morte. A sua mulher, a Santa Mãe, triste, preparando-se para tirar as manilhas ou braceletes e vestir só um sari branco, como faziam as viúvas, vê clarividentemente surgir Sri Ramakrishna, e proibi-la de fazer isso, comunicando-lhe: «Julgas que eu fui para outro lado? Passei apenas dum quarto para outro». O corpo é cremado. Os discípulos velam de noite as cinzas e, a dado momento, Vivekananda, que se tornará o líder da Ordem monástica de Ramakrishna, exclama: «Ei! Os nossos corpos são os santuários vivos do Mestre. Vamos todos santificar-nos tomando um pouco das relíquias do seu corpo santo». E cada um engole um pouco, cantando: «Glória a Ramakrishna». Ainda hoje a casa e o jardim de Cassipore em Calcutá são locais carregados de energias especiais, alimentadas pela devoção, e onde se fazem as iniciações, e Bellur Math, onde se encontra o resto das cinzas, a sede da Ordem, é um local muito venerado de peregrinação, mesmo nas margens da ampla e luminosa, Ganga Ma, a Mãe Ganges.
17-VIII. Por estes dias, em 1561, na viagem para a Índia, relata o P. Arboleda, caiu tão grande tempestade que tudo era cinzento, no meio dos tombos, enjoos, doenças e temor. Mas, de repente, alguém reagiu: «O irmão Vieira é que depois de ter feito muitas vezes o Agnus Dei no mar, tomou à pressa a cruz, e levando-a descoberta da parte que tinha o crucifixo pintado, foi sem falar, e pôs-se com a cruz no chapitéu, lugar mais alto de toda a nau e se esteve ali» até a tempestade amainar, a gente animar e depois se alegrar. A muitas das sombras das travessias marítimas, responderam clarões de heroicidade.
Valério Aleixo Cordeiro nasce em Bardez em 1877. Formado em Química, Filosofia e Teologia foi jesuíta, mas desligou-se em 1917 para se dedicar à reflexão, às conferências e à escrita, deixando uma vasta bibliografia histórica e religiosa, inclusive sobre os exercícios espirituais de S. Inácio, retiro com práticas religiosas que, tanto nas viagens para a Índia, como vice-reis lá, para além de milhares de outros seres, têm feito.
Valério Aleixo Cordeiro nasce em Bardez em 1877. Formado em Química, Filosofia e Teologia foi jesuíta, mas desligou-se em 1917 para se dedicar à reflexão, às conferências e à escrita, deixando uma vasta bibliografia histórica e religiosa, inclusive sobre os exercícios espirituais de S. Inácio, retiro com práticas religiosas que, tanto nas viagens para a Índia, como vice-reis lá, para além de milhares de outros seres, têm feito.
18-VIII. Frei António de Gouveia, que andou em missões de evangelização na Índia e de diplomacia na Pérsia (duas vezes) na corte do Châh Abbas, morre em 1628. Deixou a Jornada do Arcebispo de Goa Dom Frei Aleixo de Meneses, aos cristãos de S. Tomé, e uma Relação das guerras do Châh, onde narra a missa celebrada em 1604 pelos dois padres da embaixada portuguesa de Luís Pereira Lacerda sobre lendária pedra de sacrifício de Noé, em Etchmiadzine, na Arménia. As embaixadas ao Châh da Pérsia aconteciam desde o tempo de Afonso de Albuquerque, que enviara duas em 1510 e 1513, por causa do reino de Ormuz, que antes era vassalo da Pérsia e para se fazer uma aliança de guerra contra os turcos. Seguiram então, escreve Afonso de Albuquerque ao Châh, o cavaleiro Rui Gomes e o frei João «letrado em nossa lei e para falar convosco e ver as gentes de vossa terra e saber a diferença que há aí entre os cristãos dela e os dos reinos d’el-rei Nosso Senhor, e assim falar convosco algumas coisas da minha parte; o outro mensageiro é cavaleiro, criado d’el-rei Nosso Senhor, homem ensinado na guerra e criado nas armas do nosso costume, o qual creio que vos dará boa razão de todas as coisas da guerra da nossa usança, das armas e cavalos dos reinos de el-rei Nosso Senhor», mas será só em 1602 que se instala uma missão de padres portugueses agostinhos em Isfahan, que divide o seu tempo pelo apostolado dos arménios e de alguns persas e os receios do ataque a Ormuz, desejado fortemente pelo Châh e que virá a acontecer em 1622. Frades nacionalistas, deles se queixará o embaixador Figueroa no seu regresso a Espanha em 1624: «os portugueses têm tanta aversão pela Monarquia espanhola que não querem que se lhes chame espanhóis, ou que os tenham como tal». Mas em 1696 chegará à corte persa com grande pompa o embaixador português Pereira Fidalgo e será muito bem recebido.
Carta do vice-rei, neste dia, em 1749, nomeando procurador da nação portuguesa na costa do Coromandel a D. António de Noronha, então governador de Meliapor junto a Madrasta. D. António recebera a aldeia e a fortaleza onde estavam as relíquias de S. Tomé do príncipe mogol Mohamed Ali e ofereceu-as então ao rei de Portugal, mas os ingleses, senhores de Madrasta, recearão o gesto, sobretudo quando D. António a guarnece melhor, pois a popularidade portuguesa na zona era maior que a deles. Recentemente a Fundação do Oriente, graças às notáveis investigações de Carmen M. Radulet, publicou algumas das obras desse grande ser dos Descobrimentos no séc. XVIII.
19-VIII. D. Melchior Carneiro morre em Macau em 1583, depois de 23 anos de intensas tentativas de conversão de judeus, nestorianos e fiéis de religiões orientais. Como fora um dos introdutores da famigerada Inquisição, fugiu de Cochim, onde havia muitos judeus descontentes, para Goa, e depois de Malaca por causa da asma, até por fim estabilizar em Macau, onde foi o primeiro bispo da diocese criada em 1575 e que abrangia China, Japão, Mongólia, Manchúria e Tibete. Institui a Santa Casa da Misericórdia e o Hospital de S. Rafael. Foi um dos fundadores do Leal Senado. Quando estivera em Roma, chegara a ser confessor de S. Inácio de Loiola. Suceder-lhe-á como bispo de Macau, China e Japão, D. Leonardo de Sá, da Ordem de Cristo, que terá uma actuação virtuosa e fecunda.
Frei Heitor Pinto, um dos mais cultos dos moralistas e simbolistas de quinhentos, regressa aos planos subtis neste dia em 1584, embora segundo outra fonte seria a 2 de Dezembro como vemos na imagem. Ainda teve a coragem de citar Erasmo nas suas obras quando este já era vítima da intolerância. Natural da Serra da Estrela, não se esqueceu de louvar a de Sintra, «alta montanha, baliza de mareantes». Atento à gnose ou sabedoria perene, citando desde Pitágoras, Sócrates e Plutarco até Nigidio Figulo, Marsilio Ficino e Agostino Steuco, partilha-a constantemente nas Imagens da Vida Cristã: «Sentença foi dos filósofos orientais, como refere Patrício Senês nos seus livros da República, que os que igualmente desprezam o prazer e o pesar, a vida e a morte, não podiam ser servos. E, porque os que isto tinham eram justos e sábios, diziam que os tais sempre eram livres e isentos, e, pelo contrário os maus e ignorantes eram cativos e escravos. Isto ensinou Sócrates, de quem o tomou Cícero nos Paradoxos, e todos os que seguiram a doutrina platónica, assim antigos como modernos, os quais todos nisto concertam que os sábios e virtuosos não hão-de desmaiar nos trabalhos e afrontas, mas com um sofrimento aceiro e incansável hão-de ir avante pelo caminho da virtude, fundados na firme constância, folgando mais com as tribulações que com as falsas alegrias, porque as tribulações são conservadoras da virtude, e vasos de lembrança de quem somos, e as falsas alegrias são excitamentos de vícios, e vasos de esquecimento, os quais bebidos nos fazem perder a memória de nós mesmos. Donde veio a afirmar o Petrarca, no proémio dos Remédios contra a Fortuna, que era mais difícil saber-se governar na bonança que na fortuna, e que mais o assombrava e maior medo lhe metia a prosperidade que a adversidade».
Termina em 1607 o segundo cerco da ilha de Moçambique com nova derrota dos holandeses perante os escassos portugueses comandados pelo governador D. Estêvão de Ataíde. Este, ao fundar cidades, fortalezas e feiras, foi um dos pioneiros da construção inicial de Moçambique, onde veio a morrer num dos colégios jesuítas, já fora do valimento da corte lisboeta.
20-VIII. Mestre Afonso, cirurgião-mor anota no seu Itinerário que a madre D. Mécia Pimenta de Jesus, na sua terceira viagem de peregrinação à Terra Santa a partir da Índia, em 1565, «que ia já chegada ao extremo, deu a alma ao seu criador que a chamava», despertando nos companheiros da cáfila de camelos, ora tristeza, ora cobiça... A narrativa das aventuras passadas nestas viagens por terra da Índia a Portugal, com frequência via Terra Santa, produziu algumas relações bem interessantes, tais como as do Padre Manuel Godinho, António Tenreiro, P. Sebastião Manrique, Frei Gaspar de S. Bernardino e Pedro Teixeira, além deste curioso itinerário do arguto e despachado sangrador mestre Afonso.
Nasce neste dia 20 em 1579, na vila de Moura, D. Afonso Mendes. Jesuíta, foi nomeado Patriarca da Etiópia e teve seis anos evangelização persistente, ainda que incapaz de ceder às especificidades da tradição abexim, conseguindo finalmente que o imperador determinasse a obediência a Roma, mas a reacção foi tão grande que sofreu três anos de perseguições e prisões, sendo por fim expulsos os jesuítas e ruíndo por completo a unificação religiosa com o cristianismo etíope. Regressado a Goa em Junho de 1634, veio a ser arcebispo de Goa e Primaz do Oriente, deixando-nos algumas cartas valiosas.
D. Jerónimo Osório, o mais célebre e publicado (no estrangeiro...) dos humanistas portugueses de quinhentos, latinista perfeito, moralista douto, polemista subtil, defensor dos judeus e dos mais desfavorecidos, liberta-se da vestimenta terrena em 1580. Na tentativa de obstar à ida a Alcácer Kibir lembrara a D. Sebastião que «não se pode chamar fortaleza a que não fôr acompanhada de bom conselho», e depois do desastre diz em carta: «Portugal está tal e qual os pecados públicos mereciam. Fiz o meu ofício com el-rei, que Deus tenha em sua glória, e assim o fizeram muitos; mas puderam mais lisonjeiros e homens mais desejosos de juntar dinheiro e juros, que conselhos prudentes e sãos». Nos seus livros De Vera Sapientiae e De Gloria, recentemente traduzidos, mostra que o protagonismo do homem não deve ser regido pela opinião, mas pela relação virtuosa e a visão beatífica de Deus, que constituem a norma da verdadeira glória. E no De Regis dará algumas visões do belo: «O que é a beleza senão a justa composição das partes aliadas ao ritmo?»
21-VIII. Festa do Addáu, na Índia: é o córte e benzimento das primeiras espigas do arroz e que será depois oferecido nas igrejas, templos ou casa dos senhores de todas as aldeias de Goa, iniciando-se em Taleigão. Foi um dos costumes pré-portugueses, cheios do colorido oriental, consagrado em forais quinhentistas e celebrado ao longo dos séculos.
Conquista de Ceuta, uma das colunas de Hércules, em 1415, ficando mais asseguradas para os portugueses as idas aos Campos Elísios ou paradisíacos que se adivinhavam por entre os fumos do Oriente e as legendas desfraldadas do Prestes João. Os três príncipes de Aviz serão iniciados como cavaleiros no dia seguinte, 22, na mesquita transformada em igreja. Depois de 600 anos de defesa e recuperação, a cristandade ibérica passava ao ataque. Assinada a paz entre Portugal e Castela em 1411, as energias guerreiras dos príncipes, nobres e guerreiros queriam acção. A expedição fora cuidadosamente preparada com espionagem das condições do porto onde desembarcaram as galés a remos e as caravelas. O país iniciava a sua azáfama de expansão ultramarina que, ao longo do tempo, exigirá milhares e milhares de vidas, mais das que soube criar e formar transmutadoras.
O P. Baltazar Dias, depois de 18 anos de apostolado em Goa e Malaca, sai desta Terra neste dia no colégio de S. Paulo em Goa em 1571. Presidiu à procissão de despedida da embaixada de Fernão Mendes Pinto ao Japão, em que iam oito padres e cinco meninos da doutrina, havendo então despedidas comoventes.
O historiador e jornalista goês Frederico Dinis de Ayala deixa a vestimenta terrena neste dia de 21 de Agosto, em 1923, contando 63 anos de idade. Foi colaborador, redactor e director de vários jornais e revistas na Índia e em Portugal, tendo sido amigo de Antero de Quental, Oliveira Martins, Teófilo Braga e Fernando Leal. Antero pergunta por ele numa das cartas a Fernando Leal e escreveu-lhe uma, a 15-III-1888, de Vila do Conde, muito profética, sensível e sabiamente: «Meu caro amigo. Acabo de ler o seu eloquente e interessantíssimo livro [Goa Antiga e Moderna, 1888]. É um triste história mas tinha de ser assim. Desde que não quisemos nem pudemos assimilar o elemento indígena na Índia, pela força das coisas, ele, que era a maioria, tinha de acabar por nos expulsar. (...) Fez bem em escrever aquele livro, e dou-lhe os meus parabéns pela maneira porque que fez. Um eco do velho lealismo, da velha nobreza patriótica soa ali e ainda me fez estremecer alguma fibra antiga. Mas agora não pense mais nisso. Dispa esse luto para não parecer entre os seus contemporâneos, que não compreendem já essa ordem de sentimentos, uma espécie de Epiménides indiano, e aplique as suas belas faculdades a coisa do futuro, e não de passado. Disponha do seu muito afeiçoado, Antero de Quental»
22-VIII. Natural do Alvito, o P. Manuel Martins sentiu-se chamado para a Índia e durante trinta e dois anos será um frade vegetariano entre yogis e brâmanes também vegetarianos, e com quem dialogava, vindo a morrer de febre mas em oração consciente com o seu Mestre Jesus, numa terra também de mestres, Tricherapali, em 1656.
O valeroso capitão de mar-e-guerra João Ferreira do Amaral, que nomeado governador de Macau começara finalmente a pôr a ordem em casa, é violentamente assassinado e decepado por um grupo de chineses em Agosto de 1849. As insidiosas exigências e lutas de alguns mandarins ao longo dos séculos com os portugueses, e as divisões e defeitos destes, perturbaram a amizade natural entre os dois povos e são sem dúvida estímulo centenário a um relacionamento melhor.
Ananda Coomaraswamy, um pioneiro da história e interpretação da arte indiana e oriental, nasce no Ceilão em 1877, de pai indiano e mãe inglesa. Será na Universidade de Boston que ele e a sua colecção estabilizarão. Conhecendo sânscrito e latim, pôde comparar as diversas tradições e criar uma obra mundialmente reconhecida, o seu volume de textos sobre Metafísica contendo textos de grande valor. Dirá: «A arte é uma declaração informada pela beleza ideal... A teoria do conhecimento indiana considera a fonte da verdade não como mera percepção, mas como um critério conhecido interiormente que simultaneamente dá forma ao conhecimento e é a causa do conhecimento».
Nasce em Nova Goa, Alberto Germano da Silva Correia, em 1888, e virá a ser médico e investigador distinto, escrevendo obras valiosas sobre antropologia, história, etnografia e medicina, não deixando esquecer muitas vidas e nomes dos que na Índia deram o seu sangue e o seu amor, ou o causaram, nomeadamente na História da Colonização Portuguesa na Índia, em 6 volumosos tomos.
23-VIII. Com o sim de D. Duarte, à «licença para passarmos em África, onde com os nossos criados e servidores, e com os cavaleiros das Ordens de Cristo e Aviz guerreando os infiéis, serviremos a Deus e a vós» (diz-nos o cronista Rui de Pina), em 1437 o infante D. Henrique assiste satisfeito à partida da sua expedição a Tânger, contra a vontade da maior parte da população e do rei. O infante D. Pedro considerou-a inútil e dispendiosa e o infante D. João dirá, numa posição pacifista ou irenista notável e pioneira: «Sei porém que a Santa Escritura por pregações e virtuosos exemplos os manda converter: e se por outra maneira Deus fôra servido, permitira e mandara que em seus erros e danada contumácia usáramos de força e ferro até serem convertidos à sua fé: e isto ainda não vi nem ouvi que se achasse em autêntica Escritura... Nem os milagres que nesta guerra às vezes parecem e porventura se fazem não os hei por certo testemunho de ser a vontade de Deus que a façamos, porque tais e maiores se fizeram e fazem em terra e sangue de cristãos contra cristãos: o que, por qualquer interpretação, não é serviço de Deus, e porém seu incompreensível juízo o permite assim». Uma explicação ainda hoje válida. O malogro será total, passando-se o próprio capelão de D. Henrique, Martim Vieira, para o lado adversário antes das lutas, e o infante D. Fernando (que queria ganhar a cavalaria em batalha), morrerá após o longo cativeiro, pois nunca se quis ceder Ceuta em troca da sua libertação, como os infantes D. Pedro e D. João e o povo queriam. As cortes de Leiria em 1438, pela pressão do arcebispo de Braga, apoiado no clero e na nobreza, determinam que não se pode entregar sem o papa concordar, e este confirmou a D. Duarte que era para a cristandade um mal muito maior a perca de Ceuta que o sacrifício duma pessoa, para além de existirem já igrejas consagradas que não se deviam abandonar. D. Henrique, que ficara algum tempo em Ceuta, passando depois para o Algarve, donde se dedicará depois a impulsionar a exploração sistemática da costa africana, rumo ao Preste João e às riquezas orientais, recebe
D. Duarte uns meses antes deste morrer e opõe-se à entrega de Ceuta. O simbolismo destes acontecimentos não foi visto por D. Sebastião...
O mestre Swami Ramdas, da linha da Bhakti Yoga, diz em Hadeyas em 1954, num diálogo ocorrido neste dia: «Deus é descrito com vários aspectos. Talvez ouvísseis falar dos Seus atributos segundo as escrituras da Índia: Shantam, Shukham, Sundaram. Shantam significa cheio de serenidade, Shukham é propício; Sundaram é belo. Se o verdes na beleza e pela beleza, sois atraídos para Ele, e reencontrá-lo-eis nas obras de arte, que são a beleza habitando na mente do artista. Belo, em verdade, é o divino que está em nós». Dirá ainda: «Os povos do Ocidente, como os do Oriente, flutuam à superfície das coisas e não pensam em mergulhar profundamente. Ora é a ignorância que está à superfície, enquanto que a sabedoria se encontra nas profundezas».
24-VIII. Arzila, no norte de África, rende-se, em poucos dias de luta violentíssima, a D. Afonso V e a mais de 20.000 homens de guerra, em 1471. Era a oportunidade para se resgatarem os ossos dependurados nas muralhas do Infante Santo, trocando-se-os pelos filhos e as mulheres do senhor de Arzila, Mulei Xeque, então em Fez, o que desanimou a cidade de Tânger, que se entregou, queimada e abandonada, realizando assim D. Afonso V a sua mais cara obsessão, e perturbando o poderio islâmico no norte de África.
Afonso de Albuquerque conquista Malaca após um mês de batalhas em 1511, passando a controlar o centro produtor da pimenta. Entre os seus companheiros, António de Aguiar distinguiu-se, pelo que Albuquerque escreve que ele «mereceu muita honra e mercê e foi digno de o fazer cavaleiro, pelo qual eu o fiz cavaleiro por minha mão e peço por mercê a sua Alteza que lhe confirme e haja confirmada a dita cavalaria... e que os juízes o cumpram e guardem inteiramente e lhe guardem suas honras e liberdades que a cavalaria tem». Albuquerque ergue uma fortaleza e feitoria e procura relações comerciais com os povos vizinhos abastecedores. Aos chineses que se tinham oferecido para combater ao seu lado, respondeu Albuquerque que não os queria ver feridos, antes desejava que assistissem à batalha e que só lhes pediria o empréstimo das barcas dos juncos, ao que eles anuiram satisfeitos.
Neste dia, em 1512 chega o primeiro junco indo-português, uma parceria do conselheiro e bendara indiano Nina Chatu e da coroa, ao reino de Pegu, e em 1514 os embaixadores do Pegu e do Sião (Birmânia e Tailândia) são recebidos por Albuquerque. Islamizada desde o século XV, Malaca é o centro nevrálgico do comércio de pimenta, então uma das especiarias mais procuradas, mas toda a zona é rica e complementariza-se pelo que os portugueses ver-se-ão enredados em lutas locais com frequência, para além da permanente com o Islão. Do domínio português de cento e cinquenta anos, resultarão uns milhares de descendentes e cristãos, sobretudo gente ligada ao mar que, sobrevivendo com dificuldade à passagem dos holandeses e ingleses e a outras formas de discriminação, vivem hoje modestamente no bairro português de Malaca com nomes portugueses, certa cultura e religião católica e ainda um tipo de crioulo português, mas tudo em vias de extinção.
Nasce em Nova Goa, em 1904, Lúcio de Miranda. Licenciou-se em Ciências Matemáticas em Coimbra e exerceu o professorado nos Açores, Lourenço Marques e por fim, desde 1938, em Goa. Publicou livros e artigos valiosos em jornais, nomeadamente em Ponta Delgada. Em 1936, na ilha de S. Miguel dá à luz Índia e Indianos, com sete valiosos capítulos: Singularidades do Espírito Hindu; Mahatma Gandhi, Tolstoi e Gandhi; Tagore, o poeta; Shantiniketan. Buda, Duas Figuras da Índia Portuguesa (Abade Faria e Manuel António de Sousa, o heróico rei do Barué.). Acerca de Tolstoi e Gandhi escreve: «Reconhecendo assim a divindade de Jesus, o Mahatma procurou colher nos ensinamentos do Novo Testamento as forças que lhe permitiriam libertar-se dos preconceitos do velho brahamanismo decrépito», mas deveria ter referido ainda os ensinamentos nativos dos Jainas, da ahimsa ou não-violência....
25-VIII. «Dia do glorioso S. Luís Rei de França, em 1560, domingo, fizeram os padres da companhia de Jesus cristãos aos chardós (casta guerreira) de Baty e de Goa a velha; o baptismo se fez na igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, achando-se o Vice-Rei D. Constantino Bragança presente, o Bispo D. Melchior, e o Provincial e muitos outros». Eram as grandes cerimónias dos baptismos cuja exterioridade alguns mais franciscanos, ou mais interiores, vieram a contestar, diminuindo-as.
D. António prior do Crato, filho do infante D. Luís e da bela judia Violante Gomes, neto de D. Manuel, rei de Portugal por uns dias, vários anos de luta patriótica, depois de derrotado pelo duque de Alba, foragido com a cabeça a prémio no seu próprio reino, vai lutando contra os espanhóis e com alguma ajuda dos ingleses e franceses, mas é sempre derrotado e morre em 1595 com 64 anos, jazendo a sepultura na igreja de S. Francisco, Paris.
Na Índia, as províncias das Novas Conquistas, Bicholim, Sanquelim e Satari, acabadas de serem retomadas pelos portugueses em 1781, recebem garantias de poderem manter a sua religiosidade e costumes, uma medida que deveria ter sido mais seguida desde o princípio.
26-VIII. Frei Mauro do mosteiro de S. Catarina do monte de Sinai, enviado pelo sultão do Cairo a Roma, chega a Lisboa em 1504 e entrega a carta do papa Júlio II para o rei D. Manuel, com as ameaças que o sultão do Egipto fez de destruir os lugares santos de Jerusalém, se não interviesse para impedir o progresso das conquistas portuguesas no Oriente. D. Manuel, satisfeito pelo temor turco, sossega o frade, a quem dá boas esmolas para o convento, e sugere ao papa que os reis cristãos europeus devem atacar o sultão para libertar os Lugares Santos («para que todos movessem as asas da sua potência contra este bárbaro, que com suas infiéis forças tinha tiranizado o santuário da nossa Redenção»), o que ele qualquer dia fará, se Deus aprouvesse, ao «entrarem suas armadas no mar Roxo, até irem destruir a casa de abominação de Mafamede, injúria e opróbio da religião cristã». Esta cruzada em que entrariam outros reis europeus falhou, mas o plano continuava vivo, aliás já alimentado pelo próprio Colombo, como o indica o título duma sua obra: Profecias que juntou o Almirante D. Cristóvão Colombo, da recuperação da santa cidade de Jerusalém e o descobrimento das Índias, dirigidas aos Reis católicos, onde está escrito: «Certamente que sabemos que Joaquim [de Fiora], o abade calabrês, preveu que de Hispania há-de trazer sua origem o que há-de restaurar a fortaleza de Sião». Afonso de Albuquerque pensou realizar tal cruzada, mas será D. Estêvão da Gama quem em 1541 internando-se pelo Mar Vermelho, tentará em vão destruir as esquadras turcas no Suez (pois só as suas de pouco calado chegaram lá), depois de ter armado alguns cavaleiros junto ao mosteiro de S. Catarina do monte de Sinai, conseguindo isso sim ajudar o reino cristão da Preste João a sobreviver às ameaças islâmicas. Uma carta do P. Polanco, secretário de S. Inácio de Loiola, em Roma, em 1553, aconselha o editor das cartas missionárias que «quanto às cartas da Índia essa história de Xaca (Sakya Muni, o Buddha) pode-se omitir». Quanto às do P. Luís Fróis sobre o budismo chinês: «Nessa carta prolixa, é preciso ter cuidado de muitas descrições longas e cortá-las impiedosamente... É preciso suprimir muitos dos traços respeitantes a seitas e superstições dos pagãos». Eram censuras tanto aos valores orientais como às aculturizações e logo causando uma perda da dimensão ecuménica e dialogante tão necessária, desde sempre, no encontro e confronto entre várias religiões e tradições.
Assado a fogo lento, morre em Omura no Japão, em 1624, o beato Miguel de Carvalho, natural de Braga, estudante na Universidade de Coimbra e desde 1602 em Goa, onde foi mestre de Teologia. Até que foi movido a partir para o Japão disfarçado de soldado, onde aprendeu japonês e exerceu um apostolado às escondidas e perigoso, até ser preso e, por fim, receber a coroa de mártir, com grande desprendimento, coragem e alegria, que ele não sabia se era por sua insensibilidade se pela eficácia da graça de Deus, como relatou numa sua carta, uns dias de morrer, onde diz ainda: «Em breve espero receber de Nosso Senhor, esta grande mercê de dar a vida por seu amor, coisa que tanto desejo que de nenhuma maneira o posso explicar... Amem-se muito entre si e tenham grande paz e concórdia uns com os outros, ajudando-se em tudo o que puderem, uns aos outros, com isto os ajudará sempre e acrescentará o todo poderoso Deus».
Neste dia em 1683: «Mandou o Senhor Conde Vice-Rei avisar as religiões [as várias ordens religiosas existentes em Goa] em como o Sambhaji (o filho de Shivaji, e rei dos Maratas de 1681 a 1689) vinha com um grande exército que se presumia ser contra esta cidade de Goa, que suas paternidades o deviam ajudar a defender, para o que lhes ordenava que mandassem buscar armas aos armazéns, e lhes assinou o posto, aonde cada uma das religiões (ordens) havia de acudir». Mas não chegaram a atacar Goa e os membros das diversas congregações religiosas não tiveram que cheirar a pólvora em vez do incenso...
Nasce neste dia 26 de Agosto, de 1854, nos arredores de Trivandrum, aquela alma que se tornará conhecida como Sri Narayana Guru, um grande pesquisador do conhecimento e da realização espiritual, tendo estudado ainda até aos 10 anos no antigo sistema de gurukula, aprendendo só de um mestre. Formou-se em Literatura Sânscrita e Filosofia Vedanta. Não quis casar-se e partiu em busca de mestres e ensinamentos, vivendo depois seis anos numa gruta solitário e me meditação. Sendo reconhecido como um mestre e dotado do poder de abençoar construíram-lhe um ashram que ele consagrou a Shiva, embora o considerasse acima de raças, religiões e castas. Valorizava muito a limpeza e a pureza, o não se beber álcool, e o discutir não para se ganhar, mas para conhecer ou tornar conhecido. Teve uma grande acção pela igualdade e fraternidade dos seres, sendo um dos inspiradores de Gandhi na valorização dos intocáveis. Teve muitos discípulos e foi visitado por grandes seres que o elogiaram muito, tal como Rabindranath Tagore, que dele escreveu em 22-XI-1921: «Visitei muitas partes do mundo. Durante tais viagens tive a sorte de contactar muitos santos e mestres. Mas tenho de admitir que nunca alguém espiritualmente superior a Swami Sri Narayana Guru, de Kerala, ou que esteja a par com ele na realização espiritual. Estou certo que nunca esquecerei a sua face iluminada pela luz da glória divina auto-refulgente e os seus olhas yoguicos fixando a visão num ponto remoto do longínquo horizonte.»
Nasce em Skopye na Albânia, em 1910, Madre Teresa. Na Índia desde 1929, a sua energia amorosa activa e a abnegação das Missionárias da Caridade (já por todo o mundo) têm suplantado as melhores expectativas de apostolado cristão e de assistência social nas populações mais desfavorecidas do Oriente, e daí estendendo-se a todo o mundo. «Ver Jesus no mais pobre dos pobres e amá-lo», eis a tenção delas, cumprida com a dádiva do amor casto. Há também umas poucas de irmãs dedicadas à vida contemplativa. Estive com ela algumas vezes no seu centro em Calcutá e senti bem o amor e determinação que emanavam do seu pequeno corpo.
27-VIII. Neste dia em 1542, depois de reforçado por um contingente de turcos com espingardas e bombardas, Gráne, o emir de Harar, ataca os 300 portugueses (combatentes e artesões) da expedição de D. Cristóvão da Gama de auxílio ao Preste João (na Etiópia) e em fera batalha morrem heróica e abnegadamente os irmãos Onofre e António Abreu e muitos outros. Depois de terem sido várias vezes derrotados, os somalis e otomanos triunfavam finalmente pelo seu maior número, e Miguel Castanhoso, o cronista da expedição (da qual fez parte o famoso religioso etíope João Bermudes), sai ao anoitecer acompanhando a Imperatriz Espiga do Evangelho e os sobreviventes em retirada. D. Cristóvão da Gama, o filho do descobridor do caminho marítimo para Índia, 30 anos, ferido, com mais 12 guerreiros portugueses fica para trás, no dharma ou dever dos Cavaleiros do Amor e de Cristo, de proteger e não fugir, tentando aguentar a retirada da Imperatriz. A expedição portuguesa à Etiópia conseguirá o seu objectivo: destruir os invasores do reino do Preste João. Seis meses depois o imperador Cláudio, com a ajuda dos 200 portugueses que restam, derrota e mata o Gráne (Ahmad Gragn), terminando o maior aperto sofrido pelo reino cristão do Preste João na história.
D. Jerónimo Osório, o mais célebre e publicado (no estrangeiro...) dos humanistas portugueses de quinhentos, latinista perfeito, moralista douto, polemista subtil, defensor dos judeus e dos mais desfavorecidos, liberta-se da vestimenta terrena em 1580. Na tentativa de obstar à ida a Alcácer Kibir lembrara a D. Sebastião que «não se pode chamar fortaleza a que não fôr acompanhada de bom conselho», e depois do desastre diz em carta: «Portugal está tal e qual os pecados públicos mereciam. Fiz o meu ofício com el-rei, que Deus tenha em sua glória, e assim o fizeram muitos; mas puderam mais lisonjeiros e homens mais desejosos de juntar dinheiro e juros, que conselhos prudentes e sãos». Nos seus livros De Vera Sapientiae e De Gloria, recentemente traduzidos, mostra que o protagonismo do homem não deve ser regido pela opinião, mas pela relação virtuosa e a visão beatífica de Deus, que constituem a norma da verdadeira glória. E no De Regis dará algumas visões do belo: «O que é a beleza senão a justa composição das partes aliadas ao ritmo?»
21-VIII. Festa do Addáu, na Índia: é o córte e benzimento das primeiras espigas do arroz e que será depois oferecido nas igrejas, templos ou casa dos senhores de todas as aldeias de Goa, iniciando-se em Taleigão. Foi um dos costumes pré-portugueses, cheios do colorido oriental, consagrado em forais quinhentistas e celebrado ao longo dos séculos.
Conquista de Ceuta, uma das colunas de Hércules, em 1415, ficando mais asseguradas para os portugueses as idas aos Campos Elísios ou paradisíacos que se adivinhavam por entre os fumos do Oriente e as legendas desfraldadas do Prestes João. Os três príncipes de Aviz serão iniciados como cavaleiros no dia seguinte, 22, na mesquita transformada em igreja. Depois de 600 anos de defesa e recuperação, a cristandade ibérica passava ao ataque. Assinada a paz entre Portugal e Castela em 1411, as energias guerreiras dos príncipes, nobres e guerreiros queriam acção. A expedição fora cuidadosamente preparada com espionagem das condições do porto onde desembarcaram as galés a remos e as caravelas. O país iniciava a sua azáfama de expansão ultramarina que, ao longo do tempo, exigirá milhares e milhares de vidas, mais das que soube criar e formar transmutadoras.
O P. Baltazar Dias, depois de 18 anos de apostolado em Goa e Malaca, sai desta Terra neste dia no colégio de S. Paulo em Goa em 1571. Presidiu à procissão de despedida da embaixada de Fernão Mendes Pinto ao Japão, em que iam oito padres e cinco meninos da doutrina, havendo então despedidas comoventes.
O historiador e jornalista goês Frederico Dinis de Ayala deixa a vestimenta terrena neste dia de 21 de Agosto, em 1923, contando 63 anos de idade. Foi colaborador, redactor e director de vários jornais e revistas na Índia e em Portugal, tendo sido amigo de Antero de Quental, Oliveira Martins, Teófilo Braga e Fernando Leal. Antero pergunta por ele numa das cartas a Fernando Leal e escreveu-lhe uma, a 15-III-1888, de Vila do Conde, muito profética, sensível e sabiamente: «Meu caro amigo. Acabo de ler o seu eloquente e interessantíssimo livro [Goa Antiga e Moderna, 1888]. É um triste história mas tinha de ser assim. Desde que não quisemos nem pudemos assimilar o elemento indígena na Índia, pela força das coisas, ele, que era a maioria, tinha de acabar por nos expulsar. (...) Fez bem em escrever aquele livro, e dou-lhe os meus parabéns pela maneira porque que fez. Um eco do velho lealismo, da velha nobreza patriótica soa ali e ainda me fez estremecer alguma fibra antiga. Mas agora não pense mais nisso. Dispa esse luto para não parecer entre os seus contemporâneos, que não compreendem já essa ordem de sentimentos, uma espécie de Epiménides indiano, e aplique as suas belas faculdades a coisa do futuro, e não de passado. Disponha do seu muito afeiçoado, Antero de Quental»
22-VIII. Natural do Alvito, o P. Manuel Martins sentiu-se chamado para a Índia e durante trinta e dois anos será um frade vegetariano entre yogis e brâmanes também vegetarianos, e com quem dialogava, vindo a morrer de febre mas em oração consciente com o seu Mestre Jesus, numa terra também de mestres, Tricherapali, em 1656.
O valeroso capitão de mar-e-guerra João Ferreira do Amaral, que nomeado governador de Macau começara finalmente a pôr a ordem em casa, é violentamente assassinado e decepado por um grupo de chineses em Agosto de 1849. As insidiosas exigências e lutas de alguns mandarins ao longo dos séculos com os portugueses, e as divisões e defeitos destes, perturbaram a amizade natural entre os dois povos e são sem dúvida estímulo centenário a um relacionamento melhor.
Ananda Coomaraswamy, um pioneiro da história e interpretação da arte indiana e oriental, nasce no Ceilão em 1877, de pai indiano e mãe inglesa. Será na Universidade de Boston que ele e a sua colecção estabilizarão. Conhecendo sânscrito e latim, pôde comparar as diversas tradições e criar uma obra mundialmente reconhecida, o seu volume de textos sobre Metafísica contendo textos de grande valor. Dirá: «A arte é uma declaração informada pela beleza ideal... A teoria do conhecimento indiana considera a fonte da verdade não como mera percepção, mas como um critério conhecido interiormente que simultaneamente dá forma ao conhecimento e é a causa do conhecimento».
Nasce em Nova Goa, Alberto Germano da Silva Correia, em 1888, e virá a ser médico e investigador distinto, escrevendo obras valiosas sobre antropologia, história, etnografia e medicina, não deixando esquecer muitas vidas e nomes dos que na Índia deram o seu sangue e o seu amor, ou o causaram, nomeadamente na História da Colonização Portuguesa na Índia, em 6 volumosos tomos.
23-VIII. Com o sim de D. Duarte, à «licença para passarmos em África, onde com os nossos criados e servidores, e com os cavaleiros das Ordens de Cristo e Aviz guerreando os infiéis, serviremos a Deus e a vós» (diz-nos o cronista Rui de Pina), em 1437 o infante D. Henrique assiste satisfeito à partida da sua expedição a Tânger, contra a vontade da maior parte da população e do rei. O infante D. Pedro considerou-a inútil e dispendiosa e o infante D. João dirá, numa posição pacifista ou irenista notável e pioneira: «Sei porém que a Santa Escritura por pregações e virtuosos exemplos os manda converter: e se por outra maneira Deus fôra servido, permitira e mandara que em seus erros e danada contumácia usáramos de força e ferro até serem convertidos à sua fé: e isto ainda não vi nem ouvi que se achasse em autêntica Escritura... Nem os milagres que nesta guerra às vezes parecem e porventura se fazem não os hei por certo testemunho de ser a vontade de Deus que a façamos, porque tais e maiores se fizeram e fazem em terra e sangue de cristãos contra cristãos: o que, por qualquer interpretação, não é serviço de Deus, e porém seu incompreensível juízo o permite assim». Uma explicação ainda hoje válida. O malogro será total, passando-se o próprio capelão de D. Henrique, Martim Vieira, para o lado adversário antes das lutas, e o infante D. Fernando (que queria ganhar a cavalaria em batalha), morrerá após o longo cativeiro, pois nunca se quis ceder Ceuta em troca da sua libertação, como os infantes D. Pedro e D. João e o povo queriam. As cortes de Leiria em 1438, pela pressão do arcebispo de Braga, apoiado no clero e na nobreza, determinam que não se pode entregar sem o papa concordar, e este confirmou a D. Duarte que era para a cristandade um mal muito maior a perca de Ceuta que o sacrifício duma pessoa, para além de existirem já igrejas consagradas que não se deviam abandonar. D. Henrique, que ficara algum tempo em Ceuta, passando depois para o Algarve, donde se dedicará depois a impulsionar a exploração sistemática da costa africana, rumo ao Preste João e às riquezas orientais, recebe
D. Duarte uns meses antes deste morrer e opõe-se à entrega de Ceuta. O simbolismo destes acontecimentos não foi visto por D. Sebastião...
O mestre Swami Ramdas, da linha da Bhakti Yoga, diz em Hadeyas em 1954, num diálogo ocorrido neste dia: «Deus é descrito com vários aspectos. Talvez ouvísseis falar dos Seus atributos segundo as escrituras da Índia: Shantam, Shukham, Sundaram. Shantam significa cheio de serenidade, Shukham é propício; Sundaram é belo. Se o verdes na beleza e pela beleza, sois atraídos para Ele, e reencontrá-lo-eis nas obras de arte, que são a beleza habitando na mente do artista. Belo, em verdade, é o divino que está em nós». Dirá ainda: «Os povos do Ocidente, como os do Oriente, flutuam à superfície das coisas e não pensam em mergulhar profundamente. Ora é a ignorância que está à superfície, enquanto que a sabedoria se encontra nas profundezas».
24-VIII. Arzila, no norte de África, rende-se, em poucos dias de luta violentíssima, a D. Afonso V e a mais de 20.000 homens de guerra, em 1471. Era a oportunidade para se resgatarem os ossos dependurados nas muralhas do Infante Santo, trocando-se-os pelos filhos e as mulheres do senhor de Arzila, Mulei Xeque, então em Fez, o que desanimou a cidade de Tânger, que se entregou, queimada e abandonada, realizando assim D. Afonso V a sua mais cara obsessão, e perturbando o poderio islâmico no norte de África.
Afonso de Albuquerque conquista Malaca após um mês de batalhas em 1511, passando a controlar o centro produtor da pimenta. Entre os seus companheiros, António de Aguiar distinguiu-se, pelo que Albuquerque escreve que ele «mereceu muita honra e mercê e foi digno de o fazer cavaleiro, pelo qual eu o fiz cavaleiro por minha mão e peço por mercê a sua Alteza que lhe confirme e haja confirmada a dita cavalaria... e que os juízes o cumpram e guardem inteiramente e lhe guardem suas honras e liberdades que a cavalaria tem». Albuquerque ergue uma fortaleza e feitoria e procura relações comerciais com os povos vizinhos abastecedores. Aos chineses que se tinham oferecido para combater ao seu lado, respondeu Albuquerque que não os queria ver feridos, antes desejava que assistissem à batalha e que só lhes pediria o empréstimo das barcas dos juncos, ao que eles anuiram satisfeitos.
Neste dia, em 1512 chega o primeiro junco indo-português, uma parceria do conselheiro e bendara indiano Nina Chatu e da coroa, ao reino de Pegu, e em 1514 os embaixadores do Pegu e do Sião (Birmânia e Tailândia) são recebidos por Albuquerque. Islamizada desde o século XV, Malaca é o centro nevrálgico do comércio de pimenta, então uma das especiarias mais procuradas, mas toda a zona é rica e complementariza-se pelo que os portugueses ver-se-ão enredados em lutas locais com frequência, para além da permanente com o Islão. Do domínio português de cento e cinquenta anos, resultarão uns milhares de descendentes e cristãos, sobretudo gente ligada ao mar que, sobrevivendo com dificuldade à passagem dos holandeses e ingleses e a outras formas de discriminação, vivem hoje modestamente no bairro português de Malaca com nomes portugueses, certa cultura e religião católica e ainda um tipo de crioulo português, mas tudo em vias de extinção.
Nasce em Nova Goa, em 1904, Lúcio de Miranda. Licenciou-se em Ciências Matemáticas em Coimbra e exerceu o professorado nos Açores, Lourenço Marques e por fim, desde 1938, em Goa. Publicou livros e artigos valiosos em jornais, nomeadamente em Ponta Delgada. Em 1936, na ilha de S. Miguel dá à luz Índia e Indianos, com sete valiosos capítulos: Singularidades do Espírito Hindu; Mahatma Gandhi, Tolstoi e Gandhi; Tagore, o poeta; Shantiniketan. Buda, Duas Figuras da Índia Portuguesa (Abade Faria e Manuel António de Sousa, o heróico rei do Barué.). Acerca de Tolstoi e Gandhi escreve: «Reconhecendo assim a divindade de Jesus, o Mahatma procurou colher nos ensinamentos do Novo Testamento as forças que lhe permitiriam libertar-se dos preconceitos do velho brahamanismo decrépito», mas deveria ter referido ainda os ensinamentos nativos dos Jainas, da ahimsa ou não-violência....
Gandhi, visto por Domingos Rebelo, no livro de Lúcio Miranda. |
O Vice-Rei D. Constantino Bragança. |
Na Índia, as províncias das Novas Conquistas, Bicholim, Sanquelim e Satari, acabadas de serem retomadas pelos portugueses em 1781, recebem garantias de poderem manter a sua religiosidade e costumes, uma medida que deveria ter sido mais seguida desde o princípio.
26-VIII. Frei Mauro do mosteiro de S. Catarina do monte de Sinai, enviado pelo sultão do Cairo a Roma, chega a Lisboa em 1504 e entrega a carta do papa Júlio II para o rei D. Manuel, com as ameaças que o sultão do Egipto fez de destruir os lugares santos de Jerusalém, se não interviesse para impedir o progresso das conquistas portuguesas no Oriente. D. Manuel, satisfeito pelo temor turco, sossega o frade, a quem dá boas esmolas para o convento, e sugere ao papa que os reis cristãos europeus devem atacar o sultão para libertar os Lugares Santos («para que todos movessem as asas da sua potência contra este bárbaro, que com suas infiéis forças tinha tiranizado o santuário da nossa Redenção»), o que ele qualquer dia fará, se Deus aprouvesse, ao «entrarem suas armadas no mar Roxo, até irem destruir a casa de abominação de Mafamede, injúria e opróbio da religião cristã». Esta cruzada em que entrariam outros reis europeus falhou, mas o plano continuava vivo, aliás já alimentado pelo próprio Colombo, como o indica o título duma sua obra: Profecias que juntou o Almirante D. Cristóvão Colombo, da recuperação da santa cidade de Jerusalém e o descobrimento das Índias, dirigidas aos Reis católicos, onde está escrito: «Certamente que sabemos que Joaquim [de Fiora], o abade calabrês, preveu que de Hispania há-de trazer sua origem o que há-de restaurar a fortaleza de Sião». Afonso de Albuquerque pensou realizar tal cruzada, mas será D. Estêvão da Gama quem em 1541 internando-se pelo Mar Vermelho, tentará em vão destruir as esquadras turcas no Suez (pois só as suas de pouco calado chegaram lá), depois de ter armado alguns cavaleiros junto ao mosteiro de S. Catarina do monte de Sinai, conseguindo isso sim ajudar o reino cristão da Preste João a sobreviver às ameaças islâmicas. Uma carta do P. Polanco, secretário de S. Inácio de Loiola, em Roma, em 1553, aconselha o editor das cartas missionárias que «quanto às cartas da Índia essa história de Xaca (Sakya Muni, o Buddha) pode-se omitir». Quanto às do P. Luís Fróis sobre o budismo chinês: «Nessa carta prolixa, é preciso ter cuidado de muitas descrições longas e cortá-las impiedosamente... É preciso suprimir muitos dos traços respeitantes a seitas e superstições dos pagãos». Eram censuras tanto aos valores orientais como às aculturizações e logo causando uma perda da dimensão ecuménica e dialogante tão necessária, desde sempre, no encontro e confronto entre várias religiões e tradições.
Assado a fogo lento, morre em Omura no Japão, em 1624, o beato Miguel de Carvalho, natural de Braga, estudante na Universidade de Coimbra e desde 1602 em Goa, onde foi mestre de Teologia. Até que foi movido a partir para o Japão disfarçado de soldado, onde aprendeu japonês e exerceu um apostolado às escondidas e perigoso, até ser preso e, por fim, receber a coroa de mártir, com grande desprendimento, coragem e alegria, que ele não sabia se era por sua insensibilidade se pela eficácia da graça de Deus, como relatou numa sua carta, uns dias de morrer, onde diz ainda: «Em breve espero receber de Nosso Senhor, esta grande mercê de dar a vida por seu amor, coisa que tanto desejo que de nenhuma maneira o posso explicar... Amem-se muito entre si e tenham grande paz e concórdia uns com os outros, ajudando-se em tudo o que puderem, uns aos outros, com isto os ajudará sempre e acrescentará o todo poderoso Deus».
Neste dia em 1683: «Mandou o Senhor Conde Vice-Rei avisar as religiões [as várias ordens religiosas existentes em Goa] em como o Sambhaji (o filho de Shivaji, e rei dos Maratas de 1681 a 1689) vinha com um grande exército que se presumia ser contra esta cidade de Goa, que suas paternidades o deviam ajudar a defender, para o que lhes ordenava que mandassem buscar armas aos armazéns, e lhes assinou o posto, aonde cada uma das religiões (ordens) havia de acudir». Mas não chegaram a atacar Goa e os membros das diversas congregações religiosas não tiveram que cheirar a pólvora em vez do incenso...
Nasce neste dia 26 de Agosto, de 1854, nos arredores de Trivandrum, aquela alma que se tornará conhecida como Sri Narayana Guru, um grande pesquisador do conhecimento e da realização espiritual, tendo estudado ainda até aos 10 anos no antigo sistema de gurukula, aprendendo só de um mestre. Formou-se em Literatura Sânscrita e Filosofia Vedanta. Não quis casar-se e partiu em busca de mestres e ensinamentos, vivendo depois seis anos numa gruta solitário e me meditação. Sendo reconhecido como um mestre e dotado do poder de abençoar construíram-lhe um ashram que ele consagrou a Shiva, embora o considerasse acima de raças, religiões e castas. Valorizava muito a limpeza e a pureza, o não se beber álcool, e o discutir não para se ganhar, mas para conhecer ou tornar conhecido. Teve uma grande acção pela igualdade e fraternidade dos seres, sendo um dos inspiradores de Gandhi na valorização dos intocáveis. Teve muitos discípulos e foi visitado por grandes seres que o elogiaram muito, tal como Rabindranath Tagore, que dele escreveu em 22-XI-1921: «Visitei muitas partes do mundo. Durante tais viagens tive a sorte de contactar muitos santos e mestres. Mas tenho de admitir que nunca alguém espiritualmente superior a Swami Sri Narayana Guru, de Kerala, ou que esteja a par com ele na realização espiritual. Estou certo que nunca esquecerei a sua face iluminada pela luz da glória divina auto-refulgente e os seus olhas yoguicos fixando a visão num ponto remoto do longínquo horizonte.»
Nasce em Skopye na Albânia, em 1910, Madre Teresa. Na Índia desde 1929, a sua energia amorosa activa e a abnegação das Missionárias da Caridade (já por todo o mundo) têm suplantado as melhores expectativas de apostolado cristão e de assistência social nas populações mais desfavorecidas do Oriente, e daí estendendo-se a todo o mundo. «Ver Jesus no mais pobre dos pobres e amá-lo», eis a tenção delas, cumprida com a dádiva do amor casto. Há também umas poucas de irmãs dedicadas à vida contemplativa. Estive com ela algumas vezes no seu centro em Calcutá e senti bem o amor e determinação que emanavam do seu pequeno corpo.
27-VIII. Neste dia em 1542, depois de reforçado por um contingente de turcos com espingardas e bombardas, Gráne, o emir de Harar, ataca os 300 portugueses (combatentes e artesões) da expedição de D. Cristóvão da Gama de auxílio ao Preste João (na Etiópia) e em fera batalha morrem heróica e abnegadamente os irmãos Onofre e António Abreu e muitos outros. Depois de terem sido várias vezes derrotados, os somalis e otomanos triunfavam finalmente pelo seu maior número, e Miguel Castanhoso, o cronista da expedição (da qual fez parte o famoso religioso etíope João Bermudes), sai ao anoitecer acompanhando a Imperatriz Espiga do Evangelho e os sobreviventes em retirada. D. Cristóvão da Gama, o filho do descobridor do caminho marítimo para Índia, 30 anos, ferido, com mais 12 guerreiros portugueses fica para trás, no dharma ou dever dos Cavaleiros do Amor e de Cristo, de proteger e não fugir, tentando aguentar a retirada da Imperatriz. A expedição portuguesa à Etiópia conseguirá o seu objectivo: destruir os invasores do reino do Preste João. Seis meses depois o imperador Cláudio, com a ajuda dos 200 portugueses que restam, derrota e mata o Gráne (Ahmad Gragn), terminando o maior aperto sofrido pelo reino cristão do Preste João na história.
D. Cristóvão da Gama, por Leopoldo de Almeida, no Padrão dos Descobrimentos, em Belém.
Nos dias seguintes, a 28 ou 29 de Agosto, com um braço partido e uma coxa trespassada, D. Cristóvão da Gama é preso e, recusando a rebaixar-se, morre decepado, jovem de 27 anos e sentindo o apoio da presença divina, no Anjo ou em Jesus Cristo, e assim a sua alma cavaleiresca e abnegada liberta-se radiosa para arder em muitos corações. Os historiadores Miguel Castanhoso (em 1564), Pêro Pais, Gaspar Correia, Diogo de Couto e Elaine Sanceau descreveram este culminar heróico da gesta de mais de um ano, iniciada com Pêro da Covilhã em 1488, e que terminará anos mais tarde com a expulsão dos jesuítas e do Patriarca Afonso Mendes em 1634, devido a serem demasiado controladores. Sem resultados lucrativos, a aventura do Preste João foi fiel à sua origem e conservou-se nos domínio dos ideais e das legendas. Richard Burton, no seu First Footsteps in East Africa, considera D. Cristóvão da Gama como «the most chivalrous soldier of a chivalrous age». E ainda em 1955, o subchefe do protocolo da corte do imperador da Etiópia perguntava ao embaixador português e meu tio Alfredo Lencastre da Veiga: «Mas afinal D. Cristóvão da Gama era um homem ou um semi-deus?», respondendo o embaixador: «Era um herói», confirmando a hierarquização grega e clássica, e o dito de Camões acerca aqueles que da lei da morte se vão libertando... Saibamos manter abnegação, coragem e amplidão nas nossas almas e vida...Nasce em Loutolin, Salsete, em 1857, J. A. Ismael Gracias, e veio a ser um dos grandes génios do ensino, da historiografia e do direito na Índia Portuguesa, tendo cumprido numerosas incumbências oficiais, desde professor e secretário privado de Governadores a director da Biblioetca Nacional de Goa, pertencendo e sendo homenageado por várias agremiações científicas nacionais e estrangeiras, deixando uma vasta obra em livros, artigos, relatórios, catálogos, exposições, destacando-se as suas colaborações sobre os portugueses na Índia, tal D. Juliana Dias da Costa e o bispo D. António de Noronha. em jornais e revistas, como Era Nova, O Heraldo, no Insituto de Coimbra, Boletim da Sociedade de Geografia, Ocidente, e sobretudo d'O Oriente Português. Ao escrever a biografia do historiador Filipe Nery Xavier, e de quem foi o sucessor, na introdução à reedição do Bosquejo Histórico das Comunidades, dada à luz em 1903, valorizou muito o culto das efemérides históricas e a celebração dos centenários dos génios da humanidade, pois optimisticamente acreditava que o tempo das guerras e das armas findara e que seriam os livros, os exemplos e a sabedoria a regerem os povos.
Swami Pratyagatmananda Saraswati nasce neste dia 27 Agosto de 1880 em Chanduli, Burdwan, India. Formou-se em Filosofia e começou como professor National Council of Education, tendo Sri Aurobindo como seu colega. Ensinou no Ripon College filosofia, matemática
and física, sendo o editor do jornal Servant. Foi um yogi e profundo conhecedor do sanscrito, do Tantra, e do Shabda, ou seja dos mistérios da palavra e do som, tendo ajudado John Woodroffe nos seus pioneiros livros ocidentais sobre o tantrismo. Bom conhecedor da ciência moderna, conciliou-a bem com os dados da espiritualidade indiana. No seu Japasutram (1961, excelente quanto aos mistérios do som e das letras) diz-nos que a «Filosofia não é meramente conhecimento sumarizado, mas é Sabedoria em evolução. O fim da sabedoria é chegar, o mais próximo possível, a uma vista completa do que chamamos "o vivo, lúcido todo da Realidade" e a sua culminação é atingida na medida em que o fim pode ser realizado para além da sombra de se duvidar e debater. Como um famoso sruti diz: "Todos os dilemas do coração dissolvem-se e todas as dúvidas do intelecto desaparecem quando a Realidade como imanente e transcendente é vista". Sruti (ouvida, escritura revelada) usa a palvra drste, para "visto". Aqui "visto" significa visão que é totalmente conclusiva e última».
30-VIII. Alvará do vice-rei D. Constantino de Bragança, em 1559, para que se cumpram as condições dos aforamentos das aldeias feitos aos fidalgos guerreiros de Diu pelo Estado Português na Índia, que eram as de se viver na fortaleza, ter cavalos e grangear as terras em vez de as arrendar, sob pena de elas retornarem ao domínio público. Procurava-se assim fixar defensores em terras recém-recebidas ou conquistadas, vindo também portugueses e brâmanes de Goa.
Neste dia em 1647 os dois galeões portugueses fundeados em Nagasaki recebem finalmente autorização de partir, sem ser à vela, mas à força dos remos, e passam em grande silêncio por entre o cerco que se lhes montara, terminando assim infrutiferamente a embaixada enviada de Macau e de Portugal para reabrir o comércio com o Japão (uma vez que a independência em relação a Espanha se reconquistara), mas sem lutas nem prisões. Valeu na circunstância o sangue frio do embaixador Duarte da Costa Homem, que soube tanto manter-se firme em não desarmar, nem em entregar a carta real senão ao próprio Imperador, como corajoso em ter avançado até dentro do porto. Mas até à lenta e expectante saída do golfo, estiveram de armas na mão aguardando algum ataque dos milhares de japoneses ajuntados, que obedeceram porém às ordens imperiais. Macau agonizante, viu-se obrigada a diversificar o comércio.
O P. Henri le Saux nasce neste dia em 1910 na França. Chegará à Índia em 1948 como um monge beneditino e mais tarde receberá o nome de Abhishiktananda, que significa um ser feliz na devoção, e será um dos grandes artífices do encontro do hinduísmo e o cristianismo, primeiro no ashram de Shantivanam, no Sul da Índia, que eu conheci bem, e depois como eremita nos Himalaias (onde desaparecerá num dia de 1973). Entrará para a posterioridade luminosa, com os seus escritos, tal como o Ponto de encontro Hindu-Cristão - dentro da Gruta do Coração, e com os que o conheceram mais intima ou iniciaticamente. Um filme de Patrice Chagnard, Swamiji, un voyage interieur foi-lhe dedicado em 1984. No seu comentário ao Pai-Nosso, dirá com conhecimento uma evidência que o cristão normal ainda não consciencializou: «Jesus apareceu no mundo, não para ensinar ideias mas para transmitira aos seres humanos uma experiência, a sua própria experiência de ser Filho de Deus; e depois, continuando a avançar a partir desta sua experiência e pela sua eficácia, levá-los a realizarem e a integrarem na sua própria consciência essa condição que é também a deles, a de serem filhos de Deus.// A tarefa essencial do ser humano é redescobrir a sua fundação (ground), redescobrir a sua própria origem no centro do seu ser, redescobrir na sua própria origem o Eu na sua origem. A Tradição Védica dá a este mistério último do ser o nome de Brahman, a realidade inefável que está escondida por detrás de todas as coisas e ao mesmo tempo penetra todas as coisas e que é a fonte de tudo o que existe, o absoluto que está simultaneamente para além e por dentro do que é limitado, o sagrado, o numinoso, o que é revelado no segredo último de tudo. (Conforme a Kena Upanishad.)»
Neste dia em 1647 os dois galeões portugueses fundeados em Nagasaki recebem finalmente autorização de partir, sem ser à vela, mas à força dos remos, e passam em grande silêncio por entre o cerco que se lhes montara, terminando assim infrutiferamente a embaixada enviada de Macau e de Portugal para reabrir o comércio com o Japão (uma vez que a independência em relação a Espanha se reconquistara), mas sem lutas nem prisões. Valeu na circunstância o sangue frio do embaixador Duarte da Costa Homem, que soube tanto manter-se firme em não desarmar, nem em entregar a carta real senão ao próprio Imperador, como corajoso em ter avançado até dentro do porto. Mas até à lenta e expectante saída do golfo, estiveram de armas na mão aguardando algum ataque dos milhares de japoneses ajuntados, que obedeceram porém às ordens imperiais. Macau agonizante, viu-se obrigada a diversificar o comércio.
Um bom livro sobre Abhishiktananda |
Prefácio à obra Method of Contemplative Prayer do P. James Borst, um livro recomendado por Bede Griffith, de Shantivanam. |
31-VIII. Chega a Lisboa em 1566, ao fim de 14 meses de viagem por terra desde Ormuz, mestre Afonso, cirurgião. No seu Itinerário descreve as aventuras por que passou ao atravessar os impérios Otomano e Persa, até então pouco conhecidos por dentro, e queixa-se numa cidade que «todo o tempo que aqui estive não vi pelas ruas mulher de menos idade que de quarenta anos, porque as outras não saem fora nem as vê ninguém, estas são as servidoras que vão comprar o necessário para casa, e conquanto são desta idade, andam todas cobertas com lençóis muito grandes que as cobrem todas, e os rostos, e por baixo ainda outro rebuço de uma toalha». Aos viajantes, e sobretudo para o trato comercial ou para a simples esmola, recomenda calma «pois pedem como se lhes devesse, e recebem como se lhes fizesse graça e honra; e quanto mais se dá mais querem e pretendem; e para isto tudo é preciso paciência e prudência, e mesmo com ela não faltam ocasiões de desgostos». Henrique Dias, o primeiro negro brasileiro feito fidalgo e cavaleiro da Ordem de Cristo (em 1638), pelos seus feitos em batalha contra os holandeses, sobretudo na defesa da Baía, morre neste dia 31 em 1662, depois de ser comandante das tropas naturais e africanas em numerosas lutas desde 1639.
Abel Henri
Joseph Bergaigne, nasce em 1838 em Vimy, França e será um notável orientalista, professor de sânscrito e de civilização indiana, publicando estudos linguísticos e manuais de aprendizagem, traduzindo textos, como 40 hinos dos Vedas e interpretando-os com profundidade e sabedoria, e escrevendo sobre a religião e a liturgia védica. Se aprendera com Eugène-Louis Hauvette-Besnault também ensinou vários futuros indianistas entre os quais o nosso Guilherme de Vasconcelos Abreu, o companheiro de Antero de Quental, que com ele dialogou sobre a sabedoria oriental até pouco antes de Antero morrer. Francisco Adolfo Coelho, na sua Bibliografia Critica de História e Literatura, vol. I, 1873-1875, assinala a publicação em França do Brahmini Vilasa com tradução e notas de Bergaigne, e transcreve um resumo dela: «O Brahmini-Vilasa é apenas uma recolha de estâncias independentes, reunidas sem ordem em quatro rubricas gerais. As do 1º livro dizem respeito à moral e à sabedoria prática; as do 2º as alegrias e dores do amor; as do 3ª são as lamentações de alguém que perdeu a mulher; enfim, as do 4º tem como assunto a devoção a Krishna. Sentenciosas, eróticas, elegíacas e místicas elas inspiram-se praticamente de todos os temas com os quais a imaginação dos Hindus se compraz, e apresentam como que um resumo de toda a sua poesia gnómica». Abel Bergaigne, apenas teve cinquenta anos de vida nesta terra de demanda, mas bem fecundos...
D. António Barroso, um dos grandes evangelizadores de Moçambique, morre neste último dia de Agosto em 1918, após sofrer perseguições republicanas anti-clericais desde 1910. Em 1917 citado a tribunal, pronuncia a sua famosa frase ao colocar a cruz no peito: «Vamos lá, Senhor! Convosco irei alegre para o cárcere, ou para a morte».