sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Setembro e as suas efemérides do Encontro do Oriente e do Ocidente, e da Índia e de Portugal, em especial.

1-IX. Desce à Terra, segundo a tradição inconfirmável aventada pelo historiador Dhirendra Nath Pal, Sri Krishna, para os Vaishnavas a oitava incarnação de Deus (Vishnu), em Mathura, em 1603 a.C. Ao ser atribuída a virgindade a sua mãe abre de certo modo ou pioneiriza os fundamentos para outras imaculadas concepções, tais como as de Gautama, o Buddha e Jesus, o Cristo. O seu ensinamento principal é dado ao príncipe Arjuna em dezoito cantos do poema Bhagavad Gita, Canto do Bem Amado, o qual foi enriquecido ao longo dos séculos por milhares de comentários valiosos, já que os seus ensinamentos de ética, das vias da Yoga e acerca do ser humano, natureza  e Divindade são bastante belos e elevados. As orações curtas ou jaculatórias (mantras), mais famosas dedicadas a Krishna e sua mulher Radha (avatarização de Lakshmi) são: Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare; Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare, e a mais interna Om Sri Vishnu Narayana, ou apenas Om Narayana, e são cantadas e utilizadas pelos seus devotos denominados Vaishnavas os quais, por desenvolverem bastante a união ou Yoga devocional, Bhakti, são chamados bhaktas. Nas minhas peregrinações pela Índia participei com intensidade espiritual (mumuksha) em algumas dessas exaltações no e ao Amor divino, nomeadamente em locais (com seus templos e ashrams) da tradição Vaishanava, tal o mais carregado da sua presença, Brindaban, donde partiu para o mítico e paradisíaco Vaikunta e seu oceano de Amor.
                                     
D. João II, neste dia 1 de Setembro, em 1484, estende privilégios da nobreza aos que se distinguiam na gesta dos Descobrimentos: «A quantos esta nossa carta virem fazemos saber que querendo nós fazer graça e mercê a Gil Gonçalves, piloto... temos por bem e lhe damos licença e lugar que ele possa trazer e traga daqui em diante cadeia de ouro quando lhe aprouver ao pescoço sem embargo das nossas ordenações».

 Chega a Lisboa, em 1503, da sua segunda viagem à Índia, Vasco da Gama, transportando nas treze naus muita riqueza. Do primeiro ouro trazido de Quíloa mandou lavrar D. Manuel ao genial Gil Vicente um vaso consagrado a Deus, e eis a Custódia de Belém, bela imagem do arquétipo santo Graal, com a ave ou sopro do Espírito Santo perpassando nos doze apóstolos, cavaleiros, signos ou sentidos, uma das obras-primas da ourivesaria lusa, hoje um ícones do Museu Nacional de Arte Antiga.
                                           
António Tenreiro em 1523 parte neste dia de Ormuz na embaixada enviada ao Châh Esmâ'il da Pérsia. De lá seguirá para o Egipto das pirâmides e Alexandria mas, não conseguindo barco, voltou a Ormuz e Goa. O historiador Gaspar Correia diz dele: «Sabia muitas falas e fora com Baltazar Pessoa ao Xeque Ismael e tinha grande entendimento dos costumes dos mouros e orações, com que se atrevia andar entre eles e era esforçado de espírito», bela definição do arquétipo dos melhores viajantes portugueses, ecuménicos, dialogantes, cavaleiros do amor, pioneiros da Religião Universal do Espírito e do Amor. Em fim de Setembro de 1528 partiu de novo, a pedido de Cristóvão Mendonça, capitão de Ormuz, para saber o que acontecia com as tropas rumes (turcas) e informar o rei de Portugal, e assim atravessa os desertos arábicos, primeiro só com um guia, depois numa cáfila, cruzando muitas aldeias de muçulmanos e cristãos nestorianos, jacobitas e caldeus. Passou junto do monte Ararat na Turquia onde lhe mostraram no cimo os restos da arca de Noé mas, apesar de instado a descortiná-la, e bem porfiando, só enxergava neve, pelo que se desculpou de ver mal. «Natural de Coimbra, homem nobre», como diz o historiador Diogo Couto, chegado a Lisboa após uma viagem rápida e perigosa de três meses foi bem acolhido pelo rei, recebendo uma tença e o hábito da Ordem de Cristo, mas um dia ao sair da casa do antigo governador na Índia Diogo Lopes Sequeira levou umas estocadas de desconhecidos, a mando do filho de Diogo de Melo, que lhe iam custando a vida. Deixou o seu interessante Itinerário, uma obra prima da nossa literatura de Viagens, da época dos Descobrimentos.
                                   
                                    
Nasce em Calcutá em 1896 Swami Bhaktivedanta Prabhupada, fundador da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, movimento devocional ou do desenvolvimento do Amor Divino muito conhecido das capitais europeias pelas suas danças ao som repetido do mantra Hare Krishna, Hare Rama e pelo seu enfâse numa vida natural e não-violenta, dedicada a Deus na manifestação ou avatarização de Krishna e da sua consorte Radha. Gerou, até 1977, uma vasta literatura de espiritualidade indiana e da via do Amor, a Bhakti Yoga, destacando-se os seus comentários à Bhagavad Gita e aos Bhakti Sutra de Narada, os quais tenciono também proximamente editar uma co-tradução com Satchitananda Dhar, comentada por mim, assim contribuindo para um aumento de Prem bhakti, do amor a formas pessoais de Deus, a partir da tradição imemorial indiana, hoje ainda tão viva...
                         
Nasce Armando Martins Janeira neste dia em 1914, em Felgueiras, Bragança, e foi provavelmente o primeiro português a subir ao sagrado monte Fuji (o que também realizei bem arduamente.) Formado em Direito, foi cônsul e  embaixador em alguns países e em especial no Japão, onde viveu dez anos, sendo autor de valiosa obra comparativista e orientalista, e um grande conhecedor e amante da tradição e alma japonesa, e em especial de Wenceslau de Moraes, sobre o qual escreveu, entre vários artigos, opúsculos, livros, uma Antologia, e um magnífico e original livro, o Peregrino, em papel de arroz e personalizado com um postal original escrito por Wenceslau de Moraes, uma típica toalhinha japonesa, uma estampa original do séc. XIX, e publicidade da época de Tokushima, onde Wenceslau vivera os últimos anos. O seu mais extenso e melhor livro biográfico sobre Wenceslau, de 1954, é o Jardim do Encanto Perdido. Aventura Maravilhosa de Wenceslau de Moraes no Japão. Mas o que descreve mais pessoalmente o Japão que conheceu e amou é de 1956, o Caminhos da Terra Florida. A gente, a paisagem, a arte japonesa. Já nas Figuras de Silêncio, de 1981, a sua obra mais  consagradas à história das relações luso-nipónicas, e em particular às principais individualidades portuguesas de tal encontro e aventura, escreve: «O maior problema de Portugal, desde há, pelo menos, um século e meio, tem sido combinar o passado com o presente, isto é, distinguir no passado o que é vivo do que é morto, para incorporar no presente os valores ainda vivos, com força e ricos de conteúdo (...) Deve-se acentuar que em Portugal não existe em lugar público memória alguma de qualquer grande vulto japonês. Já sugeri, para um dos nossos jardins públicos, o busto de Bashô, o maior poeta nipónico. Esperemos que a ideia vá por diante, para assim retribuirmos o carinho japonês às nossas Figuras, e como meio de manter vivo por estas o interesse dos japoneses». Este desejo continua virtual... O centenário do seu nascimento foi há poucos anos comemorado pela Câmara Municipal de Cascais e pela sua mulher Ingrid Bloser Martins, a qual tem mantido a sua memória e obra, em sucessivas mostras e ciclos de conferências. Uma parte  significativa do espólio foi doado por ela, a preparar traduções e edições de inéditos, à Biblioteca da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo. As suas mais de vinte obras contém muita sabedoria e clamam por leitores e comentadores. Para sair à luz neste blogue, escrevi na véspera dos 107 anos do seu nascimento um texto biográfico e bibliográfico que poderá ler...
                                   
Fundado neste dia em 1919, em Pangim, o jornal Diário da Noite, passa a ser dirigido em 1950 por António de Meneses, nascido em 1915, um Fiel do Amor da cultura Portuguesa,
mantendo por diversos modos essa chama bruxuleante em Goa, sem nunca ter contudo vindo à terra original lusa. Convivi com ele em sua casa no bairro das Fontainhas em duas das peregrinações na Índia e senti bem a sua alma tão luminosa quanto a desta «Princesa jovem e bela, sorridente e feliz. Princesa de sonho e de lenda... chama-se Maria Teresa de Bourbon e Parma» e que viera orar, emocionar-se e chorar diante das relíquias de S. Francisco Xavier em velha Goa.
 
2-IX. Diogo Botelho, experimentado piloto mas ambicioso de ser capitão de fortaleza, parte numa fusta com uns poucos de homens de Dabul rumo a Lisboa, em 1535, para dar a boa nova ao rei D. João III do início da construção da fortaleza de Diu, há muito desejada, e para lhe provar o seu valor. Toda a construção do baixel de cinco metros e meio de comprimento e a preparação da viagem foi feita à revelia das autoridades, fingindo Diogo Botelho que ia levar soldados para Diu e depois daí para uma praça perto. Quando se viu com os planos tirados in loco nas mãos, lançou-se a navegar, com uma cota de armas debaixo da camisa para o que desse e viesse da tripulação talvez furiosa com as perspectivas da travessia sempre perigosa de tantos mares em embarcação tão frágil. Com a ajuda de mais dois mareantes, com umas espadeiradas aqui e umas doenças acolá, a viagem épica fez-se e em Maio de 1536 Lisboa via chegar admirada a pequena fusta do ousado Diogo Botelho, que mesmo assim não conseguiu que o rei lhe atribuísse a capitania rendosa duma fortaleza a que se julgava com capacidade e direito, e que só no fim da vida, inchado de tanta água com que se envolvera, é que receberá. O ilustre historiador Quirino da Fonseca, na sua bela obra Viagens Maravilhosas, de 1935, consagrará o 1º capítulo a Diogo Botelho e à sua fusta, mas não se esquecerá do mestre Afonso cirurgião, de Francisco Rodrigues, João Baptista e do corajoso explorador do Tibete, padre Bento de Góis.
                                         
3-IX. O Arcebispo D. Francisco Garcia, natural de Alter do Chão, que andou 50 anos na Índia a persuadir hindus e cristãos de S. Tomé dos princípios e doutrinas da Igreja de Roma, para o que estava bem dotado pois sabia grego, hebraico, caldaico, siríaco, canarim, sânscrito e indostânico, já com 18 anos como arcebispo da Serra, entra pelo túnel estreito e simplificador da morte neste dia em 1659. O Homem das 33 Perfeições, editado em Lisboa em 1958 pelo notável jesuíta José Wicki, é a sua obra que sobreviveu, tecida de contos indianos por ele traduzidos e com pequenas máximas suas. Uma nota biográfica pelo P. Jacinto de Magistris, de 1660, lembra que «cada dia dizia a missa porque, dizia ele, nem queria que as almas do purgatório se queixassem dele (...) Além da missa que dizia, ouvia outra de joelhos, visitando entre dia a sua capelinha. Sendo prelado conservou sempre o exercício da vida religiosa em se alevantar pela manhã cedo, em fazer sua oração mental, exames, ler a lição espiritual e outros exercícios religiosos.»
Nasce em Damão, na Índia portuguesa, António Sérgio, neste dia em 1883. Livre-pensador, pedagogo e democrata, com vasta obra de pensador e escritor, foi preso e exilado pelo regime de Salazar, mas mesmo assim a sua obra era lida, discutida e sentida como uma luz na obscuridade política. Foi um grande propugnador dos princípios do cooperativismo em Portugal. O movimento da Seara Nova e a sua revista, onde funcionava justificadamente uma secção Oriental, na qual colaboraram alguns dos nossos indianistas (Adeodato Barreto, Tello Mascarenhas), devem-lhe muito, e as suas tertúlias literárias eram fecundas. Os seus estudos de história e os vários volumes dos Ensaios foram contributos importantes para equilibrar a mitificação exagerada na história de Portugal, embora por vezes sofrendo dum excessivo pendor racionalista-positivista, como aconteceu, por exemplo, nas polémicas acerca do Sebastianismo e do Messianismo, que no entanto bem exigiam dele um rigor terra a terra metodológico. Os seus comentários tecidos à História Trágico-Marítima são dedicados «À memória do Infante D. Pedro, de D. Francisco de Almeida, de D. João de Castro, de Diogo de Couto, de Luís Mendes de Vasconcelos, contrários à ideia de fazer conquistas, de multiplicar fortalezas».
                                      
Sadhu Sundara Sing, um Sikh, nasce em 1889, em Patiala. Recebe na sua demanda o apelo de Jesus, converte-se ao anglicanismo e manifesta a sua poderosa e original ligação a Cristo, missionando por fora da Índia, até desaparecer nos Himalaias numa das suas idas ao Tibete. Dirá: «A terra acumula o calor do sol, e este brota quando batemos uma pedra contra outra. Igualmente, os pensadores cristãos receberam a luz do sol da justiça, e os hindus tem a sua parte no Espírito Santo. Há coisas magníficas no hinduísmo, mas a luz perfeita vem do Cristo. De igual modo, todo o homem, quer seja cristão ou não, vive do Espírito Santo, mesmo se lhe é dado um outro nome. O Espírito Santo não está reservado para um só povo... Nós podemos absorver o Espírito Santo pela oração... Os místicos muçulmanos e hindus cometeram o erro de se querer aniquilar no Espírito universal, como um rio que se deita num oceano. O ideal consiste em viver no Espírito e não em se perder nele». Todavia esta última asserção não se aplica a todos eles, pois muitos admitiram a imortalidade do espírito humano e a sua capacidade de união ou reunião à Divindade...

4-IX. O P. Francisco Xavier recebeu em Goa (1548) o P. Baltazar Gago e apreciando a sua coragem "crística", unitiva, enviou-o para o reino do Bungo (Oita) no Japão (em 1552), onde se notabilizou ao conseguir tornar-se amigo do dáimio, ao evitar que as mães pobres matassem as filhas, ao criar um hospital para leprosos e pobres, ao convencer, depois de longas e repetidas práticas e interrogações dois mestres budistas, que tomam os nomes de Paulo e de Barnabé, duma melhor lei religiosa do Criador do Mundo, e ao converter uns milhares de japoneses durante muitos anos. Aos 68 anos, o corpo já cansado dos esforços físicos e tensões que custava a vida num país de samurais sempre em guerra e das discussões religiosas, despede-se deste mundo de tão controversas opiniões, já em Goa, neste dia 4-II-1583.
 Nasce neste dia 4, em 1812, em Inglaterra, John Brande Morris, que se destacará como um conhecedor de línguas do Médio Oriente e um apaixonado pelo Cristianismo literal e asceticamente radical, tendo após alguns anos passado do anglicanismo para o catolicismo, onde exerceu as suas funções discretamente até partir desta terra em 1880. Além de  traduções de S. Efrém e de S. João Crisóstemo escreveu uma obra que espelha a sua audácia evangélica: Ensaio para a conversão dos Hindus cultos e filosóficos, em 1843, e que foi premiada pelo Arcebispo de Calcutá, e traduzida até em francês, surgindo em 1849, no tomo XVIII, das Demonstrations Evangeliques. A obra (online no original) demonstra contudo um razoável conhecimento da religião e filosofia indiana, o que não deve ser alheio ao notável sanscritólogo Horace Hayman Wilson (1786-1860), a quem Brande Norris agradece inicialmente, patenteando ainda uma boa capacidade de diálogo maiêutico, estabelecido entre os dois interlocutores, um cristão e um hindu, onde tenta demonstrar que os Vedas tem uma origem humana, ou então de alguma revelação angélica e que tudo tem de passar pelos sentidos. Crê contudo que tudo o que Moisés disse é infalivelmente verdadeiro, e que houve uma tradição primordial que depois de Noé ficou bastante fendida, embora tanto a tradição grega, pitagórica e platónica como a indiana a reflictam em bastantes aspectos, tentando prová-lo com semelhanças entre a lei mosaica e as leis de Manu, e com variadas citações dos primeiros padres da Igreja gregos e latinos. Termina apelando a que além do incenso material a Índia possa oferecer o espiritual, e que deixe de adorar o homem mas só o verdadeiro Deus.

5-IX. Baptismo de três príncipes mogóis, órfãos, entregues pelo imperador Jahanguir aos jesuítas, em 1610, em Agra, com grandes cerimónias. O capitão-de-mar inglês Hakwins (1º embaixador de Inglaterra à Índia entre 1609 e 1611), apesar de inimigo dos jesuítas, pois era anglicano, resolve participar «para honrar a nação inglesa» levando a cavalo a bandeira de S. Jorge. Em vão esperarão contudo os jesuítas que o imperador Jahangir, filho do universalista Akbar e duma princesa indiana rajput, passasse da tolerância e abertura a certos aspectos do cristianismo à conversão plena.
A nau S. João, neste dia em 1621, no Cabo da Boa Esperança, tem de lutar com três naus piratas holandesas, pondo-as em fuga mas ficando também destroçada. Começa um calvário tremendo de meses até chegarem uns poucos à ilha de Moçambique, então belo oásis para os lusitanos.

Chega na nau Capitânia à Índia, neste dia em 1673, depois duma viagem dura na qual muitos dos vinte e sete missionários jesuítas que partiram pereceram, o jovem missionário lisboeta, filho de um nobre importante, o 20º governador da capitania do Rio de Janeiro,  e que se tornará após uma vida abnegada e dura São João de Brito. Em Goa, João de Brito prossegue o seu noviciado, conclui o exame final de Teologia, adopta o regime vegetariano típico dos brâmanes e yogis e parte corajoso e entusiasta em 1674. para os trabalhos dos missionários na Missão de Madurai. De Setembro de 1688 a Abril de 1690 esteve em Portugal, mas não o conseguiram reter no seu imenso amor à Índia, aos Indianos e certamente à Religião e à Divindade, regressando para receber a palma do martírio em 1693, certamente um dos santos portugueses que realmente mais o foram...
                          
Nasce neste dia 5-IX-1888 o pensador, filósofo e professor Sarveppali Radhakrishnam, que deixará vasta obra de comparativismo religioso e filosófico valorizador da tradição espiritual indiana, tendo-se dado com alguns mestres, nomeadamente o gurudeo Ranade, tal como ficou gravado num filme dos anos 50, agora online. Afirmará ainda antes de ser Presidente da República da Índia, de 1962 a 1967: «Nem o Leste nem o Oeste político receberam a missão de fazer a educação da humanidade. Nós os pensadores, que estamos acima dessa embrulhada, temos o dever, quando todas as pontes estão cortadas, de servir de pontes não só entre o Leste e o Oeste, mas entre as verdades parciais e complementares que cobrem as filosofias opostas... O real é a essência da alma. O objectivo do ser humano é a união com esta realidade, o que será obra não só da razão, mas de toda a personalidade. Devemos abraçar o real não só pelo pensamento, mas de todo o nosso ser. Não se trata de ter ideias, mas de transformar o seu eu e de renovar o seu ser. Pela contemplação, transformamos o homem todo inteiro e assimilamo-lo à natureza do objecto», ou ser espiritual.
                           
Madre Teresa de Calcutá, ao fim duma vida dedicada a servir os
mais fracos e desprotegidos com resultados valiosos, neste dia em 1997, deixa a vestimenta azul e branca das Missionárias da Caridade que cobria o seu pequeno mas valoroso corpo e parte para os outros mundos como alma luminosa e brevemente santificável pela heroicidade com que manifestou as virtudes cristãs perante situações tão adversas e lastimáveis. A grande Índia soube prestar-lhe um funeral de Estado, dando mais uma vez mostras do seu ecumenismo milenário e do seu culto dos mahatmas, as grandes almas, neste caso em amor, compaixão e serviço, e embora não tanto em realização mística mesmo assim confessou-me, quando estive com ela em Calcuta em 1995, que se não fosse a hora de meditação-contemplação matinal praticada não teria forças para aguentar o dia inteiro.

6-IX. Chegam ao porto de S. Lucar na Espanha, ao fim de três anos da árdua 1ª viagem de circum-navegação, em 1522, Sebastian del Cano e 18 tripulantes no navio Vitória, entre os quais está o marinheiro português Francisco Rodrigues e o cosmógrafo humanista italiano António Pigafetta, este o que desenha e descreve a viagem. Pelo caminho desta odisseia tremenda ficaram dezenas de homens, como os destemidos cientistas e sábios capitães Fernão de Magalhães ("conhecia o mar como as suas mãos") e Duarte Pacheco e o contramestre Leone Pancaldo.
                                          
Nasce em 1618, Sant Prannath, em Jamnagar, no Gujarate, Índia. Sendo discípulo de Devchandra Ji Mahraj, o fundador da Pranami ou Nijanand Sampradaya, foi enviado para a Pérsia e países islâmicos, onde conviveu durante cinco anos com muitos mestres e teólogos, compreendendo os pontos de afinidade ou mesmo unidade entre Hinduísmo e Islão. Tornou-se o 2º guru da fraternidade Nijanand, ou Prannath, em 1655 quando o seu mestre o apontou como o seu sucessor. Estudou e praticou a espiritualidade que une as diferentes confissões e crenças e dotado de grande aura espiritual iluminou muitos seres no caminho, nomeadamente na costa ocidental da Índia, tendo contactos com os portugueses e os cristãos em Diu. Em 1668 esteve de novo por quatro anos nas terras e povos do Golfo Pérsico e depois estabilizou com algumas centenas de discípulos na zona de Surate. Perante a política cada vez mais opressiva do fanático imperador Aurangzeb, resolveu transmitir-lhe a mensagem do amor e da unidade das religiões e após 16 meses em Delhi não conseguiu mais que ele se admirasse por haver hindus com tantos conhecimentos do Islão, mas não o recebendo pessoalmente. Não deixou porém até ao fim da sua vida de opor-se ao extremismo e fundamentalismo de Aurangzeb, juntando-se a regentes indianos que lutavam contra ele. Podemos considerá-lo, com Dara Shikoh, um dos pioneiros da Unidade das Religiões através de estudos comparativos linguísticos, filosóficos e místicos ou iniciáticos. As suas obras, tais como Raas e Prakash estão cheias de Bhakti e de Mumuksha, isto é, de amor a Deus e aspiração de iluminação e libertação. Quando se reuniam em Pana os membros do grupo que liderava, também denominado Pranami, não tinham rituais nem diferenças de castas e religiões, liam-se textos do Corão e do Bhagavata Purana e meditavam na Divindade Suprema e no Amor Divino que nos faz ultrapassar as diferenças e separatismos. Algo incompreendido pelo comum islâmico ou hindu, teve a coragem de afirmar sempre a Divindade una e como chegara o tempo de tal Unidade destacar-se da pluralidade religiosa. Mais pioneira corajosa e forte a sua afirmação, bem digna da nossa meditação assimilativa, que o satguru, o verdadeiro mestre, era quem abraçava todas as religiões. Todavia privilegiavam Krishna ou mesmo Adi ou o primordial Narayana, Adinarayana, do qual podemos ouvir uma utilização mântrica actual valiosa em https://www.youtube.com/watch?v=aYZWvbqaq3k . Via o caminho devoto, piedoso ou espiritual tendo como base o amarem-se todos os seres e considerar-se a Divindade como a protectora comum deles. O livro sagrado, emanado dos lábios de Shri Prannathji e recolhido pelos seus discípulos,  intitula-se Kuljam Swaroop, e além de valorizar muito o Amor de Deus e o Amor a Deus, descreve o mundo divino e o que nele há de Lila, jogo de Amor, de Deus com os seus devotos.
  Rui Freire de Andrade, que fora governador de Damão e Chaul, general do mar de Ormuz, costa da Pérsia e da Arábia, vencedor de muitas batalhas, tanto em terra com em mar, «homem capacíssimo por valor, por destreza», ainda que por vezes rigoroso em excesso, um dos defeitos de grandes lutadores e governadores de então, morre em Goa neste dia em 1636. Na época, ele, Nuno Álvares Botelho e António Teles de Meneses distinguiram-se como capitães da armada ao superarem a superioridade numérica dos holandeses e ingleses pela sua perícia, coragem e dedicação. O seu estoicismo era inteiro, como nos conta o historiador da Ásia Portuguesa Manuel Faria e Sousa: numa luta «mandando dar Santiago em copiosos inimigos, respondeu o capitão Vilano que não tinha gente. Passado adiante, voltou a ordenar que dessem Santiago e nessa ocasião lhe penetrou uma bala pela barriga», mas dizia «não é nada, estou são».
                                               
Nasce Helmuth von Glasenapp neste dia em 1891 em Berlim. Orientalista com vastíssima obra publicada até 1963, quando desencarna, foi professor de Civilização Indiana e História Comparada das Religiões em quatro universidades, aprofundando sobretudo o Hinduísmo, o Jainismo e o Budismo, dirá: «A educação é necessária para fazer duma criança submetida a impulsões variadas e contraditórias, um adulto obedecendo às leis de moral... Mas tal faz-se num desenvolvimento progressivo, ao longo de toda a vida, para ela se realizar plena e verdadeiramente. De igual modo a realização espiritual faz-se por graus de disciplina e concentração interior até que a harmonia da alma com o divino se estabeleça».

7-IX. Narra na sua Quarta das Décadas da Ásia o historiador João de Barros que no ano de 1524 havia uma conjunção de todos os planetas na casa de Peixes o que, segundo muitos astrólogos da Europa, prognosticava dilúvio geral ou de muita parte da terra. Sucedendo então neste dia 7 um maremoto na terceira viagem de Vasco da Gama, o almirante vendo os marinheiros atemorizados, berrou: «Amigos, prazer e alegria, o mar treme de nós, não hajais medo, que isto é tremor de terra». Alguns, receavam já não encontrar costa onde desembarcar, mas a voz da Razão, calma e amorosa, do notável comandante Vasco da Gama prevaleceu. Fernando Pessoa na sua Mensagem, poema ritual celebrador e invocador das grandes almas de Portugal, ergueu-o como mítico Argonauta numa ascensão impressionante.
Na margem do rio Ypiranga D. Pedro (como retrata o quadro de Pedro Américo, já de 1888) lança o brado da Independência do Brasil em 1822. Nascera o milagre duma nova nação, verdadeira síntese de terras, povos, almas e civilizações tão diferentes mas irmanadas daí em diante numa fusão notável, riquíssima de potenciais, muitas já realizadas mas ainda com assimetrias de níveis de vida e rendimentos exageradas. É o Dia da Independência do Brasil.
                                   

                                          
Nasce em Dhamrai, Bengala oriental, hoje Bangla Desh, neste dia 7-IX-1887, Gopinath Kaviraj, um dos melhores intérpretes da sabedoria indiana, nomeadamente shivaísta e advaitica, e que a realizará profundamente. Professor de Filosofia, considera-a apenas como «um degrau para a mais elevada fonte de verdadeiro conhecimento que é a revelação, pois o intelecto só pode remover dúvidas e perversões a fim de tornar a mente pronta a receber a Verdade», que é Uma e está para além de todas as formulações, sendo este mundo relativo o campo de acção do Absoluto. O seu mestre impulsionador no caminho foi um famoso yogui, Vishuddhananda Paramahansa (1853-1937), conhecido pelos poderes psíquicos que possuía e que teve o seu ashram num Tibete então maravilhosamente livre para a circulação dos yoguis das diferentes tradições; depois esteve em Benares ou Varanasi, como Paramahamsa Yoganananda narra na sua sempre recomendada Autobiografia de um Yogi. Na sua vida Gopinath Kaviraj foi sobretudo um scholar, um investigador e, apenas secundariamente,  bibliotecário, reitor, professor. E como cedo se aposentou do funcionalismo do Estado tornou-se um yogui profundo e deixou uma vasta obra publicada onde perpassa tanto o seu grande saber de sânscrito e de filosofia indiana como o amor devocional, bhakti prema. Para ele a Cultura era a Philosophia Perenis, uma Tradição espiritual ininterrupta embora dividida em sectores ou subcampos. Outro investigador e yogui muito semelhante na grande qualidade a ele foi gurudev Ranade (18-I-1842 a 16-I-1901).

8-IX. «Viva El-Rei D. João IV, rei legítimo de Portugal». Assim proclamou uma criança em 1641 na igreja de Pangim. Era André de Liz, nove anos, filho do capitão da nau enviada do reino para dar a boa-nova da independência a Goa que, cercada persistentemente pelos holandeses, só a pode receber pela pequena almadia em que André e oito rijos marinheiros a transportaram nas léguas finais  sobre as águas tépidas do Mandovi.
                                           
Desincarna em 1939 Swami Abhedananda, na altura o último discípulo directo de Ramakrishna. Nascera em 1866 e depois de ter conhecido o mestre nos últimos dias de vida, após a sua partida, tornou-se monge e percorreu a Índia em peregrinação durante dez anos. Partiu depois, a pedido de swami Vivekananda, para a USA, onde durante 25 anos ensinou e orientou várias actividades da Ordem de Ramakrishna. Escreveu: «Os hindus entendem pela palavra Cristo o estado supremo de consciência divina, onde toda a dualidade e a ideia de separatividade cessam para sempre, e em que o influxo tremendo da essência Divina do Espírito Universal, quebrando todas as barreiras e limitações da nossa consciência humana, faz-nos realizar a nossa eterna unidade com o Pai celestial no plano espiritual. Quem quer que atinja este estado, torna-se um Cristo». Considerando a ideia da incarnação de Deus correcta e a sua exclusividade em Jesus errada, contrapõe o versículo da Bhagavad Gita que defende a periocidade dos Avatares, ou enviados divinos: «Sempre que a irreligião prevalece e a verdadeira religião declina, Eu manifesto-me numa forma humana para estabelecer a rectidão e destruir o mal». Sobre o pecado original dirá: «Os hindus pensam que o pecado significa egoísmo e fazem-no originar não num diabo mitológico, ou num poder sobrenatural do mal, mas na ignorância do homem tanto da sua natureza divina, como do facto que Deus habita em cada alma individual». As razões porque um Hindu aceita o Cristo e rejeita Igreijidade ("Churchianity") foi um dos seus folhetos mais editados, onde, embora com erros ou exageros, critica vários aspectos mais fracos da dogmática católica.
 Santo Rampal Das Ji Maharaj nasce em 8 de Setembro de 1951 na aldeia de Dhanana, distrito Sonipat, Haryana, Índia, na casa de Shri Nand Ram Jaat, da casta Jaat e no ventre de Shrimati Indra Devi e é considerado por alguns discípulos mais fanáticas uma incarnação da Divindade suprema, tal como foram antes Kabir e Nanak. Os seus satsangs atraem multidões e são com grande erudição e naturalidade transmitidos, tal como podemos ver em vídeos online. Teve problemas graves com grupos rivais e a polícia, e já esteve preso por responsabilidade de mortes, nessas desordens.
                                  
Sri Nisargadatta Maharaj, um dos últimos  mestres na tradição filosófica não-dual, advaita, deixa o corpo terreno neste dia 8-IX em 1981 em Bombaim, tendo mantido sempre a vida simples dum enrolador de bidis, os cigarros asiáticos. Os seus ensinamentos, embora na linha do outro grande mestre não-dual do séc XX Ramana Maharishi, do auto-inquérito (vichara) e auto-realização interior, a qual leva mais à contemplação, contém contudo fortes apelos ao Amor e à actividade harmonizadora do Amor: «A acção não conduz à perfeição. A perfeição exprime-se em acção. Se vos julgardes julgardes pelo que vos exprimis, dai a esta acção-expressão a maior atenção. Quando tomardes consciência da vossa natureza verdadeira, o vosso comportamento será espontaneamente perfeito... A realidade expressa em acção torna a acção bela e significante... A natureza do amor é procurar exprimir-se, afirmar-se, vencer as dificuldades. Quando tiverdes compreendido que o mundo não é senão amor em acção, considerá-lo-eis de modo muito diferente. Mas primeiro a vossa atitude para com o sofrimento deve mudar. O sofrimento é sobretudo um pedido de atenção, que é ela mesma um movimento de amor. Mais que a felicidade, o amor quer a evolução, o alargamento e o aprofundamento da consciência e do ser. Tudo o que vos impede, torna-se fonte de sofrimento e o amor não foge ao sofrimento. Sattva, a energia que participa no desenvolvimento harmonioso e justo, não deve ser entravada. Quando é obstruída a sua passagem, ela volta-se contra ela própria e torna-se destrutiva. Desde que o amor é reprimido e que é permitido ao sofrimento espalhar-se, a guerra torna-se inevitável. A nossa indiferença para com as dores do nosso próximo traz o sofrimento à nossa porta». Boas afirmações para serem meditadas nos nossos dias de tanta guerra, genocídio, sanções, desastres, incêndios, opressões. Quanto à maioria dos pseudo-gurus advaitas modernos e no Ocidente, pouca verdadeira realização têm do espírito, de Brahman e da eventual não-dualidade última...
                                            
9-IX. O P. António Monserrate, o destemido participante nas discussões das várias religiões na Casa da Adoração (Ibadat Khana), na cidade imperial Fatehpur Sikri, sob a égide do ecuménico («cada pessoa pode adorar a Deus à sua maneira») e genial imperador mogol Akbar, escreve neste dia em 1580 a propósito desses pioneiros encontros inter-religiosos: «Fiquei descontente de empeçarem na verdade das Escrituras, que é o limiar da porta nesta matéria, porque como os dogmas da nossa fé se fundam no que Deus tem revelado nas sagradas Escrituras, a razão humana as não alcança, se a esta se não dá inteiro crédito; por demais é porfiar (como dizem), se os Deus por outra via não alumiar». O problema da fé cega nas Escrituras vinha assim ao de cima, pois querendo que os outros aceitassem tudo delas, punha as dos outros em causa, chegando até a afirmar, para grande irritação dos teólogos islâmicos (muttafiqan), que «não tinham sido os cristãos que corromperam as escrituras mas Maomé, e que o Corão estava cheio de erros».
  Nasce na Rússia em 1828 neste dia Leão Tolstoi, e será autor de famosos romances e de valiosos e revolucionários estudos sobre o cristianismo original, mas também foi estudioso das tradições orientais, tal o budismo: «Que estranho ensinamento: E como foi distorcido! Uma ensinamento tão abstracto, o Nirvana, e de repente a mesma adoração de ídolos, o céu e o inferno... Absolutamente as mesmas superstições que o cristianismo». Estudou Shankara, apreciou Ramakrishna, e com a Carta a um Indiano abanará a Índia: «Como é que um pequeno grupo de ingleses inferior em moralidade religiosa aos indianos os escraviza?» Propõe então a não-violência: «Não resisti ao mal, mas também não participeis no mal, nos actos violentos da administração dos tribunais, na cobrança dos impostos, e o mais importante, no exército, e ninguém no mundo vos escravizará». Gandhi será um leitor de Tolstoi, corresponder-se-á com ele e confessar-se-á seu devoto admirador em 1911 (um ano depois da morte dele) e dever-lhe muito na vida. Em Portugal será o sábio escritor Jaime de Magalhães Lima um dos que se interessará mais pela vida e obra de Tolstoi, indo em peregrinação e encontrando-o na sua Isnaia Poliana, no coração da Rússia, onde Tolstoi tentava viver com dificuldades as ideias do cristianismo primitivo,  e a quem ofereceu os Sonetos de Antero de Quental. O seu amigo Antero confessou-lhe numa carta. «Quem me dera viver sempre com doidos como o Conde Tolstoi! Não é só um santo, é também um sábio», expressão curiosa pois acabou por ser também aplicada a Antero de Quental. (Estatueta de Tolstoi, por R. X.,1956). Disponibilizei vários artigos e videos tolstoianos no blogue.
                                           
10-IX. O notável humanista, cientista, militar e estratega D. João de Castro (1500-1548) chega a Goa neste dia, em 1545, com uma armada de seis naus e é recebido
efusivamente pelo seu antecessor na governação de Goa, Martim Afonso de Sousa, um notável militar e governador, natural de Vila Viçosa.  Como nos relata o seu biógrafo Jacinto Freire de Andrade, houve «naquela noite bailes e folias; festins que a singeleza de Portugal antigo levou ao Oriente». O encontro amistoso entre duas cortes de vice-reis notáveis, não sendo frequente, pode ter produzido boas transmissões de conhecimentos e forças. A situação mais difícil que teve de resolver e vencer foi o cerco da fortaleza Diu, e foi ocasião de desenhar o roteiro da viagem de Goa a Diu, uma valiosa obra  científica e de viagens.
D. João III escreve neste dia em 1555 para Coimbra, para o notável humanista Diogo de Teive, já a ser perseguido pela paranóica Inquisição: «Dr. Diogo de Teive: Eu el-Rei vos envio muito saudar; mando-vos que entregueis
esse Colégio das Artes, e governo dele, mui inteiramente, ao P. Diogo Mirão, Provincial da Companhia de Jesus». No Colégio das Artes, fundado em 1547 e dirigido pelo antigo reitor de colégios universitários em França André de Gouveia, detectaram-se três professores suspeitos de protestantismo (Diogo de Teive, João da Costa e Jorge Buchanam), logo expulsos e detidos nas celas inquisitoriais. O controle da formação pré-universitária era assim entregue a mentes mais fiéis, ortodoxas e escolásticas. Diogo de Teive, como bom pedagogo, foi ainda autor de Sentenças muito doutas, e dumas Regras para a Educação de El-Rei D. Sebastião, onde aconselha: «O principal cuidado do bom Mestre há-de ser procurar que a pouca idade não venha a atemorizar-se com o trabalho, nem a contrair ódio às letras, mas elas particularmente, sem as quais haver vida é impossível, ame e tenha como indigno da luz vital quem for desprovido das letras». 
O P. Rudolfo Aquaviva queixa-se em carta escrita neste dia ao reitor de Goa, em 1580, dos mouros em Agra mofarem com ele sempre que diz Jesus Cristo, Filho de Deus: «Assim quando chego a casa com o punhado de cristãos que estão connosco como numa Arca de Noé, mesmo as próprias paredes só conseguem repetir: "Filho de Deus, Filho de Deus"... E parecem replicar: Como podemos nós cantar o cântico do Senhor numa terra estranha?» Eis uma grande questão posta então no encontro das religiões na corte mogol de Akbar, que a imagem em cima documenta, e que nos nossos dias de crescente ecumenismo já diminuiu bastante de importância: Jesus Cristo filho único de Deus, ou apenas um profeta ou mestre, ainda que até o que mais manifestou o Amor Divino? 
Também o mestre espiritual japonês Suzuki Shôsan (1579-1655), inicialmente samurai do shogun Tokugawa Ieyasu, do começo do período Edo, e a partir dos 42 anos monge e fundador da sua própria síntese do Shugendo, do Budismo da Terra Pura e do Zen, com o seu Nio Zen, onde a contemplação assimilativa de uma estátua de Buddha, a repetição invocação de Amitabha Buddha, o nembutsu (namo amida bu, namo amida bu), a animação da energia interna (o ki) e o cultivo de uma mente leve e optimista eram muito importantes, questionará argutamente neste dia em 1642,  algumas certezas do Catolicismo: «Porque razão Deus não apareceu em todas as nações para as salvar indiscriminadamente? Porque permite Deus a outros Buddhas (além de Jesus) pregar diferentes doutrinas? Como pode Deus ser todo misericordioso se permitiu durante os cinco mil anos antes do nascimento de Jesus Cristo que todos os seres humanos fossem para o inferno?»

11-IX. Diogo Lopes de Sequeira (que chegará a governador do Estado Português na Índia) aporta a Malaca neste dia em 1509, e é bem recebido pelo rei e pelos negociantes e marinheiros chineses, mas depois as conspirações dos muçulmanos provocam a fuga dos barcos deixando trinta e três homens em terra presos e vários mortos. Ora o regimento real dado a Sequeira era bem específico no «principal fundamento» da viagem: «desejo e grande vontade de com os reis e senhores delas nos conhecermos e prestarmos nossas gentes com as suas e com eles termos paz e amizade... para connosco e nossas gentes folgarem de tratar». Porém, mais uma vez, a rivalidade religioso-comercial gorava as tentativas de relacionamento comercial pacífico e assim Afonso de Albuquerque virá impor-se ao rei e libertá-los em 1511 e tentará a partir daí o comércio com a China, a Tailândia, a Birmânia. O boticário Tomé Pires escreverá em Malaca a sua Suma Oriental, antes de partir para a China como embaixador em 1517, onde será retido e executado, tendo deixado uma filha, Inês Leiria, segundo o dizer de Fernão Mendes Pinto.
                                         
Muitos dos grandes seres vivem e morrem a sós. Santo Antero, como foi chamado por muitos, foi um deles, e atravessou a vida com a ardência e a sinceridade dum idealista do amor, da justiça, da verdade e da universalidade, o que lhe custou isolamentos e, mesmo após a sua morte auto-realizada, comemorada hoje 11 de Setembro, receber ainda incompreensões e manipulações. Nascera em 18 de Abril de 1842, em S. Miguel, Açores, de família com tradições religiosas e poéticas marcadas, matriculando-se na Universidade de Direito de Coimbra em 1858, onde cedo o seu génio convivial, poético, filosófico e contestatário brilha: é preso por oito dias (cumpridos em duas vezes) em 1859, em 1861 funda uma  associação secreta, a Sociedade do Raio, em 1862 lidera  a pateada ao reitor Basílio Alberto de Sousa Pinto e redige o manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País, subscrito por 314 estudantes; em Abril de 1864 lidera a revolta e a saída dos estudantes (a Rolinada) até ao Porto em protesto contra o presidente do Governo, o duque de Loulé, Rolim de Moura, é um dos grandes poetas nocturnos da boémia coimbrã e interessa-se pelas literaturas e religiões orientais, em especial persas e indianas. Os seus primeiros versos são românticos, religiosos e filosóficos, editados em pequenos opúsculo mas é em 1865, com as Odes Modernas, que transmite ou manifesta publicamente com mais impacto os seus ideais de justiça, socialismo, revolução e liberdade. Trava nesse ano a polémica do Bom-Senso e Bom-Gosto com António Castilho, o principal mestre literário de então, na qual participam vários escritores, e vence até num duelo Ramalho Ortigão, que se erguera em defesa do patriarca Castilho, em Fevereiro de 1866. Formara-se em Leis em 1865 mas, decido a entrar na realidade social, é aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional de Lisboa, e parte para Paris a fim de viver a vida dum operário socialista, que contudo não aguenta muito tempo (dois meses e pouco), pelo que regressa, iniciando depois de uma recuperação campestre na quinta dos seus condiscípulos Sampaios, em Guimarães. 
Inicia depois uma certa divulgação dos ideais de Proudhon e do socialismo. Em 1871, pronuncia a célebre conferência sobre As causas da decadência dos povos Peninsulares, que leva o ministro do Reino, Ávila e Bolama, a proibi-las, e Antero a dar-lhe uma contundente resposta, em defesa da liberdade. Em 1874, adoece em Ponta Delgada, e começa um longo calvário de diagnósticos e tratamentos incorrectos (seja um estrangulamento do piloro, que lhe dificultava as digestões e o sono, seja um estado psico-somático sujeito a enfraquecimentos) que o vão diminuindo, e que, aliados a uma certa desilusão política e social, o fazem atravessar uma fase algo pessimista, ultrapassada de certo modo partir de 1880, quando, instalado em Vila do Conde, as suas inquietações metafísicas começam a dar mais frutos interiores de estabilização de compreensão e amor, realizando em si algo próximo do que chamara seja um “Budismo coroando um Helenismo”, seja a compreensão dos místicos cristãos alemães, seja a união do espiritualismo com o materialismo científico. Em 1879 adoptara as duas filhas do seu amigo Germano Meireles, Albertina e Beatriz, que viverão com ele até uns meses antes da sua morte e chegarão aos 97 e 94 anos. A partir de Setembro de 1881, já instalado em Vila do Conde com as suas pupilas e a viúva adoentada, junto ao mar, vai aperfeiçoando os seus notáveis Sonetos, na forma e no conteúdo, e que testemunham uma nítida evolução espiritual, embora ainda assim aquém do que ele desejaria já ver de plena luz e conhecimento. Tenta coordenar as suas ideias, os seus trabalhos para a Geração nova e a Religião do Futuro, mas a saúde apoquenta-o. Após o Ultimatum do imperialismo inglês de 1890, face à reacção cívica dos portuenses e em especial ao convite dos estudantes, aceita o cargo de Presidente da Liga Patriótica do Norte, que aqueles lhe foram pedir a Vila do Conde, com eventos de grande emoção e civismo, mas a fraqueza do País e dos políticos desiludem-no, já que o movimento desapoiado esmorece, abandonando de vez a participação pública na marcha dos acontecimentos políticos. Regressado aos Açores e a Ponta Delgada em 1891, com os seus padecimentos nervosos e a situação trágica de lhe estarem a retirar a tutela e cuidado das duas jovenzinhas que educara, desincarna samuraica e voluntariamente com dois tiros de pistola em 11 de Setembro de 1891, sentado calma, ou quem sabe algo nervosamente. num banco do jardim, que se encontrava debaixo de uma âncora em relevo e da significativa palavra, essa que acompanha todos os peregrinos e nobres viajantes, e que talvez o tenha desarmargurado um pouco antes de se lhe abrir a vereda árdua da vida depois da morte: "Esperança".
Antero de Quental foi um dos raros pensadores que se aproximou lúcido frequentemente da experiência da morte e das elevadas regiões do Não-Ser, investigando nesta linha negativa o dito grego "Morrer é ser iniciado". Pouco antes de morrer, desejara ou sonhara fundar uma ordem de contemplativos, a Ordem dos Mateiros e Fidelino de Figueiredo realçou esse testamento anímico de alguém que «teria sido um S. Bento de Portugal, restaurador da disciplina das almas, iniciador da sua reconstrução pelo recolhimento meditativo». «Três coisas devemos pedir ao recolhimento monástico ou à sua irradiação: firmeza, paciência e esquecimento. Só para as propagar e difundir valeria a pena fundar a velha ordem dos Mateiros, de Antero de Quental — velha, sem nunca ter existido». 
Numa das suas mais belas poesias Antero concluirá: «A Ideia, o sumo Bem, o Verbo, a Essência, / Só se revela aos homens e às nações / No céu incorruptível da Consciência», cabendo-nos este trabalho perseverante de transformação da nossa identidade e religação ao espírito.  Os seus panfletos, a obra poética e filosófica e sobretudo as tão valiosas Cartas, bem editadas por Ana Maria Almeida Martins, dirigidas aos amigos sobreviverão sempre na literatura, na filosofia e na espiritualidade portuguesa.
 
 Nasce neste dia 11-IX-1866, na Rússia, (embora em Kielce, hoje Polónia) Fyodor Shcherbatskoy  e depois de se ter licenciado na Faculdade Histórico Filológica de S Petesburg,  com mestres como Serge Oldenburg e Minayeff, aprendeu no estrangeiro com Herman Jacobi e Georg Bühler, vindo a  dominar eximiamente o sânscrito e o tibetano. Com Oldenburg cria em 1897 a Bibliotheca Budhica, responsável pela publicação de textos muito valiosos do budismo, religião em que se tornará o grande especialista. Em 1923 publicou The central conception of Buddhism and the meaning of the word "Dharma.", na Royal Asiatic Society, em Londres, mas será o seu livro A concepção Budista de Nirvana, publicado em inglês em 1927, em Leninegrado, que lhe dará mais renome, se bem que a maioria das suas obras aprofundassem mais a lógica budista. Em 1928 fundou um Instituto de Cultura Budista em Leninegrado. Foi muito respeitado por alguns indianos pelo seu trabalho revalorizador da filosofia budista e deixará a Terra em 1942,
                              
10.000 pessoas ouvem impressionadas, neste dia em 1893, a
mensagem breve, forte e anti-opressiva do discípulo de Ramakrishna, Swami Vivekananda, no I Parlamento Mundial das Religiões, em Chicago (o qual se repetirá em 1993): «Oh! filhos da imortalidade, Oh! divindades na terra, erguei-vos. Oh! leões, libertem-se da ilusão que sois carneiros. Vós sois almas, espíritos imortais, livres, abençoados eternos. Esta é a mensagem da Índia. Possa eu nascer e nascer de novo e sofrer milhares de misérias de modo a que possa adorar o único Deus que eu acredito na soma total de todas as almas e acima de tudo, meu Deus o fraco, meu Deus o miserável, meu Deus o pobre de todas as raças de todas as espécies». Menos místico que o seu mestre Ramakrishna, mas mais intelectual e dinâmico, um entusiasta orador, gerará muitas obras e imprimirá à ordem de monges praticamente por ele fundada, além da divulgação da espiritualidade indiana na linha Yoga Vedanta e Bhakti, um carácter de serviço organizado, notável na educação e assistência espiritual e hospitalar e em casos de calamidade pública. Talvez se tenha iludido com a importância da Índia espiritual no mundo, como discursara então: «Uma vez mais o mundo deve ser conquistado pela Índia. Este é o grande ideal que temos diante de nós... Arriba Índia! e conquista o mundo com a tua espiritualidade. A espiritualidade tem de conquistar o mundo». O que sentiria ele com a sarabanda actual de pseudo-yogas e espiritualidades, pseudo-mestres e realizados, da Índia e das pseudo-Índias....
                                
  Vinoba (Vinayak Bhave) nasce neste dia em 1895, perto de Bombaim. Dotado para as línguas (falava doze) e as matemáticas, abandonou um futuro promissor para se entregar às causas ou lutas activistas de Gandhi. No seu ashram (comunidade) executa todas as funções com tal perfeição que Gandhi confessa ao pastor inglês Andrews que lhe perguntava quem era ele: «É uma das pérolas raras do ashram, um daqueles que vieram não para ser benzidos, mas para abençoar, não para receber, mas para dar». Mestre de Gandhi no sânscrito e na interpretação e recitação dos textos sagrados, pois nascera brâmane, discípulo profundo nos votos e técnicas da não-violência, quando Gandhi morreu, tomou o seu lugar. Como disse o famoso cantor Toukdoji: «O Pai partiu, o Filho carregou o fardo sobre o seu ombro. Vinoba é agora para nós o que Bapou (Pai) era para nós. Gandhiji morto, eis agora o advento do herdeiro do seu imenso amor». Vinoba inicia então o Bhodan, o dom gratuito ou caridoso da terra, e recebe milhões de hectares para os mais desfavorecidos durante as grandes peregrinações a pé por toda a Índia, justificando-se: «Não basta espalhar ideias e não convém impô-las, e é preciso ainda que venham ter connosco e que adiram às propostas. Se as pessoas aderirem às propostas, elas impõem-se e espalham-se. Se tivesse atravessado as aldeias a rolar sobre nuvens de poeira, as minhas ideias não teriam raízes». No seu ashram em Wardha ou noutros locais itinerantes, homens de Estado e peregrinos, entre os quais se destacaram o místico Jacques de Marquette e o siciliano francês Lanza del Vasto, encontraram sempre um caloroso e sábio acolhimento, como eu próprio o experimentei sendo por ele recebido de braços abertos e dialogando sobre a não-violência.
O professor da Universidade de Coimbra, Américo da Costa Ramalho pronuncia neste dia 11, em 1958, no salão do Instituto Vasco da Gama, em Goa, uma conferência sobre O Poeta quinhentista André Falcão de Resende, onde lê versos de Resende enviados para o seu concunhado António Silveira, na Índia, referindo os matrimónios felizes de ambos:«Mas se do Céu tal bem se me conceda/ Que saiba eu contentar-me em minha sorte,/ E dos males mundanos perca a sede:/ Que em recíproco amor minha consorte,/ Minha doce Norélia e eu vivamos,/ Que mal me pode vir, que eu não suporte?» E a que Heitor Silveira responde da Índia: «Vós, ledo, satisfeito, vós, atado/ Com aquele amor puro de vossa alma,/ da vida de cá andais longe e afastado./ Que alegre estará sempre e pura essa alma,/ Toda entregue a Norélia, à qual só dando/ Cada hora da vida os triunfos e palma». Eram as ressonâncias de dois cavaleiros do Amor unindo o Oriente goês e o Ocidente português. Costa Ramalho referiu ainda de André Falcão de Resende a Microcosmografia e descrição do Pequeno Mundo que é o Homem, valioso poema anatómico filosófico tão pouco conhecido.
 

 12-IX. Carta do missionário S. Francisco Xavier escrita neste dia em 1544 a Mansilhas: «Por amor de Deus que escreveis ao capitão da minha parte, que lhe rogo muito, que por todo este mês de Setembro que me há-de fazer mercê que não mande, nem consinta que se façam males aos gentios da terra del-rei Grande, pois são tanto nossos amigos nas coisas dos cristãos... para que não haja queixumes de nós a el-rei». Eis uma pequena activação da não violência cristã em terras indianas...
Baptismo em Évora de Afonso Guerreiro neste dia em 1676. Partirá para a Índia, como capitão de nau mas far-se-á pouco depois franciscano. Ao fim de oito anos foi nomeado Procurador Geral, regressando a Lisboa. Veio a pertencer à Academia Real de História pelas suas probas investigações.
Vinoba, o companheiro de Gandhi e seu sucessor na liderança da
linha da não-violência, fala-nos assim num discurso neste dia em 1957, em Yelwal, Mysore: «É minha fé fundamental que há um espírito divino no coração do ser humano. Superficialmente pode haver faltas, mas não são da essência interna. Precisamos então de descobrir um caminho que entre no mais íntimo do coração para que toda a bondade seja revelada. E esse caminho pode ser encontrado; descobri-o em Telengana. Eu pedi terra, e um homem avançou e deu-me terras. Para mim este minúsculo incidente foi um sinal de Deus; confirmou a minha fé em Deus. É contra o dharma (ordem cósmica) e a razão pensar que a terra pode ser propriedade individual. E quando eu comecei a pedir terra num espírito de amor, as pessoas começaram a responder. Foi como se um vento fresco começasse a soprar, e as pessoas vieram, vindas de longe ou de perto, juntar-se à nossa peregrinação». Assim se referia Vinoba às jornadas a pé (bhodan) que atravessaram a Índia a pedir e a receber terras para os mais destituídos (grandam). Isto na sua plenitude significa «que tudo o que se possui deve ser posto à disposição da comunidade como um todo». Assim se realizou uma reforma agrária, não-violenta e eficaz, de milhões de hectares. Quanto ao espírito no coração, Vinoba viu-o aqui como uma comunicação, um sopro de fraternidade vencendo egoísmos e posses e sem dúvida tal é um dos aspectos, a acção abnegada no mundo.
                                                     
 Cláudio Gama Pinto, o grande oftalmógico, nascido a 30-IV-1853, em Saligão, Índia, escreve neste dia 12-IX-1922 à sua prima e casada com seu irmão, revelando a sua juventude muito dura e como em Portugal, para onde o seu pai o enviou,  foi o tio Raimundo da Gama, médico em Coimbra que, com a mulher e a enteada, a famosa poetisa Amélia Jany, o acolheu e apoiou: «Não tardou muito que eu tivesse naquela gente três dedicações incondicionais; no tio, um pai carinhoso a quem devo tudo quando sou; nas duas senhoras, uma mãe e uma irmã desveladas, como se fossem do meu próprio sangue. Ao tio era indiferente a família de Goa que pouco com ele se importara e só se lembrara da sua existência para lhe impingir o sobrinho. Não foi, pois ao parente que se votaram essas dedicações; foi ao rapaz que soube adaptar-se tão perfeitamente ao viver da família, que lhe era tão grato pelos benefícios recebidos, tão acessível aos bons conselhos, tão aplicado aos estudos e tão modesto nos seus desejos; eu conquistara aqueles afectos como conquistaria qualquer estranho que fosse para aquela casa e revelasse as qualidades que revelei (...) Nunca me abandonaram o amor ao trabalho nem os hábitos de economia; e a essas duas qualidades devo a consideração de que gozo e relativa comodidade com que vivo (...) O tio Raimundo teve sempre, enquanto fui seu pupilo, grande prazer nas minhas qualidades morais e nos meus progressos nos estudos; e mais tarde, depois de homem feito, orgulhava-se de que o sobrinho tivesse realizado os ideais que ele sonhara para si próprio. Deus o tenha em sua guarda, que a minha gratidão acompanhará a sua memória enquanto em mim pulsar um coração.» Extraído de Gama Pinto, sábio goês, visto à luz da sua correspondência familiar, por Francisco Pinto de Menezes, em Boletim do Instituto Vasco da Gama, 1960.
 13-IX. A armada de Pedro Álvares Cabral fundeia junto a Calecut em 1500 e entrega ao Samorim a carta enviada por D. Manuel: «Deveis fazer nessa partes do Oriente, o que todos fazemos nestas do Poente, que é darmos muitos louvores ao senhor Deus, porque em vossos dias e nos nossos fez tanta mercê ao mundo, que por vista nos pudéssemos saber e ver e conhecer, e ajuntar e vizinhar por conversação, estando as gentes dessas terras e destas tão afastadas umas das outras do começo do mundo até agora, e tão sem cuidado nem esperança disto». O Senhor dos Mares (Samorim) de Calecut dirá que apreciou a mensagem, uma das mais belas declarações de princípios nos Descobrimentos, mas que ficará sobretudo para a história da Utopia.
Aporta a Angediva, Goa, a armada conduzida pelo 1º Vice Rei da Índia D. Francisco de Almeida neste dia em 1505 e no meio de toda a dinâmica suscitada na cidade destaca-se a acção do médico mouro que D. Francisco de Almeida, entusiasmado pelos seus conhecimentos, trouxera consigo do porto de Mombaça, conseguindo curar muitos doentes ou feridos, como relata Gaspar Correia, nas suas Lendas da Índia. Anos mais tarde Linschoten, que está entre 1583-1588 em Goa, regista na sua Voyage to the East Indies, o reconhecimento que os médicos indianos tinham da parte dos portugueses. Houve privilégios como andar com sombreiro,  ou de cavalo, ou de serem levados de palamquins ou andores, em reconhecimento do valor e utilidade do seu mister, mas o sucesso que tinham pelo melhor conhecimento dos contextos vários em causa criou invejas e suscitou zelos fanáticos religiosos que culminaram em proibições como as lançadas pelo 1º Concílio Provincial, realizado em Goa em 1567, e pelo alvará do governador António Moniz Barreto, de 15 de Dezembro de 1574.
Aporta em Goa em 13-IX-1556 uma armada de quatro naus trazendo consigo uma carga muito preciosa: desde o patriarca da Etiópia D. João Nunes Barreto ao impressor Juan de Bustamante, passando dentro em pouco a haver em Goa quatro impressores da Palavra ou Verbo com o nome de João: João de Éndem, João Quinquénio, João Blávio e João de Bustamante, de cujos prelos sairão algumas obras valiosas e hoje raríssimas, tais as Conclusiones Philosophicas, ainda em 1556 e a Doutrina Christã em 1561, impressas pelo castelhano Juan de Bustamante.
Desembarcam neste dia em Goa em 1578, os missionários Duarte de Sande, evangelizador no Japão, e Miguel Ruggieri e Mateus Ricci, que depois de três anos na Índia, virão a ter grande acção na China, ao seguirem uma adaptação do cristianismo com o que estudaram e se podia reconhecer da sabedoria antiga da China, debaixo da ameaça das reservas da mentalidade limitada de outros padres, ou das rivalidades com franciscanos e dominicanos, desejosos de missionarem nessa imensa e oblíqua seara entregue aos jesuítas.
Partem neste 13, em 1607, para Goa, de Lahore, enviados pelo imperador mogol Jahangir o P. Manuel Pinheiro e o hakim ou o praticante da medicina unani, árabe,  Abu Ali Hussein ben Abdullah ben Sina, que já fora muito estimado pelo imperador Akbar e que recebera o título de Muquarrah Khan, agora em missão de embaixador. A viagem será demorada e quando chegam a Cambaia, Goga, o seu filho adoece gravemente e em último recurso foi o Padre Pinheiro, recitando-lhe passos do Evangelho de S. Marcos  e tocando-o com relíquias, que o cura. Abu Ali Hussein, o Muquarrah Khan, promete baptizá-lo e ele próprio em Goa em 1610 recebe as águas lustrais, como narra Amâncio Gracias, na sua valiosa obra sobre a Medicine in Goa in XV-XVIII centuries. 
14-IX. O 13º vice-rei da Índia, D. Francisco de Mascarenhas, chefe militar experiente e prisioneiro após a batalha de Alcácer Quibir, apoiante do rei D. Filipe I, e por isso nomeado por ele vice-rei,  dá neste dia, em 1582, o seu "cumpra-se" à lei de Sua Majestade de 25 de Fevereiro de 1581, «para que não haja pagodes nem cerimónias». Transcreve-nos o notável historiador Panduronga S. Pissurlencar, no seu Roteiro dos Arquivos da Índia Portuguesa, Bastorá, 1955, que promulgou-se esta lei porque quis o rei «satisfazer com a mesma obrigação (de se esforçar pela conversão da gentilidade) e dissipar a veneração que os gentios têm a seus falsos Deuses». Ora quem seria mais falso Deus: o ciumento e violento Jehova do Antigo Testamento e do Talmude, ou o Shiva, que significa felicidade e que é a Consciência Pura que se une à energia pura, a Shakti? Como não vermos as diferentes concepções de Deus como frutos condicionados dos tempos e locais onde elas nasceram e se formaram? Até quando as pessoas desconhecerão que é no seu interior que a Divindade verdadeira se lhes pode desvendar e que os Deuses exteriores são apenas circunscrições ou faces da infinidade Divina?
 Naufrágio de duas naus da Índia, neste dia em 1606, já às portas de Lisboa. Sobre estes naufrágios diz Diogo de Couto na sua obra bastante original e crítica de certos aspectos de sombra no Descobrimentos, o Soldado Prático: «Já não aproveita para as Naus irem e virem a salvamento, partirem cedo, nem bons pilotos, nem irem bem remendadas e aparelhadas de todo o necessário: porque vão e vêm tão alastradas de pecados, que, dizem, visivelmente falam demónios nelas em suas tormentas, e trabalhos; e não era assim no tempo passado, que nas tormentas lhes aparecia Nossa Senhora, como quem sempre costumou aparecer, e ajudar aos que por ela chamam em seus trabalhos». Mãe, Dama, Hagia Sophia, Santa Sofia, Alma dos cavaleiros, Alma do mundo, Shudha Shakti, eis o eterno Princípio Feminino por tantos nomes cultuado, mas por tão poucos seres realizado, e em baixo numa pintura do ilustre mestre russo Nicholai Roerich.
                               
Rebenta a Revolta dos soldados maratas contra terem de irem em comissão para Moçambique (cemitério de recentes expedições da Índia) sem condições justas, aos quais se juntam os ranes e aldeões de Satari, neste dia em 1895. O Senado de Goa deputou o conde de Mahem e o visconde de Bardez uma vez, e depois o conde de Mahem e dois oficiais, para tentarem convencer os revoltosos a renderem-se e que seriam perdoados, porém os ranes opuseram-se mas, ao aumentarem as violências, perderam a simpatia compreensiva de certa parte da população de Goa. Gomes da Costa (1863-1927) tenta com a sua proverbial coragem e força controlar a situação, mas será a expedição enviada de Lisboa e comandada pelo Príncipe D. Afonso a repor a ordem em Dezembro e a reorganizar o Exército. Muitas publicações se geraram na época sobre o caso.
                                          
15-IX. Zarpam de Lisboa neste dia em 1554 os primeiros missionários jesuítas para o reino do Prestes João, complementando a obra dos cento e tal companheiros de D. Cristóvão da Gama que por lá ainda se encontravam como colonos e guerreiros. Mas a resistência dos antigos costumes e ritos, tal a circuncisão, o baptismo anual, a guarda do Sábado santo, o casamento dos padres, manter-se-á sempre e será muito difícil convencerem-nos que as doutrinas e ritos de Roma é que eram os certos. Grande debates teológicos acontecerão. Em 1622 o P. Pêro Pais consegue que o imperador Susénios fique só com uma mulher, a primeira, e se converta. Em 1626 o patriarca Afonso Mendes obtém do imperador a submissão a Roma, mas criando tais lutas que os missionários serão expulsos em 1634, terminando assim a demanda que de tantos fumos se revestira e que de concreto realizará o apoio cultural e guerreiro ao imperador, e a heroicidade e abnegação dalguns dos intervenientes, tal Cristóvão da Gama, não havendo já dúvidas de que o mítico Rei do Mundo não podia ser daquela terra e deste mundo, ainda que no séc. XX alguns reputados escritores esotéricos e tradicionais se deixaram de novo iludir, tal como o insuspeitado e tão racional René Guénon, seguindo uma linha mistificadora de St. Yves de Alveydre, a que se seguiram vários outros grupos.
Octaviano Guilherme Ferreira, director da Biblioteca Nacional de Nova Goa, no seu livrinho Horas Vagas. Bibliotecas, dado à luz em 1905, menciona a portaria de 15 de Setembro de 1832, do vice-rei D. Manuel de Portugal e Castro que institui uma livraria pública, sob a direcção do engenheiro militar José António de Lemos, onde foram preservados os livros e manuscritos provenientes dos conventos encerrados, pela trágica extinção das Ordens Religiosas que em Lisboa e para Portugal fora decidida. Será numa portaria de 5 de Outubro de 1836 que a livraria pública passa a ser denominada Biblioteca. O seu regulamento, pessoal e financiamento é estabelecida em 30 de Abril de 1870. E a 12 de Dezeembro de 1879 no novo regulamento fica estabelecida, com pioneirismo em relação a Lisboa, a leitura nocturna.
 

 16-IX. «Diz aqui o Almirante que hoje e sempre de aí em adiante encontraram ares temperadíssimos que era prazer grande o gosto das manhãs, que não faltava senão ouvir rouxinóis. Disse ele: e era tempo como Abril na Andaluzia». Assim transcreve bastante sensivelmente Bartolomeu de Las Casas, o pai do abnegado missionário dos Índios da América espanhola, o ambiente marítimo (nada poluído mesmo...) do domingo de 16-IX-1492 da primeira viagem de Cristóvão Colombo à América Central.
Em carta datada desde dia, de 1693, o vice-rei, conde de Vila Verde, Pedro de Meneses Noronha de Albuquerque, enaltece, por causa duma invasão a Baçaim dum general mogol, os serviços prestados pelo parsi Rustum Manoke, representante dos interesses portugueses na corte do nababo de Surate, com o cargo de «corretor dos portugueses». Em 1695, Rustum Manoke recebe alguns privilégios, tal poder andar de andor nas praças do Norte. A comunidade parsi, ainda hoje existente, remonta a Zoroastro, talvez o mais antigo profeta conhecido, do Irão, e que deu origem ao Zoroastrismo, uma religião em que o culto das forças na natureza foi transcendido por um forte monoteísmo (ainda que com o tempo mitigado e mesmo dualizado), e com elevados códigos de labor e de pureza, mantendo-se contudo o culto do fogo exterior e interior.
Decreto em 1774 do vigário da vara de Baçaim, conquistada em 1531 por Nuno da Cunha, doada por Bahadur (incluindo Bombaim) em 1535, recuperada pelos maratas em 1739 e apanhada pelos ingleses em 1818: «O pároco seja muito solícito em dar às suas ovelhas o pasto espiritual da divina palavra na língua vulgar, em instruir as parteiras da freguesia no modo de baptizar os recém-nascidos, e a todos no modo de receberem os sacramentos». Já noutro edital é pedido que sejam denunciados os cristãos feiticeiros, quem vai ao pagode, quem consulta os infiéis sobre eventos futuros ou contribui com alguma pensão ao bagateiro (bruxo). E também o filho que bata nos pais, e quem seja usurário.

17-IX. Natural de Odemira, o P. Francisco Rodrigues, depois de se ter formado em Salamanca e ser mestre de Matemática e de Teologia Moral no Colégio lisboeta de S. Antão, desejava ir para a messe ultramarina mas como não lho permitissem, pelos seus pés defeituosos, escreveu ao patriarca S. Inácio que não só lhe deu autorização, como o nomeou reitor do Colégio de S. Paulo em Goa, dizendo que os «reitores não governavam com os pés, senão com a cabeça». Partiu na nau Garça em 30-III-1556 e chegou a 4-IX. Distinguiu-se nos debates com  religiosos indianos e mandou traduzir o valioso "evangelho" indiano Bhagavad Gita para melhor se compreenderem e terá convertido um sanyasin brâmane famoso de Angediva. Participou no I Concílio Provincial de Goa de 1567. E foi nomeado Provincial da Índia em 1572. Já o zelo de calcar e destruir os templos hindus (quem sabe se por isso e de acordo com as ideias indianas do karma já nascera com os pés assim) é que foi deveras lamentável. Morre neste dia 17-IX de 1573, com sessenta e oito anos e vinte e seis de padre jesuíta. No elogios finais destacaram a sua prudência, ciência e capacidade de pregar e convencer. Vários casos de fiscalidade e ética, comentados por Francisco Rodrigues, e que se encontram na Torre do Tombo no manuscrito nº 805, colectivo (pois há também do P. Antonio Quadros e do P. Gomes Vaz),  foram recentemente estudados por Manuel Lobato e Jorge dos Santos Alves e encontram-se em rede.
O rei D. Filipe II, de Espanha e Portugal, morre no Escorial em
1598. Filho de D. Isabel de Portugal, neto do rei D. Manuel, ambicioso, casado 4 vezes, teve a sorte de, na roda dos casamentos e desventuras dos dois reinos hispânicos, ficar na mó de cima. Aclamado em Tomar, acalmando com benesses muitos nobres, lendo os autores portugueses, prometeu e respeitou uma certa autonomia lusitana. Pediu para ser enterrado num caixão feito da madeira da nau mais veterana da Carreira da Índia, a Chagas, no mosteiro de S. Lourenço do Escorial, construído pelos sábios João de Batista de Toledo e João de Herrera, este como D. Filipe II, um estudioso da obra do fecundo e criativo franciscano Raimundo Lulo.
                                                          
É eleito para o grão-mestrado da Ordem de Malta o octogenário Luís Mendes de Vasconcelos, neste dia em 1622, vivendo só mais cinco meses. Quatro mestres portugueses teve esta Ordem, fundada no tempo das cruzadas e dos templários, e então com o nome de S. João ou do Hospital. Expulsa depois para Rodes e Chipre, estabilizou em Malta desde 1530, graças ao imperador Carlos V, donde foi tentando travar a expansão turca no Mediterrâneo com feitos valorosos, especialmente até ao século XVII.
 Nasce em S. Petersburg neste dia 17 de Setembro de 1929 Tatyana Yakovlevna Elizarenkova, uma linguista que veio a ser uma das mais notáveis conhecedoras do sânscrito e dos Vedas, tendo traduzido o Rig Veda e o Atharva Veda para russo. Foi também especialista do pali e do hindi tendo deixado obras valiosas.
 
  18-IX. Chega a Bombaim a expedição inglesa para receber a cidade das mãos dos portugueses neste dia em 1662. Nela vem também o comissário e governador (o 52º) do Estado Português na Índia António de Melo e Castro que, experimentando a animosidade (já imperialista) dos ingleses, e depois o incumprimento da cláusula de ajuda contra holandeses, fatal então para Cochim, resolve atrasar o mais possível a entrega, tanto mais que clarividentemente vê a «grande e opulenta cidade» que vão fazer. Por fim, em 1665, escreve ao rei: «Senhor, acabou-se a Índia no mesmo dia em que a nação inglesa fizer assento em Bombaim», mas perante tantas insistências da corte, pressionada pelos ingleses, terá de assinar a entrega em 18 Fevereiro de 1665. A Bombaim de hoje pouco tem a ver com estes primórdios mas certamente que os diminutos recursos de Portugal nunca poderiam levar a cabo o erguer dum poderio, o Raj, como foi o do império colonial britânico. Para isso também a mentalidade pouco opressiva dos portugueses, fora dos assuntos religiosos, os diminuía perante os ingleses, mais fleumáticos e pragmáticos, que conseguiram lentamente aproveitar-se das lutas entre muçulmanos e indianos, das divisões dos indianos e das fraquezas dos portugueses, franceses e holandeses para virem a dominar o subcontinente indiano, até chegar o tempo do reprimido, aprisionado e por fim libertador mahatma Gandhi.
                                             
19-IX. Chegam à Índia, em 1683, o ano em que Sambagi ataca a ilha de S. Estêvão e que os exércitos de Aurangzeb atacam Damão, só duas charruas com soldados de pouca idade. Na Relação Verdadeira de 1683 aponta-se o descrédito que os orientais fazem do «Reino que na maior necessidade manda semelhantes socorros... Dirão a sua Alteza, a Índia rende pouco e gasta muito. Quem tem culpa disto senão os Senhores Reis de Portugal seus avós que prodigamente repartiram a fazenda real? Quem tem culpa de os Senhores Reis de Portugal darem aos Padres da Companhia a maior parte de sua fazenda?»
Nasce Cândido Figueiredo, em Lobão da Beira, freguesia de Tondela, em 19 de Setembro de 1846. Lexicólogo e escritor, chegou a ser membro da Sociedade Asiática de Paris pois foi autor de  pequenos estudos sobre a literatura e a cultura indiana. Com Luciano Cordeiro foi um dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, e presidiu também à Academia das Ciências por mais de uma vez, duas das instituições com maior obra na história da cultura em Portugal. Traduziu um episódio do Ramayana, a Morte de Yaginadatta, a partir das versões de Gorresio e Fauche, impresso em Coimbra, na Imprensa da Universidade, em 1873: «Quando um homem, dama ilustre, faz uma acção, ou boa ou má, não pode evitar no porvir os frutos dela. Qualquer que em suas coisas não distingue o bem e o mal, e às cegas vai obrando, os sábios apelidam-no criança». O Prof. Guilherme de Vasconcellos Abreu, que sabia bem mais o sânscrito, teceu algumas críticas à sua tradução, embora esta estivesse assim dedicada e como que apadrinhada: "Ao profundo orientalista, ao eruditíssimo filólogo, ao aplaudido professor da Universidade de Oxford Max Muller, consagra este mesquinho testemunho de reverência, simpatia e gratidão C. de. F.". Em 1881 publicou Homens e Letras. Galeria de Poetas Contemporâneos, onde os esboça e dá a bio-bibliografia, alguns dos quais estando mais ligados ao Oriente, tal Antero de Quental e Tomás Ribeiro, e sobretudo Fernando Leal e Cristóvão Aires, naturais da Índia.
20-IX. O experimentado e heróico vice-rei da Índia D. Francisco de Almeida (1450-1510) escreve neste dia ao rei em 1508: «Grande paixão é para mim escrever esta a Vossa Alteza, porque não posso deixar de tocar nela coisas que cortam a minha alma, as quais eu tinha muito determinado de tirar memória quanto em mim fosse para vos poder melhor servir, assim como são todos os meus desejos... Meu filho é morto, assim como a Nosso Senhor aprouve, mataram-no os venezianos e mouros do Sultão... da qual coisa ficaram os mouros desta terra tão favorecidos e cheios de soberba, com tanta esperança de socorro, que não pode ser que este ano deixemos de nos ver com eles de verdade, e será coisa que eu agora mais desejo, porque me parece, com a ajuda de Nosso Senhor, que os havemos de sumir nesse mar, que não tornem deles novas a sua terra; e se Nosso Senhor fôr servido que nisso se acabe a minha vida alcançarei o descanso que busco, que é ver-me com o meu filho na glória onde Nosso Senhor nos levará para a sua misericórdia, pois morreremos por ele e por vós». Dois anos depois, na viagem do regresso a Portugal, numa escaramuça algo traiçoeira ou inesperada na costa Africana, a sua alma irá aproximar-se ou juntar-se à do seu filho Lourenço.
                                          

De Sevilha partem neste dia, em 1519, os 238 tripulantes das cinco naus capitaneadas por Fernão de Magalhães que vão realizar a primeira viagem de circum-navegação do planeta. Seguem vinte e quatro portugueses e vários gregos, genoveses, bretões, franceses e ingleses para esta tremenda odisseia em que revoltas, traições, tempestades e fomes provam as mais altas qualidades humanas. Ao fim de três anos, chegarão a Espanha dezoito num navio, com direito a oito arrobas de especiarias por cabeça. Fernão de Magalhães, com a experiência do Oriente de 1504 a 1512, ferido em Cananor e em Diu, esteve à altura da tarefa, até a passar para Juan Sebástian Elcano.
Chegam a Macau em 1640 os treze sobreviventes da embaixada portuguesa enviada ao Japão ao Xógum Iemitsu, tendo os outros sido martirizados, quando pediam o restabelecimento de relações comerciais, proibidas desde o levantamento e morte dos 37.000 japoneses de Arima, pobres e aspirando a uma vivência humana mais justa, o que contribuíra para a terceira e última ordem de expulsão dos portugueses em 1639. Um século de boas relações entre portugueses e japoneses terminava em tragédia, mas a comunicação de conhecimentos artísticos, científicos e religiosos fora notável.
                                   

Morre repentinamente em 1819, em Paris o famoso abade Faria, o goês José Custódio Faria, doutorado em Roma e hipnotizador em França, onde chegou em 1786. O único prémio Nobel português, o prof. Egas Moniz, escreverá no seu estudo sobre ele: «O P. Faria foi quem defendeu, pela primeira vez, a verdadeira doutrina sobre a interpretação dos fenómenos sonambúlicos, fulcro em torno do qual voltejam todas as suas doutrinas filosóficas». O que «é glória bastante para o nosso país, que no campo científico nem sempre marcou de maneira tão saliente como noutros ramos da sua actividade». Alguns estudos tem-lhe sido dedicados destacando-se os do médico Daniel Gelânio Dalgado que prefaciou bem e reimprimiu em Paris, em 1906,  em 362 págs., a obra mestra De La Cause du Sommel Lucide ou Étude de la Nature de l' Homme, que contém muitas sugestões valiosas a partir das suas experiências de hipnotismo para o conhecimento da psique humana, nomeadamente a sugestão e os sonhos: «Todas as vezes que se grava algo na memória dos hipnotizados quando eles acordam narram tal como um sonho que lhes representou uma cena».

21-IX. O imperador Carlos V, filho de Filipe, o Belo, arquiduque da Áustria, e de Joana, a Louca, rainha de Castela, morre em 1558. Chegara a conquistar Florença, mandara saquear Roma, mas a extensão do império, as lutas contra os franceses e os turcos (que eram aliados), as revoltas alemãs e do Norte da Europa protestantes e a impopularidade de certas medidas obrigá-lo-ão a separar o seu império em Espanha para seu filho Filipe e o Sacro Império Romano Germânico, para o seu irmão Fernando da Áustria.
Morre neste dia 21 de Setembro de 1860, com 72 anos de idade o filósofo Schopenhauer que teve grande atração pelos ensinamentos espirituais da Índia e que o influenciaram bastante, pois desde 1814 através de sucessivas pessoas, começando com Friderich Majer, entrou em contacto com a literatura védica, as Upanishads na versão latina de Anquetil Du Perron, o Budismo, e em vários passos das suas obras citou o valor da Índia, que ele considerava: «a terra da mais antiga e mais pura sabedoria, o local do qual os Europeus podiam traçar a sua descendência e a tradição pela qual tinham sido influenciados tantas vezes e decisivamente»
 
                                             
Sri Ramakrishna, um dos últimos grandes mestres da espiritualidade indiana e universal, neste dia em 1884 no seu quarto (ainda hoje local de peregrinação e meditação) no templo de Dakshineswar em Calcutá, avisa exigentemente: «Subtis são os caminhos do Dharma (dever, ordem). Ninguém pode realizar Deus enquanto houver o mínimo traço de desejo nele. Um fio não pode entrar no olho duma agulha, se há a mais pequena fibra destacada na sua ponta... Sabeis como é o egoísmo? É como um monte de terra onde a água não se pode acumular, mas escorre. Mas a água acumula-se na terra baixa e as sementes germinam, as plantas crescem e dão fruto. Portanto, nunca penseis, só eu tenho o verdadeiro conhecimento e os outros são parvos... Amai todos, não há ninguém que seja outrem que vós. Deus habita em tudo, e nada existe sem Ele». À noite, levado ao teatro, exclama sorridente: «Ah! que belo lugar. É bom termos vindo. A vista duma grande multidão é muito inspiradora. Vejo então claramente que foi Ele quem se tornou isto tudo».
 Em Neurá, concelho das Ilhas, Índia Portuguesa, nasce neste dia em 1887, Castilho de Noronha. Formado em Teologia no seminário de Rachol, em 1909, terá depois uma carreira brilhante como pensador, teólogo, jornalista, vogal, administrador, presidente, deputado da Nação, deixando a terra em 30-IX-1966. O Budismo em confronto com o Cristianismo, Nova Goa, 1926, é a sua obra de certo modo de polemista e apologista esforçando-se por fazer avultar uma superioridade do Cristianismo sobre o Budismo, por vezes exagerando demasiado ou citando fontes já deturpadas, outras vezes mostrando as contradições seja na doutrina seja na evolução dos vários tipos de Budismo.  Fará também várias críticas a costumes religiosos indianos a que chamará superstições, elogiará bastante Ram Mohan Roy, mostrará a ingenuidade  de Swami Vivekananda querer espiritualizar o mundo com a Yoga, tal como anunciava no Parlamento das Religiões em Chicago de 1893 e criticará a invenção da estadia de Jesus na Índia por Notovitch, no seu A Vida Desconhecida de Jesus, ainda hoje aceite por alguns círculos ou autores pseudo-esotéricos, comercializados ou anti-cristãos.
                                     
22-IX. Guru Nanak morre em Kartapur, actual Paquistão, em 1539.
«Escoltado à presença de Deus e bebendo do cálice da adoração do seu Nome», depois de uma vida de grande busca, ascese e realização.  Guru Nanak dirá que Deus não é nem hindu, nem islâmico e que o caminho que ele segue é o de Deus. Nascido em 1469, viajara por toda a Índia até fundar uma comunidade de discípulos espirituais, que se tornará a religião Sikh, uma original síntese do hinduísmo e islamismo. Interrogado sobre a maneira de atravessar o mundo, responderá: «Assim com a flor de lótus cresce na água e permanece sempre desprendida; assim como o pato flutua despreocupado na superfície da água na corrente, de igual modo atravessa o Mar da Existência sintonizando constantemente a tua mente com a Voz da tua Consciência Moral e pronunciando sempre o Nome, Nam, de Deus». Depois dele vieram mais nove gurus, até que o último, Guru Gobind Singh, determinou em 1708, que o guru a partir de então seria o livre das orações e cantos deles: o Guru Granth Sahib, que se encontra no Templo Dourado em Amritsar, a cidade santa, sempre a ser lido, cantado e meditado.
Fernão Mendes Pinto regressa a Portugal neste dia em 1558, depois dos 21 anos de peregrinação pelo Oriente em que mostrou tanto amor, poder e inteligência imaginativa. Em 1554 dirá acerca do chamamento interior à vida mais contemplativa: «Eu fui um dos que o Nosso Senhor mandou muitas vezes chamar para a ceia, mas ora com herdades, ora com bens, me houve sempre por escusado. E sendo esta já a undécima hora da minha idade, achou-me o Senhor ocioso ainda que não de ofendê-lo, e teve por seu serviço mandar-me à vinha». E fez-se irmão jesuíta, partindo rumo ao Japão com outros, mas em breve desligou-se de tais votos e obediências. O cálice que servirá é o da Peregrinação que sairá à luz em 1583, trinta e um anos depois de morrer, revelando as claridades e trevas da garnde aventura humana dos portugueses no Oriente, com a genialidade do vivido e do acrescentado, ao serviço dum sentido auto-crítico e aperfeiçoante do ser humano.
D. Álvaro de Abranches, trisneto dum dos heróis de Alfarrobeira,
companheiros da milícia do infante das Sete Partidas, D. Pedro, lidera com o capitão Diogo de Sá Pereira, corajosa e habilmente, os assaltos vitoriosos sobre as tropas muito mais numerosas que sitiavam Chaul, a partir duma fortaleza no morro sobranceiro, em 1594. O sábio historiador Faria e Sousa descreve os simbolismos em jogo: «não menos que com a multidão pretendia o inimigo assombrar-nos com arrogâncias, explicadas em imagens engenhosas. Eram de bronze. Em posto bem à vista estava um leão com este dístico: «Quem aqui houver de entrar mais que este há-de pelejar», e além no inexpugnável cume, uma águia que sustentava nas garras este semelhante aviso: «Quem aqui intenta chegar, mais do que eu deve voar». Nos nove anos de comissões na Índia foi também um diplomata notável.

23-IX. «No Outono da era Tembum, aos 25 do 8º mês (23.9.1543) chegou um grande navio a Nishimura Ko-ura. Não se sabia de onde vinha. A tripulação do navio era de cem homens. Tinham um aspecto diferente de nós. A sua língua era incompreensível. Todos que os viram ficaram admirados. Entre a tripulação, um, de nome Goho, conhecia a língua chinesa. Não sabemos o seu nome de família. Era então chefe da povoação de Nishimura um chamado Oribenojo, que conhecia a escrita chinesa. Este encontrou Goho e escreveu com o bastão na areia: Não sabemos de que terra vêm os homens do navio. Goho escreveu em resposta: estes homens são negociantes do país dos bárbaros do Sudoeste». Assim narra a Crónica da Espingarda (chegada também com os portugueses), de 1606, o desembarque dos primeiros portugueses no Japão, citando ainda os nomes de Francisco Zeimoto e António da Mota.
                                                  
      Upasani Baba com a sua shakti discípula Godavari Mata (1914-1990). Suceder-lhe-á na direcção do ashram, como mestra.
Sadguru Upasani Baba, em Sakori, no antigo reino de Ahmednagar, onde no século XVI o Châh Buran, foi um protector da cultura e amigo dos portugueses e especialmente de Garcia de Orta, num diálogo em marata em 1924, neste dia, e então com 54 ano, diz: «Uma escada serve os propósitos de subir e descer. De igual modo, para se entrar no mundo e na sua vida, e para sair do mundo, isto é para obter-se a libertação, faz-se através de Maya, a ilusão, numa forma de mulher. A mulher que nos faz nascer é como uma escada para descer, enquanto a mulher com quem casamos é como uma escada para subir. Através da mulher deve-se atingir a libertação; ela deve-nos dar a experiência da Beatitude Infinita; portanto deve ser tratada como uma mãe. A mãe real trouxe-nos cá para baixo na mira deste mundo; a mãe adoptada, a mulher, é o meio de se atingir o estado de Rama (divino). A mulher não deve ser usada como um objecto de prazer. Para se atingir a felicidade Infinita, é essencial preservar-se a mulher de ser gozada». Passando muito tempo em meditação às escuras, atingiu o estado de auto-luminosidade e desfrutará da luz celestial e das várias cenas nela reveladas. E acrescentará: «Cheguei à conclusão que se nenhuma luz artificial for usada, uma pessoa está apta a atingir mais facilmente a luz celestial». Este mesmo crença-ensinamento me foi transmitido por um sannyasin (renunciante ao mundo)  em Riskikesh. Upasani Baba foi o mestre de Meher Baba, que esteve na USA e foi bastante famoso pelo silêncio que conservou muitos anos, e com o qual o meu amigo e mestre Shuddhananda Bharati viveu algum tempo, biografando-o também.
                                      
24-IX. Aureolus Theophrastus Bombastus Paracelsus, um dos grandes descobridores na medicina experimental e nas correspondências das propriedades dos diversos reinos da Natureza visível e invisível, morre em Salzburg, em 1541, apenas com 48 anos. Deixou muitos escritos complexos das suas visões e intuições e representa a linha de magia operativa e hermética no Renascimento.
É permitido por alvará de 1571 a impressão dos Lusíadas, o poema que unirá num esforçado e santo Graal, a Índia e Portugal. E um ano depois é dado a Camões uma magra tença anual por D. Sebastião, «havendo respeito à informação que tenho do seu engenho e habilidade e à suficiência que mostrou no livro que fez das coisas da Índia», onde é dito: «Eu sou o ilustre Ganges, que na terra / Celeste tenho berço verdadeiro». «Brahmanes são os seus religiosos / nome antigo e de grande preeminência; / Observam os preceitos tão famosos / Dum que primeiro pôs nome à ciência; / Não matam cousa viva e, temerosos, / das carnes tem grandíssima abstinência. / Somente no venéreo ajuntamento / Tem mais licença e menos regimento». Na chegada em 1498, um maometano pergunta: — «quem te trouxe a estoutro mundo, Tão longe da tua pátria Lusitana? — Abrindo (lhe responde) o mar profundo / Por onde nunca veio gente humana; / Vimos buscar do Indo a grão corrente, por onde a Lei divina se acrescente».
Os padres Manuel Freire e Hipólito Desideri partem de Deli em
1714 rumo ao Tibete, pelo lado do Caxemira, então chamado Bihisht, o Paraíso Terrestre, permanecendo seis meses em Srinagar, fundada segundo a lenda local por Salomão. Na viagem para Lhasa, passam pelo famoso monte Kailas, onde Urghien ou Padma Shambava (em baixo na imagem), considerado o fundador do Budismo Tibetano, «diz-se que viveu algum tempo em solidão absoluta, auto-mortificação e meditação religiosa contínua. A gruta é agora um templo consagrado a ele, com um mosteiro rude e miserável ao lado, onde habita um Lama com alguns monges que servem o templo. Para além de visitarem a gruta, para o qual trazem sempre ofertas, os Tibetanos caminham devotamente à volta da base da montanha, o que leva vários dias, e que acreditam conceder-lhe grandes indulgências». Era a primeira descrição ocidental do monte Kailas, sagrado para a tradição tibetana e hindu, e ainda hoje muito peregrinado.
                                        
25-IX. Cinco naus capitaneadas por Diogo Lopes Sequeira chegam a Samatra em 1509 e são bem recebidas, implantando-se um
padrão. O rei escreve a D. Manuel: «Os vossos chegaram até nós e de nos verem alcançaram bandeiras de trato e amostraram sinal de amor e vieram à nossa companhia, e nós os recebemos em nossas mãos com a melhor maneira que pudemos. Agora entre nós e vós há amizade e amor, e o ódio é longe de nós, e concertado que cada ano mandeis vossas gentes, vossas naus e gente com mercadorias de vossas terras para começar o trato, proveito e ganho, e tornarem com o que nós tivermos e houver em nossa terra, e a paz seja sobre os que forem merecedores dela. E o Deus que é verdade mostre o caminho da verdade».
Tratado entre os portugueses e o raja de Coulão pelo qual é-lhes
concedida autorização para construírem o forte de S. Tomé em Coulão, na costa do Malabar, no ano de 1518.
                                              
François Bernier (na imagem em cima), nasce neste dia em 1620 em Anjou. Doutora-se em
medicina em 1652, tendo-se preparado com o filósofo Gassendi, o polemista sobre a alma com Descartes e Henry More,  e em 1658 parte para o Oriente onde convive com os príncipes mogóis Dara Shikoh e Aurangzeb, regressando a França em 1669. As suas crónicas das viagens e da corte mogol estão repletas de observações interessantes. Respigamos sobre os portugueses: «A decadência do seu poder nas Índias é atribuída justamente aos seus delitos, e pode ser considerada, como eles ingenuamente confessam, uma prova do desagrado divino. Outrora o seu nome era uma torre de força; todos os príncipes indianos cortejavam a sua amizade, e os portugueses distinguiam--se pela sua coragem, generosidade, zelo pela religião, imensa riqueza, e pelo esplendor das suas proezas; não eram como os portugueses de agora, habituados a todos os vícios e a todos os prazeres baixos e ordinários».
O P. António Vieira, escreve o seguinte numa carta da Baía, neste dia em
1695, à rainha D. Maria Sofia de Neudurg, 2ª mulher de D. Pedro II: «Em fim, não achando em Portugal em El-Rei, que Deus guarde, a correspondência de afecto, que sempre experimentei em seus pais e irmão, como quem pela menor idade não conhecia o muito que eu os tinha servido, e arriscado por eles a vida nas viagens de Holanda, França e Itália, com maior perigo dos mesmos negócios que eram os do mar, e dos inimigos da nossa Coroa no mar e na terra; me condenei ao desterro deste Brasil, para nele comutar, se pudesse, o Purgatório. Aqui estou ainda vivo, já quase desacompanhado de mim mesmo, na falta de quase todos os sentidos; mas sempre com toda a alma nesse Palácio da Natividade, sacrificando a Vossa Majestade o que só posso, que é o coração, e amando, e adorando a Vossa Majestade com todo aquele amor e extremo (permita-me Vossa Majestade falar assim) que a El-Rei D. João, à Rainha D. Luísa, e ao Príncipe D. Teodósio devem a minha memória e saudades... Enfim, minha Rainha, minha Senhora, e minha Ama, em um livro impresso em França vejo aqui, e venero o retrato de Vossa Majestade, mas o que eu tenho impresso no coração, quisera eu que Vossa Majestade visse; posto que tão quebrantado dos anos, ainda posso dizer Missa todos os dias, e em todas, não sei se em mim, ou fora de mim, peço a Deus me deixe ver a Vossa Majestade na eternidade, pois nesta vida não posso».
Nasce neste dia 25 de Setembro de 1869, em Peine na Alemanha, Rudolfo Otto, educado na religião protestante e com estudos profundos filosóficos e teológicos, nomeadamente Lutero, Kant e Fries. Em 1911-12 esteve no Oriente e sentiu a esfera do numinoso, expressão relançada por ele, como característica da experiência mística, algo que não é uma resposta dos sentidos, nem um acto mental, mas uma entrada ou chegada de um nivel superior de realidade. Será  no Das Heilige - Über das Irrationale in der Idee des Göttlichen und sein Verhältnis zum Rationalen, de 1917, entre nós publicado como O Sagrado, que lançará a sua visão bem profunda e anti-naturalista da experiência religiosa e mística. No West-östliche Mystik (1926), traduzido em inglês como Mysticism east and west, comparará os ensinamentos do indiano Shankara, do séc. VIII, com Meister Eckart, já do séc. XIII (1250-1327), mostrando a unidade profunda a que eles chegaram, e que  de modos muito semelhantes descrevem nas suas obras principais, os comentários aos Upanishads, à Bhagavad Gita, e aos Bhrama Sutras, de Shankara e a Opus Tripartitum, de Eckhart. Publicou ainda mais obras comparativas e foi um dos pioneiros da aproximação comparativa e espiritual à religiosidade e mística do  Cristianismo e do Hinduísmo, este sobretudo na sua linha mais filosófica e não-dual Advaita Vedanta.
26-IX. As casas dos jesuítas são cercadas e eles presos em 1759, em Goa, por ordem régia executada pelo vice-rei Saldanha de Albuquerque. Terminava a grande aventura missionária em que santos, sábios, cientistas e fanáticos se irmanaram numa disciplina férrea, numa dedicação e abnegação grandes, influenciando sobretudo a educação e os centros de poder e criando um estado dentro dos estados, o que não podia durar muito. Em Portugal foi o marquês de Pombal quem lhes encostou o machado, mas já muitos se queixavam deles antes. A sua eficácia estando comprovada, dissolvida a ordem por Clemente XIV em 1773, o ambiente mais liberal permitir-lhe-á renascer com o papa Pio VII em 1814, embora a instauração da República em Portugal a tenha expulsa de novo.
 O Pandita Iswar Chandra Vidyasagar nasce neste dia de 26 de Setembro de 1820 em Gathal, perto da cidade de Hugli, onde os portugueses estiveram, na costa de Bengala no séc. XVI e permaneceram bastante tempo, deixando algumas igrejas e muitos luso-descendentes, que ainda visitei e conheci. Notável estudante, sábio professor, empenhou-se na abolição da queima das viúvas, na abolição da proibição de se casarem e no estímulo do seu casamento. Modernizou o ensino, fundou escolas e institutos. Ramakrishna reconheceu nele um oceano de conhecimento e os ingleses o «líder da porção mais avançada da Comunidade Indiana».
                                      
Thomas S. Eliot nasce neste dia em St. Louis, USA, 1888, o ano do nascimento de Fernando Pessoa, e receberá o Prémio Nobel de Literatura em 1948. Formado em Filosofia aprendeu com mestres como Irving Babit e Paul Elmer More. Estudou também em Paris com Henry Bergson e Alban-Fournier e outros. Sensibilizado ao orientalismo pelos seus antecessores Emerson, Fitzgerald’s, Ezra Pound, Kipling e Edwin Arnold, estuda entre 1911 a 1914 de novo em Harvard com orientalistas como James Woods e Lanman, com estes iniciando-se nos Yogas Sutras de Patanjali e o sânscrito. Após um 1º casamento que lhe proporcionara sobretudo entrar em Inglaterra e que foi infeliz, encontrou só quando tinha 68 anos, no seu 2º casamento, com a sua secretária Valerie Fletcher, que tinha 30, quem o apoiasse e completasse amorosamente em vida e na preservação e edição do seu espólio. Nas suas poesias de elevada sabedoria, as fundações indianas ressoam: «O Tempo passado e o tempo futuro / permitem só pouca consciência. Estar consciente é não estar no tempo»; «E a correcta acção é liberdade / do passado e também do futuro. / Para a maior parte de nós, este é o objectivo»; «A libertação não é menos amor mas expansão / do amor para além do desejo, e portanto a libertação / tanto do futuro como do passado. / Assim, o amor dum país / começa com um apego ao nosso campo de acção / e chega a descobrir como de pouca importância tal acção, / apesar de nunca indiferente. História pode ser servidão, / História pode ser liberdade».
                                            
Lahiri Mahashaya, o mestre divulgador do Kriya Yoga, sai do corpo e regressa ao mundo espiritual em 1895, com 67 anos. Fora o mestre de Yukteswar Giri e este sendo de Paramahamsa Yogananda, os quais partilharam a sua técnica de Kriya Yoga. Esta técnica de de interiorização e circulação energética pelos chakras estimula o despertar dos sentidos espirituais de muitos discípulos, capazes assim de se recolherem e de se auto-conhecerem melhor na Luz, no meio das condições por vezes tão dispersantes e desassossegadas dos tempos modernos.
                                             
Lafcadio Hearn, filho duma grega e dum irlandês, natural da Grécia, apaixonado como Wenceslau de Morais pelo Japão, casa-se em 1891 com uma filha de um samurai, torna-se budista, naturaliza-se japonês e é professor de língua e literatura inglesa até morrer com 54 anos neste dia em 1904, em Tóquio. Explicará a aparente frieza dos casais japoneses pela «obediência a uma ética fundada sobre o princípio que as demonstrações públicas das relações maritais são inconvenientes. Porquê inconvenientes? Porque elas parecem, na opinião oriental, a manifestação dum sentimento pessoal, e, por consequência, egoísta». Deixa uma obra bem acessível e com muita informação valiosa sobre o Japão antigo, tal como Wenceslau de Moraes. e no seu livro A Luz Vem do Oriente narra um costume antigo curioso ligado com a crença na reincarnação: «Parece que há um dia, um só, na vida duma criança, na qual ela se pode lembrar e falar da sua vida anterior. No dia em que completa dois anos, o bebé é levado pela mãe ao canto mais...»

Morre em Bristol, na Inglaterra, em 1833, Rammohan Roy, um dos líderes do Renascimento de Bengala e da valorização da tradição indiana perante o avassalamento da cultura ocidental trazida pelos ingleses. Tradutor e comentador dos textos da filosofia Vedanta, estudioso das várias religiões, o seu movimento do Brahmo Samaj é uma tentativa de indicar que há uma fraternidade de adoradores de Deus, mesmo que pertençam a religiões diferentes, pois as suas essencialidades são comuns. No centro de cada alma está o Supremo Ser, mas não pode ser descrito por qualquer nome ou imagem, donde a sua crítica à idolatria e o seu esforço de provar que o hinduísmo original aceita um só Deus. Foi um dos primeiros brâmanes a descobrir o Ocidente, vindo por mar. O Padre Castilho de Noronha na sua obra O Budismo em confronto com o Cristianismo, 1926, depois de citar várias apreciações entusiastas feitas ao Cristianismo e a Jesus por  Rammohan Roy, cita Mounier William, o grande sanscritólogo, que na altura afirmava que Roy era «o mais inteligente e o mais apaixonado investigador da Ciência comparada das Religiões que o mundo até hoje produziu».
                                   
28-IX. Noite de S. Miguel, Mi Ka El, Quem é como Deus? Noite de veladas às estrelas cadentes e às intuições luzentes, para fortificação do Eu espiritual, aconselhar-se-á também. O Padre missionário António de Andrade quando chegou ao Tecto do Mundo, o Tibete, nos princípios do século XVII, observou que os lamas «pintam aos Anjos, a que chamam Lâs, de várias maneiras; uns muito formosos como mancebos; outros em figuras horrendas pelejando contra os demónios; e dizem, que os representam nesta forma, não porque a tenham, mas para exprimir os vários efeitos que têm contra os Espíritos malignos. Crêm, que são sem número, e que todos se reduzem a nove ordens, todos espíritos, sem corpo, uns maiores, outros menores. Entre outras pinturas destes Lâs vi por vezes uma, nesta forma: tinha a figura de mancebo com peito de armas, espada na mão direita, com que ameaçava ao diabo que tinha debaixo dos pés, e dizem deste que é o principal de todos, e grande medianeiro entre Deus e os homens. A quem não parecerá ser este Lâ o Arcanjo são Miguel, posto que não pintem com asas e balança na mão? E as nove ordens, ou castas deles, os nove Coros (Querubins, Serafins...) que temos na escritura?» Escritura, um modo de dizer pois a visão das nove ordens só a partir do séc. V e VI é que começou a ser construída como uma escadaria para o céu
mais alto...
Afonso de Albuquerque e os portugueses conquistam pela 1ª vez a
ilha de Ormuz em 1507, após uma batalha naval com os muçulmanos. O rei concede autorização de construção de fortaleza e de feitoria, prestando vassalagem ao rei de Portugal, mas a insubordinação de alguns capitães de Albuquerque, desejosos de regressar ao reino ou a Goa, e despeitados pela sua voluntariedade, obrigam-no a retirar-se antes de concluída, só voltando a esta cidade em 1514 e estabelecendo então um firme domínio de protectorado sobre o rei de Ormuz. Uma das suas primeiras medidas foi abolir o costume dos regentes de Ormuz cegarem aqueles que poderiam ser seus rivais. As alfândegas rendiam imenso («delas soia vir um grande golpe de dinheiro»), pois controlavam a circulação de pessoas e bens para o Médio Oriente e a Europa. Frei Bernardino S. Pedro descreve-a em 1605, com cinco igrejas, duas mesquitas e uma sinagoga; 500 portugueses vivem no baluarte com os seus protectores: «em entrando pela fortaleza, a primeira coisa que vemos, é a imagem e figura de Afonso Albuquerque, que Deus tenha em glória, com uma barba que lhe dá pela cinta, como ele a trazia. Eu vi muitos homens tirarem o chapéu a esta imagem, como se fôra a de um santo, e com muita razão por certo». Em 1622, apesar da resistência valerosa de Rui Freire de Andrade, a praça cai nas mãos dos ingleses e dos persas.
                                      
William Jones nasce em Londres em 1746. Atraído pela Índia,
chega lá a juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Traduz a vida do clássico Nadri Shah e desenvolve o estudo do sânscrito, acerca do qual afirma: «A língua sânscrita, qualquer que possa ser a sua origem, é de uma estrutura maravilhosa. É mais perfeita que a Grega, mais copiosa que a Latina e é infinitamente mais requintadamente formada do que ambas. E pelas suas semelhanças decorre duma fonte comum». Funda a Real Sociedade Asiática, em Calcutá em 1784, um poderoso instituto na recolha e investigação dos monumentos e documentos indianos ainda hoje vivo e que tem publicado inúmeras obras de grande valor. Já a Sociedade Real de Artes e Ciências da Batávia, dos holandeses em Java e que fôra mesmo fundada antes da de Calcutá, não sobreviverá ao regime indonésio. A prestigiosa Societé Asiatique, de Paris nascerá em 1822 e continua em pleno vigor nos nossos dias. E em Portugal?
                                      
29-IX. Nasce D. Fernando em 1402, filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, que se tornará com o cativeiro em Fez o Infante Santo, vítima sacrificial das lutas entre o catolicismo ibérico e os povos do norte-áfrica
islâmicos. Com efeito nas cortes de Leiria, contra o desejo do povo e dos infantes D. Pedro e D. João, decidiu-se que só o papa podia escolher entre a entrega ou não de Ceuta em troca da libertação do príncipe; a resposta dele foi a de que era melhor para a cristandade sacrificar-se um só do que muitos. Outra das razões dadas, foi a de não se poderem entregar as igrejas já consagradas. A sua tenção de vida Le bien me plait, nasceu-lhe mesmo dos ramos espinhosos da roseira, que lhe foram atribuídos, talvez profeticamente, no corpo da divisa. Há quem pense que será ele a misteriosa figura central dos famosos painéis de Nuno Gonçalves.
Gaspar Pires, um dos primeiros boticário ou farmacêutico portugues a chegar à India, recebe neste dia em 1513, por um mandato de Afonso de Albuquerque, «um pardao em ouro pelo que ele tinha pago a Mernoz», um valido do samorim de Calecute para se poder desempenhar na sua missão de enviado português. Foi também por mais de uma vez à corte do Nizam-ul-muk, nomeamente entregar presentes do rei de Portugal. Tal eram os seus dotes de nobre viajante e cavaleiro do Amor que foi enviado mesmo ao Shah Imail da Pérsia, recebendo em Ormuz 2.000 reais para as suas despesas, como vem indicado nas Cartas de Afonso de Albuquerque.
                                       
  Lanza del Vasto, o sábio peregrino às fontes orientais da não-violência e das comunidades harmoniosas, nasce na Sicília, em 1901. Cristão, mas discípulo de Gandhi e do seu sucessor Vinoba, artista, músico, ecologista não violento de resistência activa à energia nuclear, fundador da comunidade laboriosa L'Arche, escreverá livros importantes para o aperfeiçoamento humano e virá por mais de uma vez a Portugal partilhar a sua maneira de ser e viver, tendo com ele estado algumas vezes, sob a égide da Manuela Lourenço, a fundadora em Portugal do Grupos dos Amigos da Arca. Recentemente entre nós o amigo e pioneiro da ecologia (com Afonso Cautela) José Carlos Marques editou a sua obra chave Peregrinação às Fontes, com tradução da amiga Helena Longroiva (recentemente desincarnada), na qual relata a sua bela e sábia peregrinação à Índia e a sua vivência e aprendizagem com Gandhi.
A decisão de se fazer a partilha de Bengala em 1905 (que será anulado em 1912 e realizada em 1947 como o Paquistão oriental, actual Bangla Desh) aguça o fervor revolucionário e a repressão inglesa. Tilak e Aurobindo, líderes do movimento de Independência são presos, dedicando-se ambos então a profundos estudos e experiências espirituais. Esta simultaneidade da qualidade de revolucionários políticos e de discípulos espirituais era conforme ao génio indiano e culminou no Mahatma Gandhi. Com a sua morte prematura a corrente do idealismo não-violento e alternativo será liderada por Vinoba, responsável pelo movimento de dádiva de terras a cultivadores pobres, enquanto as concepções mais pragmáticas e socialistas, afirmam-se com Nehru e outros.
                                              
O romancista japonês católico Shusaku Endo, autor de belas obras baseadas na história da presença portuguesa e ocidental no Japão, entre as quais se destaca o Silêncio, a propósito do provincial jesuíta Cristovão Ferreira (que abjurou porque não quis sofrer ainda a morte e para transmitir a cultura e a medicina ocidental durante 18 anos como bonzo), morre em Tóquio aos 73 anos, em 1996. Algumas das suas obras estão traduzidas em português. Gravei um pequeno vídeo sobre o Silêncio, que se encontra no Youtube.

30-IX. Lopo Soares de Albergaria, o substituto algo incompetente de Afonso de Albuquerque, com uma armada de 17 navios, faz tributário o rei de Colombo, no Ceilão, em 1518 e constrói-se uma fortaleza.
Chega a Goa vindo numa das naus da Carreira da Índia, em 1583, o holandês John Huighen Linschoten, autor dum livro de viagens e observações de cinco anos em Goa (na imagem, o mercado), com belos desenhos que irradiarão no imaginário colectivo europeu e mapas roteiros que facilitarão as navegações e incursões holandesas.
                       
Nasce neste dia em 1828, na Bengala Ocidental, Lahiri Mahashaya. Iniciado por Babaji nos Himalaias, atingiu a iluminação através das práticas de concentração interior do Kriya Yoga e passou-as em seguida, entre outros, a Sri Yukteswar Giri, o mestre de Parahamsa Yogananda, que tornará esta tradição famosa ao escrever a divulgadíssima mas sempre inspiradora Autobiografia dum Yogi. verdadeiramente retratando a autêntica Índia yoguica tão distante das caricaturas modernas de vários gurus ditos universais, que são mais produtos de marketing, mas que, graças a Deus, têm sido desmascarados recentemente, tal como a Federação Portuguesa de Yoga e o seu fundador presidente. Ao contrário dos seus discípulos, Lahiri Mahashaya era um funcionário público casado e por isso tentou mostrar que em qualquer situação as pessoas podem atingir a libertação, se dispuserem-se a viver com certo conhecimento. Dirá: «Procurando dominar-se quanto fôr possível e praticando regularmente a sua metodologia espiritual, uma pessoa deve chegar ao objectivo: a realização». 
Ao fundo a montanha sagrada dos Himalaias, Himavat, no mundo espiritual. Pintura de Bô Yin Râ.

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