Em 1916, o notável poeta, ensaísta, revolucionário político e espiritual e panfletário fortíssimo Gomes Leal (1848-1921), então já com 68 anos e amenizado pela sua conversão ao Catolicismo desde 1910, quando a sua "adorada" mãe morrera, lança na Tipografia Minerva de Famalicão um dos seus típicos panfletos (de 28 páginas) intitulado A Literatura moderna é uma envenenadora das almas, no qual passa em revista os principais autores dos séculos XIX e XX europeus, criticando uns pela sua futilidade, mau gosto, ganância, cepticismo e amoralismo e elogiando outros pela qualidade idealista e a luminosidade, seja guerreira, mística ou amorosa.
É o primeiro número dessa colecção das Novas Verdades Cruas, como assinala na contracapa, a que se seguiriam outros mais divertidos, imaginava contudo sem clarividência Gomes Leal.
E será que o título na capa Novas Verdades Cruas evitava que interior e real, A literatura moderna é uma envenenadora de Almas, causasse reacções negativas?
Pelo menos a catalogação da Biblioteca Nacional de Lisboa, visível na Porbase, ficou apenas pelo 1º título, da capa...
E será que o título na capa Novas Verdades Cruas evitava que interior e real, A literatura moderna é uma envenenadora de Almas, causasse reacções negativas?
Pelo menos a catalogação da Biblioteca Nacional de Lisboa, visível na Porbase, ficou apenas pelo 1º título, da capa...
Gomes Leal, na sua fase mais vigorosa, numa caricatura de Bordalo Pinheiro |
Uma curta referência a Antero de Quental foi o que me fez deter, pensar partilhar e logo dedilhar este pequeno texto, meramente informativo, pois nele Antero foi comparado a Charles Morice (1860-1919), um autor simbolista francês bem importante e hoje muito pouco conhecido entre nós.
É no exame da literatura francesa e após uma larga defesa e elogio de Victor Hugo e de Gustave Flaubert, que Gomes Leal escreve então: "E também como estes dois grandes homens que acabo de citar - Vitor Hugo e Flaubert - que nunca se rebaixaram a fabricar literatura afrodisíaca para uso dos tarados e das cocottes, que luminosa lista de escritores religiosos e de génio, não apresenta a França, sobretudo no século passado, e começos do actual, do contemporâneo?...
«Não estão esquecidos decerto, nem esquecerão nunca, estes grandes escritores, poetas, sábios ou filósofos, que são a glória do espiritualismo católico, tais como Bossuet, Bourdaloue, Pascal, Lacordaire, Pére la Chaise, Racine filho, Corneille Fénelon, José de Maistre, esse extraordinário autor do Leproso da cidade de Aoste, com o seu livro En route; Lamartine, com as suas Meditações; Paulo Verlaine, com as suas derradeiras e empolgantes Estâncias à Virgem; Retté [Adolphe Retté, 1863-1930], com o seu famoso livro Do Diabo a Deus; Paulo Bourguet, com o seu ruidoso e religioso Discípulo; Carlos Morice, finalmente, esse famoso autor das Minhas Razões e do Amor e a Morte, o qual tanto nos faz lembrar o sublime Santo Antero, como lhe chamava Eça de Queiroz.»
De destacar o adjectivo "sublime" acrescentado ao "Santo Antero" popularizado por Eça de Queiroz, no In-Memoriam
Que mais sentira Gomes Leal de comum entre estes dois cavaleiros andantes, Charles Morice e Antero de Quental?
Charles Morice, uma alma muito afim de Antero de Quental, segundo Gomes Leal
O facto dos dois terem sido líderes dos mais importantes movimentos literários da sua época?
Terem ambos saído do rebanho católico e avançarem audaciosamente pelas escarpas tanto libertadoras como perigosas do livre pensamento ou mesmo do anti-clericalismo?
O facto de ambos terem reentrado em caminhos de espiritualidade, Charles Morice, a cristã, e Antero de Quental, a da filosofia perene, a da religião do espírito e do panpsiquismo?
Afinidades anímicas e sensitivas de espíritos, algo desterrados ou exilados nesta terra e corporalidade, quiçá até com semelhanças faciais?
No panfleto a referência a Antero é curta, mas quanto aos seus amigo é bem mais demorado, criticando Eça de Queiroz antes da sua parte final mais religiosa ou moralista, ou o Fialho de Almeida, e sobretudo Guerra Junqueiro, este fortemente atacado: "Junqueiro atingiu o cumulo do mau gosto farisaico e de um desbocamento bastante libertino, e assás incorrecto decerto para um escritor que se respeita, e que é Pai de família. Junqueiro nos seus poemas assás despidamente realistas, só conta unicamente três escritores tão libertinos e seus rivais na Europa. São o autor [Jean-Baptiste Louvet de Couvray] da desgraçadíssima obra infame, o Marquês de Faublas; os livros bastante descompostos de Paulo Kock, como o seu imoralíssimo Coitadinho; e finalmente os contos libidinosos de Catullo Mendes, escritos para se lerem no banho».
Criticando «os Pessimistas, os Ironistas, os derradeiros Deca[dent]istas, que por espírito de Revolta, de Ganância, ou do terrível e satânico amor do Escândalo, parece que quiseram organizar um biblioteca macabra», que poetas e escritores recomenda então e por que ordem?
- D. Dinis, Bernardim Ribeiro, Camões, João de Deus, Castilho e seu filho, Soares dos Passos, Tomás Ribeiro, Aires Gouveia, Correia de Oliveira, Jaime Cortesão, Eugénio de Castro, Visconde de Vila Moura, Afonso Lopes Vieira, João Penha, António Nobre, Antero de Figueiredo (e o seu livro Inês de Castro), João Grave, D. João da Câmara, Eduardo Shwalbach, Guilherme de Azevedo, Cesário Verde, Cristóvão Aires, Campos Monteiro, Mário Monteiro, Augusto Casimiro.
A Fernando Pessoa e a Sá Carneiro, modernistas, não há referência talvez pelo sensacionismo-sensacionalismo, ou mesmo, ao seu olhar e sentir então mais católico, o decandentismo; e o próprio Antero ficou algo abafado, talvez pelo seu pessimismo ou mesmo pouco exemplar suicídio, ainda que seja chamado sublime santo...
- D. Dinis, Bernardim Ribeiro, Camões, João de Deus, Castilho e seu filho, Soares dos Passos, Tomás Ribeiro, Aires Gouveia, Correia de Oliveira, Jaime Cortesão, Eugénio de Castro, Visconde de Vila Moura, Afonso Lopes Vieira, João Penha, António Nobre, Antero de Figueiredo (e o seu livro Inês de Castro), João Grave, D. João da Câmara, Eduardo Shwalbach, Guilherme de Azevedo, Cesário Verde, Cristóvão Aires, Campos Monteiro, Mário Monteiro, Augusto Casimiro.
A Fernando Pessoa e a Sá Carneiro, modernistas, não há referência talvez pelo sensacionismo-sensacionalismo, ou mesmo, ao seu olhar e sentir então mais católico, o decandentismo; e o próprio Antero ficou algo abafado, talvez pelo seu pessimismo ou mesmo pouco exemplar suicídio, ainda que seja chamado sublime santo...
E acrescenta «É preciso não esquecer também as deliciosas poetisas nossas. Eis que distingo a Marquesa de Alorna, D. Maria Amália Vaz de Carvalho, Amelia Jeny, D. Branca Gonta Colaço, a preclara filha de Tomás Ribeiro, e entre tantas distintíssimas, D. Elvira Neves Pereira...»
Certamente que muitos dos nomes citados por Gomes Leal, franceses e portugueses, destes os seus contemporâneos basicamente católicos ou de uma literatura honesta, que cultiva a beleza espiritual e não apenas a da forma, estão bastante soterrados pela literatura posterior, com excepção talvez de Pascal, Fénelon, José de Maistre e Huysmans, ou portugueses de António Nobre, Cesário Verde e Jaime Cortesão...
Transcrevemos contudo, com este texto e notícia de um panfleto pouco conhecido de Gomes Leal, um testemunho literário e ideológico de um vigoroso pensador e poeta, já do final da sua vida e convertido ao catolicismo, o qual foi amigo de Antero de Quental (tendo-lhe dedicado, por exemplo, nas Claridades do Sul, o belo e "anteriano" poema Palácios Antigos, infelizmente mal transcrito no site do Projecto Vercial bem como no da Câmara Municipal de Lisboa) e a quem chamou originalmente o sublime Santo Antero...
Cavaleiro em demanda do Amor sublime, Antero de Quental. |
Sem comentários:
Enviar um comentário