quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Hugo Rocha, um dos ocultistas portugueses do séc. XX. "O problema dos fantasmas", sempre actual...

                                       
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                                 Últimas duas páginas do antelóquio... 
                          
                                   Páginas com referências ocultistas 
                           
Páginas finais, com referências à celebre Mens agitat molem: a Mente, ou mesmo o Espírito, move, agita, anima a material, a massa... Em Fernando Pessoa; não te deixas adormecer massificado... 

Hugo Rocha é um escritor português portuense que viveu entre 1907 e 1993 e está bastante esquecido, apenas visível num ou noutro alfarrabista ibérico. E contudo teve vários méritos, pois sendo durante décadas jornalista do Comércio de Porto, viajou e escreveu bastante sobre África, Goa, Açores, Madeira e Galiza e acerca da espiritualidade e da procura serena da Verdade.
Em 1933 publicava tanto o seu 1º livro, de crónicas africanas, intitulado Bayete, como o 2º, Rapsódia Africana, de poemas.
Em 1934 publica o ensaio e extracto de conferência intitulado Espiritualismo, que seria valioso conhecermos mas que ainda não vimos [entretanto já encontramos um exemplar, mas transmite pouco de espiritualidade, para além da oposição ao materialismo, considerando Júlio Dantas um dos soldados do Espírito], e uma novela O homem que morreu no deserto, incluído no I volume da Colecção Amanhã.
Até 1962 serão cerca de quatorze obras publicadas, das quais destacaremos, como nos sinalizou o amigo Paulo Andrade como sendo de qualidade no tema, O Enigma dos «Discos Voadores» ou a Maior Interrogação do Nosso Tempo, em 1951, o qual teve uma edição brasileira aumentada em 1961. Outras obras também interessantes são o Namaste, roteiro de uma viagem a Goa, em 1953, e em 1958 o estudo Outros Mundos/Outras Humanidades.
Se em 1946 escrevera a sua primeira obra sobre a Galiza, crónicas de viagem, intituladas Itinerário na Galiza, será já em 1961 e 1963 que escreverá os dois volumes dos Encontros da Galiza, com capítulos de grande sensibilidade e conhecimento. Um critico da época, Francisco Leal Insua, no El Progresso de Lugo dirá: "En estilo directo y expressive, Hugo Rocha supo penetrar en el alma de Galicia como ningún visitante extrangero lo habia hecho hast hoy. Ahi esta nuestra amada region, palpitante y saudosa. Con la inquietude sonante de su atlantismo en el litoral; con la serenidade de sus lejanias en el interior".
      Lista das suas obras publicadas até dar à luz Os 4 Irmãos:
 
É de 1937  O Problema dos Fantasmas. Ensaio sobre certos aspectos da fenomenologia sobrenatural, numa edição da Sociedade Portuense de Investigações Psíquicas (uma sociedade a merecer investigação histórica) e que descreveremos um pouco em seguida...
Nesta obra, num in-8º gr. de 169 páginas, e terminando com o Finis Laus Deo, destacamos nas três dedicatórias iniciais a última: "a todos os que crêem na sobrevivência e na eternidade da vida", este pequeno livro, sereno, desapaixonado e despretensioso"
São oito os seres ou mestres invocados antes do antelóquio: Sócrates, com a frase "Conhece-te a ti mesmo." Alexandre Herculano, "A tradição é verosímil." Leonardo Coimbra, "A tragédia do homem está na ignorância de si e do Universo em que vive, ou antes, convive." Charles Richet, "O mundo oculto existe. Arrisco-me a ser considerado insensato pelos meus conterrâneos, mas acredito que há fantasmas." S. Paulo, "O homem é posto na terra como um corpo animal e ressuscitará como corpo espiritual. Assim como há um corpo animal, também há um corpo espiritual."; Farady, "Com o que ignoramos das leis espirituais poderia criar-se o mundo."; Newton, "É loucura acreditar que se conhecem todas as coisas e é sabedoria estudar sempre."; Santo Agostinho, "Porque não atribuir esses factos aos espíritos dos finados e não deixar de acreditar que a Divina Providência faz de tudo um uso acertado para instruir os homens, consolá-los e atemorizá-los?"»
Nesta obra, além das referências a Leonardo Coimbra, Antero de Quental, Antero de Figueiredo (transcrevendo as suas descrições das aparições em Fátima) realçaremos as que faz a João Antunes e às suas obras sobre Ocultismo, publicadas na Livraria Clássica A. M. Teixeira Gomes, onde Fernando Pessoa traduzira em 1915-1916 alguns clássicos da Teosofia, que Hugo Rocha também cita. 
Outro autor apreciado em comum por Fernando Pessoa e Hugo Rocha é Heitor Durville, com quem Fernando Pessoa se chegou mesmo a corresponder e a expor o seu caso de desdobramento psíquico. Mas os autores mais citados são os que se dedicaram mais à investigação experimental da existência de uma vida post-mortem, nomeadamente Ernesto Bozzanno, Charles Richet, Arthur Conan Doyle, William Crookes, Camille Flammarion, ou mesmo o Henry Bergson, tão apreciado, mas também rectificado, por Leonardo Coimbra, e que chegou a ser o presidente da famosa Society for Psychical Research, de Londres, a qual Fernando Pessoa louvou, quando os seus investigadores desmontaram alguns truques nas pretensas aparições e cartas de Mestres dos Himalaias a Helena P. Blavatsky, em Adyar, Índia.
A obra, com descrições de vários casos de aparições das almas do além, acaba com um apelo a que pela união do "esoterismo e do exoterismo" se ultrapasse o gemido de Dante posto à entrada da porta da Dolência no Inferno, Lasciate ogni speranza, ó voi ch'entrate... "Deixai toda a esperança, ó vós que entrais"...
Destaquemos para terminar, nas páginas finais, a transcrição da famosa frase da Eneida de Virgílio) que Fernando Pessoa conheceu e glosou (Mens agitat molem) ao dar o título de Mensagem à sua última obra), transcrita por Hugo da Rocha mais extensamente:
Spiritus intuis alit, totamque infusa per artus. 
Mens agitat molem, et magno se corpore miscet.
Hugo Rocha, provavelmente com a ajuda do seu amigo Manuel Cavaco, traduziu assim: 
«Tudo o que existe no Universo está penetrado do mesmo princípio: a alma, que anima a matéria, que se mistura com este grande corpo...»
Mas talvez fique melhor:
«O espírito íntimo sustenta e infunde-se plenamente em tudo.
A mente agita (ou anima) a matéria e mistura-se no grande corpo...»
Se quisermos alongar ainda mais, que Fernando Pessoa e Hugo Rocha, a transcrição dos versos 744 a 748 do canto VI da Eneida, aquele no qual Eneias consulta a sibila Cumeana (e teremos aqui outra ligação subtil profética com a Mensagem), leremos:

Principio caelum ac terras camposque liquentis 
lucentemque globum Lunae Titaniaque astra 
spiritus intus alit, totamque infusa per artus 
mens agitat molem et magno se corpore miscet.

Oiçamos a tradução de Manuel Odorico Mendes (1799-1864):
«Desde o princípio intrínseco almo espírito
Céus e terra aviventa e o plaino undoso,
O alvo globo lunar, titâneos astros,
E nas veias infuso a mole agita,
E ao todo se mistura.»

E uma tradição inglesa, a de E. Fairfax Taylor:
"First, Heaven and Earth and Ocean's liquid plains, 
The Moon's bright globe and planets of the pole, 
One mind, infused through every part, sustains; 
One universal, animating soul
Quickens, unites and mingles with the whole." 

Terminemos com mais uma tradução, a nossa:
«Ao Princípio, o Céu (Ouranos) e a Terra (Gaia) e as extensões líquidas,
O globo luminoso da Lua e os astros dos Titãs 
São sustentados pelo Espírito íntimo, infundido plenamente em tudo,
E a mente (ou alma spiritual) move a matéria e no grande corpo tempera-se.»

Fiquemos então com a ideia, ou melhor consciencializemo-nos mais, do Espírito omnipresente e da nossa quota parte de temperarmos harmoniosamente o grande corpo do Universo, o Cosmos, pela nossa vida harmoniosa e receptiva ao Espírito, que nos fala e inspira interiormente, seja como o daimon socrático, seja como os fantasmas do Antero de Quental ou do Hugo Rocha, seja como os guias ou mestres ocultos do Fernando Pessoa e do Hugo Rocha, seja ainda como o nosso Anjo ou Musa...
                              
                                A Musa de Hesíodo, ou a sua fravashi... 

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