terça-feira, 14 de janeiro de 2025

14 de Janeiro de 2025, comemoração do aniversário de Ali, o 1º Imam Shia. Com a música Tasbeeh Al Zahra'a | Haj Mahdi Rasoli.

 Hoje 14 de Janeiro de 2025 comemora-se (intensa e ardentemente, e mais em Najaf) o dia de nascimento de Ali Ibn Tabu Talib (e no interior da Ka'aba, em Meca), o 1º mestre ou Imam, e mártir da linhagem Shia, ou Shiita, ou Xita, sem dúvida uma das "religiões" (vias de religação espiritual e divina) mais generosas, místicas e martirizadas da Humanidade multipolar. Ali, primo, íntimo, secretário e guardião de Maomé, recebeu a sua filha Fatimah (ou al-Zahra, em persa) como mulher, dando origem aos doze Imams (onze líderes, martirizados, e o último, o Madhi,  que há-de vir), mestres, sábios, corajosos e inspiradores da grande fraternidade Shiaa espalhada por todo mundo e dos que aspiram à verdade e à justiça, que são a base da sua vida ética. Desfrute uma bela música (Tasbeeh Al Zahra'a |  Haj Mahdi Rasoli)  de homenagem e invocação de Hazrat (piedoso ou santo) Ali e Fátima, e fortifique-se, religue-se mais com ou através deste mestre e desta tradição muito valiosa e bem viva, seja muito fortemente no Irão, Iraque, Líbano seja mais  subtilmente nos nossos sentidos internos e consciência espiritual...

Ali (600-661), ladeado pelos seus dois filhos Hassan (625-670) e Hussayn (626-680)

 Mas quem foi Ali Ibn Abi Talib, nascido em 17 de Julho de 607 e casado com Fátima ou Zahra, a filha do profeta Maomé, e que abriu o sulco da linhagem religiosa dos 12 Imans com que se configurou a religião Shia, dentro da religião islâmica mas tão perseguida pelos mais fanáticos sunitas?

Como ganhou ele tanto poder nas almas dos seus companheiro, discípulos e devotos, até ser martirizado pelos seus adversários do califado de Meca, que ele dirigira como o 4º califa desde 656 apenas por cinco anos, embora o profeta Maomé o quisesse logo como o seu sucessor e apenas a ambição e maldade de alguns o impediram de o ser, e assassinando-o depois a 28 de Janeiro de 661?

Ali era e é certamente  um espírito de uma qualidade imensa e intensa, sábia, e ainda hoje dotado de uma subtil omnipresença, que veio com uma missão e que foi, tal como a de Jesus, atalhada pelos elementos e forças do Mal, como aliás tem sucedido tantas vezes, como podemos recentemente ver acontecer com os assassinatos do general Soleimani ou da filósofa russa Daria Dugina, duas outras almas de grande luz, certamente mais incipientes na realização divina...

Passados quase 1500 anos, socorramo-nos das palavras do próprio profeta Muhammad acerca dele, para admirarmos a espantosa proximidade e unidade entre os dois: «Ali é como a minha própria alma", ou ainda «Tu procedes de mim e eu de ti»; «Ali está com o Corão tal como o Corão está com Ali. Não se separarão  um dos outro até regressarem a mim no lago primordial ou paradisíaco (al-hawd)»; «Três coisas me foram reveladas respeitantes a Ali: ele é o dirigente dos Muçulmanos, o guia dos piedosos e o chefe dos radiosamente devotos».

Estes ditos de Maomé apontam para um estado espiritual de unidade divina entre os dois grande seres, que foi assinalado pelo próprio Ali confessando como ele e a 1º mulher do profeta Khadija foram os únicos que estiveram na montanha sagrada de Hira, nos sucessivos anos em que o Corão foi escrito, «Eu via a luz da revelação e da mensagem e aspirava a fragrância da profecia», e como foi ungido por ele na função de guia ou mestre perene.

Até o profeta desincarnar em 632, Ali foi quem esteve mais próximo dele, o seu discípulo e companheiro, tanto mais que desde os 5 anos fora educado por Maomé em sua casa, já que eram primos direitos, e o pai de Ali, Abu Talib, protegera Maomé, filho do seu irmão e que morrera cedo, e assim quando este reuniu os seus familiares e amigos para lhes dizer que Deus lhe falara e os chamava, foi só Ali que exclamou logo «Ó Profeta de Deus, serei eu o teu ajudante nisto, ao que Maomé respondeu Este é o meu irmão, o meu executor e o meu sucessor de entre vós, Escutai-o e obedecei-lhe».

                                     

Na fase de passagem de Meca para Medina e nas batalhas que se seguiram Ali foi o herói invencível, com episódios memoráveis, tal como na batalha de Khaybar, em 629, tornando-se de facto após Maomé o chefe do Ahl al-Bayt, a sua Família (ahl) da Casa (bayt), e por extensão o povo da Casa descendente de Maomé. Mas além do guerreiro destemido, o Leão da Montanha, e do líder sábio e prudente o que o caracterizava mais era a sua ética viva e cavaleiresca de seguir a verdade com justiça e exercê-las sabiamente, manifestando uma generosidade e espírito de sacrifício imensos, características que passaram para a tradição e comunidade Shia, Shii ou Xiita, e em especial para o povo iraniano que tanto a acolheu e se impregnou...

Dos seus ensinamentos espirituais partilharemos apenas uns raiozinhos neste dia do seu aniversário em 2025, e a partir da minha vivência, conhecimentos e um livro bom, que encontra em português, Justiça e Recordação. Introdução à espiritualidade do Imam Ali, de Reza Shak-Kazemi, editado em 2009 pela Bizâncio, com boa tradução de Luísa Venturini e que recomendo.

Um deles é o da valorização da nossa capacidade de alcançar os níveis perenes pois o intelecto contemplativo das Verdades divinas que a sua fé lhe oferece pode senti-las e vê-las pelo olhar interior do seu coração, e sendo a busca e aquisição do Conhecimento profundo e da Realidade, e não das riquezas e posições, o que vale mais, pois enquanto as riquezas diminuem ao serem gastas, o conhecimento aumenta ao ser partilhado,  sendo a própria aspiração e apreensão do Conhecimento um acto de adoração a Deus.

É no discurso feito a Kumayil, extraído do Nahj al-balagha, a obra principal do seu diversificado ensinamento de pregações, cartas e ditos, que visualizamos o Imam Ali a ensinar ao seu discípulo, junto a um cemitério: «Ó Kumayl Ibn Ziyad, aqueles que acumulam  riquezas perecem mesmo enquanto vivem, mas os conhecedores perseveram enquanto o tempo subsistir; as suas formas [materiais] estão ausentes mas as suas imagens [espirituais] estão presentes nos seus corações. Ah! que abundância de Conhecimento [profundo e verdadeiro, haqiqa] existe aqui (apontando para o peito); que bom seria encontrar alguém que o recebesse», lamentando em seguida que um ou outro possível discípulo, que entendia tal riqueza espiritual e subtil transmissão, se deixara ora corromper pelos ganhos mundanos, ora, face a obscuridades ou dúvidas, perder a firmeza da visão sentida do coração.

Contudo  os amigos da casa do Profeta e de Deus, Ahl al-Bayt, a comunidade mística dos amante e conhecedores de Deus e da sua verdade e justiça, nunca deixarão de existir afirma em seguida no mesmo discurso:«Mas na Verdade, ó Deus, a Terra nunca estará vazia daquele que partilha ou estabelece as provas [da existência e presença] de Deus, quer abertamente com publicidade ou receosamente na obscuridade, a não ser que as provas e elucidações de Deus ficassem sem valer nada... Mas  como estes tais [discípulos da Verdade, e amigos de Deus] - quantos existem e onde? Por Deus, podem ser pouquíssimos em número, mas com Deus eles são os maiores em nível [hierárquico]. Através deles, Deus preserva  as Suas provas e elucidações, para que eles posam  confiá-las ou transmiti-las aos seus pares e semeá-las nos corações  que se lhes assemelham.»

Eis-nos com a essência da via Shia e de Ali (Ali, Ali...): o coração em acção seja a dar ou a receber, e atingindo a devoção e aspiração que torna o coração sensível, capaz de agir corajosa e justamente no mundo físico e alcançar-penetrar o mundo transcendente e sentir ou ver a Luz Divina, ou mesmo a Realidade Divina.

E Hazrat Ali continua exaltando ou apelando aos Amigos de Deus, aos companheiros da Casa de Deus: «Através deles, ou neles,  o conhecimento (haqiqa) alcança ou penetra (hajama) a visão íntima da realidade. Eles celebram na sua intimidade (com) o espírito da certeza; tornam fácil o que os superficiais  consideram difícil, e confraternizam  com o que o ignorante considera estranho. Com os seus corpos acompanham o mundo, mas os seus espírito estão ligados (ou vinculados) ao domínio ou plano transcendente.

São os vice-regentes (califas) de Deus na sua Terra, os que convocam para a Sua religião (do coração). Ah! Como anseio vê-los (ou encontrá-los)! Vai agora, Kumayl, e sê e age como deves.»

                          

Sem comentários: