sábado, 24 de junho de 2017

Antero de Quental: a vida e obra vista pelo professor José Gomes Branco, em 1946

José Gomes Branco, que chegou a ser em Portugal Director-Geral do Ensino Primário nos anos 60, quando foi professor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Madrid publicou em espanhol uma separata intitulada Literatura Portuguesa, Madrid, 1946, traduzida por Jose del Rio Sainz, na qual dá uma visão histórica evolutiva desde a poesia medieval até à Mensagem, de Fernando Pessoa, da qual destacava «as poesias O Mostrengo e Mar Português, ecos da consciente e heróica acção portuguesa nos descobrimentos marítimos». Dessa separata resolvemos retraduzir para português as linhas dedicadas por ele a Antero de Quental:  
«Vivendo ainda Alexandre Herculano, mas retirado das actividades literárias, e estando no auge a glória de Castilho, surgiu outro grupo de jovens literatos cuja formação intelectual os levou a buscar rumos distintos do romanticismo. Originou-se um choque, iniciado pelo ataque dirigido contra Castilho, como já se disse. Os participantes neste assalto eram liderados por um jovem licenciado em Direito, Antero de Quental (1842-1891). Ocorreu isto em 1865, denominando-se o episódio A questão de Coimbra, pois os inovadores pertenciam a esta Universidade. Este debate teve repercussão em 1871, por causa de uma série de conferências públicas dadas em Lisboa com o propósito de apoiar os princípios defendidos pela nova geração. 
O Grupo dos Cinco: Eça, Oliveira Martins, Antero de Quental, Ramalho e Junqueiro.
Antero foi um combatente, cujas energias apagaram-se a pouco a pouco, até que acabou suicidando-se na idade da sua maturidade intelectual, e foi também um grande poeta que em Raios de Extinta Luz, Odes Modernas, Primaveras Românticas e Sonetos alcançou formas de alta beleza, e escreveu para mais além  das fronteiras do seu país, questionando problemas humanos essenciais, sobre os quais meditou profundamente e para os quais buscou em vão soluções que o satisfizessem. Antero deixou também obras em prosa, nas quais adaptou à língua portuguesa concepções filosóficas.
Neste aspecto Fidelino Figueiredo escreve que «Antero, como prosista, está na sua zona mais portuguesa, porque mais enraizada no ambiente pátrio, ao qual marcou novos rumos com um ardor cívico entusiástico» e que nas Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, «ainda que em tudo o que ali se expressa com suma claridade, em um léxico acessível, combinado tudo com uma original mestria, sem deixar de ser sua construção flexível, vivida, sangrante de paixão e com o interesso desperto da língua falada».
Questionaremos apenas na visão de Antero "o combatente", de José Gomes Branco, o qual foi ainda crítico literário no Diário da Manhã (recebendo por isso muitos livros com dedicatória, como comprovei ao catalogar a sua biblioteca para leilão, tais como as de João Frade Correia, Maria Amália Vale, etc.), a ideia de que as suas energias apagaram-se pouco a pouco, até se suicidar quando estaria na sua maturidade intelectual, já que da oposição ou conflito entre a energia vital e a energia psíquica  resultara um gradual definhamento vital, o que levaria Antero ao suicídio. Todavia, talvez devamos intercalar entre estes dois níveis (vital e psíquico) a componente afectiva, essa sim quanto a mim a mais determinante, e que foi poderosamente abalada e diminuída pelo seu celibato, a pouca inserção activa e futurante na sociedade e, sobretudo a desilusão final, na véspra, com as irmãs pela retirada da tutela e educação das suas duas quase filhas, Beatriz e Guilhermina.
É interessante a visão de Gomes Branco da insatisfação de Antero quanto à sua busca poética, embora só em parte e vista posteriormente é que estaremos de acordo, já que em cada fase do seu percurso, seja a juvenil amorosa, a revolucionária e socialista,  a metafísica da liberdade e da sondagem da morte,  do infinito e Absoluto (dos Sonetos), houve satisfação. Valiosa também a sua afirmação de que seria na prosa que Antero conseguira introduzir na língua e filosofia portuguesa conceitos filosóficos modernos, vividos e expressos bem flexivelmente e com amor-paixão. 
Diremos todavia que os seus aspectos mais profundos e espirituais das Tendências e da sua valiosa correspondência com os amigos, tal a sua visão do panpsiquismo e de que a vida é consciência e espírito, ainda não foram bem aprofundados seja na língua escrita ou falada seja na alma ou espírito dos portugueses, apesar de tantos livros e colóquios anterianos, os quais por vezes acabam por não realçar muito o mais essencial que Antero demandava e realizava. Afirmamos isto sentindo que tal é um dos desafios do testamento de Antero ainda hoje a ecoar em nós....

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