Ensinamentos do notável e esforçado cavaleiro e dramaturgo Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515-1585), extraídos da sua comédia Aulegrafia. Utilizamos a reimpressão realizada por António A. Machado de Vilhena, em 1968, feita sobre a impressão lisboeta e única conhecida de 1619, embora a obra tenha sido escrita provavelmente na década de 1545 a 1555.
Uma reconstituição de Jorge Ferreira de Vasconcelos a partir das indicações da sua dedicada investigadora Silvina Pereira, e que em Março de 2022 dará à luz a 3ª edição da Aulegrafia, |
Introdução - «Já entendeis quão preciosa, digna de grande estima, e necessária para o uso da vida e a recriação da alma, é a amizade em que se conserva toda a máquina do mundo»
(Comentário: Do amor como a essência da anima mundi, ou alma do todo e que nos abrange e inspira...)
«O animal mais inimigo do homem é o mesmo outro homem, por o desconhecimento que tem da pureza de seus corações: ca [porque] o bem e o mal conhecesse nas coisas, em que consiste, e o verdadeiro e o falso na alma, em que se encobre.»
«Nenhuma coisa destrói o mundo, como quererem muitos viver pelas leis do estado alheio, e fugir às do próprio...»
(Comentário: Sê tu próprio. Realiza a tua missão, o teu dever ou a tua ordem, Swadharma, na tradição indiana).
«Muito devedor é a seus fados quem emprega bem os pensamentos...»
(Comentário: Vigia e pensa luminosamente os teus pensamentos, e a vida segui-los-á. Sê artífice do teu bom futuro dando graças por poderes criar ou desenvolver boas energias psíquicas...)
«E portanto forrai-vos para contraminar matantes roncadores, que andam feitos relógios...»
(Comentário: Precaver-se, resistir e lutar contra os inquisidores e repressivos. Visão já futurista, quase da inteligência artificial, de espiões ou das polícias desumanas altamente armadas e mecanizadas..)
«Tenho que o interesse o tem feito covarde, e esses sizos dos bons dá ousadia a ruins para tomarem liberdade em seus excessos, e caírem com eles. Eu não vos louvo ser soberbo, nem vos gabo ser sofrido, por não dar licença a cobardes. Entendo que o muito sofrimento acanha espíritos nobres, e dá fôlego aos fracos...»
(Comentário: Da necessidade de reagir ao mal e não deixar que os ruins cresçam em soberba e repressão...)
"De animoso espírito é seguir coisas altas, e desejar o dificultoso."
(Comentário: Da alma espiritual e de amor em aspiração e luta pelo bem, a amada, a justiça, o espírito, a Divindade...).
"Enxergo-vos sensual, e pesa-me: porque é uma seita de amor muito baixa, e pobre de gostos. Põem todo o seu no efeito breve e para brutos. E chegar ver o fim de nada, é triste sorte: pois é claro que no infinito está o mel, empresas atermadas (com termo brve no tempo] não podem ser gostosas."
(Comentário: Das seitas ou escolas do Amor e dos seus níveis. Não carnalizar excessivamente o amor.)
"Contemplando recebem os Espíritos contínuo contentamento contentando os desejos no que cuidam. E como as coisas segundo mais ou menos estão juntas [ou unificadas] da alma, assim lhe imprimem os seus bons ou maus efeitos. O pensamento que reside nela faz ver muito melhor com os olhos do entendimento a quem ama. (…) Mas a contemplação forra destes desaires em ausência, vos faz vente (ver) o que imaginais: o como, entende-o quem o sente. São segredos do amor, que se alcançam por graus de afeição..."
(Comentário. Das forças anímicas que são unificadas pelo ser espiritual na contemplação amorosa e como há graus de afeição secretos, íntimos.)
«Hisopo [Esopo] perguntado que fazia Júpiter [Deus máximo e óptimo], respondeu: abaixa altos, e levanta baixos.»
(Comentário: Do espírito divino da justiça e como tal se manifesta nos cavaleiros andantes...)
«Poucas vezes se viu mal, que não seja aviso de maior bem. … Nada deve esperar-se ou desesperar-se, sem experimentar ventura. Não vos deis ao sofrimento, que vos tolha buscar remédio: Nas coisas duvidosas vale muito o bom conselho, e ousadia, nada vo-la faça perder: que do mal que homem teme, desse morre. Sem perigo não se faz façanha."
(Comentário: Aborrecer o mal, suportando-o, ultrapassando-o, transmutando-o, ousando...)
"Formosura é pedra de cevar corações humanos: e amor um desejo do que bem parece, daqui se move nossa razão, vista e ouvidos, e se deleita: deleitando rouba, e roubando inflama: e quanto mais claro juízo, tanto mais se afeiçoa ao que lhe parece bem.»
(Comentário: Elogio do amor que rapta ou extasia e em que razão e coração estão despertos e em sinergia activa.)
"O tempo, porém, por mais tirano que ande de verdade, nunca pode tirar o preço ao bom: e sabei que contentamentos próprios, quando forem justificados, são gostos que regem a alma, e seguram o porto; triunfos injustos, e de má plumagem, por mais que reluzem, lá têm sempre o seu bicho que desassossega altamente o espírito.»
(Comentário: Do amor como a essência da anima mundi, ou alma do todo e que nos abrange e inspira...)
«O animal mais inimigo do homem é o mesmo outro homem, por o desconhecimento que tem da pureza de seus corações: ca [porque] o bem e o mal conhecesse nas coisas, em que consiste, e o verdadeiro e o falso na alma, em que se encobre.»
«Nenhuma coisa destrói o mundo, como quererem muitos viver pelas leis do estado alheio, e fugir às do próprio...»
(Comentário: Sê tu próprio. Realiza a tua missão, o teu dever ou a tua ordem, Swadharma, na tradição indiana).
«Muito devedor é a seus fados quem emprega bem os pensamentos...»
(Comentário: Vigia e pensa luminosamente os teus pensamentos, e a vida segui-los-á. Sê artífice do teu bom futuro dando graças por poderes criar ou desenvolver boas energias psíquicas...)
«E portanto forrai-vos para contraminar matantes roncadores, que andam feitos relógios...»
(Comentário: Precaver-se, resistir e lutar contra os inquisidores e repressivos. Visão já futurista, quase da inteligência artificial, de espiões ou das polícias desumanas altamente armadas e mecanizadas..)
«Tenho que o interesse o tem feito covarde, e esses sizos dos bons dá ousadia a ruins para tomarem liberdade em seus excessos, e caírem com eles. Eu não vos louvo ser soberbo, nem vos gabo ser sofrido, por não dar licença a cobardes. Entendo que o muito sofrimento acanha espíritos nobres, e dá fôlego aos fracos...»
(Comentário: Da necessidade de reagir ao mal e não deixar que os ruins cresçam em soberba e repressão...)
"De animoso espírito é seguir coisas altas, e desejar o dificultoso."
(Comentário: Da alma espiritual e de amor em aspiração e luta pelo bem, a amada, a justiça, o espírito, a Divindade...).
"Enxergo-vos sensual, e pesa-me: porque é uma seita de amor muito baixa, e pobre de gostos. Põem todo o seu no efeito breve e para brutos. E chegar ver o fim de nada, é triste sorte: pois é claro que no infinito está o mel, empresas atermadas (com termo brve no tempo] não podem ser gostosas."
(Comentário: Das seitas ou escolas do Amor e dos seus níveis. Não carnalizar excessivamente o amor.)
"Contemplando recebem os Espíritos contínuo contentamento contentando os desejos no que cuidam. E como as coisas segundo mais ou menos estão juntas [ou unificadas] da alma, assim lhe imprimem os seus bons ou maus efeitos. O pensamento que reside nela faz ver muito melhor com os olhos do entendimento a quem ama. (…) Mas a contemplação forra destes desaires em ausência, vos faz vente (ver) o que imaginais: o como, entende-o quem o sente. São segredos do amor, que se alcançam por graus de afeição..."
(Comentário. Das forças anímicas que são unificadas pelo ser espiritual na contemplação amorosa e como há graus de afeição secretos, íntimos.)
«Hisopo [Esopo] perguntado que fazia Júpiter [Deus máximo e óptimo], respondeu: abaixa altos, e levanta baixos.»
(Comentário: Do espírito divino da justiça e como tal se manifesta nos cavaleiros andantes...)
«Poucas vezes se viu mal, que não seja aviso de maior bem. … Nada deve esperar-se ou desesperar-se, sem experimentar ventura. Não vos deis ao sofrimento, que vos tolha buscar remédio: Nas coisas duvidosas vale muito o bom conselho, e ousadia, nada vo-la faça perder: que do mal que homem teme, desse morre. Sem perigo não se faz façanha."
(Comentário: Aborrecer o mal, suportando-o, ultrapassando-o, transmutando-o, ousando...)
"Formosura é pedra de cevar corações humanos: e amor um desejo do que bem parece, daqui se move nossa razão, vista e ouvidos, e se deleita: deleitando rouba, e roubando inflama: e quanto mais claro juízo, tanto mais se afeiçoa ao que lhe parece bem.»
(Comentário: Elogio do amor que rapta ou extasia e em que razão e coração estão despertos e em sinergia activa.)
"O tempo, porém, por mais tirano que ande de verdade, nunca pode tirar o preço ao bom: e sabei que contentamentos próprios, quando forem justificados, são gostos que regem a alma, e seguram o porto; triunfos injustos, e de má plumagem, por mais que reluzem, lá têm sempre o seu bicho que desassossega altamente o espírito.»
(Comentário: Nada como se ter boa consciência, a de que pelo nosso trabalho fizemos o bem com meios justos, ao contrário dos que trapaceiam e roubam e depois sofrerão a inquietação de que a verdade seja revelado.)
«Bem se mostra nisto como todas nossas diligências e imaginações são vento se lhe Deus não assopra. Donde tinha razão Sócrates, dizendo que não se devia pedir a Deus, salvo simplesmente [o] bem, zombando dos votos humanos, que mostram querer ensinar a Deus o que nos cumpre, sendo só ele o sabedor do bom, e repartidor do melhor: por o que, quando do Céu está ordenado, na mente Divina, o contrário do nosso desejo; por demais é pretendê-lo. Por isso siso, e regra infalível é entregar à vontade de Deus. Ter o cuidado de cipilhar a alma, conforme ao que manda a Lei que professamos. Tomar o leme do honesto trabalho, e deixar o cuidado da viagem a quem tem a cargo, e manda a nau.»
(Comentário: Jorge Ferreira de Vasconcelos, cavaleiro do Amor, amigo espiritual de Erasmo, aqui em ressonâncias das mesmas verdades que circulavam na república das Letras: que não seja o nosso ego a querer isto e aquilo mas que saibamos intuir e cumprir a vontdade divina ou do bem e do amor.)
«Bem se mostra nisto como todas nossas diligências e imaginações são vento se lhe Deus não assopra. Donde tinha razão Sócrates, dizendo que não se devia pedir a Deus, salvo simplesmente [o] bem, zombando dos votos humanos, que mostram querer ensinar a Deus o que nos cumpre, sendo só ele o sabedor do bom, e repartidor do melhor: por o que, quando do Céu está ordenado, na mente Divina, o contrário do nosso desejo; por demais é pretendê-lo. Por isso siso, e regra infalível é entregar à vontade de Deus. Ter o cuidado de cipilhar a alma, conforme ao que manda a Lei que professamos. Tomar o leme do honesto trabalho, e deixar o cuidado da viagem a quem tem a cargo, e manda a nau.»
(Comentário: Jorge Ferreira de Vasconcelos, cavaleiro do Amor, amigo espiritual de Erasmo, aqui em ressonâncias das mesmas verdades que circulavam na república das Letras: que não seja o nosso ego a querer isto e aquilo mas que saibamos intuir e cumprir a vontdade divina ou do bem e do amor.)
"Na boca do cavaleiro não deve haver vituperar seu inimigo, e deve sempre defender o nome das mulheres, como faziam os da Távola Redonda, antes louvá-las, e tratar do próprio e não desfazer do alheio. E, então, como dizia o outro, chame-se Alexandre deus: quero dizer, tenha-se cada um na conta em que quiser e lá se avenha com sua vaidade, que se não é prejudicial, pode ser proveitosa...»
(Comentário: Dos esforçados cavaleiros andantes, cuidadosos no maldizer e sempre prontos a defender as mulheres, e pouco intromissivos nas vidas dos outros, algo que no séc. XXI da internet e das redes sociais se torna bem difícil)
"Como se converte a necessidade em razão. Assim nas adversidades é mais eficaz remédio a necessidade que a razão. A discrição consiste em saber sofrer com animo, o que nos sucede contra nossa esperança, e gosto, esperando sempre socorro Divino, que nunca faltou aos bons, e que o bem pedem, e aplicar nosso espírito ao sofrimento, e remédio, pois Deus nos deu razão, e virtude, e juntamente ânimo, para podermos desviar, e vencer todo o movimento, e tempestade adversa, e senhorear nossos sentidos, e apetites: e portanto ganhai-vos a vós: Cá não é bom, nem cumpre ser sempre um em todo o tempo, [pois] a idade, o lugar, ocasião e sucesso requerem sua vez. Perdoa-se o passar pelos vícios, mas querer estar neles, é torpíssimo: os homens hão-de viver da razão pois por ela se diferenciam das bestas, que vão após seu apetite.»
(Comentário: Da prudência e da resistência face às adversidades. Do controle dos apetites pela razão que discerne as normas e limites que se devem aplicar aos seus actos)
"O estado acanhado abate o saber"
"A grandeza do ânimo faz possível impossibilidades"
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"O estado acanhado abate o saber"
"A grandeza do ânimo faz possível impossibilidades"
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Eis um pequeno contributo introdutório ao colóquio Internacional "Jorge Ferreira de Vasconcelos: Um homem do Renascimento", Fundação Calouste Gulbenkian, 28 e 29 de Maio de 2015. Entrada livre, prévia inscrição. Participarei.
Mais informação: http://vcentenariojfv.weebly.com/
Mais informação: http://vcentenariojfv.weebly.com/