sábado, 11 de outubro de 2025

S. António, soneto de Oliva Guerra, em "Serenidade", 1933. Biografia, hermenêutica. Terá influenciado Fernando Pessoa?

                                 

Oliva Guerra, em 1933, quando publicou Serenidades, já dera à luz  sete livros de conferências, versos, prosa e novela para crianças e, com  42 anos,  amadurecida e serena, com a sua imensa sensibilidade, pode transmitir-nos neste livro  vinte e um poemas de grande qualidade,  vários, tal como o do Silêncio, merecendo a nossa leitura interiorizada e mesmo hermenêutica. Escolhemos o dedicado a Santo António de Lisboa, e que antecede S. Francisco de Assis, os únicos poemas expressamente religiosos, embora em todos vibre a sua grande sensibilidade e espiritualidade. 

Nascendo em Sintra a 18 de Maio de 1891, como viveu longamente, certamente apoiada por ser  pianista e musicóloga, professora de português e literatura, Oliva Guerra publicou ainda vários livros antes de partir para o além, que sempre sentira e poetisara, em 22 de julho de 1982. Foi condecorada  três vezes, e desde 1992 o prémio literário da Câmara Municipal de Sintra tem o seu nome, homenagem a quem nascendo em Sintra muito amou tal terra encantada, e sobre quem escreveu o belo Roteiro lírico de Sintra. Relembremos que  posteriormente em 1944 traduzirá de Gino Saviotti, o seu livro Santo António, e leiamos então o soneto...

                                     S. António de Lisboa 

Partiu um dia pelo mundo fora,
Demandando as paragens mais incertas,
Semeando a luz das suas mão abertas,
Volvendo noites em perpétua aurora.

Percorreu terras bárbaras, desertas,
Pregou a fé, seu sonho de hora a hora.
Foi - quem sabe? - no Portugal de outrora
O génio místico dos Descobrimentos.

Santo mais santo deste grande povo,
Vem teus milagres repetir de novo,
Vem missionar a Fé mais uma vez.
 
Numa ânsia remota de ternura
Andam os nossos tempos à procura
                           De um santo como tu tão português.»                                                                                                                                               A primeira quadra é maravilhosa de sugestões auricas e coloridas: mãos abertas, disponíveis, irradiam luz, semeiam-na mesmo, e transformam as trevas em dia, em amanhecer radioso. Que bela visão do ser que parte para a sua jornada diária, ou para a sua peregrinação, com este estado de alma e de corpo, transfigurando luminosamente o que o rodeia...
         A segunda quadra mostra-nos na grande seara do mundo, o trabalhador da palavra, da ideia, da crença, do sonho, que se vive ou se ergue hora a hora e que, nessa doação de descoberta e partilha com o outro do que lhe vai na alma de sagrado e de divino, S. António é um primeiro missionário dos Descobrimentos, embora só tenha tentado o norte de África e pela sua fraca saúde não pudesse concretizar o sonho. Serão os franciscanos que  irão depoismissionar o Oriente, com grandes momentos de amor e de luz. Génio místico dos Descobrimentos, lhes chama com valiosa intuição, Oliva Guerra. Génio, qual Djinn islàmico da lâmpada de Aladino, ou se quisermos, dos romanos, o Genius como o Anjo, místico, subtil, invisível, da pessoa, do local, da obra, dos Descobrimentos.
    O primeiro terceto parece que terá chegado aos ouvidos de Fernando Pessoa, ressoando em algumas passagens da Mensagem, nomeadamente acerca de Nuno Álvares Pereira e de D. Sebastião.
     No terceto final, que nos parece ressoar de novo em partes da Mensagem, nomeadamente na ânsia  remota e na procura de um profeta, santo, mestre ou avatar, Oliva Guerra ressuscita o amor ternura franciscano de outrora em novos peregrinos, semeadores, místicos, homens e mulheres  que consigam ser S. Portugal, ou o Arcanjo de Portugal em acção, ou simplesmente reflectido...
Oliva Guerra, uma alma da Cynthia artística de outrora mas perene, que bem merece ser revisitada, estudada e amada...
                                       
                    A letra musicalmente bela de Oliva Guerra...Lux, Amor!

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