Do culto e amor dos pés puros e suas medidas e pegadas, no caminho da vida, virtudes e verdade.
A sacralização dos pés é pois natural dada a sua maravilhosa anatomia, bela apresentação, extraordinária capacidade de utilização (pense-se nos que pintam com os pés), e simultaneamente a fragilidade face aos mil acidentes da vida, que quase todos já experimentaram.
Para quem conhece as tradições orientais da circulação da energia, prana ou ki por meridianos, e como alguns terminam ou começam nos pés, ou as técnicas ocidentais da reflexologia e massagem metamórfica, ainda mais sente justificada o seu cuidar, massajar ou cultuar.
Tal acontece mais tanto entre as pessoas que se amam, como nas que sabem utilizar bem, apreciar e massajar os pés, e ainda na adoração dos pés dos gurus ou mestres, muito prevalecente na Índia, e finalmente dos fundadores das religiões, tal Buda e Jesus, e dos avatares, ou descidas-incarnações da Divindade entre os humanos, tal Rama e Krishna, pois pelos pés o espírito aterra no solo, e pelos pés nus liga o Céu e a Terra...
Um dos cultos entre nós, Portugal mas não só, subsistente é o das pegadas ora de Jesus, ora de Maria, ora de algum santo e santa, ou mais recuadamente de moiras, e que se descortinam ou legendariamente se atribuem em penedos e santuários, tal no cabo Espichel, na serra de Sintra e em vários locais do Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes
Outro culto é o das medidas em forma, e que apresentamos um exemplar, e haverá outras versões dele perdidas ou extraviadas do grande e em falta Museu Devocional de Portugal: a medida do pé de Maria, mãe de Jesus, e que se usava para estimular a oração e contemplação. E talvez para se venderem nas suas cópias prometendo indulgências...
É um paciente trabalho artístico sobre papel de início do séc. XIX, com 14x28 cm (e dobrado fica fechado e protegido), pois entre as quatro orlas que fazem de aura protectora ou irradiadora do pé-alpercata (7x20 cm) e da mensagem escrita (que está encimada por uma estrela de oito raios com um sol de dois círculos ao centro), desenhou-se um denteado de triângulos preenchidos de belo efeito e que faz até lembrar a decoração geométrica dos ídolos placas em xisto.
Desconhecemos se esta cópia do original foi única ou se foi produção de um devoto, dum artista ou provavelmente dum monge ou soror dum mosteiro. E ignoramos se foi e é uma cópia fiel da alpercata ou sandália existente (certamente lendária), ou se é apenas uma criatividade própria a partir de se ter ouvido...
Quanto ao seu uso, se fosse na Índia não teríamos dúvidas que as pessoas tocariam a testa com o desenho. Em Portugal, pensamos que talvez beijassem a imagem, ou rezassem diante dela ou ainda andassem com ela no bolso do casaco. Mais curativa paracelsicamente seria deporem um pé sobre ela e invocar ou evocar forças e bênçãos.
Quanto à contemplação mais demorada dela, na totalidade ou em pormenores e na assimilação no corpo e alma do devoto que a possuía ou do peregrino que a contemplava, apenas poderemos intuir...
Vamos transcrever a legenda e compreender talvez melhor este invulgar e belo ícone português:
«Medida
exactissima de pé da Bemaventurada Mãe de Deus tirada da sua verdadeira
alpercata que se venera com grande devoção em um mosteiro de
Hespanha. O Pontífice João XXII [1249-1344] concedeu 300 anos de indulgências a quem beijar 3 vezes esta medida e rezar três vezes a ave Maria: o que também foi confirmado pelo Papa Clemente 8º [1536-1605] no ano de 1603.
Esta indulgência não havendo prescrição de um ano se pode adquirir quantas vezes quiserem os devotos da Santíssima Virgem Maria. Pode aplicar-se pelas almas do Purgatório. (...)
Maria, Mãe da Graça rogai por nós».
Encontrámos na web outra versão e muito bela deste culto da medida do pé, a qual reza: "Medida do santíssimo pé da Bem Aventurada Virgem Maria Mãe de Deus, tomada de um calçado da mesma Senhora o qual existe no mosteiro de Saragoça em Madrid O Santo Padre João XXII concedeu 700 anos de indulgencia as pessoas que beijarem três vezes esta bendita medida e ao mesmo tempo rezarem três Ave Maria, alcançarão ainda : livramentos de todos os males. Confirmada pelo Santo Padre Clemente VII no ano de 1604, Aquelas pessoas que as trouxerem consigo serão livres de morte repentina»
Este exemplar, captado na página de araujoelcatolico tem algumas diferenças:a imagem de Maria é transmitida, promete-se o livramento de morte repentina a quem andasse com a estampa, alonga-se o prazo da indulgência e explicita-se que tal relíquia se encontra num mosteiro de Saragoça. Desconhecemos se ainda existe e em que mosteiro seria de Saragoça. De realçar a possibilidade de se orar diante do Santo Pé pelas almas já partidas da Terra com melhores efeitos, o que é bastante original ao nível de transmissão psico-mórfica subtil e ígnea, e na realidade o fogo do Amor une o Cosmos...
Caminhemos na verdade, no amor, na coragem e saibamos amar-nos pelo coração dos pés à cabeça! Aum Agni Ignis Aum... |