Rui Galvão de Carvalho, açoriano (Rabo de Peixe, 3-XI-1903 e Ponta Delgada, 29-V-1991), professor liceal de filosofia, ensaísta e poeta, notabilizou-se pela grande admiração e dedicação a Antero de Quental, e
a perseverante e profícua divulgação, tendo tal amor despertado
quando estudava em Coimbra e por influxo do seu mestre
Joaquim de Carvalho, um dos mais valiosos anterianos.
É vasta a sua bibliografia, nomeadamente a anteriana, conforme se pode consultar na razoável página que lhe é dedicada na Wikipédia, à qual acrescentei dois títulos e uma correcção.
(1933) — Nota breve sobre a timidez de Antero. Porto, Revista Portucale, vol. VI, nº 35.
(1933) — Nota breve sobre a timidez de Antero. Porto, Revista Portucale, vol. VI, nº 35.
(1933) — Três Ensaios sobre Antero de Quental. Coimbra, Imp. da Universidade;
(1934) — Meditação Sobre a Vida e a Morte de Antero. Sep. de O Distrito, Ponta Delgada;
(1949) — Antero de Quental e a Mulher. Ensaio Breve de Interpretação Psicológico-Literária. Lisboa, Ed. de Álvaro Pinto (Ocidente);
(1950) — Antero Vivo. Ensaios. Lisboa, Ed. de Álvaro Pinto (Ocidente);
(1950) — Primazia do Espírito e Agremiações Culturais. Ponta Delgada, Tip. do Correio dos Açores;
(1957) — Mulher na Lírica de Antero. Sep. de Insulana;
(1961) — Cartas de Antero de Quental a Francisco Machado de Faria e Maia. Lisboa, Delfos;
(1962) — Ordenação Cronológica dos «Sonetos Completos» de Antero de Quental. Sep. de Atlântida. Órgão do Instituto Açoriano de Cultura, Angra do Heroísmo;
(1965) — O génio poético de Antero. Brotéria, Lisboa, vol. 81, n.º 3 (Setembro de 1965): pp. 175 seg.
(1966)— As raízes bocageanas dos Sonetos de Antero de Quental. Rev. Gil Vicente, Lisboa, Vol. XVII 2ª s. nºs 11e 12. 1966.
(1966)— As raízes bocageanas dos Sonetos de Antero de Quental. Rev. Gil Vicente, Lisboa, Vol. XVII 2ª s. nºs 11e 12. 1966.
(1980) — Colectânea de Estudos Anterianos. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura;
(1983) — Antologia Poética de Antero de Quental. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura;
(1984) — O Açorianismo de Antero de Quental. Sep. da Biblos, Coimbra;
(1985) — Antero de Quental: Novos Ensaios. Vila Franca do Campo, Ed. Ilha Nova;
(1989) — Antero de Quental e a Música. Câmara Municipal da Horta. *** E provavelmente outros textos terá escrito e publicado, dispersos por jornais ou revistas terá também trabalhado Antero.
Iremos abordar o seu primeiro ensaio, publicado na abrangente revista portuense Portucale, quando tinha apenas 31 anos, no qual aborda o tema do amor, da sexualidade e da timidez de Antero de Quental e manifesta uma certa mitificação, bem natural para um jovem bondoso, idealista e formado no Catolicismo e no Integralismo de António Sardinha, visionando-o como um Galaaz, algo que em certos aspectos cavaleirescos de demanda do Graal do Ideal e da Verdade certamente Antero tinha, e gera algumas afirmações senão discutíveis pelo menos boas para nos interrogarmos sobre Antero de Quental, a Mulher e o Amor, sobretudo na vida dele, embora o tema seja vasto e as linhas aqui necessariamente breves...
Do artigo, reproduzido, transcrevemos as afirmações mais importantes, nomeadamente logo de início, ao rebater a ideia em parte lançada pelo médico Sousa Martins de se «considerar o poeta como um misógino, como um inimigo sexual das mulheres», caracterização esta que Natália Correia criticou e reenviou para o próprio Sousa Martins, pois este é que seria o misógino, o desequilibrado.
Que diz então Rui Galvão de Carvalho: «É um conceito erradíssimo este, tanto mais que, como já afirmamos, a paixão de Antero por a mulher foi um facto real e, em toda a sua vida de peregrino do Amor chama acesa e sempre irradiante, facto que em parte pode até explicar a tragédia íntima do homem que a lenda santificou, do poeta que melhor cantou a Dor humana, do filósofo que mais intensamente viveu a angústia metafísica de Jouffroy, mas que, como o irónico Voltaire, "nos deixou, a todos, o exemplo da tolerância"(Lanson)».
De realçar as expressões acertadas e belas que sublinhamos, e as referências a Théodore Simon Joufroy (1796-1842, discípulo de Victor Cousin), filósofo e professor, que morre curiosamente uns meses antes de Antero de Quental, com uma obra valiosa sobre a ética e a moral, a filosofia escocesa e os fins últimos da Humanidade, e a Gustave Lanson (1857-1934), historiador sociológico da literatura.
E a dado passo, no desenvolvimento da sua teoria ou visão anteriana, apoiado em Freud e em Gregório Marañón, conclui Galvão de Carvalho: «varão perfeito, másculo, a sua pudicidade derivava de um excesso de virilidade; a sua reserva traduzia-se numa sublimação sexual segundo a terminologia de Freud; enfim: a sua timidez «se deve a uma situação de superioridade do instinto, a uma diferenciação exagerada do mesmo; a um verdadeiro complexo de superioridade sexual»...
Que diz então Rui Galvão de Carvalho: «É um conceito erradíssimo este, tanto mais que, como já afirmamos, a paixão de Antero por a mulher foi um facto real e, em toda a sua vida de peregrino do Amor chama acesa e sempre irradiante, facto que em parte pode até explicar a tragédia íntima do homem que a lenda santificou, do poeta que melhor cantou a Dor humana, do filósofo que mais intensamente viveu a angústia metafísica de Jouffroy, mas que, como o irónico Voltaire, "nos deixou, a todos, o exemplo da tolerância"(Lanson)».
De realçar as expressões acertadas e belas que sublinhamos, e as referências a Théodore Simon Joufroy (1796-1842, discípulo de Victor Cousin), filósofo e professor, que morre curiosamente uns meses antes de Antero de Quental, com uma obra valiosa sobre a ética e a moral, a filosofia escocesa e os fins últimos da Humanidade, e a Gustave Lanson (1857-1934), historiador sociológico da literatura.
E a dado passo, no desenvolvimento da sua teoria ou visão anteriana, apoiado em Freud e em Gregório Marañón, conclui Galvão de Carvalho: «varão perfeito, másculo, a sua pudicidade derivava de um excesso de virilidade; a sua reserva traduzia-se numa sublimação sexual segundo a terminologia de Freud; enfim: a sua timidez «se deve a uma situação de superioridade do instinto, a uma diferenciação exagerada do mesmo; a um verdadeiro complexo de superioridade sexual»...
Para quem não conheceu pessoalmente Antero de Quental, que é o caso de Rui Galvão de Carvalho e de todos nós, conseguirmos discernir plenamente as fontes da timidez ou pudor de Antero é certamente difícil e apenas podemos tentar apresentar alguns factores ou aspectos, sem que talvez haja sequer grande razão em se fazer tal, por respeito à intimidade que ele bem prezava e logo preservava
O que é inato, como genética, temperamento ou tendência, e o que se recebe da educação e ambiente familiar, serão factores determinantes, e certamente em Antero o seu grande amor e ligação à mãe, bem assinalada em cartas e em especial quando ela morreu, foi talvez um factor amplificador de maior discrição, reserva e pudor quanto a falar da sua sexualidade. Mas talvez antes de tudo se deva considerar o seu génio, a sua natureza de filósofo e místico, a sua individualidade própria e livre e pouco desejosa de ser devassada e limitada, como ao longo da vida frequentemente manifestou ou exprimiu, e que naturalmente o retraía.
A tal devemos acrescentar as suas leituras e reflexões, espelhadas por exemplo no juvenil e algo romântico primeiro ensaio publicado na revista conimbricense Prelúdios Literários, nº 13, em 1859, A Educação das Mulheres, onde os seus verdes e idealistas 17 anos, mesmo com o afluxo de ideias colhidas em Coimbra (destacando-se neste texto o moderado e platónico idealista Louis Aimé Martin, discípulo do sonhador Bernardin de Saint-Pierre e por este de Jean-Jacques Rousseau), mostram a afinidade e a opção romântica e cavaleiresca de ver a mulher como ser frágil a ser protegido.
A tal devemos acrescentar as suas leituras e reflexões, espelhadas por exemplo no juvenil e algo romântico primeiro ensaio publicado na revista conimbricense Prelúdios Literários, nº 13, em 1859, A Educação das Mulheres, onde os seus verdes e idealistas 17 anos, mesmo com o afluxo de ideias colhidas em Coimbra (destacando-se neste texto o moderado e platónico idealista Louis Aimé Martin, discípulo do sonhador Bernardin de Saint-Pierre e por este de Jean-Jacques Rousseau), mostram a afinidade e a opção romântica e cavaleiresca de ver a mulher como ser frágil a ser protegido.
Mas já noutros passos manifesta uma percepção não paternalista «pois tais como somos, é a mulher que assim nos faz», ou mesmo algo tântrica ou shakta, ou seja, de culto da energia feminina: «Bebemos, com efeito, nos seios da mãe, nos olhos da amante, nos braços da esposa todas as virtudes e os vícios, com que depois surgimos no mundo: sendo a mulher o misterioso guia e mestre da nossa educação moral, em todas as fases da nossa vida, claro é, o que formos no bem ou no mal, a ela o devemos», referindo ainda numa expressão (trabalhada depois na carta a Cirilo Machado, já por nós publicada) psico-energética operativa "a influência deste magnetismo sobre a alma do homem".
Sabemos pouco dos seus amores, e pouco também ele transmitiu da sua vida amorosa nas centenas de cartas que trocou com amigos, certamente por respeito com as mulheres com quem mais amor sentiu, e a fim de preservar tal intimidade de apreciações e julgamentos exteriores de então e quem sabe até do futuro...
Discernirmos razoavelmente o grau de valorização da intimidade afectiva, nos namoros, e nas comunhões amorosas e sexuais, que Antero de Quental teve é então difícil mas podemos crer que desde sempre muita da sua energia psicosomática foi direccionada simultaneamente para a realização de objectivos filosóficos e artistas, embora na sua adolescência e em certas épocas da vida o seu amor e ardor, romantismo e idealidade, estivessem muito activos e gerando, para além dos dois ensaios de defesa e valorização da mulher, belos poemas e sentimentos, diálogos e vivências, namoros e desejos.
Infelizmente no seu riquíssimo epistolário, como já dissemos, só encontramos breves alusões a tal vida afectiva, já que conforme confessava a Oliveira Martins, em Fevereiro de 1871, em relação a uma desilusão amorosa, «duas vezes tentei já escrever-lhe [a si, Oliveira Martins], sempre se me negou a escrever a pena o que verbalmente não me custaria a dizer. Desculpe-me isto, que é uma das repugnâncias instintivas, de que a gente não pode dar explicação, mas que são invencíveis, e que você apreciará». E teríamos neste não escrever, não confessar a alguém tido como muito amigo, uma posição de prudência, na preservação da intimidade afectiva, seja pelo sagrado íntimo amoroso que sentia, a dois e pelos dois, seja face a opiniões e julgamentos de outras pessoas, que sabemos serem frequentemente superficiais, senão mesmo críticos ou maldizentes.
Discernirmos razoavelmente o grau de valorização da intimidade afectiva, nos namoros, e nas comunhões amorosas e sexuais, que Antero de Quental teve é então difícil mas podemos crer que desde sempre muita da sua energia psicosomática foi direccionada simultaneamente para a realização de objectivos filosóficos e artistas, embora na sua adolescência e em certas épocas da vida o seu amor e ardor, romantismo e idealidade, estivessem muito activos e gerando, para além dos dois ensaios de defesa e valorização da mulher, belos poemas e sentimentos, diálogos e vivências, namoros e desejos.
Infelizmente no seu riquíssimo epistolário, como já dissemos, só encontramos breves alusões a tal vida afectiva, já que conforme confessava a Oliveira Martins, em Fevereiro de 1871, em relação a uma desilusão amorosa, «duas vezes tentei já escrever-lhe [a si, Oliveira Martins], sempre se me negou a escrever a pena o que verbalmente não me custaria a dizer. Desculpe-me isto, que é uma das repugnâncias instintivas, de que a gente não pode dar explicação, mas que são invencíveis, e que você apreciará». E teríamos neste não escrever, não confessar a alguém tido como muito amigo, uma posição de prudência, na preservação da intimidade afectiva, seja pelo sagrado íntimo amoroso que sentia, a dois e pelos dois, seja face a opiniões e julgamentos de outras pessoas, que sabemos serem frequentemente superficiais, senão mesmo críticos ou maldizentes.
Sabe-se, mais ou menos ao certo, que para além das aventuras normais de estudantes universitários conimbricenses, Antero de Quental sentiu o amor mais intensamente por três vezes: a primeira, por quem foi a sua Beatriz de adolescente, uma jovem coimbrã e casada e a quem dedicou o belo poema Beatrice, e sobre a qual escreverá, diferenciando o amor, os sentimentos e a paixão, a António de Azevedo Castelo Branco. a 14-III-1866, quando partia para os Açores; «fujo a um amor sem futuro que já me tem levantado muitos tumultos de sentimentos para que não tema que em breve chegasse às alturas tempestuosas da paixão - e de paixão inútil».
Uma segunda, a M. C., a quem dedica quatro sonetos, e que serão duas das iniciais de Maria Ana Porto Carrero, e com quem não sentiu ousadia de querer assumir as limitações do casamento mas que amava e que ela, com a sua partida para França durante quase um ano, acabou por aceitar o namoro e casar-se mesmo em 1868 com o conterrâneo e condiscípulo de Antero na Universidade, Filomeno da Câmara de Melo Cabral.
Uma segunda, a M. C., a quem dedica quatro sonetos, e que serão duas das iniciais de Maria Ana Porto Carrero, e com quem não sentiu ousadia de querer assumir as limitações do casamento mas que amava e que ela, com a sua partida para França durante quase um ano, acabou por aceitar o namoro e casar-se mesmo em 1868 com o conterrâneo e condiscípulo de Antero na Universidade, Filomeno da Câmara de Melo Cabral.
A terceira, quase dez anos mais tarde, foi uma senhora nobre e bem culta, francesa, Clotilde Seillière, então em processo de divórcio, que Antero conheceu em França quando esteve em 1877-78 nos arredores de Paris em tratamentos de hidroterapia sob orientação do famoso especialista de doenças nervosas Charcot (1825-1893).
Foram três encontros e conhecimentos de mulheres e almas afins que, nas condições limitativas em que se apresentaram, vivenciou mais como amores que foram discernidos rapidamente com poucas hipóteses de avançarem, e se aprofundarem e estabilizarem, fazendo-o sofrer, dizendo mesmo do terceiro relacionamento, talvez o com mais possibilidades ou afinidades e certamente o mais aprofundado e maduro, «que eu sofria tanto que estava estonteado», afirmando mais tarde Oliveira Martins, mas certamente exagerando, que ele teria pensado em suicidar-se.
Foram três encontros e conhecimentos de mulheres e almas afins que, nas condições limitativas em que se apresentaram, vivenciou mais como amores que foram discernidos rapidamente com poucas hipóteses de avançarem, e se aprofundarem e estabilizarem, fazendo-o sofrer, dizendo mesmo do terceiro relacionamento, talvez o com mais possibilidades ou afinidades e certamente o mais aprofundado e maduro, «que eu sofria tanto que estava estonteado», afirmando mais tarde Oliveira Martins, mas certamente exagerando, que ele teria pensado em suicidar-se.
Será que desde 1874 com a morte do pai e o aparecimento das suas maleitas psico-somáticas, ou em 1876 quando morre a mãe, e no fim do ano adopta as crianças de Germano Meireles e pouco depois a mãe delas morre, ou sobretudo desde 1880, quando abandona a paixão-amizade com a baronesa Clotilde Seillière, que diminuiu bastante o seu desejo esperançoso pela mulher?
Ou será ainda mais tarde, apenas com o envelhecimento e enfraquecimento psico-somático derivado das suas doenças e, sobretudo da desilusão, que a chama do seu amor fenece? Ou tal nunca desapareceu, apenas a sua desilusão da vida e enfraquecimento psico-somático não o galvanizaram mais à esperança do Amor e o levaram por fim à desistência da pesada vida terrena, mas que as asas de Cupido sempre aligeiram e que certamente o teriam ajudado a vencer as circunstancialidades adversas que o fizeram sucumbir antes do termo natural da sua vida?
Ou será ainda mais tarde, apenas com o envelhecimento e enfraquecimento psico-somático derivado das suas doenças e, sobretudo da desilusão, que a chama do seu amor fenece? Ou tal nunca desapareceu, apenas a sua desilusão da vida e enfraquecimento psico-somático não o galvanizaram mais à esperança do Amor e o levaram por fim à desistência da pesada vida terrena, mas que as asas de Cupido sempre aligeiram e que certamente o teriam ajudado a vencer as circunstancialidades adversas que o fizeram sucumbir antes do termo natural da sua vida?
Um pouco mais documentados com esta breve visualização da trajectória amorosa do nosso poeta e espiritual, podemos interrogar-nos então: Antero de Quental era algo misógino, e não num sentido de inimigo da mulher (como queria o positivista Sousa Martins), mas de ser interiorizado, casto e sublimando-se, quase desde o início da sua vida, como nos quer fazer crer Rui Galvão de Carvalho, ou foi-se tornando tal com o tempo, com as suas dores, dificuldades, desilusões? Ou nunca o foi, e apenas tinha pela sua grande demanda de verdade e de coerência e pela sua natureza algo de solitário ou mesmo monge, uma menor capacidade e apetência de envolvimento afectivo e familiar-social duradouro?
Anote-se que Galvão de Carvalho, quando afirma que Antero de Quental sempre foi casto, não quer dizer com isto que ele negasse a sexualidade, escrevendo mesmo com certeiro discernimento o longo passo que transcrevemos: «Antero amou, amou apaixonadamente, paixão que lhe fez vibrar os nervos, aquecer mais o sangue, palpitar mais fortemente o coração, tornar mais rica a imaginação irrequieta: sintomas naturais da sua virilidade requintada, do seu instinto sexual, e, ao mesmo tempo, causas da sua tragédia íntima, do drama psicológico, das suas crises sentimentais.
Vemos então em Antero: manifesta timidez, escrupuloso recato, severa pudicidade.
Conservou-se ele por esse facto sempre casto? Incontestavelmente.
Antero, na verdade, procurou conservar-se casto, - o que não quer dizer que ele não tivesse rendido culto à Carne e ao Prazer, mas esse culto fora passageiro.
Os homens superiores, eminentemente superior, são castos, cultivam a flor da castidade, para equilíbrio dos sentidos, pureza da alma e higiene do espírito.
O genial florentino Leonardo Vinci escreveu algures:"Aquele que não refreia a voluptuosidade confunde-se com os animais"»
Deixemos agora Rui Galvão de Carvalho, após este mais aberto mas também sempre sublimante passo do seu ensaio, e admitamos que com a sua maturação no tempo Antero de Quental deixou-se revestir de uma maior aura de asceta e de sofrimento e, como diminuía a vitalidade psico-somática, terá sentido menos desejo e esperança de relacionamentos ou uniões, os quais potenciam ou animam tanto a afectividade e a sexualidade como a própria sobrevivência...
Assim, quando regressado ao torrão natal se viu deprimido pelo ambiente atmosférico, afastado das duas pupilas, Beatriz e Albertina (certamente quem mais terá sofrido...), e a ter de voltar ao corrupto ambiente de Lisboa, desanimou e lançou-se ao mar alto e do além que envolvia a sua ilha, onde não se conseguira inserir, provavelmente convencido, orgânica e psiquicamente, de que a sua missão na Terra terminara.
Anote-se que Galvão de Carvalho, quando afirma que Antero de Quental sempre foi casto, não quer dizer com isto que ele negasse a sexualidade, escrevendo mesmo com certeiro discernimento o longo passo que transcrevemos: «Antero amou, amou apaixonadamente, paixão que lhe fez vibrar os nervos, aquecer mais o sangue, palpitar mais fortemente o coração, tornar mais rica a imaginação irrequieta: sintomas naturais da sua virilidade requintada, do seu instinto sexual, e, ao mesmo tempo, causas da sua tragédia íntima, do drama psicológico, das suas crises sentimentais.
Vemos então em Antero: manifesta timidez, escrupuloso recato, severa pudicidade.
Conservou-se ele por esse facto sempre casto? Incontestavelmente.
Antero, na verdade, procurou conservar-se casto, - o que não quer dizer que ele não tivesse rendido culto à Carne e ao Prazer, mas esse culto fora passageiro.
Os homens superiores, eminentemente superior, são castos, cultivam a flor da castidade, para equilíbrio dos sentidos, pureza da alma e higiene do espírito.
O genial florentino Leonardo Vinci escreveu algures:"Aquele que não refreia a voluptuosidade confunde-se com os animais"»
Deixemos agora Rui Galvão de Carvalho, após este mais aberto mas também sempre sublimante passo do seu ensaio, e admitamos que com a sua maturação no tempo Antero de Quental deixou-se revestir de uma maior aura de asceta e de sofrimento e, como diminuía a vitalidade psico-somática, terá sentido menos desejo e esperança de relacionamentos ou uniões, os quais potenciam ou animam tanto a afectividade e a sexualidade como a própria sobrevivência...
Assim, quando regressado ao torrão natal se viu deprimido pelo ambiente atmosférico, afastado das duas pupilas, Beatriz e Albertina (certamente quem mais terá sofrido...), e a ter de voltar ao corrupto ambiente de Lisboa, desanimou e lançou-se ao mar alto e do além que envolvia a sua ilha, onde não se conseguira inserir, provavelmente convencido, orgânica e psiquicamente, de que a sua missão na Terra terminara.
E assim debaixo da âncora da Esperança, junto à cerca do convento, "samuraicamente", nesse anoitecer de 1891, apenas com 49 anos de desabrochamento espiritual, Antero de Quental abraçou e foi levado pela "casta" irmã Morte que tanto poetizara e namorara.
Com que grau suficiente de auto-consciência, a cavalo da sua alma sofrida, Amor vencendo Mors, estaria ele, qual cavaleiro Galaaz, rumo ao ideal e portal da Morte libertadora?
Poderia ele ter sido mais abraçado e enlaçado amorosamente na vida, ou o seu percurso e quase destino de mártir solitário do livre pensamento da época "cristificava-o" daquela feição e hora necessariamente trágica?
Com que grau suficiente de auto-consciência, a cavalo da sua alma sofrida, Amor vencendo Mors, estaria ele, qual cavaleiro Galaaz, rumo ao ideal e portal da Morte libertadora?
Poderia ele ter sido mais abraçado e enlaçado amorosamente na vida, ou o seu percurso e quase destino de mártir solitário do livre pensamento da época "cristificava-o" daquela feição e hora necessariamente trágica?