domingo, 9 de junho de 2024

10 de Junho: "As Poesias Lyricas selectas de Luiz de Camões", de 1876, pela Viscondessa de Vila Maior, e a sua sensibilidade à vida e obra de Camões e ao corpo místico da Humanidade. No dia de Portugal e da Lusofonia em 2024.

Heliogravura de Alfred Bramtot, para a bela edição d' Os Lusíadas de 1890.

Sofia do Roure Auffdiner, Viscondessa de Vila Maior ao casar-se em 1839 com Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, reitor da Universidade de Coimbra e 2º Visconde de Vila Maior, nascera em Lisboa a 17 de Março de 1821 e foi já após a morte do marido e com cinquenta e cinco anos de idade que deu à luz as suas primícias na Imprensa da Universidade de Coimbra: um in-8º de XL-227 páginas,  intitulado Poesias Lyricas selectas de Luiz de Camões, destinado a proporcionar ao público e aos estudantes do secundário uma selecção das melhores criações do genial vate e começar a comemorar os 300 anos da sua morte. E assim sucederia pois, dado o sucesso da obra, em 1880, sairia a 2ª edição. Colaborara antes no jornal A Semana, e na Revista Popular, dirigidos respectivamente por Silva Túlio e Latino Coelho. Em 1896 veio a colaborar ainda na antologia Parnaso Mariano, coligida por Abílio Augusto da Fonseca Pinto, ombreando com Camões, Antero (À Virgem Santíssima) e tantos outros poetas e escritores que cantaram Maria mãe de Jesus, com um belo conto A Flor Milagrosa. O Parnaso Mariano encontra-se online na Internet Archive.


Abre-a com uma dedicatória inicial ao Visconde de Juromenha, já que ele publicara «a melhor biografia do nosso poeta Camões», «um livro que justamente devemos admirar, já pelo elevado assunto que trata, já por ser escrito num estilo fácil, que agradavelmente convida a ser lido, e ao qual não faltam os adornos e os preceitos da arte, nem o sentimento que a alma move e prende» e confessa-lhe, modestamente, o seu ousado amor pelo poeta, pelo público português e pela sua própria musa ou génio: «alguém, que por todo estudo só imaginava no que lia, que só reflectia  e guardava no mais claro do seu espírito essas impressões, que se lhe infiltram formando uma espécie de oásis, sempre rico de verdura  frescor, neste requeimado turbilhão da existência!» e,  na sua auto-gnose de criadora e discípula do vate, em palavras exemplares ainda hoje para nós, continua: «alguém, digamos, a quem pesava ver que o seu pensamento havia de passar tão rápido como a vida, lançou sobre umas folhas ainda brancas as cores que, por vivas, lhe feriram mais a vista, e as lembrança que, por dolorosas, lhe caíram mais no coração.» 
Pintura ao natural, por Fernão Gomes, em 1570.

Em seguida justifica-se: «Se ousamos escrever uma notícia, e fazer uma apreciação livre da vida e carácter de Luís de Camões, esperamos que a mais profunda admiração sirva de salva-guarda a tamanha ousadia, e nos resgate de atrevimento», e adianta: «Depois tentamos ainda mais: fizemos selecção do mais apurado das poesias líricas do nosso imortal Poeta, formando delas um só volume, por julgar que assim ficam mais ao alcance de muitas inteligências, que têm sem dúvida a capacidade de as entender, mas não a paciência necessária para indagar, por entre milhares de versos, quais os seduzem e lhes agradam mais», sem dúvida uma tarefa meritória, tal como eu fiz recentemente, muito diminutamente, em:  https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2024/06/os-melhores-sonetos-de-luis-de-camoes.html

Após uma citação preliminar de Edgar Quinet, na época mestre também de Antero de Quental, e anote-se que Antero possuía este livro da Viscondessa de Vila Maior (anotado com oito discordâncias da autoria quanto ao que o Visconde de Juromenha estabelecera), segue-se um valioso prefácio, Ao Leitor, assim iniciado:
«Através das vicissitudes da exist
ência, no meio dos mais dolorosos transes, sentimos quase sempre alguma esperança que nos socorre, vemos alguma luz que nos guia, e achamo-nos ligados ao mundo não só pelos laços da família, da amizade, mas também por essa oculta e invisível simpatia, que é um dos ímanes da vida, que misteriosamente nos atrai, e nos leva a crer - que as lágrima sinceras são as pérolas que Deus aceita, que um eco responde pelo mundo a nossos lamentos, que as ideias se reproduzem de espaço em espaço, formando essa mágica cadeia que liga um pensar a outro pensar, um sentir a outro sentir, e que nos dá a certeza de que ao nosso espírito correspondem outros, silfos benfazejos que não vimos, mas que pressentimos.»

Após esta belíssima aproximação sentida ao mistério do corpo místico da Humanidade, ou à comunicação, acima das limitações corporais e espaço-temporais,  entre espíritos, anjos, ou silfos, como escreverá talvez usando a linguagem da antiguidade, na linha de Camões, para deuses menores, daimons, génios benfazejos, a nossa homenageada prossegue com outra linha de força tão sentida por alguns de nós nesta travessia da vida: 

«Daí nos vem esta necessidade da palavra escrita, que vai, qual semente levada pelo Oceano, procurar um abrigo onde frutifique, quer seja porque um pensamento a decifrou, ou porque um coração lhe deu alento. Assim, nada mais natural e perdoável do que esta expansão dos que sofrem, já pelos revezes da sorte, ou pelos padecimentos que lhes vão roubando depressa a vida; e não menos por esta natural aspiração da alma, que sempre ao longe tenta procurar o seu infinito!»

E esta aspiração anímica a que infinito seu é, perguntaremos à Viscondessa de Vila Maior? O infinito de máximo conhecimento, o infinito da vida no além, o infinito como absoluto, como plenitude, do Amor?  Meditemos então nesta aspiração de tentar encontrar, sentir, ver, realizar o nosso Infinito...

A selecção lírica é antecedida, e não poderemos saber bem quem a leu e a apreciou, ou mesmo a quem ela deu a ler, por uma Introdução de vinte e seis páginas, das quais resgataremos alguns dos pensamentos e sentimentos valiosos de uma escritora e camoneana  completamente ignorada, de grande sensibilidade e auto-conhecimento, maturidade e espiritualidade, fraternidade e universalidade, qual co-discípula de Antero, tal como podemos ler no início:

«Vai-se o pensamento calmando, aquietando logo que se deixam os grandes tumultos, as grandes cidades, os grandes focos da civilização - campo vasto, imenso, onde tudo se elabora, onde as inteligências lutam, sofrem e saem vitoriosas da incessante fusão do espírito humano, fazendo surgir as grandes maravilhas da arte, as descobertas da ciência, e por fim, mostrando ao mundo os fachos luminosos do progresso. Porém, como dizíamos, ao passo que nos desprendemos  do turbilhão, e quando já se alarga o círculo das ideias e estranhas, que nos rodeavam, então claramente sentimos renascer uma outra ordem de sensações. À medida que nos isolamos cresce o sentimento da nossa individualidade; à medida que nos concentramos, surgem mais fortes as nossas impressões. A reflexão torna-se mais íntima (...)   e pouco a se lhe vai infiltrando um sentimento que em si abrange todos os outros - sentimento que diz humanidade, que diz fraternidade, que diz família, que diz amor, que diz maldição num grito de vingança, que diz morte num grito doloroso, que diz céu, pátria, liberdade, num grito de entusiasmo e sentimento, que nos faz amar as terras, os lares dos nossos irmãos, ainda os mais remotos e afastados; sentimento grandioso e sublime quando o generalizamos e que fica sempre sublime e grande (...)».

Pintura de José Malhoa, contemplável no Museu Militar, em Lisboa.

É só depois de valorizar muito a conservação dos vestígios do passado, dos monumentos, das casas, dos ambientes, das pedras e árvores de Portugal e de narrar uma sua visita a Aljubarrota e à Batalha, onde sentiu no Graal do seu coração um grande amor pelo poeta de Portugal, que biografa sumariamente a sua vida, lembrando-nos que «foram seus pais Simão Vaz de Camões, e Ana de Sá e Macedo» e, importante, «seu quarto avô foi Vasco Peres de Camões, que em tempo de el-rei D. Henrique de Castela passou da Galiza a Portugal: neste reino casou com uma filha de Gonçalo Tenreiro, general das armadas de Portugal e mestre da Ordem de Cristo».

A feminilidade da Viscondessa de Vila Maior surge bem expressa a propósito de Camões não ter falado dos seus pais, questionando-o: «Pois quê!, poeta; nem uma voz para esses que te deram o ser, a quem devias teu nome, teu saber, teu nobre carácter, teu elevado espírito?», e  no destaque amoroso e belo mas talvez algo exagerado que faz: «Dona Catarina de Ataíde é para Camões o símbolo da perfeição, e ousamos dizer que poeta algum na antiguidade elevou o culto do amor a tão brilhante esfera. Nos retratos, que Luís de Camões faz de sua dama, se misturam sempre virtudes e graças, assim em grinaldas de flores, belezas e perfumes. E tal foi o respeito e pureza da sua afeição, que hoje ainda aquele nome é lindo mistério que vemos brilhar através de um prisma.

Foi em Coimbra que ao imortal poeta apareceu essa visão que para sempre o deslumbrou. Comparando a canção IV «Vão as serenas águas / Do Mondego descendo», e o soneto que começa: «O culto divinal se celebrava,» não se duvida em reconhecer esta verdade. A índole do soneto é mais misteriosa; contudo cremos que no recinto divino teve maior desenvolvimento a afeição já esboçada no coração do poeta,  a beleza, contemplada assim por entre o trémulo brilho das luzes do santuário, lhe fazia flutuar a imaginação entre a mulher e o anjo. E foi tão certa em Camões a vibração desta ideia fixa, que, no decurso de sua agitada vida, não achou tréguas a tão acerbo mal».

Terá sido assim mesmo, tal sofrimento em toda a vida, ou Camões conseguiu desprender-se de tal paixão inicial não correspondida, e apenas volta e meia a homenageasse, encontrando noutras mulheres, presentes em vários poemas, a mesma visão encantadora da mulher e anjo?

Muito valiosas e belas são as reflexões que a nossa escritora tece a propósito da Providência divina ou Logos spermatikoi, ou Harmonia que tudo rege, e da Voz da Consciência, na génese dos Lusíadas em Camões, e portanto da sua partida para a Índia: «o poeta, desterrando-se agora voluntariamente, obedecia àquela voz interior, que todo o homem e mulher sente vibrar em si e que mais clara se ouve e escuta nos grandes conflitos da existência; voz quase sempre severa e rude; voz por vezes branda, e que parece implorar; voz sempre santa e libertadora: mal vai a quem a não seguir». E mostrará em seguida os aspectos mais valiosos da sua vida de guerreiro e poeta...

                                                                    

Saibamos pois meditar e ouvir mais a voz interior, o som e palavra do espírito divino, e até em comunhão com a Viscondessa de Vila Maior e do vate Luís de Camões, e a quem homenageamos e congraçamos neste dia 10 de Junho de 2024, invocando e evocando ainda a Tradição Espiritual Portuguesa e o Arcanjo de Portugal, para que os portugueses se abram mais a eles e à justiça, fraternidade e multipolaridade harmonizadoras da Humanidade e do Planeta,

sexta-feira, 7 de junho de 2024

22 dos melhores sonetos de Luís de Camões. Com breve introdução e comentários. Nos 500 anos do seu nascimento.

Luís de Camões, visto por José Malhoa. Museu Militar de Lisboa.

Os sonetos de Luís de Camões (1524-1580) são um hino constante à beleza feminina, ao enamoramento, ao Amor, às vicissitudes que ele provoca nos amantes e ainda aos Elementos e à Natureza animada, particularmente os rios e suas ninfas. Certamente, há também sonetos não líricos, ou menos líricos, dedicados aos heróis, aos mortos, à religião, à Fortuna, Destino e Tempo e à sua precariedade e mutabilidade, mas a base, o fundamento, a força maior inspiradora é o amor que ele sente e que em geral não é correspondido, ou então que sentiu e foi reciprocado mas já terminou. São dadas muitas razões para esse amor nascer subitamente, quase que por encanto do destino, ou pelo encontro dos olhares, ou por o amor ser cego, ou ainda por assim o ordenar o Amor.

Contudo, o que ressalta como  o mais despertador do amor, ou da sua intensificação em Camões, pois certamente ele foi um homem sempre em amor, ardente, com a irradiação do peito, do coração, da voz, dos sentidos e da sexualidade sempre vivos, são os aspectos ou conformações da beleza das mulheres por quem se apaixona: a face, o riso, os olhos, os gestos, - e nisto está muito da alma delas -, os cabelos ou ventos, as vozes, os dentes, e, com prudência ou pudor, muito pouco declarando ou poetizando os outros atractivos corporais, tais como os seios ou o que seja.

A poesia lírica de Camões é profunda de sentimento, de desejo, de amor, de dádiva e submissão, muito rica de conhecimentos da  cultura e literatura greco-romana e riquíssima de analogias humanas e divinas ou de captação dos sinais de afinidades ou de esquivanças, mas não é, nos Sonetos, erótica e sensual, o que já não se pode dizer, por exemplo, de várias oitavas do episódio da ilha dos Amores, bastante mais explicitas dos deleites e buscas da unidade anímica e corporal.

Também não se discernem projecões futurantes em tais sonetos, pois  não apelam a cenários futuros luminosos ou positivos. Há como que uma certa horizontalidade e sujeição a um destino de amador com poucos amores correspondidos e não há sequer invocações das musas,  dos anjos, dos deuses ou da Divindade para que consiga alcançar a união desejada, ou para que o seu amor pela amada frutifique em actos, em eventos.

Os sonetos camonianos não são cartas de amor emotivas, nem são orações pelo sucesso do amor, embora sejam muito intensos de amor e tingidos por ele, seja na descrição do valor e beleza das mulheres seja  na descrição dos efeitos que sente em si, ou das lutas que o dilaceram entre o desejo e a razão, a esperança e a desilusão, raramente  conseguindo estabelecer uma comunicação da razão e do coração, e sobretudo de coração a coração reciprocando.

Não há pois apelos ao Céu e a Providência, a Causas segundas,  Anjos ou às afinidades de almas,  para que eles abençoem o amor que ele sente por quem ame, embora haja uma constante relação com o Amor, Cupido, Vénus, numa certa invocação, culto, luta. Em alguns sente-se a gratidão, por ter havido um amor correspondido, a brilhar por entre o panorama mais frequente  de desejos,  mágoas e desilusões. Será no episódio da ilha dos Amores que a chama do seu amor atinge a plenitude do Amor, que une a terra e o céu, a acção e a contemplação, a Vénus terrestre e a Vénus Celestial.

Vejamos então, - com a 1ª numeração do Brasil, e a 2ª dos Sonetos editados pela sábia amiga Cleonice Berardinelli -, alguns dos melhores sonetos do grande poeta do Amor, e que senti com mais força espiritual do Amor, ou com mais Amor, Bem e Beleza e que transcrevi e levemente comentei em homenagem a um esforçado e sacrificado Cavaleiro e Fiel do Amor, vate mestre da Tradição Espiritual Portuguesa...

Camões, numa pintura ao natural por Fernando Gomes, em 1570.

                                                   001 ou 1.

 Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento

me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juízo isento,
escureceu-me o engenho com tormento,
para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades, quando lerdes
num breve livro casos tão diversos,

verdades puras são, e não defeitos;
E sabei que, segundo o amo
r tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos
!

Saibamos despertar o entendimento sobre o amor, mas para que não o diminuamos ou percamos e antes aprofundamos o seu contentamento.

 009 ou 017
Quando da bela vista e doce riso,
tomando estão meus olhos mantimento,
tão enlevado sinto o pensamento
que me faz ver na terra o Paraíso.

Tanto do bem humano estou diviso,
que qualquer outro bem julgo por
vento;
assim, que em caso tal, segundo sinto,
assaz de pouco faz quem perde o siso.

Em vos louvar, Senhora, não me fundo,
porque quem vossas coisas claro sente,
sentirá que não pode merecê-las.

Que de tanta estranheza sois ao mundo,
que não é de estranhar, dama excelente,
que quem vos fez, fizesse Céu e estrelas.

A comunhão anímica e inspiradora pelo Amor faz-nos entrar na dimensão etérea,  celestial, divina.

 010 ou 60
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
vendo-vos com juízo sossegado,
se o Menino que de olhos é privado,
nas meninas dos vossos olhos mora?

Ali manda, ali reina, ali namora,
ali vive das gentes venerado,
que o vivo lume e o rosto delicado,
imagens são, nas quais o Amor se adora.

Quem vê que em branca neve nascem rosas
que fios crespos de ouro vão cercando,
se por entre esta luz a vista passa,

raios de ouro verá, que as duvidosas
almas estão no peito trespassando,
assim como um cristal o sol trespassa...

Saibamos sentir e ver os raios dourados do Amor que passam pelos olhos e atravessam as almas cristalinas.

 080 ou 19
Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,

não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma cousa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.

Um belíssimo poema de comunhão no corpo místico da Humanidade e mais particularmente no sub-campo dos que se amaram mais intensamente.Sente-se como uma oração sentida, eficaz, mágica: há raios de amor partindo da terra para o mundo etéreo ou subtil onde está a alma amada, reafirmando-se a fidelidade do amor e a vontade, sacrificial até, de reunificação. Dos mais poderosos de Camões.

 004 ou 09
Tanto de meu estado m'acho incerto,
qu'em vivo ardor tremendo estou de frio;
sem causa juntamente choro e rio,
o mundo todo abarco, e nada aperto.

É tudo quanto sinto, um desconcerto;
da alma um fogo me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio,
agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando,
numa hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
respondo que não sei; porém suspeito
que só porque vos vi, minha Senhora.

Uma bela descrição do estado paradoxal, extático, da alma fortemente apaixonado: fora das delimitações do espaço e do tempo, soprada pelo espírito do Amor que é cego.

005 ou 81
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Um dos mais excelentes sonetos, com quase todos os versos verdadeiros ou exactos na descrição do Amor e da sua misteriosa natureza paradoxal contudo desafiante e capaz de unir os opostos.

 020 ou 10
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma está ligada.

Mas esta linda e pura semideia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assim com a alma minha se conforma,

está no pensamento como ideia:
O vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples, busca a forma.

Talvez o soneto que descreve mais a operatividade mágica da alma idealista numa linha platónica: a que acredita no mundo das ideias e das almas e a que ele se dirige e se conforma, mas que por fim concretiza também na matéria, corpo e forma, numa  linha aristotélica ou realista, num amor que une os três mundos: o divino, o anímico e o material, e faz a ideia, a sub-ideia e a matéria do corpo conformarem-se, unificarem-se.

042 ou 08

Amor, que o gesto humano n'alma escreve,
vivas faíscas me mostrou um dia,
donde um puro cristal se derretia
por entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
por se certificar do que ali via,
foi convertida em fonte, que fazia
a dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor que brandura de vontade
causa o primeiro efeito; o pensamento
endoudece, se cuida que é verdade.

Olhai como Amor gera num momento,
de lágrimas de honesta piedade
lágrimas de imortal contentamento.

Outro soneto brilhante dos efeitos subtis do amor, e dos estados paradoxais que gera, bem expostos igualmente por Erasmo no Elogio da Loucura, que é também o do Amor.

 152 ou 117
Depois que viu Cibele o corpo humano
do fermoso Átis seu, verde pinheiro,
em piedade o vão furor primeiro
convertido, chorou seu grave dano.

E, fazendo a sua dor ilustre engano,
a Júpiter pediu que o verdadeiro
preço da nova palma e do loureiro,
ao seu pinheiro desse, soberano.

Mais lhe concede o filho poderoso
que, as estrelas, subindo, tocar possa,
vendo os segredos lá do Céu superno.

Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso
quem se vir coroar da folha vossa,
cantando à vossa sombra verso eterno!

Um dos sonetos de hermenêutica mais exigente, exigindo bons conhecimentos da lenda de Átis, narrada no Canto II dos Fastos de Ovídio, e dos Mistérios da Antiguidade, e que mostra o amor na sua dimensão trágica, sacrificial e metamórfica unindo poderosamente a terra e o céu, o humano e o divino.

 006 ou 108
Doces águas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;

de vós me aparto, mas porém não nego
que ainda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento
d'alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas [a}alma, que de cá vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa e em vós se banha.

Outro soneto bastante neo-platonizante, realçando a capacidade anímica de comunhão acima das limitações do tempo e do espaço, num meio etérico de ondas, vibrações, asas, pensamentos, numa bela descrição da telepatia e viagem astral da alma espiritual reminiscente das águas doces e claras do seu amado rio Mondego.

 091 ou 38
Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certíssimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai-me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor não quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.

E se dentro nest'alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver-vos em mim, senhora, não quereis,
tanto gosto levais de minha pena.

Um dos mais exigentes sonetos já que nos convida e desafia a olhar a alma por dentro e no espelho claro do encontro do Amor ver nele a sua própria alma angélica ou espiritual, em paz ou serena com tal comunhão e visão unitiva.

 073 ou 56
Náiades, vós, que os rios habitais
que os saudosos campos vão regando,
de meus olhos vereis estar manando
outros, que quase aos vossos são iguais.

Dríades, vós que as setas atirais,
os fugitivos cervos derrubando,
outros olhos vereis que, triunfando,
derrubam corações que valem mais.

Deixai as aljavas logo, e as águas frias,
e vinde, Ninfas minhas, se quereis 31
saber como de uns olhos nascem mágoas;

vereis como se passam em vão os dias;
mas não vireis em vão, que cá achareis
nos seus as setas, e nos meus as águas.

Um dos sonetos onde mais ecoa a tradição pagão ou greco-romana, com os espíritos da natureza, Náiades e Dríades, deusas menores animando e alegrando a Natureza e comungando animicamente com o poeta.

 039 ou 77
O culto divinal se celebrava
no templo donde toda a criatura
louva o Feitor divino, que a feitura
com seu sagrado sangue restaurava.

Ali Amor, que ò tempo me aguardava
onde a vontade tinha mais segura,
numa celeste e angélica figura
a vista da razão me salteava.

Eu, crendo que o lugar me defendia,
e seu livre costume não sabendo
- que nenhum confiado lhe fugia - ,

deixei me cativar; mas já que entendo,
Senhora, que por vosso me queria,
do tempo que fui livre me arrependo.

Belíssimo soneto onde se descreve o enamoramento dentro de uma igreja e na celebração da missa, e onde a sacralidade da religião cristã e da religião do amor se enlaçam na dádiva recíproca.

 007 ou 39
O fogo que na branda cera ardia,
vendo o rosto gentil que eu n'alma vejo,
se acendeu de outro fogo do desejo,
por alcançar a luz que vence o dia.

Como de dois ardores se encendia,
da grande impaciência fez despejo,
e, remetendo com furor sobejo,
vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquela flama, que se atreve
 apagar seus ardores e tormentos
na vista de que o mundo tremer deve.

Namoram-se, Senhora, os Elementos
de vós, e queima o fogo aquela neve
que queima corações e pensamentos.

Um dos poemas mais ardentes e arrebatados e que é fundamentado na própria operatividade dos quatro ou cinco elementos da natureza.

 076 ou 44
Pelos extremos raros que mostrou
em saber, Palas, Vénus em fermosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
África, Europa e Ásia as adorou.

Aquele saber grande que ajuntou
espírito e corpo em liga generosa,
esta mundana máquina lustrosa,
de só quatro Elementos fabricou.

Mas mor milagre fez a natureza
em vós, Senhoras, pondo em cada üa
o que por todas quatro repartiu.

A vós seu resplandor deu Sol e Lua,
a vós, com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.

Outro poema de comunhão do microcosmo humano com o macrocosmos, quando a graça divina assim dispõem luminosamente numa alma mais harmoniosa.

 089 ou 67
Pois meus olhos não cansam de chorar
tristezas, que não cansam de cansar-me;
pois não abranda o fogo em que abrasar-me
pôde quem eu jamais pude abrandar;

não canse o cego Amor de me guiar
a parte donde não saiba tornar-me;
nem deixe o mundo todo de escutar-me,
enquanto me a voz fraca não deixar.

E se nos montes, rios, ou em vales,
piedade mora, ou dentro mora amor
em feras, aves, plantas, pedras, águas,

ouçam a longa história de meus males
e curem sua dor com minha dor,
que grandes mágoas podem curar mágoas.

Graças à omnipresença e empatia do Amor e da piedade é possível a comunhão e a harmonização dos seres, suplantando as dores.

 036
Presença bela, angélica figura,
em quem, quanto o Céu tinha, nos tem dado;
gesto alegre, de rosas semeado,
entre as quais se está rindo a fermosura;

olhos, onde tem feito tal mistura
em cristal branco o preto marchetado,
que vemos já, no verde delicado
não esperança, mas inveja escura;

brandura, aviso e graça, que aumentando
a natural beleza com desprezo,
com que, mais desprezada, mais se aumenta,

são as prisões de um coração que, preso,
seu mal ao som dos ferros vai cantando,
como faz a Sereia na tormenta.

O ser amado, na sua formosura, reflecte bem os dons divinos ou celestiais, e por isso atrai, prende, liga-nos e faz-nos por ele clamar.

 138 ou 175
Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconcerta.

Assim, de erro tão grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
 mostrando que é engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.

Porque essa mesma imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.

Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.

Mais uma comunhão da alma supra limitações corporais, no sentir e amar internamente, que suplanta a pena da ausência da plena presença do bem que se carece ou ama.

 150
Quem presumir, Senhora, de louvar-vos
com humano saber, e não divino,
ficará de tamanha culpa digno
quamanha
[quão grande] ficais sendo em contemplar-vos.

Não pretenda ninguém de louvor dar-vos,
por mais que raro seja e peregrino,
que vossa fermosura eu imagino
que Deus a ele só quis comparar-vos.

Ditosa esta alma vossa, que quisestes
em posse pôr de prenda tão subida,
como, Senhora, foi a que me destes.

Melhor a guardarei que a própria vida;
que, pois mercê tamanha me fizestes,
de mim será jamais nunca esquecida.

Valorização extrema da amada, vista na contemplação amorosa como divina.

  090 ou 035
Um mover d'olhos, brando e piedoso,
sem ver de quê; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravíssimo e modesto;
üa pura bondade, manifesto
indício da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; üa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mágico veneno
que pôde transformar meu pensamento.

Belíssima descrição de um ideal de mulher que, presente numa dama, a torna maga, capaz de influenciar e metamorfosear o amante.

 166 ou 102
Verdade, amor, razão, merecimento,
qualquer alma farão segura e forte;
porém, fortuna, caso, tempo e sorte,
têm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento
e não sabe a que causa se reporte;
mas sabe que o que é mais que vida e morte,
que não o alcança humano entendimento.

Doctos varões darão razões subidas,
mas são experiências mais provadas,
e por isso é melhor ter muito visto.

Cousas há i que passam sem ser cridas
e cousas cridas há sem ser passadas,
mas o melhor de tudo é crer em Cristo.

Ás virtudes, valores e merecimentos devemos juntar a instabilidade da fortuna, e a sabedoria da experiência, mas ainda assim o mais valioso é a nossa fé e ligação à Divindade.

 032
Vós que, d'olhos suaves e serenos,
com justa causa a vida cativais,
e que os outros cuidados condenais
por indevidos, baixos e pequenos;

S'ainda do Amor domésticos venenos
nunca provastes, quero que saibais
que é tanto mais o amor depois 
que amais,
quanto são mais as causas de
ser menos.

E não cuide ninguém que algum defeito,
quando na cousa amada s'apresenta,
possa diminuir o amor perfeito;

Antes o dobra mais; e se atormenta,
pouco e pouco o desculpa o brando peito;
que Amor com seus contrários s'acrescenta.

Não sejamos demasiado exigentes no Amor, ou nas qualidades afins no ser amado, e assim veremos Ele crescer através dos próprios obstáculos, limitações e desencontros.

Que a caixinha de Pandora seja no séc. XXI por fim de justiça e multipolaridade, benéfica e amorosa. Por Jules Robert Lefebvre.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Os ensinamentos espirituais do gurudev Ranade, nos 63 anos do seu mahasamadhi ou desincarnação..

 Guru Ranade foi um dos últimos grandes mestres da tradição espiritual indiana, comemorando-se hoje 6 de Junho de 2024,  os 63 anos da sua partida, tendo nascido a 3 de Julho de 1886, e transversalmente a nós, dois anos antes de Fernando Pessoa, e três depois de Leonardo Coimbra, com este tendo mais afinidades já que foi um brilhante filósofo, professor  e vice-chanceler universitário, e fundador de uma Universidade espiritual.
Nascido numa família de longa tradição
religiosa, Ranade veio a tornar-se um mestre de muitos discípulos que foram iniciados luminosamente por ele no caminho espiritual, através da entrega de um mantra ou nome (nama) de Deus para ser  perseverantemente trabalhado nas meditações diárias, até se obter a visão da forma (rupa) divina e se sentir a felicidade (bhava, ananda), o que implica o desprendimento dos bens do mundo (vairagya), o amor devocional ao divino e ao mestre (bhakti) e o discernimento (jnana) que permite obter-se a graça de se ver o real, divino ou espiritual.
Gurudev Ranade (1886-1957), no canto direito, no seu simples ashram.

Embora não tenha estado no seu ashram nos meus dois anos e meio de peregrinações, diálogos e meditações na Índia, desde o cedo apercebi-me do seu valor na tradição Dwaita Vedanta, ou seja da realização pessoal espiritual com a Divindade, a que me é mais afim, e adquiri alguns dos livros seus e dos discípulos, vindo  recentemente a estudar t o seu principal discípulo francês, um pioneiro especialista de comparativismo religioso e de orientalismo, e por experiência interior também, Jacques de Marquette, tendo por isso colaborado com três artigos para a revista indiana Pathway to God, e escrito alguns artigos neste blogue, seja sobre Marquette seja sobre Ranade, tal uma sua biografia: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2020/07/guru-ranade-um-verdadeiro-yogi-e.html

Muitos dos conhecimentos, técnicas e e experiências de Gurudev Ranade são me conhecidos e apreciando-os, nada melhor do que tentar transmiti-los pois provém dum guru no verdadeiro sentido, alguém que dissipou as trevas e alcançou a realização do espírito e a religação a Deus, e que durante anos assumiu incansável e abnegadamente, certamente num meio propício, a tarefa de iniciar e impulsionar os outros para tal realização divina, bem ao contrário do que vemos hoje na maioria dos instrutores e gurus nacionais e mundiais, demasiado apanhados em mistificações e comercialices, quintas iniciações, tantrismos e cabalismos.

Iniciado por Gurudev Ranade, Vinayak Hari Date,  em 1982 publicou um valioso livro R. D. Ranade and His Spiritual Lineage, na famosa e abnegada fundação Bharatiya Vidya Bhavan, no qual após biografar  os dois  mestres que o antecederam na  linha da fraternidade ou sampradaya Natha, a qual se autonomizou na Nimbargi sampradaya com  eles, Sri Bhausaba Maharaja de Umabi (1765-1835) e  Sri Amburao Maharaja de Inchgiri (1799-1805), desenvolve  a biografia e a análise das obras de Guru Ranade e dá uma selecção dos ensinamentos, dos quais, sob o título de Convicções do professor R. D. Ranade, apresenta cento e cinco pensamentos, dos quais transcrevemos os seguintes, e que poderão vir a ser comentados caso alguém o peça...

 1 - Não há outro caminho para a libertação a não ser a pronúncia do Nome divino transmitido pelo mestre espiritual e a consequente visão de Deus.
5 - Ranade designou a sua escola como a escola da realização do Atman.
10 - Em todos os nossos conflitos e crises na vida, a oração a Deus é o único remédio que nos é deixado.

11- Citando o famoso místico Ramadasa, Ranade costumava dizer que o seu mestre também afirmava que se todos os momentos ou períodos do tempo fossem bons, todos se tornariam reis, mas quer o tempo seja favorável ou não uma pessoa deve meditar.

12- Não é necessário cortar uma parte do nervo debaixo da língua, tal como o recomendam os hathayogins, pois a pronúncia do Nome de Deus (recebido ou escolhido), por si só, dar-vos-á a ambrósia (a mítica bebida ou o gosto delicioso ou beatífico.)
21- O guru incarnado não é um guru real. A visão de Deus que se pode ver, por exem
plo, na chama da cânfora é o verdadeiro guru.
22 - Uma pessoa pode zangar-se, mas não deve albergar ódio na mente.
27 - Podem surgir desgraças, podemos ter de aguentar ataques de tentação ou de irritação, mas a dor física pode-se tornar insuportável e então o único meio que nos resta é de pedirmos a Deus que nos permita meditar.
30 - Acredito na transmissão física do poder espiritual. Meditai e isso ajudará alguma pessoa algures no universo,
31 - Como actividades benéficas, a seguir à meditação, est
ão a profissão de médico que diminui as misérias dos outros e a seguir a distribuição de alimentos aos famintos.
38 - A fé em Deus torna-se firme quando se tem constantemente presente que todas as coisas pertencem somente a Deus

40- Deveria haver a todo momento a felicidade de Deus. Isto implica que deve haver a incessante visão de Deus diante dos nossos olhos.

41 - Maharaj Nimbargi costumava ter a visão do Atman (espírito) da cabeça aos pés,  a todo o momento.

42 - A  realização de acordo com Bhausahib Maharaj, disse Ranade, deve incluir  visão, o toque e a conversa com Deus.

44 - A experiência epistemológica é a fundação das asserções metafísicas em filosofia, tal como Brahman (a Divindade Absoluta) é eterno.

46 - Nama, o nome, é mais importante que Rupa, a forma, mas Bhava, o sentir interior, é mais importante que Nama, o nome (de Deus, no mantra)
49 - Como o Atman entra no ventre da mãe na forma de jiva (espírito individualizado e incarnado) e como ele deixa o corpo na hora da morte é claramente percebido por um grande santo.
51 - Três horas por dia deve ser o período mínimo pelo qual um sadhaka (discípulo) deve meditar todos os dias. Se ele meditar por seis horas seguidas, ele mesmo perceberá como é valioso fazer isso.
55 - O nome de Deus está envolvido na audição do som não tocado (anahata nada) como também na luz iluminadora da visão de Deus.
56 - Lembrar-se de Deus sem ver a forma é um dever a cumprir-se por dever.
57 - Recordar o Nome de Deus com amor é o mais difícil de tudo.
58 - A dor e a miséria purgarão a mente de suas impurezas. Uma vez que bhava (sentimento devocional) é gerado, a qualidade torna-se mais importante do que a quantidade.
61 - Meditar na companhia daqueles que já obtiveram experiência espiritual é facilitar a obtenção de tais experiências mais cedo do que obtendo-as sem tal companhia. Dedilhar um fio de uma cítara é produzir som a partir de outros fios. Assim também ocorre a transmissão de experiências espirituais (cf. a experiência de Sanjaya, ao ouvir a conversa entre Arjuna e Krishna, sendo o narrador da famosa Bhagava
d Gita).
63 - Uma pessoa
deve rezar a Deus para que a torne firme e estável na sua devoção e a impeça de cair da devoção e de seguir um caminho errado. Deus trabalha para o homem (kabirace vinato sele), significa que Deus remove os obstáculos no seu caminho de meditação.
69 - Alguma vez sentiste a angústia do coração por não conseguires ver a forma de Deus? Alguma vez sentiste aversão à comida e fome? Alguma vez choraste por Deus? Então porque é que Deus há-de mostrar a sua graça para contigo?
75 - O dever para com Deus é o nosso primeiro e principal dever. Ranade, portanto, nunca permitiu que alguém o perturbasse no momento da sua meditação, seja a que título fosse.
78 - Ter a visão do Atman para si mesmo e dizer aos outros o caminho para isso é o maior serviço.
80 - Haverá pouco progresso na experiência espiritual, se não houver companhia daqueles que são avançados na vida espiritual, isto é, se não houver companhia dos bons e dos santos.
91 - Quando o nome de Deus é transmitido pelo Guru e é meditado na garganta, qual é a utilidade de outros mil nomes que possam ser encontrados num livro?
96 - O rio de Atma Jnana (conhecimento ou consciência do espírito) flui às vezes e outras vezes torna-
se invisível.
98 - Para além e acima da medi
tação do Nome de Deus, o que é importante é a companhia do santo (satsanga).
102 - Se alguém tem experiência espiritual ou não (e a própria experiência em si) pode ser conhecido olhando nos seus olhos.
103 - Proteja o Paramartha (valor ou objectivo supremo) cercando defensivamente sua mente.»

E assim terminamos esta breve homenagem e invocação dum verdadeiro mestre, com votos que possamos aprender com Gurudev Ranade e a companhia dos santos ou corpo místico da Humanidade.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Viktor Órban, 1º ministro da Hungria: As eleições europeias. A política de guerra da União Europeia. Com vídeo da sua entrevista de 7.VI.

                             

 O experiente e corajoso primeiro-ministro húngaro Viktor Órban (31-V-1963), algo demonizado nos media ocidentais pelo seu nacionalismo independente, acabou de dar um contributo importante para a complexa questão "em quem devemos votar nas próximas eleições europeias", apontando a necessidade de se votar em cada país no partido ou nos partidos - e creio que em Portugal só o Partido Comunista se distancia das ambições da NATO norte-americana - que se opõem às políticas de confronto crescente com Rússia e que, se vencedoras, conduziriam certamente a uma escalada grave do conflito e a um muito maior número de mortos eslavos, europeus ou mesmo norte-americanos, algo que é contudo indiferente para a elite mundial que assistirá ao cataclismo nos seus bunkers.

 O que  este político húngaro e europeu, pois cada vez mais os dirigentes da União Europeia não são europeus mas seres desalmados e meros agentes - pagos quase ilimitadamente pelos dólares infinitos - dos norte-americanos e da plutocracia dos bancos, armamentos e farmacêuticas, disse, diante de uma grande multidão de húngaros numa manifestação pré-eleitoral e pela paz, a 2 de Maio, é simples:

«É em vão que se quer comprar a Hungria. Ela não está à  à venda.  É por não estar à venda que ela é tão valiosa. Não está à venda nem para Bruxelas, nem para Washington, nem para George Soros.    

George Soros e Klaus Schwab manipulando os seus avençados...
Senhoras e senhores, nunca tivemos [numa manifestação] uma multidão tão grande antes de uma eleição europeia. Se ao menos pudéssemos  dar um golpe nos nossos adversários, eles voariam para Bruxelas. Mas nós  não o faremos, porque já há suficientes políticos pró-guerra em Bruxelas. 

Meus amigos, a Europa está a preparar-se para a guerra, anunciando todos os dias que avançam em mais troços da estrada para o inferno. Cada vez que falamos de 100 biliões de euros para a Ucrânia, de colocar armas nucleares no centro da Europa, de recrutar os nossos filhos para um exército estrangeiro,  de uma missão da NATO na Ucrânia, de unidades militares europeias na Ucrânia, meus  amigos, parece que o comboio pró-guerra não tem freios e o maquinista enlouqueceu.
                                       
Nas eleições Europeias, não farem
os nada menos do que parar este comboio. Temos de acionar o freio de emergência pelo menos para que os que queiram possam sair e não sejam envolvidos na guerra.»
Em quem vai vot
ar? Nos partidos completamente alinhados ou mesmo vendidos com o imperialismo excepcionalista expansionista da NATO e dos USA? Esperemos que não...

Vídeo da sua entrevista:  https://www.youtube.com/watch?v=MqJj0O9g_BI

Acrescente-se que as eleições na Hungria deram no dia 9 de Junho uma vitória forte a Viktor Órban e que as suas declarações ficaram gravadas para posterioridade. Anote-se ainda a derrota estrondosa do traiçoeiro e hipócrita Macron bem como do sonsinho e avençado Olaf Scholz, bem como da tonta da Annalena Baerbock e os Verdes. 

 Acrescentemos já de Janeiro de 2025 as últimas declarações sensatas de Viktor Órban: «Budapeste, 31 de janeiro. /Tass/. A nova administração dos EUA e a liderança da UE têm abordagens diferentes para o conflito na Ucrânia: Washington agora favorece uma solução pacífica, enquanto Bruxelas quer continuar a guerra, disse o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban durante uma transmissão de rádio Kossuth.
“Os europeus dizem que as sanções devem ser mantidas e mesmo reforçadas para que os ucranianos possam ganhar a guerra contra a Rússia. Ontem, o Secretário de Estado dos EUA [Marco Rubio] disse numa grande entrevista que seria injusto enganar toda a gente dizendo que os ucranianos podem ganhar esta guerra. Agradeço-lhe por essa entrevista, porque mostrou que os americanos querem a paz, não as sanções, e os europeus querem as sanções, não a paz”, disse o primeiro-ministro.
A lógica europeia é completamente diferente da lógica americana: uma é a lógica da guerra e a outra é a lógica da paz”, sublinhou o primeiro-ministro. Orban reiterou que o governo húngaro continua a ser a favor de uma solução negociada para o conflito ucraniano e que conta com o presidente dos EUA, Donald Trump, nesse esforço.»

Veja-se Órban em:  https://www.youtube.com/watch?v=rWxPiQbVP1I

                                 

Já em Abril de 2025, Órban destacou-se pela negativa ao acolher na Hungria o criminoso de guerra e 1º ministro de Israel Benjamin Netanyahu, dando de certo modo aval ao genocídio em curso dos palestinanos pelo militares e colonos sionistas e anti-semitas (já que os árabes e judeus são povos semitas, e não só os judeus).
                                        
Em 3 de Novembro de 2025, noticia-se que o Primeiro-Ministro húngaro Viktor Orban acusou seu homólogo polonês Donald Tusk de ser “u
m dos políticos mais ardentes pró-guerra da Europa” e um “vassalo de Bruxelas.”
De acordo com Órban, Tusk está a perseguir os opositores políticos internamente e atacando a postura pacífica da Hungria para distrair de seus próprios "grandes problemas em casa", incluindo perdas eleitorais e um governo instável.
O confronto foi um dos muitos deste ano, desta vez desencadeado pela reunião de Orban em Budapeste com o ex-ministro da Justiça polonês Zbigniew Ziobro, sobre quem Tusk, seu rival ou opositor, sugeriu que deveria estar "ou sob custódia, ou em Budapeste."

Tosco Tusk, tão mau como roto Rütte...

domingo, 2 de junho de 2024

Ideias e máximas d' "Os Lusíadas" de Luís Camões. Comemorações dos 500 anos do seu nascimento. 2º contributo.

Camões, flor da sua idade, peito radiando ao mundo seu amor infinito. Pintura de José Malhoa, hoje no Museu Militar de Lisboa.

 Pensamentos, conceitos e mantras de Luís Camões, selecionados, entre muitos outros valiosos, dos versos d' Os Lusíadas.

Porque a grande experiência e engenho, sabedoria e amor de Luís de Camões geraram muitas afirmações merecedoras de serem perenemente lidas, meditadas e vividas, resolvemos partilhar algumas, com sublinhados para a pequena satsanga ou companhia da verdade que lê estes escritos.

Portada ou frontispício da 1ª edição dos Lusíadas, reutilizada para a edição de 1934.

«Da determinação que tens tomada
Não tornes por detrás, pois é fraqueza
Desistir-se da coisa começada.
(I,40)
 
Deste Deus-Homem, alto e infinito,
Os livros que tu pedes não trazia,
Que bem posso escusar trazer escrito
Em papel o que na alma andar devia.
(I,66)
 
Porque sempre por via irá direita
Quem do oportuno tempo se aproveita.
(I,76)
 
Quem poderá do mal aparelhado
Livrar-se sem perigo, sabiamente,
Se lá de cima a Guarda Soberana
Não acudir à fraca força humana?
(II, 30) 
 
Mas pois saber humano, nem prudência,
Enganos tão fingidos não alcança;
Oh tu, Guarda Divina, tem cuidado,
De quem sem ti não pode ser guardado!
(II, 31)
 
Porque mui pouco vale esforço e arte
Contra infernais vontades enganosas;
Pouco vale coração, astúcia e siso,
Se lá dos Céus não vem celeste aviso.
(II, 59)
 
Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano
(III, 20) 
 
Heinrich Bünting, Itinerarium Sacrae Scripturae, 1581.


As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoram,
E por memória eterna, em fonte pura,
As lágrimas choradas transformaram;
O nome lhe puseram, que ainda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome amores.
(III-135)

Que um fraco Rei faz fraca a forte gente.
(III, 138) 
 
Depois de procelosa tempestade,
Nocturna sombra e sibilante vento,
Traz a manhã serena claridade,
Esperança de porto e salvamento;
Aparta o sol a negra escuridade,
Removendo o temor ao pensamento.
(IV, 1)
 
E com rogo e palavras amorosas,
Que é um mando nos Reis que a mais obriga,
Me disse: As coisas árduas e lustrosas,
Se alcançam com trabalho, e com fadiga;
Faz as pessoas altas  e famosas,
A vida que se perde, e que periga,
Que, quanto ao medo infame não se rende,
Então, se menos dura, mais se estende.
(IV, 78)
 
Que a virtude louvada vive e cresce,
E o louvor altos casos persuade.
(IV, 81)
 
Os casos vi que os rudes marinheiros
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as coisas só pela aparência:
E os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho, e por ciência,
Veem do Mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos ou mal entendidos. 
(V, 17)
 
Porque quem não sabe arte, não na estima.
(V, 97)
 
Via estar todo o céu determinado
De fazer Lisboa nova Roma;
Não no pode estorvar, que destinado
Está doutro poder que tudo doma.
(VI,7)
Lisboa, por Francisco de Holanda, Da Fabrica que falece à cidade de Lisboa, 1571.
 
Por meio destes hórridos perigos,
Destes trabalhos graves e temores,
Alcançam os que são de fama amigos
As honras imortais e graus maiores:
Não encostados sempre nos antigos
Troncos nobres dos seus antecessores.
(VI, 95) 
 
Em vendo o mensageiro, com jucundo
Rosto, como quem sabe a língua Hispana.
Lhe disse: Quem te trouxe a est'outro mundo,
tão longe da tua pátria Lusitana?
Abrindo, lhe responde, o mar profundo
Por onde nunca veio gente humana;
Vimos buscar do Indo a grão corrente,
Por onde a Lei divina se acrescente.
(VII, 25)
 
Enquanto é fraca a força desta gente,
Ordena como em tudo se resiste;
Porque quando o Sol sai, facilmente
Se pode nele pôr a aguda vista:
Porém, depois que sobe claro e ardente,
Se agudeza dos olhos o conquista,
Tão cega fica, quanto ficareis
Se raízes criar lhe não tolheis.
(VIII, 50)
 
Oh! quanto deve o Rei que bem governa,
De olhar que os conselheiros, ou privados,
De consciência e de virtude interna,
E de sincero amor sejam dotados!
(VIII, 54)
 
Mas, porque nenhum grande bem se alcança -,
Sem grandes opressões, e em todo o feito
Segue o temor os passos da esperança,
Que em suor vive sempre de seu peito,
(VIII, 66)
 
O coração sublime, o régio peito,
Nenhum caso possível tem por grande.
Bem parece que o nobre e grão conceito
Do Lusitano espírito demande
Maior crédito e fé de mais alteza
Que creia dele tanta fortaleza.
(VIII, 69)
 
Sabe que há muitos anos que os antigos
Reis nossos firmemente propuseram
De vencer os trabalhos, e perigos,
Que sempre às grandes coisas se opuseram.
(VIII, 70) 

 Tal há-de ser, quem quer com o dom de Marte
Imitar os ilustres, e igualá-los:
Voar com o pensamento a toda parte,
Adivinhar perigos e evitá-los:
Com militar engenho e subtil arte,
Entender os inimigos, e enganá-los,
Crer tudo, enfim; que nunca louvarei
O Capitão que diga: Não cuidei.
(VIII, 89)
 
O prazer de chegar à pátria cara,
A seus penates caros e parentes,
Para contar a peregrina, e rara
Navegação, os vários céus, e gentes;
Vir a lograr o prémio que ganhara,
Por tão longos trabalhos, e acidentes,
Cada um, tem por gosto tão perfeito
Que o coração para ele é vaso estreito.
(IX,17) (Odisseia, IX, 34: "Nada é mais doce do que a pátria e os pais.")
 
Vê aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam somente mandos, e riqueza,
Simulando justiça e integridade.
Da feia tirania e de aspereza,
Fazem direito e vã severidade:
Leis em favor do Rei se estabelecem;
As em favor do povo só perecem.
(IX, 28)
 
Vê, enfim, que ninguém ama o que deve,
senão somente o que mal deseja.
Não quer que tanto tempo se releve
O castigo que duro e justo seja.
(IX, 29)
 
Tomando-o pela mão, o leva e guia
Para o cume dum alto monte e divino,
No qual uma rica fábrica se erguia 
De cristal toda e de ouro puro e fina.
(IX, 87)
 
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
O prémio lá no fim, bem merecido,
Com fama grande e nome alto e subido.
(IX, 88)
 
Vês aqui a grande máquina do mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assim foi do Saber, alto e profundo
Que é sem princípio e meta limitado.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo, e sua superfície  tão limada
É Deus: mas o que é Deus ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.
(X, 80) 
 
Este orbe que, primeiro, vai cercando
Os outros mais pequenos, que em si tem,
Que está com luz tão clara radiando,
Que a vista cega, e a mente vil também,
Empíreo se nomeia; onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que ele só se estende e alacança,
De quem não há no mundo semelhança.
(X, 81)
 
Os que são bons, guiando favorecem,
Os maus, enquanto podem, nos empeçem.
(X, 83)
 
Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
(X, 84)

Sabia bem que se com fé  formada
Mandar a um monte surdo, que se mova,
Que obedecerá logo à voz sagrada,
Que assim lho ensinou Cristo, e ele o prova.
(X, 112)

Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Coisas que juntas se acham raramente.
(X-154)
 
Saibamos, muito gratos à sua grande alma, meditar, aprofundar e vivenciar algumas destas flechas de amor e sabedoria lançadas no céu da tradição cultural e espiritual lusitana há tantos anos por Luís de Camões e que ainda hoje vivem no mundo das ideias ou espiritual pois podem ajudar a diminuir as trevas da ignorância e opressão e fortalecer o lume claro do entendimento, a chama do amor e a determinação vitoriosa da vontade, aberta à Divindade e à sua Santa Guarda.