Este artigo está ainda em laboração, mas para quem tiver curiosidade, ei-lo em parto...
Os folhetos antigos que tentaram descrever festividades religiosas são certamente dos mais interessantes no esforço que pedem hoje aos seus leitores para arrancarem da brumas da memória no éter tais cenas e vozes devotas que maravilharam então muita gente.
A maioria destas publicações era impressa depois de se terem realizado, pois só assim se poderiam descrever bem o que se passara de carruagens e carros, danças e musicas, autos e teatros, proclamações e sermões. Algumas porém eram impressas antes da respectiva celebração e serviam no fundo de guião e de programa, pois quem recebesse ou comprasse tal notícia impressa poderia compreender bem melhor o que se passava na rua, na praça, no templo ou diante da sua janela, seja da casa seja da alma.
Este folheto que resolvemos transcrever em parte e brevemente descrever está nesse caso, conforme observamos na parte final da portada impressa, onde um espaço em branco, servia para se assinalar à mão o dia de Junho em que se realizaria a grande festa de veneração do SS. Sacramento fabricado por iniciativa de alguns ilustres bracarenses da confraria. nomeados na portada, onde consta:
PROLOGÉTICA NOTÍCIA do Eucharistico triunfo. com que a Augusta Braga se
desempenha, para mayor veneração do SS. SACRAMENTO, Fabricado
a impulso dos generosos ânimos dos seus jJuizes o M. R. Francisco Pacheco Borges, Gabriel António Brandam Leite, ilustre cidadão desta cidade, e dos mais oficiais. Escrivão, o Doutor
Manoel Tinoco de Magalhaens, Vedor, Joseph do Valle, Mordomos, Gabriel de Barros e António Ferreira, para o dia... de Junho do presente anno de 1733. Coimbra, na Officina de António Simoens Ferreira, Anno1733.
Braga era no século XVIII uma cidade de grande poder eclesiástica, pois era a sede dum Arcebispado de profundas e fortes razies históricas e contando com cerca de 17.000 habitantes, 6 conventos e uns mil religiosos a verem nela, o que garantia um fermento religioso constante na população e simultaneamente o sucesso nas celebrações e festas religiosas que se celebrassem, onde se destacavam as da Semana santa. Esta porém é única, pois trata-se de uma fabricação de uma criação artística de ourivesaria sagrada que se comemora com grande júbilo. E muita devoção para os que conseguiam sentir e venerar mais profundamente os mistérios que se podem alcançar, sentir com a Eucaristia, ou seja, com a ideia de se receber uma partícula do corpo espiritual do Cristo, ou com a ideia que uma hóstia encerrada num santíssimo sacramento se torna um mostruário, uma fixação prolongada no tempo da fugacidade da contemplação e da comunhão duma hóstia durante a missa.
O Santissimo Sacramento estabiliza a potencial presença divina para o crente, o sensitivo, o adorador. É como um Sol parado e sempre a irradiar os seus raios inspiradores e benfazejos para quem os venerar e acolher. É uma imagem do Logos, do Verbo, da Palavra, do Cristo. Quantos estavam cientes disso? Com que força o autor da prologética notícia conseguiu escrever e transmitir aos leitores, sobretudo religiosos que o leram antes ou depois? Em quantas casas religiosas ou particulares sobreviveu?
Quando começamos a ler o belo texto, apesar de já escrito no ano de 1733, ainda bastante barroco, cheio de imagens, sons e cores, analogias, mitologias, esperanças e adorações, observamos bem que ele foi escrito e impresso com os verbos no futuro e logo para o futuro, tanto do dia da festa em Junho que se avizinhava, tanto para a perenidade dos leitores que o iriam de ressuscitar décadas ou séculos depois, tal como nós fazemos agora.
A possibilidade de certos momentos importantes não ficarem encerrados nas limitações da efemeridade dos momentos históricos e anímicos, sempre foi um dado e objectivo dos escritores, das escrita, da imprensa, da noticia e da preservação de vestígios ou sinais pois eles permitirão ao peregrino vindouro estabelecer o contacto de correspondência ou a anexação ou conexão com a corrente simbólica então desencadeada e que sobrevive no papel, no tempo e sobretudo na axialidade animico-espiritual a qual nos permite vibrar de novo, seja com os espíritos participantes, seja com as ideias, simbolos e ligações que então se ergueram ou fundaram e que como arquétipos ou como símbolos vivos de energias nos planos causais nos podem influenciar.
O autor desta prologética, ou introdutória,noticia, não podemos ter a certeza, mas provavelmente foi o cónego da Sé, Francisco Pacheco Marques, formado na Universidade de Coimbra, onde o folhetozinho foi impresso na Oficina de António Simões Ferreira, provavelmente seu conhecido e amigo. Como foi ele transportado para Braga? Pois cremos que provavelmente levado por animais de carga, embora as 16 páginas de cada um dos quinhentos ou mil exemplares não custassem muito a ser levados numa carruagem, a expensas da Confraria do SS. Sacramento que mandara fabricar ou cinzelar um Santissimo Sacramento certamente belo e valioso. Será ele bem descrito nas duas folhas iniciais folheto, ou serão nas outras páginas as festas e folias, representações, danças e procissões, que receberão a parte de leão? Entremos no átrio deste templo vivo perenemente...
«Transformada em pregoeiras línguas, clarins valerosos da eterna fama, com que costuma publicar as acções mais heróicas, celebradas maravilhas do Universo, perpetuando entre vivas glórias aqueles facanhosos projectos, que sendo do mundo assombros, são também aplausos admirados em os soberanos anais, que nunca esquecem, patenteia pelas quatro partes do Orbe com senhoria imortal de todas as idades». Detenhamo-nos aqui: o autor vibrava realmente na Sabedoria e Fama, como "senhoria imortal de todas as idades".. Era um cavaleiro do Amor, do Cristo, do Logos...
Quem quiser ajudar e transcrever um pouco mais, agradecer-se-á em fama pública...
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