quarta-feira, 3 de março de 2021

Ensinamentos perenes de Teixeira de Pascoaes, o poeta do génio e religião Lusitana, onde a saudade é desejo de religação espiritual e divina.

Joaquim Teixeira de Pascoaes (1877-1952) viveu sempre para a escrita poética, numa expansão tremenda de sentimentos, imaginação e consciência, animando fantasticamente a natureza visível e invisível, sentindo em tudo instintos, emoções e princípios, numa Unidade universal que ele tentou conhecer e teorizar. Poeta de inspiração cósmico-telúrica, foi fundador e mestre (com Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão) do movimento portuense da Renascença Portuguesa (e de sua revista Águia, 1910-1932) e do saudosismo panteísta, e mesmo de uma certa religião do génio Lusitano, como desenvolveu em conferências e livros, artigos e diálogos.
Leonardo Coimbra (1883-1936) e Teixeira de Pascoaes
 
Esta procura de não deixar limitada ou petrificada cada coisa ou ser, mas antes de intuir, ou fazer desabrochar e crescer, sentimentos e emanações, foi realizada perseverantemente com originalidade e sensibilidade, facilitada por uma vida mergulhada numa Natureza ainda bem pura, a partir da casa de família (povoada de memórias espectrais, livros e cruzes da Ordem de Cristo) na freguesia de Gatão, Amarante, junto à montanha do Marão e ao rio Tâmega, na zona do Minho e Trás-os-Montes onde, depois de se ter licenciado em Direito em Coimbra e exercido uns anos a advocacia, a partir de 1913 se consagra ao seu dom poético e de escritor, manifestando-se plenamente como vera “ave metafísica”, na feliz designação de um dos seus conviventes, Sant’Anna Dionísio, em quem, ainda nos anos 80 no Porto, pude recolher dos seus sussurrantes lábios, em inspiradores diálogos, os murmúrios e ecos perenes da Renascença Portuguesa, tanto mais que fora ainda discípulo especial de Leonardo Coimbra, o outro mestre do movimento e da revista Águia, e mesmo director, com Agostinho da Silva, da revista nos seus derradeiros números.
 Ora quando a Natureza planetária e humana está em tantos aspectos cada vez mais afectada pelas consequências da ignorância, egoísmo e da sede de poder e de domínio excepcionalista de alguns grupos e seres à escala global, é bem importante relermos Teixeira de Pascoaes não só porque mergulhamos nas raízes da Alma Mundi, e da nossa Alma Portuguesa profunda, presente tanto na natureza, dos penedos aos rios, como no povo e na sua literatura e pensamento, como também porque sintonizando com o que ele viu, sentiu e pensou dela podemos hoje cem anos depois irmos mais longe e mais fundo na gnose e no amor.
Em tal tarefa nos exercitamos na reactualização de uma mensagem que por várias causas não é fácil de ser dinamizada ou aprofundada, nos seus tesouros e arcanos, contidos em obras literárias por vezes avassaladoras, sensíveis, ricas de dialécticas de contrários, capazes até de serem vistos como contraditórias na sua fluída espontaneidade genésica. Reflectir o que Teixeira Pascoaes pensou ou intuiu de mais valioso, e aperfeiçoá-lo e comunicá-lo para os nossos dias, tem a sua razão de ser, sobretudo para os estudiosos ou cultores da Tradição cultural e espiritual portuguesa nas suas diferentes faces, face a tantas forças e ideologias anti-tradicionais poderosamente veiculadas pelos meios informação a elas avençados...
Sabemos como o Saudosismo Panteísta foi uma das expressões escolhidas por Teixeira de Pascoaes para caracterizar o Génio Lusitano, enquanto feliz união entre o Espírito e a Matéria, entre Jesus e Pan e, como na época, após uma adesão de parte da intelectualidade portuguesa consubstanciada no envio de colaborações para  revista Águia, os embates com António Sérgio e Raul Proença, as revistas lisboetas Orpheu e Seara Nova e o próprio afastamento de Fernando Pessoa (após uma aprovação entusiástica inicial do «transcendentalismo panteísta» de Pascoaes; embora no fim da sua vida, na Mensagem, se mostrasse tão impregnado de saudosismo messiânico), fizeram com que lentamente os eixos do Saudosismo e da Palavra-Verbo de Teixeira de Pascoaes se tornassem menos ouvidos e cultivados na cultura e sociedade portuguesa, cada vez mais pragmaticamente positivista-racionalista, seja de modo conservador seja socialista ou revolucionário, mas incapaz, à parte uns poucos que sempre consubstanciam a heterodoxia do ser livre ("homem sem partido" se disse de Pascoaes, como antes de Erasmo…), de alcançar o respeito e amor da Natureza, o abraço do mundo invisível, ou de inscrever no cubo da matéria o círculo do espírito divino, que  tem o seu centro em toda a parte e a circunferência em parte alguma… 
 Teixeira de Pascoaes foi um bardo vidente (qual kavi ou rishi védico) ou, pelo menos,  poeta comovido imaginativo-intuitivo das subtilezas da Natureza infinita e dos seus entes, desde os mais cósmicos como as estrelas, o luar e a luz solar, até aos mais humildes, do aldeão ao burro e ao penedo. Através de todos intuiu a Unidade e sentiu-os ou animou-os com grandes sentimentos, transfigurando a dor, a solidão, a morte, a saudade, e por isso não é de admirar que fossem outros poetas e pensadores nortenhos, de grande empatia, telúricos ou ígneos, como Raul Brandão, Guerra Junqueiro e Leonardo Coimbra, os que mais o apreciavam e recomendavam. E assim as traduções dos seus livros chegaram bem mais cedo à Europa do que as de Fernando Pessoa, aliás então quase inédito.
O que poderemos então hoje mais realçar dentro da sua vasta obra, com os seus três ciclos: o da poesia; o da poesia, prosa, doutrinação e direcção da Águia; e o final das maratonas electrizadas das quatro biografias histórico-poético-filosóficos e de algumas novelas? 
O que retomar e aprofundar do seu legado na nossa demanda da continuidade das especificidades da alma e da cultura portuguesa no séc. XXI? O que partilhar com a Europa e com o Mundo, em fraterna comunhão e procura, e que inverta a tendência opressiva e manipuladora dos meios de informação completamente vendidos ao Estados Unidos da América, à União Europeia e a outras grandes organizações globalistas, tais as de Klaus Schwab e George Soros? Mais concretamente até, o que deveremos aceitar na pujante obra de Pascoaes, já não apenas como o resultado de mera animação imaginada do olhar lúcido-alucinado e prescrutante do asceta do Marão (talvez intensificada pelo isolamento sexual e os constantes cigarrinhos rolados e café) mas também como vera experiência espiritual, vidência ou intuição funda e valiosa?
Face a obra tão fulgurante e vasta (embora desigual, dada uma certa verbosidade ainda mais presente em Guerra Junqueiro, mais discípulo de Victor Hugo), que hoje em dia terá apenas um ou outro conhecedor mais profundo (que eu conheça pessoalmente), tal o Manuel Ferreira Patrício (que aliás no Verão de 2021, tendo-o eu entrevistado, ou com ele dialogado ainda uns meses antes, conforme pode ver no Youtube, acabou por partir para o além) e o António Cândido Franco, entraremos em alguns dos seus livros, e
ousaremos sondar certas forças valiosas de auto-conhecimento humano, telúrico e cósmico que o animavam.   
Podemos iniciar-nos no princípio fecundante que é a Palavra, e ouvi-lo segredar-nos na Senhora da Noite: «Aí vem a Meia Noite, erma donzela…/ Vou contar-lhe, baixinho, o meu segredo…/ Minha voz, sê murmúrio ou luz de estrela/ Ou sussurro de arvoredo…/Pois só assim te ouve e compreende,/ Em puro amor;/ Que a pobre voz humana, quem na entende/ Se perdeu todo o viço e a cor?»
Esta capacidade de tornarmos ou preservarmos a nossa voz, murmúrio, sussurro da natureza ou luz de estrela, em puro amor e cor, é um dos desafios contemporâneos, sobretudo para os que reflectem, escrevem, poetizam, meditam e silenciam e tentam não ser submergidos pelo aluvião da informação mental moderna digital, para tal Pascoaes guiando-nos não só com o exemplar distanciamento da "leviandade" citadina e a riqueza da sua vivência telúrica e leitura simbólica da vida, mas também recomendando à triste voz dos nossos lábios que se retempere na Natureza e seja ora rasteira e humilde, ora dotada de asas, «verbo ressuscitado, voz em brasa», pois há palavras «que representam as supremas cristalizações da alma universal» e é pela escrita, na abertura à Palavra, que as pessoas mais se conhecem e libertam. E assim, já no fim da sua vida, caracterizará mesmo a sua obra como revelação ou confissão.
Realidade bem profunda também em Pascoaes são as Sombras, título até de um conjunto de poemas publicado em 1907. Ao ouvirmos a Senhora da Noite considerar «sombra irradiante, tudo o que és em espírito e em desejo», compreendemos que o mar das forças anímicas de Pascoaes era tão grande, e tão nutrido pela Natureza, o Marão e o culto dos simples, dos heróis e dos poetas, acerca dos quais afirma magistralmente «entre a Humanidade e a Divindade existe aquela região em que habitam os Heróis e os Poetas. São eles que forçam as portas do Cárcere onde o demónio aprisiona as almas divinas», in Os Poetas Lusíadas, (um dos seus melhores livros), que não podia deixar de transbordar e investir ou impressionar comovidamente tudo o que rodeava. 
 Mas sabermos, enquanto espíritos individuais e imortais, discernir quais os desejos e imaginações, impulsões e realizações que deveremos vivenciar e irradiar como sombra, corpo espiritual ou voz «que, de eco em eco, vá repercutir-se/ pela formosa imperfeição da Terra…», é de facto uma demanda ou teste difícil diário de atenção plena, verdadeiramente obra órfica e de “Fiéis de Amor”: «Sou a Imaginação fecunda e santa;/ A suprema e divina Criadora/…/ E a própria rocha anima-se e cintila/ Se ela lhe deita os olhos com amor!»
Este recado de olhar com amor, com imaginação fecunda e santificante, de transformar ou comover seja as partículas da matéria, seja as partículas e ondas quânticas e energéticas, seja as consciências que se ocultam por detrás ou dentro das formas, faz hoje parte da grande dança do conhecimento moderno, com contributos valiosos a estimularem-nos, como os da física quântica com a sua interpenetração do observador e o observado, os da inteligência emocional das neurociências ou ainda os dos mestres espirituais que, na linha de uma sabedoria perene de que Orfeu foi um dos primeiros avatares conhecidos, afirmam como a Palavra, Verbo, ou Sermo (tal como Erasmo traduzia a palavra grega Logos, nomeadamente no prólogo do Evangelho de S. João), é mágica,  criativa e divina, e logo a exercem bem na cogitação, na fala e na escrita. 
Desiderio Erasmo, 1466-1536. Sancte, Ora pro nobis
Haveria pois razões para uma harmonia maior, não fora a crise agónica do sistema capitalista ou neloliberalista autoritário aactual, a guerra biológica em que nos vemos envolvidos e a incapacidade dos povos expulsarem os vendilhões do templo da Utopia da não-violência, da partilha mundial, ou multipolaridade, e de uma moeda justa. Como consequência «o Deus Pan, nas florestas geme» e poucos conseguem o riso que, «na boca divina e consagrada, seja o corpo de um Anjo, o Paraíso, / Uma expressão da Luz não revelada./ Um riso que deixava adivinhar/ o talhe do seu corpo/… /Alto sorriso lúcido! Escultura/ de luz de mármore!/ O Sonho real e vivo; a Creatura,/A Estrela, a Árvore!»
São pois a metanóia ou conversão das consciências e a transfiguração constante “auroral” os 
caminhos apontados para o Regresso ao Paraíso (título de uma das suas obras mais apreciadas) ao "saudoso" estado Primordial, presente ou melhor referido em várias Tradições, e que é imaginado panteisticamente como captável por aquelas «Nereides, junto às águas que murmuram,/ Inclinam suas frontes pensativas;/ E seus olhos extáticos procuram/ Idades d’ Oiro, as Eras Primitivas…».
Esta vivência amorosa e contemplativa, constatada também frequentemente por Teixeira de Pascoaes nas oraculares Sibilas, é mais sensível e transmissível pela «ternura espiritual que aflui/ À flor da minha voz… silêncio em flor…» e perpassa o poeta, o diálogo e a nossa sábia utilização da Palavra, pelo que devemos trabalhar sem desânimos numa Europa tão centrifugada, tão manipulada, tão a ficar escravizada, de modo a que saibamos seja discernir na voz o que vai de verdade ou mentira ( observar tal nos comentadores e políticos é bom exercício) , seja a proferi-la de forma amorosa, instrutora, curativa e libertadora, algo tão necessário nos nossos dias de "aterrorização" e de lavagem ao cérebro que lideres e locutores exercem satisfeitos da sua importância e aparência, pedestal e autoridade. Temos de ter os nossos mantras e tempos de antena interior, para contrabalançarmos os slogans e as propagandas daninhas com que eles, algo viciadamente e bem pagos para enganarem e manipularem, afectam ou infestam os ares, tímpanos, almas e discernimento...
Ora entre os textos doutrinários de Teixeira Pascoaes, alguns resultantes de conferências que, não sendo tão flamejantes como as de Leonardo Coimbra mesmo assim despertavam aspirações, fundavam comoções e iluminavam, O Génio português na sua expressão filosófica, poética e religiosa, de 1912-13 (bem aprofundado em 1918-19 com Os Poetas Lusíadas) é um dos mais transmissores  das qualidades contributivas da alma lusitana e sua língua e poetas na Europa e no Mundo. 
                                                           
Aí expõe a sua «concepção saudosista da alma portuguesa. O desejo é a parte material e a lembrança a parte espiritual da Saudade» e, no trilho de uma citação de Luís de Camões: «Não é logo a saudade/ Das terras onde nasceu/ A carne, - mas é do céu,/ Daquela santa cidade/ Donde esta alma descendeu» e, numa linha pitagórica, gnóstica e priscilianista, caracteriza «a saudade do céu, como a lembrança de uma remota Perfeição, vivida talvez em outro mundo animada pelo desejo de uma nova Perfeição», comprovando até numa quadra popular a vivência paciente e amorosa de tal realidade: «De qualquer modo que existas, / És a mesma divindade:/ Ventura, quando te vejo,/ Se te não vejo, Saudade!». E são sem dúvidas recomendações valiosas, em especial a de tentarmos sentir ou intuir a nossa origem espiritual (algo que a Dalila Pereira da Costa sentia e tentava partilhar na sua obra), ou pelo menos aspirar a ela e concomitantemente, no plano humano terreno físico, não sofrermos pelo distanciamento das pessoas amadas, pois subtilmente estamos em ligação ou ressonância subtil...
Dalila Pereira da Costa (1918-2012). Muita luz e amor na sua alma e dela para nós!
 Esta conferência contém afirmações bem importantes, algumas suplicando a nossa revisitação, tal como aliás a observação lúcida auto-consciencial de Teixeira Pascoaes em nota final, considerando tais páginas escritas com ligeireza ou com deficiências e apelando a que se venha a escrever um dia «a história espiritual» do povo português, algo ainda apenas parcelarmente e moderadamente realizado e pouco consciencializado ou assumido pelos portugueses, pese o grande contributo, mas pouco divulgado, de Dalila Pereira da Costa nas últimas décadas: «Estudemos o homem transcendente, o além homem, que o Português encerra. Estudemos o Português do Cosmo oculto no Português do extremo ocidental da Ibéria», sem dúvida um desafio ainda por cumprir pois embora haja já muitos trabalhos sobre as correntes religiosas e espirituais com valor, os contributos esotéricos ou de ocultismo em geral são apenas intelectuais ou de semi-erudição senão mesmo de mero compiladores, e frequentemente sectarizados, de modo algum atingindo a visão imparcial e a comunhão com o mundo psico-espiritual, que contudo Agostinho da Silva e sobretudo Dalila Pereira da Costa conseguiram por vezes...
Agostinho da Silva (1906-1994). Muita luz e amor na sua alma!
 Oiçamos então Teixeira de Pascoaes num seguimento de três parágrafos bem originais acerca da supervivência face à morte: «Quem vai e deixa saudades fica a viver nas almas, porque, em sua vida, amou. O amor em acção gera a saudade, isto é, reproduz-nos espiritualmente na alma de outra criatura, onde ficamos a viver. Ao baixarmos ao sepulcro, o nosso Fantasma, em contacto com as almas bem amadas, toma presença viva e perfeita; é um ser espiritual e, por isso, eterno».
Poderemos realçar que na expressão “o nosso Fantasma”, mais do que uma entidade imaginativo-saudosa gerada por nós nos outros (e seria interessante discernir nas amizades tais intencionalidades de reprodução mnemónica imortalizantes, como por exemplo, momentos de criação a dois de pontes para a eternidade…), deveríamos conseguir ver o nosso ser em corpo espiritual, em interacção graças à  ligação das almas e o qual se pode tornar presença viva e perfeita, se existir mesmo essa intensidade de amor entre dois seres a qual acontece subitamente  em certos momentos de devoção-lembrança-esperança-comunhão. 
Estas ligações mágicas entre a memória saudosa, mais do que a avatarização ou descida do espírito que Pascoaes sugere ou a sua perdurabilidade pela memória, apontam para a simples comunhão de almas pelo coração, os sonhos e as visões, bem presentes em alguns dos sonetos de Antero de Quental, e são certamente de se valorizar muito ao longo da vida com as pessoas que mais nos sentimos afins ou amamos reciprocamente, tanto mais que indiciam a realidade do chamado corpo místico da Igreja e da Humanidade, ou ainda o campo unificado de energia consciência em que as psiques estão entretecidas, como o cientista e espiritual Dean Radin, com quem dialoguei, tem comprovado e divulgado
Bem mais discutível será o parágrafo seguinte: «Uma Criatura não pode criar a sua própria forma anímica, porque a força que opera a transformação misteriosa da matéria em espírito, é o amor; e o nosso amor só se torna fecundo, quando incide sobre as outras criaturas que se eternizam em nós. De resto, o ser animal é um meio e não um fim. O homem cria espírito, mas não é o espírito».
Pintura de Bô Yin Râ
Porque, e nos parece em verdade, estamos constantemente a aumentar, a absorver, e a criar ou então a diminuir e a destruir as nossas forças anímicas, pelos desejos, impulsões, actos e pensamentos. E o nosso amor torna-se fecundo não só sobre os outros mas também incidindo sobre nós próprios, não só aceitando-nos mas sobretudo tentando entrar mais no nosso interior, para nos aproximarmos tanto do nosso espírito próprio como do Ser Divino, a quem nos devemos entregar ou abrir para que renasça mais em nós, num trabalho diário grande.
Neste sentido é bem mais correcto dizer-se que o homem ou a mulher é um espírito e que deve criar a manifestação plena do Espírito em si, o que aliás perpassa ocultamente na nossa tradição no culto do sempre enigmático ou arcânico do Espírito Santo, que em geral fica apenas no exterior e em crenças e costumes festivos, embora a solidariedade fraterna sentida e manifestada toque ou possa tocar sensivelmente várias dimensões das pessoas...
No parágrafo final temos uma daquelas afirmações fulgurantes de Teixeira de Pascoaes: «”Onde quer que estejais reunidos em meu nome, eu serei convosco”, disse Jesus, referindo-se à sua presença de saudade…»
Este dito profundo do mestre Jesus, que muita tinta criativa fez correr e que normalmente é interpretado no sentido de confessar-se a crença na sua presença ressuscitada, ou, por vezes, mais intimamente, como a auto-consciencialização que os discípulos conseguem do estado de ungimento ou de ligação Divina alcançado por Jesus e que eles actualizam então em certo grau, é interpretado valiosamente por Pascoaes como núpcias da alma humana com o que, pelo amor saudoso, se imortaliza em nós como: ser, presença, ou mesmo sopro e corrente viva, seja de Jesus seja de um ser mais normal ou não tão iluminado espiritualmente ou mesmo ligado divinamente.
Talvez acrescentemos que a corrente ígnea do desejo-esperança faz com que as distâncias do tempo e do espaço diminuam e em certos casos sejam abolidas, e se entre numa dimensão mais elevada, e que o Mestre possa surgir enquanto princípio e energia divina e aperfeiçoadora nos discípulos. E que nos cenáculos, grupos e conversas presenciais ou virtuais (ou mesmo na relação escritor-leitor), em que é a consciência ou a abertura à verdade a presidir ou a circular, então o Logos, o Cristo, a Inteligência Sabedoria divina (ou «essa nuvem de emoção que envolve e trespassa o Cosmos», no dizer pascoalino), tão bem manifestada em Jesus, torna-se mais presente ou animante.
Eis linhas de força que cada um de nós, ou em pequenos grupos, deve aprofundar e vivenciar, contribuindo para uma melhor epifania ou descida do espírito e da sua universalidade, bem como para um ressurgimento da grande Alma Portuguesa, à qual Teixeira Pascoaes (tal como depois Agostinho da Silva) associa o génio aventureiro, com a sua capacidade de iniciativa, e o temperamento messiânico, enquanto confiança num destino superior.
Aqui, a sincronia ou mesmo uma certa anterioridade de Pascoaes em relação a Fernando Pessoa (este mesmo assim desde 1912 colaborando com os seus proféticos artigos na revista Águia) é evidente, tanto mais que Fernando Pessoa reconheceu em alguns apontamentos soltos, sobretudo com afirmações que no séc. XXI se pensariam ser dele mas que provém de Teixeira de Pascoaes: nessa busca do «Atlântico etéreo além do qual existe uma outra Índia…» e, «rasgando o nevoeiro da manhã sebastianista», a tristeza, a lembrança do Passado, iluminada de Esperança, prometendo a nova Era Lusitana… 
Natália Correia (1923-1993) Muita luz e amor na sua alma!
Se alguns dos aspectos que o amor da Pátria-Mátria (como queria a Natália Correia,  admiradora e intérprete de Pascoaes) nas gerações de Teixeira de Pascoaes e de Fernando Pessoa assumiu, em projecções valorativas de Portugal e do seu futuro, aspectos ou conexões nacionalistas estaduais e são hoje claramente irreais e inexequíveis, o mesmo já não se terá de dizer do que em ambos é despertar gnóstico e valorização da língua portuguesa (bem aprofundada e proferida…), nomeadamente no seu papel na sinfonia europeia e do mundo, com Pascoaes a enfatizar: «que cada Pátria tem o seu Verbo, e uma alma inconfundível, portanto. Ora, ter uma alma própria, original, corresponde a ter um modo especial de compreender a vida, o amor, a piedade, a fraternidade, a justiça. Cada Pátria criará a sua justiça futura, assim como criou a sua língua, o seu aspecto moral, etc.»
Só que esta potencialidade criadora individual ou nacional, hoje bastante sepultada pela União Europeia e o globalismo desequilibrado, anti-natural, uniformizador, massificante ou escravizante que domina os meios de comunicação e os governos, para existir razoavelmente ou minimamente implica sempre e cada vez mais o trabalho iluminativo, gnóstico, de auto-conhecimento que Pascoaes realça bem (como aliás Fernando Pessoa), considerando-o mesmo, na linha de um dos últimos mestres português, Antero de Quental, como "trabalho para a nova geração": 
Antero de Quental (1842-1891). Muita Luz e Amor em si!
«Ora, numa Nação ainda atrasada espiritualmente, como a nossa, parece-me também patriótico chamar a atenção do Povo para a sua alma revelada, a fim de que ele encontre, em si próprio, uma luz guiadora dos seus actos e a energia que os provoque e lhes garanta o sucesso.
«Dar à Pátria portuguesa a consciência do seu ser espiritual, é dar mais relevo, nitidez e vida à sua presença entre outras nações e prepará-las, sobre tudo, para o cumprimento de um alto destino.
«Nosce te ipsum, diziam os latinos, referindo-se ao homem; a mesma frase se deve aplicar à vida colectiva de um Povo. A criatura que se não conhece, procede sempre ao acaso; o seu labor hesitante; os seus passos vacilam sobre a terra; os seus gestos não se imprimem no ar; as suas atitudes não se desenham e a sua alma é incaracterística, amorfa, trabalhada em névoa.
«É preciso, antes de tudo, que o País se conheça, para saber quem é e o que deseja.
«Eis o trabalho da nova geração, cujo aparecimento corresponde à renascença espiritual da Raça [leia-se hoje povo ou nação]. Atravessamos um período genésico, de criação anímica, a que há-de suceder fatalmente um período de realidades fecundas.»
Se é verdade que algumas ideias-forças de Teixeira de Pascoaes, dependentes da época, tal como "raça", hoje posta de parte, ou mesmo "saudosismo", tinham limitações e perigos em si, e logo pouca eficácia, «para embebedar a nação desse sonho», por exemplo, dum V. Império, como afirmou Fernando Pessoa, um ano antes de morrer, ao jornalista Augusto Costa, no seu Inquérito Literário, todavia, resistirmos a um globalismo uniformizador e aspirarmos aos níveis espirituais a partir dos nossos psicomorfismos, ou linhas de força próprios ou tradicionais, é bem importante face à perda de referências passadas para que tendem, e provavelmente intencionalmente, a informação e a desinformação dos meios de comunicação e de muitos dos agentes das plataformas digitais. 
Fernando Pessoa (1888-1935) e Augusto Costa. Muita luz e amor nas suas almas!
 
A confirmar tal valor temos, por exemplo, o esforço do aprofundamento da memória e os trabalhos práticos dos pesquisadores das neuro-ciências e da psicologia transpessoal que apontam para o valor da reminiscência, da concentração e do despertar de conhecimentos normalmente tidos por perdidos ou impossíveis, algo que se aplica à emoção saudosa quando esta origina uma vivência propiciadora da religação à origem, ao divino, ao todo. Neste sentido são ensinamentos válidos os que conjugam o dinamismo amoroso e a meditação receptiva saudosa: «Eu chamei Saudosismo ao culto do nosso espírito sintetizado na Saudade.
«A Saudade é a essência do Cosmos, o Fiat, o Verbo, a Alma do mundo, a forma lusitana da Criação, para me servir de uma bela frase de Leonardo Coimbra.
«É por simpatia cósmica que a nossa alma transborda de nós, inundando de amor as coisas mortas que ficam a viver». E até talvez possamos dizer de que não há coisas mortas, tudo está interligado numa dança das partículas e da informação e até da misteriosa consciência…
Tendo eu realçado a necessidade da passagem do paradigma competitivo das religiões para o da convergência, em várias ocasiões, tal como no nº 3 da Nova Águia, constato que que a unidade intuída ou buscada de uma Religião Universal, que teve alguns afloramentos mais visíveis (tal o da época de Alexandria, ou na Índia a tentativa do imperador mogol Akbar, ou mais modernamente e levemente na harmonia das religiões de Ramakrishna), perpassa também forte em Pascoaes (e virá a desenvolver-se mais em Agostinho da Silva), o qual tece no Génio Português considerações e antevisões dignas de serem aprofundadas e escutadas como a voz de um dos vates da Tradição Espiritual Portuguesa falando à Europa, e com uma actualidade tremenda face à organização União Europeia, cada vez mais materialista, artificializada, hipócrita e vendida a infrahumanismos opressivos, disfarçados sob o slogan de uma Nova Ordem mundial transhumanista, e que no fundo é anti-natural, anti- tradicional, anti-divina: 
«Nestes ressequidos tempos de egoísmo materialista, de cientismo estreito, superficial, que se imagina a própria Verdade indiscutível, o sentimento religioso, que ora aparece na Europa, anuncia uma próxima reacção do Espírito contra a Matéria usurpadora. Eis o motivo do grande interesse que adquire a feição mística do génio português. Claro que esta feição é-lhe dada pela Saudade, a Virgem descendente de Cristo e de Apolo.
A palavra Religião, como se vê, toma novo sentido. O Paganismo, o Judaísmo, o Cristianismo e as suas variantes, afastam-se, envoltos já na névoa do Passado, da concepção religiosa contida no Saudosismo».
Mas esta clarividência da desvalorização das religiões antigas ou mesmo do Jeová que definha, não corresponde apenas a uma valorização do Saudosismo mas também à consciência e vivência da unidade evolutiva do género humano e planetário, o que, se bem estudado, aprofundado e vivido (e quão insuficientes são ainda as aulas de moral ou as de educação cívica ecuménicas e universalistas…), evitaria muitas das causas dos conflitos e guerras, crises e sofrimentos da humanidade:
«A atitude de uma alma perante outra alma, é sempre religiosa, embora pareçam hostis os corpos que as separam. As palavras que se dizem, são orações, os beijos que se trocam, são estrelas… É que se reconhecem umas nas outras, como duas Aparições da mesma figura.
«Compete ao progresso moral, fomentado pelo verdadeiro sentimento religioso, revelar, exteriorizar, cada vez mais, esse íntimo e divino estado das almas.»… 
Eis os trabalhos da nova geração, para uma educação e vivência maior da aceitação do outro, no bem, no amor, na unidade…
Sant'Anna Dionísio, Jaime Cortesão e Teixeira de Pascoaes. Lux!
 Claro que Teixeira de Pascoaes não podia conhecer ainda o forte desenvolvimento da História Comparada das Religiões que iria acontecer nas últimas décadas da sociedade global actual, nomeadamente ao nível das Universidades e Espiritualidades, e assim a sua visão de uma Religião universal não era ainda bem intuída na Unidade subjacente à aceitação ecuménica das várias religiões e filosofias do Oriente e do Ocidente, pensando-a Pascoaes mais em termos da Europa e do Ocidente (nomeadamente via alguns filósofos e esotéricos, citados abaixo), e de uma reformulação do Cristianismo (seja numa Igreja lusitana, seja num Novíssimo Testamento, mas ainda muito crente e dependente da Bíblia), baseada numa unidade do panteísmo e da gnose iniciática de Jesus, como afirmará: «A Saudade ressuscita Jesus e Pan, e tira da combinação amorosa das duas Divindades, um novo Credo religioso que será talvez o futuro Credo religioso, concebido no seio da alma lusitana». 
E tais transformações anímicas, portuguesas e europeias, para Teixeira de Pascoaes, teriam de ser acompanhadas de uma consciencialização espiritual, admitindo mesmo algo ingenuamente que um novo Ungido, um novo Messias ou Cristo surgisse para liderar como mestre tal processo purificador e iluminativo, e que  exigia uma metanóia ou conversão dos humanos, de modo a se desprenderem e deixarem o pensar dualista e conflituoso e passarem a viver menos sectariamente e mais fraterna e integradamente no Todo:
«Sente-se, na verdade, que o espírito humano está desejoso de se libertar do cárcere estreito, escuro, asfixiante, em que o materialismo o enclausurou. A alma entorpecida reanima-se. Somos à beira de uma novo período genésico que vai dar ao mundo uma nova fisionomia.
«Eu creio que as forças a operarem a próxima transformação do mundo serão religiosas, de natureza espiritual, talvez reencarnadas num novo Cristo. Se esta transformação fosse efectuada pelas forças da matéria, teríamos sempre as más paixões, os brutos instintos, o feroz egoísmo a dominar.
«É preciso que o poder, mudando de mãos, se transcendentalize. A Humanidade nada lucraria em que a Justiça mudasse apenas de local, passando do primeiro andar para o rés do chão.
«É essencial que ela exista em todos os andares.
«Felizmente, o renascimento religioso é inegável. Encontra-se bem claro, não só na obra de Édouard Schuré, como nas obras dos modernos Filósofos, William James, [Rudolf] Steiner, [Henry] Bergson, [Emille] Boutroux, etc., e ainda no progresso das várias sociedades esotéricas espalhadas.
Estas sociedades são também um dos sinais dos tempos. Correspondem, nos dias de hoje, às antigas associações filosóficas da Palestina e do norte de África, entre as quais se contava a dos essénios, donde saiu Jesus Cristo…».
Atento observador dos sinais que anunciavam ou testemunhavam a rotura dos paradigmas materialistas ou dogmáticos exclusivistas, o crescimento tremendo da procura da verdade, o desabrochamento de uma gnose ou espiritualidade livre e o desenvolvimento imparável da tecnologia (de que foi um pioneiro no uso do automóvel, como relata no seu trepidante livro A Beira (num relâmpago), certamente com todas as limitações que a primeira metade do século XX herdara do XIX e dos seus ocultistas mistificadores e que levaram-no a considerar ter Jesus Cristo saído da seita essénia, provavelmente influenciado pelo seu amigo Édouard Schuré (1841-1929), Teixeira de Pascoaes era um optimista quanto a uma nova Era numinosa, para a qual contribuiria o renascimento da espiritualidade portuguesa, ou a força da saudade divina: 
«Uma nova escada de Jacob prende a terra ao céu. A Divindade volta a estar em correspondência directa com criatura humana.»
  No seu último texto, a Minha Cartilha, já de 1951 e com toda a sua evolução realizada, pois liberta-se da Terra um ano depois com 75 anos, e que li, comentei e gravei e se encontra no Youtube e neste blogue, Teixeira de Pascoaes reafirma:
«Salvamo-nos em esperança ou em lembrança, que a lembrança também incide sobre o futuro na poesia camoniana. E que é a lembrança incidindo sobre o passado e o futuro? É a alma lusíada, a Saudade».
Perguntemos por fim, de coração, como poderemos nós orar e meditar algo no veio da saudade-esperança e de Pascoaes? Talvez entrando na nossa alma e, sob o subtil  espírito
irradiante, no íntimo, e sentirmos silenciosa e em aspiração algo que poderemos exprimir orando: - “Oh Divindade, Oh Espírito primordial, Oh Fonte Divina, sede por nós mais conciencializada e manifestada”, assim nos abrindo   uma maior sintonização e religação amorosa e logo beatífica  com o mundo Espiritual e a Divindade.
Que os mestres e discípulos, sibilas e poetizas da Tradição Espiritual Portuguesa nos inspirem

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