sexta-feira, 6 de abril de 2018

Antero de Quental e a demanda da Verdade, o magnetismo e a telepatia, nas Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX.

                                   
O prof. Armando Narciso em 1938, presidente do 1º Congresso Açoriano reunido em Lisboa de 8 a 15 de Maio de 1938, fez diante dos bustos de Antero de Quental e de Teófilo Braga uma curta alocução, onde a dado passo afirmou: "Antero do Quental, o nosso Antero, o torturado poeta da dor e da bondade, da ilusão e da desilusão, que fez da tragédia humana a sua própria tragédia, que traduziu em palavras, como até ali ninguém o tinha feito ainda, as incertezas do pensamento, o desespero da incompreensão dos grandes e insondáveis mistérios, aqui o tendes recordado no mármore de Diogo de Macedo."
                                     
Embora estas afirmações contenham uma descrição psicológica boa e elogiosa de aspectos essenciais da demanda criativa vivida por Antero de Quental, podemos questionar se ele assumiu e ficou nas incertezas do pensamento e no desespero da incompreensão dos grandes e insondáveis mistérios, como quer Armando Narciso, ou se não terá ele antes alcançado bastante, ou alguma, luz quanto aos mistérios da alma humana e do Cosmos?
Mais do que os Sonetos são as suas Cartas aos amigos e as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX quem nos elucida melhor o estado consciencial alcançado por Antero de Quental  filosoficamente nos últimos anos de vida, nos quais, mais maduro e humilde, e assim considerando a realização do Absoluto, ou da Lei suprema das coisas, esse segredo transcendental «apenas relativamente exequível numa adequação do pensamento à realidade, numa verdade limitada, simbólica, relativa», não ficou por isso torturado e desesperado por não poder alcançar mais luz, antes demandava ainda conhecimento tanto sobre os misteriosos processos psico-físicos como os valores e fins últimos.
E assim, face à sua juvenil ânsia grande de Absoluto, da Verdade e da Justiça, se o ter de reconhecer posteriormente que apenas poderia realizar tal limitadamente e na mera adequação do pensamento à realidade pudesse ser-lhe frustrante, não cremos que tenha perdido a busca de conhecimento e de coerência de vida, que o levou, por exemplo, a aceitar uns meses antes de morrer em 1871 a provação da liderança da Liga Patriótica do Norte, contra o imperialismo inglês e o Ultimatum.
Talvez devamos admitir que, não conseguindo reconhecer e valorizar suficientemente a ligação interior, contemplativa e unitiva com o Ser Divino, que é a pessoalização humanizada de tal Absoluto, tão demandado poeticamente por Antero, ele possa ter perdido certa ligação espiritual divina e ficado mais sujeito a sofrer e a enfraquecer com as múltiplas contrariedades que foi encontrando na vida, e que foram mais de natureza político-social, amorosa, afectiva, familiar, esta com as duas crianças de Germano Meireles adoptadas e que no fim, subitamente, as separaram dele...
Filosoficamente, Antero de Quental, aceitando os limites do pensamento e da verdade filosófica, intui que existe um espírito da época em relação com o estado íntimo psicológico de cada período da civilização humana, de modo que há uma complementaridade de todos os sistemas, numa teoria geral do Universo resultante de um ecletismo ou sincretismo e que se aproxima de uma síntese verdadeira.
O que Antero sentiu então como sendo o espírito da época, a atmosfera intelectual e psicológica da segunda metade do séc. XIX, e que na sua juventude se podia resumir para ele na palavra Revolução?
Pois também ainda uma visão muito dinâmica do Universo e, portanto, revolucionária para a época, levando-o a afirmar que em cada ser "o princípio de energia constitui a sua mesma essência" e que há uma unidade da vida física e psíquica na qual a espontânea actividade deve ser a lei e que pode ser reconhecida pela razão:
- "O pensar moderno quebra essas prisões lógicas, faz circular através dos tipos pretendidos irredutíveis uma substância omnímoda, por virtude da qual todos os seres, momentos e modalidades dela comunicam continuamente entre si, influenciando-se mutuamente, opondo-se e, por essa constante e terrível oposição, realizando, não a recíproca anulação, mas a integração de todos os momentos na unidade, cujas diversas potências manifestam."
Pelo que "o universo aparece-nos agora não já somente como o grande ser autónomo e eternamente activo mas como o ser de ilimitada e infinita expansão, tirando de si mesmo, da sua inesgotável virtualidade, de momento para momento, criações cada vez mais completas, mais ricas de energia, vida e expressão, envolvendo-se e desdobrando-se, em voltas cada vez mais largas e sinuosas, na espiral sem termo do seu desenvolvimento. Divino e real ao mesmo tempo, manifesta a si mesmo a sua essência prodigiosa, contempla-se numa infinidade de espelhos e em cada um sob o aspecto diverso (...) O universo, à luz do realismo transcendental dos dois grandes sucessores de Kant [Schelling e Hegel], transfigura-se: o seu movimento aparece como uma sucessão e encadeamento de ideias e a sua imanência define-se como a alma infinita da coisas...»
Esta "essência prodigiosa" que se reflecte como num espelho em cada ser, esta "alma infinita das coisas", uma designação anteriana para os conceitos anteriores de Anima mundi, de Inconsciente (Eduard von Hartmann) e de Vontade (Schopenhauer), vai ser por ele frequentemente aproximada e reflectida, nomeadamente em cartas dirigidas a Carlos Cirilo Machado, a Fernando Leal e a Jaime de Magalhães Lima, três interlocutores com quem todos nós desejaríamos dialogar, restando-nos porém apenas os seus livros e alguma intuição....
Por exemplo, na carta ao jovem amigo Carlos Cirilo Machado, de 1886, afirma tal num termo ou expressão, o Magnetismo, que então circulava nas pessoas mais dadas tanto às ciências ocultas como à ciência experimental e psicologia, e, dizendo que ele conhecera, nomeadamente um padre Chaves e o deputado algarvio Ângelo Sárrea Prado ("eu ocupei-me em tempo com o magnetismo e vi coisas bem notáveis..."), acrescenta: «O magnetismo parece estabelecer uma unidade de consciência entre várias pessoas, ainda que separadas por grandes distâncias, de sorte que o que uma sabe, sabem-no as outras logo.»
                               
Esta comunicação das almas, esta telepatia, mais ou menos conscientes, são então linhas de força de Antero de Quental e da Tradição Espiritual Portuguesa a investigarmos e a desenvolvermos (tanto mais que Antero previa ou adivinhava que nem daí a mais de cem anos se saberia cientificamente como tal se realiza). Pode, talvez por isso, combinar com uma pessoa mais próxima ou íntima que pratique consigo (seja por imagens ou sentimentos, pela fronte ou pelo coração, e por intencionalidade ou deslocação), ou que sintonizem mais consciente e comprometidamente tais afinidades no vasto mundo subtil e espiritual onde temos o nosso ser, hoje denominado por muitos o Campo unificado de energia informação consciência, e que nos sonhos, sincronias e intuições surge por vezes bem interactivo connosco, gracioso ou luminoso.
Outros artigos que se acercam deste tema:
 http://pedroteixeiradamota.blogspot.pt/2016/04/antero-de-quental-o-magnetismo-e.html
 http://pedroteixeiradamota.blogspot.pt/2018/01/a-casa-do-coracao-de-antero-de-quental.html
 Boas comunicações e crescente claridade anímica!

2 comentários:

Luama Socio disse...

É muito interessante saber mais coisas sobre Antero. Aqui no Brasil, basicamente suas poesias é que são mais conhecidas.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Embora os seus "Sonetos" se tenham tornado a obra mais divulgada e valorizada, a sua poética inicial, compilada nas "Primaveras Românticas" e nas "Odes Modernas" é também valiosa. Mas em verdade é sobretudo no seu riquíssimo epistolário que encontramos verdadeiras pérolas de uma sabedoria tanto pessoal como perene, transmitida de coração a coração. Finalmente, alguns dos seus textos de prosa juvenil e as "Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX", o seu testamento filosófico, são bem merecedores da nossa leitura atenta e grata neste século XXI...