segunda-feira, 23 de julho de 2018

Um dos textos mais importantes de Fernando Pessoa:"Deixemo-nos de importar Deus, porque Deus está em toda a parte."

Um dos textos mais substanciais e revolucionários espiritualmente de Fernando Pessoa, não datado mas que até poderia ser dos seus últimos anos de vida, dactilografado numa página, apenas com a breve frase final a lápis, a qual Joel Serrão e Paula Mourão, que publicaram pela primeira vez esse e muitos outros textos de temática nacional, sebastianista e do mítico V império, não transcreveram para o livro Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional, Ática, 1979, é aquele em que Fernando Pessoa arremete contra a Igreja de Roma e defende a nossa própria religião nacional, numa linha já algo esotérica e espiritual, pois refere os romances de cavalaria e a Demanda do Santo Graal como  veios por onde a tradição secreta do Cristianismo e Portuguesa passou, até ganhar com o poeta vidente Bandarra e padre António Vieira a sua expressão literária mais profética, visão interpretativa ou valorativa que ele coroará na Mensagem, incluindo-se como o terceiro vidente ou profeta.
Este texto importante, embora transcrito no  arquivopessoa.net, encontra-se incompleto pela omissão do acrescento manuscrito de Fernando Pessoa e está também algo descontextualizado, ao acrescentarem em seguida outros pensamentos como se fossem do mesmo texto, que ocupa uma página apenas, pelo que merece ser publicado na íntegra.
Oiçamos então Fernando Pessoa:
«Libertemos o nacionalismo dos seus agregados espúrios.
O verdadeiro patrono do nosso País é esse sapateiro Bandarra. Abandonemos Fátima por Trancoso.
Esse humilde sapateiro de Trancoso é um dos mestres da nossa alma nacional, uma das razões de ser da nossa independência, um dos impulsionadores do nosso sentimento imperial.
 Esse Bandarra é a voz do Povo português, gritando, por cima da defecção dos nobres e dos clérigos, por cima da indiferença dos cautos e dos incautos, a existência sagrada de Portugal.
Quando António Vieira quis basear em qualquer coisa a sua fé natural nos destinos superiores da Pátria, que coisa foi a que encontrou? As profecias desse sapateiro de Trancoso. Amou-as e as comentou o maior artista da nossa terra, o Grão-Mestre, que foi, da Ordem Templária de Portugal.
  O Bandarra, símbolo eterno do que o Povo pensa de Portugal.
Túmulo de Bandarra, na igreja de S. Pedro em Trancoso. Fotografia tirada a 17-VII-2018
Que Portugal tome consciência de si mesmo. Que rejeite os elementos estranhos. Ponha de parte Roma e a sua religião. Entregue-se à sua própria alma. Nela encontrará a tradição dos romances de cavalaria, onde passa, próxima ou remota, a Tradição Secreta do Cristianismo, a Sucessão Super-Apostólica, a Demanda do Santo Graal. Todas essas coisas, necessariamente dadas em mistério, representam a verdade íntima da alma, a conversação com os símbolos,
Citam-se quadras populares, melhores ou piores, como sendo a voz do Povo. A voz do Povo, porém, não falou nunca tão alto como na voz do Bandarra.
Quebrar com Roma. Quebrar com a ideia monárquica. Quebrar com a ideia de Pátria como entidade oposta a qualquer outra coisa neste mundo.
Quebremos com Roma. Deitemos fora esse fardo de trevas e de desalento que há séculos pesa, mais ou menos, sobre as nossas inteligências e sobre as nossas decisões.
Não precisamos dos sete montes de Roma: também aqui, em Lisboa, temos sete montes. Edifiquemos sobre estes a nossa Igreja. Deixemo-nos de importar Deus, porque Deus está em toda a parte
 
Realcemos, para finalizar, a afirmação pessoana da sacralidade de Lisboa com os seus sete montes, quais sete chakras ou centros de força, e que nela se ergue a Igreja Portuguesa, já não dependente ou subordinada à Igreja de Roma, e que será tanto assembleia, como ordem templária, como tradição de realização espiritual, como abertura à universalidade. E a última frase, que sublinhei, já que Joel Serrão ou a Paula Morão não a transcreveram, e que é bem valiosa dentro da visão gnóstica e nacionalista de Fernando Pessoa: cada um, no seu sítio ou caminho tradicional, pode encontrar ou receber a bênção divina, sem estar dependente das Igrejas organizadas...
                           
 Anote-se a exaltação do Portugal profundo e popular, com a invocação de Bandarra e suas trovas, elevado a voz independente do povo português, e o seu reconhecimento pelo padre António Vieira, erguido miticamente a Grão-Mestre da Ordem Templária de Portugal...
Como sabemos a Ordem Templária de Portugal foi dissolvida em 1312, embora bastante continuada como a Ordem de Cristo de Portugal por obra e graça de D. Dinis, e Fernando Pessoa trabalhou bastante nelas, deixando inúmeros fragmentos e procurando provavelmente fazê-las ressurgir,  afirmando com algum mistério na sua nota auto-biográfica de 30-III-1935:
"Posição iniciática: Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal."
Anote-se  que a uns meses de morrer num pequeno texto desvalorizou ou riscou a posição do padre António Vieira como Grão-Mestre da Ordem Templária, provavelmente em consequência da sua ruptura maior com a Igreja Católica aquando do ataque que jornais do Estado Novo e católicos lhe fizeram  por defender a ameaçada liberdade das Associações Secretas, nomeadamente da Maçonaria, da qual ele, não pertencendo, era um profundo conhecedor...
Como floração final e mais dirigida a quem quer aprofundar o caminho da vida,  realcemos o parágrafo, com sublinhados nossos, iniciado assim: «Que Portugal tome consciência de si mesmo (...) Todas essas coisas, necessariamente dadas em mistério, representam a verdade íntima da alma, a conversação com os símbolos,» pois apela à nossa meditação e despertar espiritual, bem como ao desenvolvimento da sensibilidade mais subtil do coração e do olho espiritual, que por detrás da forma simbólica intui, sente ou vê a essência e realidade espiritual. 
O santo Graal do coração, numa pintura antroposófica, ou um portador do Graal, na esfera da respiração e comunhão dos mestres, anjos e Divindade...
Daí a importância do acrescento manuscrito final que implica ou exalta já a mente e alma unificadas que permitem a visão psico-espiritual da presença Divina no multi-universo... 

4 comentários:

Unknown disse...

Pelo que li há algumas coisas cujas «margens» me interessam, mas felizmente sobre elas, no seu cerne, não tenho que ter posição. Parabéns Glória Azevedo Coutinho

Nuno Degroote disse...

Há uma definiçáo clara no presente como nos antecessores.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças, Glória e Nuno pelos vossos comentários, que só li agora quando, aproveitando os confinamentos, resolvi rever, corrigir e melhorar os textos antigos. O que sucedeu a este. Ao vosso dispor e boas inspirações e realizações!

Nuno Degroote disse...

Cá estaremos. Igualmente.