quinta-feira, 5 de julho de 2018

Afonso Cautela, jornalista, pioneiro da ecologia e da cura natural, e de grande lucidez consciencial e social, biografia. Ou vida, obra e ensinamentos, sempre actuais. Com vídeo de 30-VI-2018, Oeiras.

Pequenos contributos para o conhecimento de aspectos e linhas de força da vida e obra de Afonso Cautela, com um vídeo, contendo um poema dele escolhido e lido pelo seu colega de jornal Emanuel Câmara e umas palavras finais minhas.  Últimos acrescentos: a 16.V.23, e a 25.X.23.

Nascido no Alentejo profundo, em Ferreira do Alentejo, em 1933,  Afonso Cautela desde cedo escrevinhou e poetizou (pelo menos desde os 11 anos, segundo José Carlos Marques, editor da  obra poética completa nas Edições Afrontamento), começando a dar à luz  poesia quando frequentava o curso do Magistério Primário em Faro, nos jornais A Escola Nova e Pintassilgo, por ele próprio criados durante o curso, que conclui, esperançoso, no Verão de 1955
Participou também no quinzenário A Planície, de Moura, fundado em 1952 por aquele que se tornará seu grande amigo e iniciador, Miguel Serrano, em especial no suplemento cultural Ângulo das Artes e das Letras, que ambos fundam e que acolherá colaboração de Irene Lisboa, Jorge de Sena, Rodrigues Miguéis, António Ramos Rosa, Maria Rosa Colaço, Casimiro de Brito e outros.  
Miguel Serrano (1922-1996), grande companheiro do Afonso Cautela pelos anos a dentro, dedicará o livrinho O Sinal, Contarelos (19 contos), impresso em 1959: «Para ti, minha avó, para o Afonso e o Álvaro, tão presentes nestes contarelos. Para meus filhos». A epígrafe inicial da obra é um aforismo já algo ecológico e biológico, de ultrapassagem das dualidades e aparências, de Teixeira Pascoaes:«Aquele charco lodoso, repara bem, é a estrela Sírius...». A obra, até pela menção, faz lembrar os 13 Contarelos da amiga Irene Lisboa.
Em 1958, em Ferreira do Alentejo, gera a sua primeira publicação típica, intitulada Zero - Cadernos de Convívio, Crítica e Controvérsia, da qual sairão dois números, in-4º de 16 páginas, compostos e impressos na Arucitana, Lda, Moura, contendo  textos de Afonso Cautela, de doutrinação, entrevista e crítica literária, e ainda duas cartas polémicas de José Augusto Seabra e Domingos Carvalho.  O objectivo dos cadernos era gerar um jornal ou revista intitulado Convívio. Será já em 1960 na Tipografia do Carvalhido, Porto, que  imprime o seu primeiro livro Espaço Mortal, edição do autor (e uma etiqueta de um exemplar à venda na Papelaria Adriano, de Vila do Conde, assinala o preço de 20$00), uma  prosa poética de grande inquietação e aspiração, do qual escolheremos dois pensamentos da página 104: «Não forces a porta aberta da tua inspiração. A poesia só vem quando vem pura, coalhada de fome e de indignação», e «Ao fogo, ao fogo que suprime, purifica e apaga, ao fogo que sagra e destina, ao fogo despistante de marcas.»  E um terceiro pensamento semente, da página 112, muito actual ou mesmo profético, algo que o Afonso foi inegavelmente em vários domínios: «Odeio quem me obriga a viver sem vocação. Mas eles odeiam os livros, os livros santos da verdade». Era já o grande amor aos livros que se iria manifestar em toda a sua vida com a constituição de sucessivas bibliotecas, livrarias, revistas, bancas de divulgação e  venda e que eu acompanharei por alguns modos...
E em 1961 dá à luz O Nariz, impresso em Faro, na colecção,   dirigida pelo notável poeta algarvio Casimiro de Brito (pioneiro dos haikus nipónicos em Portugal), de poesia Sílex, sendo o 3º a sair, pois  o 1º fora do Casimiro e o 2º da Maria Teresa Horta, e nele funde poesia e prosa num registo confessional e de diário, forte de lucidez, inconformismo e grande aspiração pela justiça e liberdade, e mesmo pela amada: «Pois sim, sou metafísico, mas nunca repetirei a lição que obedientemente dais todos os dias. Fechando a tampa por onde espreitava sei que me confundis com um caixote, mas sou a área pura onde quem amo põe os pés.»
Abandonando o ensino primário em 1959, para o qual não se sentia fadado, tanto mais que o tinham desterrado na segunda colocação, entra durante algum tempo noutra linha de força muito sua: a do amor aos livros, e sua partilha e aconselhamento, e trabalha no Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian no início dos anos 60. Será porém em 1965, graças ao seu grande amigo Miguel Serrano, escritor e poeta, que se torna jornalista, primeiro na República (1965-1968) onde Miguel já estava, depois n’O Século (1968-77), onde faz grandes reportagens sobre os aspectos negros e verdes do ambiente sob o título de Portugal Hoje,  em seguida na France Press (1979 a 1982) e por fim n’A Capital (1982-1996), onde a sua página Guia do Consumidor e as suas Crónica do Planeta Terra, revelando os perigos da alimentação agro-química, e  da industrialização, tecnocracia e eucaliptização, despertam muitas consciências para a situação dos eco-sistemas, a agricultura biológica e os tipos de energias em uso. E assim a sua integridade e frontalidade, sensibilidade e coragem tornam-no um ícone do jornalismo independente e de causas. Viverá em Paço de Arcos, num rés-do-chão calmo, com a mulher Astride e a filha Cristina, seres de grande doçura, e os gatos, os muitos livros, jornais e documentos e a policopiadora, fotocopiadora e impressora...
Já bastante antes do 25 de Abril de 1974 Afonso Cautela estava na primeira linha da ecologia, da alimentação natural e macrobiótica e contra a tecnocracia destruidora do planeta, através de dezenas de artigos em vários jornais e revistas, mas em especial no Século e no Diário do Alentejo, coordenando ainda colecções, tal A Par do Tempo, da Editorial o Século onde, por exemplo, escreve em Novembro de 1971 um dos quatro valiosos artigos para Planéte e o Realismo Fantástico, ao lado de Edgar Morin, Louis Pauwels e Jean Marchand, valorizando a síntese (difícil, aceitará) do espírito poético e místico e o científico, numa dinâmica dialéctica, inovadora e revolucionária que vença as antinomias seculares e não esqueça a miséria dos seres vivos e reais. Um realismo fantástico bem incarnado...
 Mas quando a Revolução dos Cravos acontece em Abril de 1974, abrindo as portas e janelas para o pensamento, a associação e a acção mais livres, Afonso desdobra-se em criatividade ecológica e alternativa e assim  a partir da "Ecologia em Movimento - Um movimento em marcha" , na qual colaborei, e
funda em 1974, um ano de cravos tão ardentemente desejado e esperado na alma de Afonso, o Movimento Ecológico Português, com amigos como o agricultor biodinâmico Taciano Zuzarte, José Gomes Ribeiro (fundador da Trigrama), Jacinto Vieira, Domingos Janeiro e Paulino de Magalhães. E começa a publicar o jornal Frente Ecológica (um jornal de vanguarda, descolonização cultural, macrobiótica zen, bioagricultura, tecnologias leves, luta anti-nuclear, parto sem dor, revolução artesanal, agrocomunas/sociedade paralela, energias infinitas e não poluentes, reconversão de consumos, alternativas à medicina"), dando à luz 14 números (até 1977). 
«"Salve-se quem puder, depois de nós o dilúvio e quem vier depois que se arranje" Esta frase tornou-se o lema e religião da mais recente geração de tecnoburocratas que estão conduzindo o mundo à beira do irreversível colapso». Assim começava o livro, muito profeticamente, o Afonso Cautela. Muita Luz e Amor na sua alma!

Nos Estúdios Cor, lançara a Biblioteca do ano 2000 em 1973, destacando-se o 3º número da colecção Ao encontro dos extra-terrestres, onde colige pioneiramente textos de Isaac Azimov, Arthur C. Clark, J. R. Chicote, etc., e o 5º, já em Março de 1974,  Depois do Petróleo, o Dilúvio. Ecologia e dialéctica da crise, obra importante, escrita por ele mesmo, em que denuncia a crise gerada pelos tecnocratas e preconiza «que os indivíduos se organizem para uma vida de auto-suficiência e auto-bastança, logo de auto-controlo», um ideal, uma linha de força ainda mais actual nos dias de hoje, face tanto à desilusão em que partidos, tão sonhados antes do 25 de Abril, se tornaram, como às dificuldades dos pequenos grupos e comunidades desabrocharem e sobreviverem às múltiplas pressões destrutivas das melhores intenções...
 Lança ainda nesse mesmo ano de 1974, tão frutífero e esperançoso, "duas colecções contra o mau ambiente" policopiadas, artesanais, com alguma divulgação no crescente meio alternativo português: a Mini Ecologia, na qual publicará alguns números, tais como: 1 – Posição do Movimento Ecológico Mundial face às ideologias do Desenvolvimento Económico e da violência. 2 – A Estratégia das Ecotácticas – Greve Geral à Sociedade de Consumo. 1974. 3 – Do Biocídio à Utopia Ecológica. 4 – Luta Ecológica e Luta Classes. 5 – Agro-comunas: Alternativas para a Sobrevivência. 1975. 6 – Para um Socialismo Bio-ecológico em Portugal. 
 E a colecção Ecologia 1 – Contributo à Revolução Ecológica (Manifesto Contra o Meio Ambiente II) 2 – Estratégia Ecológica e Política (Manifesto contra o Meio Ambiente – III). 3 – Política de Saúde ou Ecologia da Doença.
 Segue-se em 1975, O Alentejo na Reforma Agrária, bem ilustrado, com várias reportagens e algumas sobre a agricultura biológica, a comunidade de Barão de S. João, a liga dos pequenos agricultores, O Suicídio Nuclear Português, e o Ecologia e Luta de Classes em Portugal, ambos em 1977.
A década de 70, sobretudo a segunda metade, é vivida fulgurantemente por Afonso Cautela e acompanhei-o em algumas das suas actividades e estudos, seja em bancas de feiras, marchas e manifestações, seja na Livraria Peninsular, à rua da Boavista, seja em sua casa em Paço de Arcos, que era aliás a sede do núcleo coordenador do Movimento Ecológico Português e da Frente Ecológica, para além do lar da sua tão simpática mulher Astride e da filha Cristina. Mas não me lembro se conheci o Afonso Cautela pela Ecologia, se pela alimentação Macrobiótica, ou Biológica, nomeadamente na Cooperativa Unimave, embora seja bem provável que fosse no coração de Lisboa, no restaurante Colmeia, à rua da Emenda, do Abel Trancoso e depois do João Alves Ribeiro, desde 1969, tendo como retaguarda o centro e boletim Ignoramus, um polo para muita gente na demanda de harmonias físicas, energéticas, psíquicas, sociais e espirituais e onde o rigor na alimentação era ensinado e  praticado, nomeadamente pelo Afonso, que passou, mais tarde, mesmo  a prova dos nove do regime nº7 de dez dias (ou 15...) só a arroz integral, gomásio e chá de três anos. E em 1976 estivemos juntos, com o meu irmão Luís, na marcha anti-nuclear em Ferrel, embora pouco me lembre das circunstâncias, e no Festival pela Vida contra a Energia Nuclear, 1978, em Ferrel e Caldas da Rainha (para o qual escrevemos um texto, inédito), a que se seguiu no mesmo ano uma reunião na quinta do Gilde, onde vivíamos junto a S. Torcato, na qual participaram alguns ecologistas. Já em meados de 1982 participámos no grupo da Iniciativa Planetária, que eu trouxera do Festival realizado em Maio em Bruxelas, com vários projectos e reuniões de que resultaram alguns textos manuscritos ou policopiados.
Dos livrinhos, revistas e jornais que me ficaram transcrevo então ainda mais alguns dados, menos lembrados das biografias feitas ou que se vierem a fazer, e que serão no fundo formas tanto de aprendermos como de continuarmos a luta pela sobrevivência dos eco-sistemas planetários e da Humanidade, na sua dignidade, harmonia e espiritualidade, causas pela qual o Afonso Cautela sempre tanto vibrou, por vezes demais mesmo, levando alguns a considerá-lo de mau feitio, ou mau fígado, apesar também dos seus sorrisos e olhares doce, inquiridores ou brincalhões, ou expressões como o "Pedrinho". 
Com ele tive mesmo uma certa aprendizagem de escrita ou jornalismo quando me fez entrevistar o médico naturista Fred Vasques Homem (Fred Waschmann, já em 1953 editando os cadernos populares Medicina Natural, com Isidoro Duarte dos Santos, da revista dos Estudos Psíquicos), e depois me assinalou a vermelho os erros no manuscrito da incipiente reportagem, mas que um dia publicarei. Um projecto de uma revista, que teve os títulos Universo e AUM, com uma linha não só ecológica mas também espiritual, foi cogitado por mim em diálogo com o Afonso, que faria parte do núcleo central, mas não se concretizou ficando apenas eu com alguns textos e manifestos inéditos....
No jornal Viver, da Diese, no número de Maio de 1975, a página Temas Ecológicos tinha como coordenador e autor Afonso Cautela e nela estão inseridos quatro artigos críticos do meio ocidental e português onde predomina a sofística ocidental, a exploração do homem, o tapar dos olhos da avestruz perante os múltiplos problemas ecológicos, lançando um apelo em prol do recém formado Movimento Ecológico Português, M.E.P., muito significativo do que o animava: "Prezado amigo do Movimento Ecológico: Estamos a convidá-lo para que seja um dos nossos, um dos que nos ajudem a fazer do M.E.P. uma grande força de opinião e, em breve, uma corrente cívica de real influência na qualidade de vida de todos os portugueses;
-SE a sua vida e a dos seus tem importância para si
-SE a a sua saúde e a dos seus tem importância para si
-SE a sobrevivência das espécies em geral e da espécie humana em especial tem importância para si
-SE o planeta que habitamos e seus recursos, sua gestão gestão racional, harmoniosa, humana e económica tem importância para si
-SE uma sociedade de homens livre e adultos, em vez de uma sociedade de escravos ao gadget, ao consumo e à publicidade tem importância para si
-SE a segurança, a saúde, a sobrevivência e o silêncio têm para si mais importância de que os valores egoístas e infrahumanos impostos pela publicidade, pela mediocridade do Consumo pelo Consumo, então venha trabalhar connosco: [...]"
Em 1976 lançava o 1º numero da Colecção Ecopolítica, intitulado Contributo à Revolução Ecológica, com 35 textos, a maioria inéditos escritos entre 1972 e 1974, e onde exerce um magistério crítico sobre ecologia, não poluição, industrialização, clarificando equívocos, erros, demagogias, distrações. Contém a sua bela, e bastante profética Carta a minha filha Cristina, em que exprime lúcida e algo amarguradamente a luta inglória em prol do rosto humano contra o sistema dominante que absorve e deturpa tudo o que o põe em causa, ou que é mais natural e harmonioso. 
Importante também nesse ano é na Colecção Mini-Ecologia os  três fascículos dados à luz: A Consciência Política da Natureza e a "Luta de Classes" no Reino Animal; Movimento Ecológico e Descolonização Cultural; A Idade Solar: Ivan Illich e Wilhelm Reich, dois profetas da Utopia Ecológica, onde depois de resumir as suas obras e mensagens regista na marcha dialéctica da realidade o discernimento de Marcuse quanto aos novos mecanismos do sistema ideológico repressivo  tais "os meios de comunicação de massa, e a publicidade e propaganda" e acrescenta os que um militante ecológico lúcido observa:«tecnocracia, biocracia, cidade, hospital, indústria, sistema energético; e o ruído como indústria e instituição». Cinquenta anos depois deveremos acrescentar a partidocracia, a burocracia, a nova ordem mundial, a organização mundial de saúde, as redes sociais e o quase total controle dos meios de informação e comunicação pelo sistema. As páginas dedicadas a Ivan Illich e Wilhelm Reich são bastante fortes e clarificadoras. 
  Desse ano de 1976 é a sua colaboração no arranque, nº 0, da Agro-Sanus, "órgão de divulgação de conhecimentos atinentes à promoção integral do Agricultor e à sua emancipação económica pela Agricultura Ecológica, privativo dos filiados da União Fraternal dos Agricultores", acabada de fundar por Luís Vilar, seu amigo e grande dinamizador da agricultura ecológica, uma síntese da biológica e da biodinâmica de Rudolf Steiner. Com o título Ecologia na Agricultura, estão dois artigos dados à luz no Século, em 31.VII.76 e 2.VIII.76, o segundo uma entrevista a Luís Alberto Vilar, onde os seus conhecimentos práticos e o entusiasmo de projecto brilham.
 Em 1977 sai a Ecologia e Luta de Classes em Portugal, em livro, bem como O Suicídio Nuclear Português, E ainda em policopiado artesanal feito em sua casa A Cura pelas Energias. 55 indicações de base, da qual faremos algumas transcrições no fim, dado o seu valor harmonizador. E que autonomizámos num artigo de homenagem a George Ohsawa em Outubro de 2023: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/10/george-ohsawa-afonso-cautela-e-os.html
 A sua tradução da obra de Michel Bosquet (Andre Gorz), Ecologia e Liberdade, saía na Colecção Direito à Diferença, da editorial Vega, em Janeiro de 1978.
Em Março de 1978 surgia o nº 1 do Jornal da Via Macrobiótica, ligada à pioneira cooperativa UNIMAVE, fundada em 1972 e que tinha então já 3.100 associados e da qual fui também sócio, e onde cheguei a dar aulas de Yoga em que participou o Afonso Cautela e a sua filha Cristina, como esta me relembrou recentemente. O editor era o José Augusto Leal e os colaboradores Rosa Maria, Afonso Cautela, Jacinto Vieira e José Raimundo, numa tiragem de 5.000 exemplares. Sem colaboração assinada pelo Afonso Cautela, tinha contudo um anúncio da sua livraria: Ecologia e Ciências da Vida, Agricultura, Medicina Oriental, Etnografia, Artes e Ofícios. Livraria Peninsular.
Neste mesmo 1º número noticiavam-se as Comemorações do dia Anti-nuclear mundial de 1978, a 3 de Junho, de iniciativa do Comité de Luta-antinuclear de Lisboa  (CAL, fundado pelo Afonso Cautela, o Luís Coimbra e ao qual pertenci, com sede na rua de S. Bento), realizadas no jardim da Estrela,  a reunião inicial do Grupo de Objectores de Consciência, na qual se destacará o Júlio de Sousa, o Mário Bruno Brandão Cruz,e a reunião em Bejar, Espanha, do grupo gandhiano de não-violência, grupos e jornadas em que participei, liderado pela Manuela Lourenço, e nos quais o Afonso Cautela também de um modo ou outro colaborou. Nesta época, dinamizado pelo C.A.L, sediado numa das salas da BASE FUT, à rua de S. Bento, realiza-se um pioneiro festejo do solstício de Verão no Jardim da Estrela, de que resta ainda o cartaz, e onde falharam algumas pessoas, e outras estiveram presentes, tal o Afonso Cautela, a Gertrudes Silva, o António Elói, o Jorge Leandro.
Em 1978 saíam também os primeiro números d' A Urtiga, revista de ecologia e alternativas,  lançada por José Carlos Marques e José Leal Loureiro, entre outros, desde que regressou a Portugal, após o 25 de Abril, José Carlos Marques um dinâmico ecologista e editor, nomeadamente na sua Afrontamento e a colecção Viver é Preciso, onde no 2º livro (Perspectiva Ecológica da Agricultura: China, Estados Unidos, Terceiro Mundo), após o 1º de Claude Aubert, Alimentos, Saúde e Agricultura (crítica da agricultura dominante), cita na Bibliografia algumas obras de Afonso Cautela e menciona o Boletim Informativo do Movimento Ecológico em Portugal, dele e do Paulino de Magalhães. A Urtiga  nos primeiros tempos foi publicada em Lagos, e o director e proprietário foi sempre  José. Loureiro,  onde ele, Deodato Santos (este há mais tempo na freguesia de Barão de S. João, com a sua mulher Inge) e Pedro Cavaco (arquitecto amigo que viera do Porto, co-fundador do grupo da Pirâmide) desenvolviam vários projectos ecológicos, agrícolas e de construção, os quais Afonso Cautela ia divulgando, nomeadamente no capítulo Barão de S. João: Experiência Ecológica, Pioneira do Futuro escrito em Agosto de 1974, e incluído nas Agro-comunas: alternativas para a sobrevivência, 1975. Mas na prática foi sobretudo o Pedro Cavaco e a sua mulher Margarida Falcão quem fazia os números da Urtiga e que muito santo trabalho lhes deu. 
No nº 5, de Julho de 1978, do jornal a Via Macrobiótica, antecipando uma das temáticas a ser tratada na vinda a Lisboa de Michio Kushi ao 4º Seminário de Macrobiótica, Afonso Cautela escreve um artigo A moda dos Ovnis baseando-se em Michio mas também citando o Tao Te King, no qual considera que as doenças, epidemias, poluições são avisos para mudarmos de modelo ou paradigma, para passarmos «do dogma tecnocrático e sintomatológico à dialéctica causal e ecológica» para sairmos do dualismo, da oposição entre microcosmos e macrocosmos. Este o sentido de todas as alternativas ecológicas, na agricultura, na energia, na medicina, na alimentação, na educação, etc.
Abrir o Discernimento (com o diamante do yoga tibetano ou com a gnose do arroz) é ferir de morte a Ignorância, a Doença, a Treva, a Barbárie.
"O homem dorme e nós viemos acordá-lo", disse Gurdjieff, outro profeta da Mudança».
E terminará o artigo bem optimisticamente: "Em cada novo seminário, Michio irá tornando mais claro e explícito que Macrobiótica não é só manjedoura de arroz mas a porta aberta da Iniciação para, dissolvendo o nosso férreo ego, nos fazermos voláteis objectos voadores perfeitamente identificados com a nossa Origem e o nosso Destino.
  • "Acreditas nos Ovnis?"
  • "Não me faças perguntas estúpidas..."»
Em Julho de 1979 no 1º número do Boletim dos Amigos da Terra, com sede na Espiral, onde se destacaram António Elói, Gertrudes Silva, José Carlos Marques, António Cândido de Franco e outros, então com 80 sócios, era prestado um agradecimento ao Afonso na seguinte notícia: «Criação da Biblioteca e Centro de Documentação. Afigura-se-nos bastante urgente, para que todos nós possamos ter acesso a livros, revistas, e outros documentos, que, pelo seu número e preço, individualmente seria de difícil obtenção. Graças à generosidade do Afonso Cautela e da Editora Afrontamento [José Carlos Marques], dispomos já de alguns títulos que poderão ser consultados durante a hora da permanência da funcionária – das 16:15 às 18:15, na Sede provisória».
Relembremos que Afonso de Cautela foi sempre um grande amante de livros, de documentos, no fundo um historiador e curador, e reuniu uma biblioteca bastante grande que foi sofrendo constantes modificações, podas, doações, trocas e vendas. Lembro-me de algumas  visitas em sua casa já nos começos de 2000 e de ele mostrar-me os livros nas várias estantes e considerar que tinha reunido uma biblioteca essencial, ou dos títulos mais fundamentais e representativos, cobrindo sobretudo as áreas da ecologia e das energias renováveis, das medicinas complementares ou alternativas e da macrobiótica e da alimentação natural, das energias subtis e da radiestesia, e de religiões, iniciação, simbólica e espiritualidade, e da qual não sabia bem qual o destino, questão frequente em bibliófilos ou ajuntadores de livros temáticos.
Em Maio e Junho de 1981, saíam os nº 1 e 2 da nova série da Via Macrobiótica, noutro formato mais reduzido, e os colaboradores passaram a ser Afonso Cautela, Fernando Elias, Francisco Varatojo, Dr. Furtado Mateus (um pioneiro da agricultura biológica no terreno junto a sua casa em Pero Pinheiro, Sintra), João Pais de Faria e Nelson Mendes. Sob o título Cartas à geração do Apocalipse, Afonso Cautela atacava muito ironicamente com o sub-título: Será a Medicina incurável?, iniciando assim o artigo: «A Medicina não é só a maior fábrica de doenças, enquanto industria que tem de alimentar um mercado, como provou em livro inutilmente exaustivo Ivan Illich. O livro em português chama-se em português Os Limites da Medicina» e alerta para a manipulação que os interesses farmacêuticos ou médicos fazem nos jornais: «Até onde vai a invasão dos «mass media» por esta publicidade gratuita que a indústria médica faz às suas mercadorias? Que estranho privilégio é esse?
Que diriam os médicos se os jornalistas lhes entrassem nos consultórios e começassem também a tratar da saúde aos doentinhos? Que abuso é este? Que invasão é esta?
Quem quiser deixar-se injectar, que deixe. Quem souber como isso se chama em linguagem de gente, que saiba. Mas, publicidade à borla nos nossos jornais, e com vossa licença é ir além da agulha hipodérmica. É já supositório», dando ainda um post-scriptum acerca dos diabetes: «a maior e única dificuldade que a Macrobiótica encontra na cura dos diabetes é quebrar o círculo vicioso criado pela medicina com a sistemática injecção de insulina, que, durante anos, vai atrofiando a função do pântano, até tornar irreversível a sua recuperação. O mais difícil, portanto, na diabetes, não é a doença em si: é a dependência que a medicina química cria de uma droga e a doença que a própria medicina acaba por criar. Essa sim, com o tempo, incurável.»
Aí se anunciava para breve a saída do 1º número da Ecologia em Diálogo, do Afonso Cautela, «para a qual antevemos uma longa vida», anunciando-se que quem a quisesse receber grátis se deveria inscrever. Sairão apenas três números.
 No 2º número, de Junho de 1981, um artigo de Afonso Cautela Cartas à geração do Apocalipse. A dialéctica do Yin-Yang do Ecologismo, uma dinâmica para sair do atoleiro contém constatações ainda hoje bem dramáticas: «Não ver que todo o processo de decadência é a outra face do que se designa por prosperidade, e que todos os retrocessos verificados nesta sociedade são o outro lado do Progresso, eis a cegueira mental mais trágica do nosso tempo. Cegueira que é total no tecnocrata de toas as tendências políticas, e no tecno-burocrata ainda mais cerrada.» 
 Em Abril de 1981, no nº14  da revista da associação dos estudantes de Belas Artes em Lisboa, a ArteOpinião, dirigida pelo Filipe Rocha da Silva, o Afonso Cautela,  numa entrevista de António Correia Teles e Francisco Teixeira da Mota (que foi seu advogado), partilha algumas das suas ideias ora irónicas, ora desiludidas ora fracturantes do sistema, ao qual ele chama a doença, considerando oportunistas e demagógicas as pretensas posições ecológicas dos partidos, e antevê com discernimento quase profético o que se passa na terceira década do séc. XXI: «estou mesmo convencido que as grandes ditaduras estão ainda por vir. Porquê? Porque o imperialismo dos imperialismos é o industrial e, quanto a esse, ainda a procissão vai no adro. Há de vir a ser não só mais feroz como mais subtil». Quanto às religiões considerará que estão mortas na sua função de religarem à Natureza e «pululam como cogumelos e quantas mais houver, mais baralhadas as pessoas estão».
É de 1982 o beneditino trabalho de catalogar os seu artigos de defesa do património natural e cultural, polémicos, sempre com títulos bem impactantes, escritos para vinte e seis (26) jornais e revistas de 1972 a 1980, e que intitulou, em texto policopiado, Contributo à Conservação do Património,  do qual destacaremos,  entre as dezenas de reportagens e artigos de defesa do ambiente e das artes e ofícios por todo o país, dois pioneiros sobre agricultura biológica, no Diário do Alentejo, de 24 de Abril de 1973, Experiência de Agricultura Biológica em Almoster, nos terrenos da Unimave, e em 13 de Março de 1974, A Utopia biológica cresce nos solos vivos.
O Afonso Cautela, com 50 anos, aquando da entrevista na ArteOpinião, 1981.
Em 1983, em Fevereiro, após a minha participação no encontro da Iniciativa Planetária,  na Bélgica, em Maio de 1982, o Afonso Cautela noticiava num comunicado da Frente Ecológica: O Grupo de Arranque em Portugal do Projecto Iniciativa Planetária para um mundo à nossa Escolha ficou constituído durante uma reunião realizada, no passado dia 6 de Fevereiro, no Centro Nacional de Cultura em Lisboa.
Estavam presentes pessoas ligadas a vários grupos e organizações de acção alternativa e Nova Consciência: Comité Anti-Nuclear de Lisboa (C.A.L), Sociedade Teosófica Portuguesa, Associação Livre de Objectores de Consciência (A.L.O.C.), Movimento Ecológico Português (M.E.P.,), Arcane School e Frente Ecológica. (...)
O projecto "Iniciativa Planetária" - como abreviadamente é conhecido nos cinco continentes por onde já circula - visa potencializar, em cada país e localidade, ideias e acções de carácter alternativo de modo a que as necessidades e aspirações dos povos ganhem expressão e ressonância junto dos centros de decisão mundiais (...)
Pretendem os amigos e aderentes da Iniciativa Planetária que todas as pessoas digam o Mundo em que querem viver. Não se trata tanto de diagnosticar a crise e acentuar os motivos de desesperança mas de apontar as possibilidades de esperança que se abrem à Humanidade de uma vida diferente e de um mundo mais humano». No nº 18 da Urtiga, revista de Ecologia e Alternativas, saíram dois textos um sobre o conteúdo do Festival do Mundo que nós escolhemos, da Iniciativa Planetária, em Bruxelas e outro sobre Grupo de Chamarande, junto a Paris, que eu enviara para o Pedro Cavaco. Sera dado à luz só mais um número da Urtiga, uma revista onde colaborou muita gente valiosa alternativa.
Em 1984 saía a Terra Mágica, do Jorge Fidalgo, do José Carlos Marques e da Sylvia Monterroio, e o Afonso Cautela era um dos colaboradores e correspondentes. 
E é de Dezembro do mesmo ano de 1984 o seu projecto, e no qual colaborava o arq. Vasco de Melo,  do Atelié Yin-Yang - Centro de Iniciação - e Medicina Tradicional Chinesa, e que é publicitado num policopiado de 20 páginas, que contem os objectivos, as 36 pessoas convidadas a participar, das quais se destacam, entre os outros, a Maria Afonso, o Ricardo Salvatore, o Juvenal, José Pedro Cerqueira, João Pais de Faria, Araújo Ferreira, Pedro Fiadeiro, Kasuo Kon, José Leal, Pedro Teixeira da Mota, José Gomes Ribeiro, Zélia Sakai, Maria Lucinda Tavares da Silva, Abel Trancoso, Jacinto Vieira, Reinaldo Wondenberg e Francisco Varatojo. Este,  Gomes Ribeiro e Luís de Jesus Silva dão os seus testemunho biográficos por carta a Afonso Cautela
Um ano depois, em Maio de 1985, o Afonso já não estava nos colaboradores da Terra Mágica e entraram muitos outros, entre os quais eu. 
No ano de 1985, Afonso Cautela, indicado pelos Amigos da Terra, foi cabeça de lista do Movimento Alfacinha (com valiosos apoios como os de Francisco Pereira de Moura, Teotónio Pereira, Luís Coimbra, Hermínio Monteiro, António Eloi, etc), inserido no P. P. M., Partido Popular Monárquico, para a Assembleia Municipal, recebendo  12.000 votos,  e eleito teve assim a sua única entrada na política, mas como independente, entrando ao lado do acutilante e sábio Gonçalo Ribeiro Teles (eleito com mais de 20.000 para a Vereador da Câmara Municipal), Luís Coimbra e Henrique Barrilaro Ruas, o qual decorridas duas sessões o substituirá, devido à desilusão de Afonso e decisão de terminar o exercício do cargo. Um ser muito lúcido, crítico, independente, livre, Afonso Cautela...
Em 1988 lança o Projecto Ecologista Independente, com o arquitecto Vasco Melo e o Luís Gomes, então do Instituto Nacional do Ambiente, dirigido pelo biólogo José Almeida Fernandes, e chega a fazer a exposição Quinze Anos do Movimento Ecologista,  mundial, no Forum Picoas, numa cronologia bem ilustrada a partir do seu valioso e amado arquivo de documentação.  
 Nesses anos mantinha ainda uma colaboração de crítica literária no jornal A Capital, intitulada Livros na Mão e assim a 6 de Fevereiro de 1990 publicava um texto Fidelidade à Fonte nos Manuscritos de Pessoa, o poeta oculto, onde elogia o meu trabalho de investigação e interpretação da obra pessoana.
Se nos aproximarmos da sua obra poética, diremos que alguma foi incluída na antologia Surrealismo Abjeccionismo, organizada por Mário Cesariny em 1963. Que m 1964 participa nos quase desconhecidos cadernos Alfa. Poesia 1, editados por Álvaro Luz e Silva. Em 1965 organiza com Serafim Ferreira em 1965 a antologia Poesia Portuguesa do Pós-Guerra: 1945-1965, com orientação gráfica do  e pintor Espiga Pinto, que foi, tal como Almada Negreiros, Lima de Freitas e Carlos Calvet, um investigador das proporções perfeitas ou geometria sagrada, incluindo oitenta poetas na sua bela edição de 423 páginas, desde António Barahona da Fonseca, Casimiro de Brito, Fernando Martinho, Fiama e Gastão Cruz, Saramago, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Raul de Carvalho, etc. E em 1968, na mesma colecção da editora Ulisseia seleciona, com Liberto Cruz, os poemas de alguns livros do poeta alentejano Raúl de Carvalho e que entrarão na sua Poesia 1949-1958.
 
 Em 1973 é incluído nos Oitocentos anos de poesia portuguesa, antologia organizada  por Orlando Neves e Serafim Ferreira,  para o Círculo de Leitores, sendo um dos 90 poetas contemporâneos selecionados, com três valiosos poemas, entre os quais o Ponto Final, e o Sânscrito. E em 2007, com Vítor Silva Tavares e Rui Caeiro, participa no volume colectivo Poesia em Verso, publicado pela Livraria Letra Livre, com ilustrações de Luís Manuel Gaspar. Em 2010 o José Carlos Marques, publica-lhe Campa Rasa, nas Edições Sempre-em-Pé. E finalmente em 2017 sai o primeiro volume da sua Poesia completa, lançado também por José Carlos Marques, na Afrontamento.  
Poderemos ainda dizer que Afonso era um homem de grande ânsia, inquietação e luta de resistência à poluição, ao consumismo, à tecnocracia, aos lobbies da medicina, à desumanização, ao materialismo espiritual e pela palavra e pela escrita tentou investigar as harmonias e as mudanças necessárias e logo dinamizar e despertar as pessoas para as vias alternativas, fosse a medicina natural, a agricultura biológica, a alimentação macrobiótica, a radiestesia, as vias espirituais.
Conheceu muita gente nos meios culturais, ecológicos e espirituais, e a sua excelente biblioteca, que tantas voltas deu e em tantas mãos foi ficando, reflecte nas dedicatórias o apreço em que era tido, e citaremos apenas as de Miguel Serrano e Herberto Hélder. Enfrentando tantos atentados ao património, tantos insensíveis e ineptos, certamente que por vezes desanimava, aborrecia-se, algo que ele aliás recuava à sua infância, pois dizia que se lembrava já em criança transmitindo a sua mãe esse sentimento de estar aborrecido, algo como que uma tristeza existencial, profunda, supra-pessoal, talvez em sintonia com a paisagem quase imutável e algo seca alentejana e a sua vida futura de jornalista de causas difíceis ou mesmo perdidas face ao rumo do industrialismo e consumismo tão gananciosos
Na sua evolução espiritual o Afonso passou por uma certa atracção e adesão ao Budismo Tibetano Ningmapa, então divulgado entre nós, e depois pelas energias subtis detectáveis e trabalháveis pelo pêndulo, grelhas, pirâmides e cristais, na linha de Etiénne Guillet, chegando mesmo a dar pequenos cursos na Sociedade Vegetariana (na rua do Alecrim, a 5 euros por sessão) embora com poucas pessoas, entre as quais Manuela Morais, que viria a fundar depois a Editora Tartaruga e a ser a mulher do escultor Espiga Pinto. Mas com Etiénne a envelhecer e a retirar-se, e a filha e o genro a começarem a comercializar demais, o Afonso foi levado a afastar-se e a pôr em causa também alguns portugueses que se destacavam nos preços elevados dos tratamentos e cursos. Nos últimos anos de vida Afonso Cautela irá orientando alguns livros e documentos, dos muitos que tinha, para algumas pessoas, digitalizando os seus imensos artigos e aplicando os seus conhecimentos da ecologia e alimentação à complicada radiestesia de Etiénne Guillet, em críticas ou análises escritas em muitos textos para os seus vários blogues, perenizando-se assim na internet, da qual estava consciente dos perigos resultantes da avalanche de informação, frequentemente realizada sem grande profundidade nem o profissionalismo que outrora a informação por jornalistas mais sérios e independentes, não submetidos ainda ao grande capital global, implicava, permitia e valorizava.
O problema da passagem dos textos lidos e anotados, ou escritos, ou policopiados para livros e para a digitalização foi um tremendo labor que ocupou o Afonso nos últimos anos, sem dúvida a vida toda um trabalhador a tempo inteiro, ou pelo menos na fase de aposentado as manhãs inteiras (e era madrugador), antes de partir de Paço d'Arcos para Lisboa de comboio e almoçar em restaurantes macrobióticos ou biológicos, o que foi permitindo a alguns de nós bons encontros e diálogos, nomeadamente na Espiral, na Colmeia, no Yin e Yang e outros. A magnitude da obra deixada, face ao materialismo consumista e destrutivo da natureza, impulsiona-nos a nunca abdicar de lutar pela utopia de uma sociedade mais ecológica, biológica e saudável, justa, lúcida, desperta, harmoniosa, espiritual. Anote-se que os seus manuscritos, dossiers e inéditos foram entregues por ele à Torre Tombo, onde esperam investigadores.
Uma boa e bela entrevista feita em 2007 pelo jornalista José Luís Fernandes ao Afonso Cautela encontra-se na web, onde pude aliás colher alguns dados suplementares. Também a sua grande amiga a jornalista Almerinda Romeiro anunciou no Jornal Económico a sua morte e funeral, no próprio dia (30.VI.08), com uma singela biografia. Após esta breve e rápida contribuição para o seu In-Memoriam (1933-2018),  acrescento a transcrição de extractos de obras ou artigos menos conhecidos mas perenes...
 A Cura Pela Energia. 55 Indicações de Base
A 2ª «Do ponto de vista racional (terapêutica causal), o que importa é deixar o organismo reagir por si, porque o o organismo" – Hipócrates – "é que se cura a si mesmo". Se assim foi e assim será, a única atitude inteligente quando a doença ataca, não é atacar ainda mais o organismo com medicamentos, deixa-lo exausto com alimentos complicados e pesados, mas libertá-lo de todos esses encargos suplementares para o deixar com forças de reagir por si.
A 6ª – Para começar, o melhor de tudo é um pequeno jejum. Ao contrário do que afirmam os preconceitos de costumes retrógrados, o doente não deve ser super-alimentado. É exactamente o contrário. Se der descanso digestivo ao seu corpo, este ficará disponível para colocar todas as energias e reservas no "combate à doença".
A 25ª- A mastigação é um segredo base a que a frivolidade ocidental não liga importância mas que se encontra na raiz das grandes alterações possíveis através da macrobiótica Zen. Enquanto o doente não se convencer da importância da MASTIGAÇÃO na sua cura, a eficácia do regime encontra-se grandemente comprometida.
Ao insistir na MASTIGAÇÃO (30 a 50 vezes cada garfada) a macrobiótica deveria ao mesmo tempo frisar a ENSALIVAÇÃO. De facto, a importância desta primordial operação alimentar, é dupla: primeiro, é com uma boa mastigação que se assegura uma boa digestão, uma assimilação completa do cereal e o seu máximo aproveitamento quer nutritivo quer terapêutico; segundo, uma salivação abundante (a produção de saliva, assim como o PALADAR, também se educa!) irá fornecer ao processo digestivo a dose de ptialina necessária para se efectuar o desdobramento das proteínas contidas no cereal e nos restantes alimentos.
A 39ª - Tal como preconiza Oshawa, o Jejum é sempre útil, em qualquer doença e mesmo que não haja doença: é um repouso, uma pausa do organismo que o habilita a recobrar forças e resistência às agressões do meio ambiente, à contaminação do habitat. Mas fazer jejum, não é, para Oshawa, passar fome. O jejum é para ele uma forma de fazer recuar a doença e ajuda a curar outras.
Durante o jejum convém não despender esforços intelectuais nem físicos. Todas as energias do corpo, normalmente utilizadas no trabalho da digestão, se concentram para fazer frente à doença. Além disso, o jejum é um princípio de desintoxicação. Mas a grandes descoberta de Oshawa é que o doente poderá fazer o jejum continuando em actividade, se a sua vida lhe não permitir que sejas de outra maneira. Ideal seria que descansasse, física e intelectualmente. Mas senão conseguir esse ideal, nem por isso o jejum deixará de operar no processo de retroagir a doença.» 
                                               
         -      «Quem ouve a voz do pequeno agricultor?
 As bestas do Apocalipse sabem muito bem que rédeas puxam e para que abismo cavalgam.
A Deus, no entanto, prometeram que consigo haviam de arrastar os servos, os mansos, os justos, os inocentes, os que toda a vida esperaram na terra a terra da Redenção.
As bestas do Apocalipse juraram corromper, de raiz, os solos, a água, o ar, o silêncio e a segurança - a Biosfera, em termos técnicos - antes de que a socialização dos bens fundamentais chegasse.
Sabendo que o socialismo é irreversível e a marcha para a justiça imparável, o capitalismo só tem um caminho: suicidar-se. Mas jurou que havia de suicidar consigo a Terra. A Biosfera».
Assim iniciava o seu livrinho Agro-Comunas: Alternativas para a sobrevivência no entusiasmo idealista dos meses a que se seguiram à revolução do 25 Abril de 1974, e que hoje em 2018 vemos bem, como ele aliás constatou, em que águas foi parar o socialismo português e a socialização em Portugal e como o neo-liberalismo capitalista tem arrasado meio mundo e sancionado, oprimido, destruído os poucos governos mais socialistas que se têm erguido.
Mas continuemos com compreensões bem actuais e acertadas neste livro do Afonso Cautela:
«A exploração familiar, o amor da terra compartilhado por pai, mãe e filhos, a célula base da resistência ecológica, comunitária e auto-gestionária, eis o inimigo nº 1, hostilizado por latifundiários, por intermediários parasitas, por partidos e ideologias, por todos quantos preconizam a grande dimensão quer capitalista quer socialista.» (...)
«A minha convicção, fundamentada por muitos anos de estudo, alguns de experiência e muitos mais de amor às causas sem glória (desde essa causa inglória que foi a Planície, quinzenário de Moura) é de que a agricultura biológica, no contexto da estratégia ecológica, tem muito a dar ao pequeno agricultor para a sua independência económica, para a defesa dos seus interesses, para a sua integração mais vasta dos descolonizados e a descolonizar».
O exemplo das agro-comunas em 1975 que havia em Portugal,  Barão de S. João e o Deodato Santos, e  a safra de arroz que a cooperativa Unimave conseguira nos terrenos de Almoster, e temos de convir que neste aspecto em 2018, quando o Afonso Cautela deixa fisicamente a Terra, esta está muito mais harmonizada por centenas de explorações ou quintas de agricultura biológica e as agro-comunas também já não são tão poucas Por isto ele foi também um profeta da mudança, um elo da Tradição que ele tanto cultivou, quando escreve: «Perto de Lagos, numa freguesia com 700 habitantes, Deodato Santos tenta, há cerca de dois anos, uma experiência que no nosso país se pode considerar original mas que, temos fé, virá a constituir ponto de partida, paradigma e estímulo para outras experiências a desenvolver e a multiplicar nos anos futuros mais próximos». 
                                                     
  Como último ensinamento-testamento, nesta homenagem e comunhão com o Afonso Cautela, leiamos a sua 52ª Indicação de Base, adaptando-a como sentirmos - CONSERVAR A ENERGIA:PRINCÍPIO ÚNICO DE TODA A CURA.
«Na cura pelo Princípio Único [da Ordem do Universo e que é o do equilibrar do Yin e do Yang, negativo e positivo] têm a máxima importância os mínimos pormenores. Seja qual for o caso, recomenda-se aos doentes: 
- Que use pente de madeira. - Que use talheres de madeira. - Que não coma alimentos frigorificados (o frigorífico desmagnetiza). - Que não cozinhe alimentos em vasilhas de alumínio ou barro vidrado (barro não vidrado não tem inconvenientes). - Que só coma alimentos biológicos (com carga energética). - Que ensalive longamente e mastigue o maior número possível de vezes cada alimento que leve à boca. - Que não utilize farinhas (mesmo integrais) pois nas farinhas o grão já perdeu toda a concentração energética tendo-se pulverizado até ao infinito. - Que não perca a esperança na cura, porque se é da Energia Eterna e do Infinito que tudo provém e para onde tudo vai, se é do Princípio Único ou lei que tudo depende, a fé nesse princípio e nessa energia pode curar, pode mesmo mudar o destino de uma pessoa.» 
Relembre-se que, graças à dedicação de José Carlos Marques e às suas Edições Sempre-Em-Pé, em 2011 foi dada de novo à luz  Campa Rasa e outros poemas, in-8º 70 páginas,  e em 2017, nas  Edições Afrontamento, o 1º volume da Poesia Reunida, 1953-2015, Lama e Alvorada, num in-4º de 562 páginas, na sua quase totalidade de poemas dos anos 50, 60 e 70, já que Afonso, pressionado pelos problemas, dramas e desafios ecológicos e de vida natural e espiritual, e empenhado na sua investigação, divulgação e resolução, metamorfoseou muito a sua criatividade poética. Ambas estão muito bem apresentadas, em especial a Campa Rasa e outros poemas, por José Carlos Marques, seu admirador e  amigo de longa data.
Contracapa da Lama e Alvorada. Soneto V, quando Afonso era menino de 14 anos.
                       

2 comentários:

Manuela disse...

Pedro,
muito obrigada pela emotiva homenagem.

Abraço amigo,
Manuela Morais

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas graças, Manuela, pela apreciação dos momentos finais do diálogo nosso com o Afonso. A leitura do Emanuel Câmara, embargada mesmo a voz, e a minha muito espontane e inesperada, com a própria gravação do vídeo a calar os minutos finais, que ficaram assim entre as almas, ele e a Divindade íntima que todos demandamos..