sábado, 30 de dezembro de 2017

O que é a Verdade, em si, em nós, no Cosmos. Aproximações espirituais e éticas à sua realidade e exequibilidade

  Aproximar-nos da Verdade, Aletheia, Veritas, Satya, ou, talvez melhor, não nos afastarmos da Verdade, significará não nos deixarmos enredar e obscurecer por mentiras, dúvidas e conflitos, nossos e do mundo, e antes estarmos em studium, estudo-esforço de demanda de acesso e comunhão à Verdade, a qual é a essência dos seres e a correspondência justa entre o que é ou somos verdadeiramente, a realidade nossa ainda que por vezes um ideal ou eu superior, e o que se pensa e sente, diz e se faz na vida vivida. 
A Verdade, no seu nível talvez mais elevado humano, é estarmos em ligação e união com o Espírito  e com a Ordem do Universo em que estamos inseridos,  numa arte, esforço e harmonia criativa pela saúde, educação, liberdade, plenitude e felicidade nossa e dos outros, tanto dos mais próximos como de tantos seres e povos oprimidos, ou da Natureza, com as suas terras, eco-sistemas e animais por vezes tão explorados e violentados...
Através de uma vida ética e justa, a verdade,  a realização e desabrochar maior do Ser,  alcança-se no  interior, na alma espiritual e no coração e, quando a conseguimos sentir, intuir e estabilizar mais, então as nossas actividades e diálogos serão bem mais proporcionados, transparentes, reflectores e verdadeiros, no cristal multifacetado do Cosmos.
                                                        
Quando demandamos no mundo e na História a Verdade, se no nosso interior houver transparência, sintonia  e abertura comungante (nomeadamente pela respiração, oração e a meditação) à essência do nosso ser e à sua verticalidade espiritual e até divina, os frutos psico-físicos serão melhores e mais frutíferos, para a vida eterna, diz-se até...
A inter-actividade, frequentemente conflituosa, com as outras aproximações ou realizações da verdade, pois estamos num mundo cada vez mais globalizado e no qual biliões de egos, com as suas relativas tendências, informações, conhecimentos e verdades, se encontram e confrontam, é um campo de trabalho bem complexo e desafiante, obrigando-nos constantemente a discernir melhor o que devemos apoiar ou recusar, aprofundar ou desvalorizar.
Em termos históricos, o sentimento de que há a Verdade, e que portanto se a deve  demandar , é uma característica parece-me essencial do ser humano e provavelmente da consciência colectiva da Humanidade, e não tentaremos cingir mais de onde ela vem, senão apontando para o núcleo mais profundo do nosso ser verdadeiro,  e será a partir dessa imanência sentida tanto psíquica, como energética ou mesmo imunitária e sanguínea, que se deverá compreender tanto  a busca do conhecimento de cada dum desses biliões de seres como também a violência quando o sentido de justiça, irmão-gémeo da verdade é afectado: a pessoa estando indignada perante a falsidade ou violência, sai do amor e usa a força-violência  ora para estabelecer limites ou castigos aos erros e falsidades, numa certa sede justiça, que se pode tornar vontade cruel de vingança, tão visível nos nossos dias, tanto mais que essa força é demasiado usada pelos mais poderosos para abusarem e explorarem os outros
A demanda da Verdade  deve ser então realizada  na realidade do dia a dia e das relações humanas e sociais, desde a geo-política à  alimentação e saúde, com discernimento, equanimidade, justiça e com perspectiva contextualizante histórica e ética.
 Também a demanda do conhecimento e verdade da civilização moderna ergueu-se até aos níveis tão desafiantes mentalmente, por exemplo, da física quântica, e tais descobertas devem ser equacionadas   na demanda de auto-realização pelo conhecimento psíquico e espiritual, acima das limitações dogmáticas tanto das ditas Escrituras sagradas das várias religiões como também da própria a ciência moderna, que com a sua objectividade confirmada e replicável instrumental ou laboratorialmente deveria estar acima de suspeitas, mas que infelizmente nos últimos anos tem dado muitos sinais de falsidades e corrupção, nomeadamente com os vírus e vacinas. 
Embora seja um facto a quase impossível acessibilidade humana à Verdade absoluta e cósmica, seja como compreensão seja como visão, embora alguns iluminados da Índia tenham sido creditados com ela,  em níveis mais diminutos poderemos ter acesso a ela, ainda que as condições  limitadoras e dispersivas que os Estados, as políticas, os media e as redes sociais fornecem ou impõem sejam insidiosas. Devemos então com esforço e determinação prosseguirmos as verdades específicas, próprias, nossas, o swadharma de cada ser na sua humanidade e temporalidade, nomeadamente nos campos do saber e de agir que cada um sente mais afinidade de investigar, aprofundar e partilhar...
- "O que é a Verdade?", perguntou Poncio Pilatos, a Jesus, este respondendo com o silêncio, e provavelmente com a irradiação psico-espiritual da Unidade e Divindade que realizara, e poderia transmitir aos que acreditando nele se abrissem ao que em si  brilhava. Consta que a mulher de Pilatos era mais sensível a tal aura, o que é natural pois a mulher é em geral mais sensitiva, estrutural e psiquicamente, dentro da lei cósmica da polaridade. Dessa realização da Veritas, Satya, Aletheia algo transmitido foi em testamento aos que se reunissem em seu Nome, que além de Iesus, é o de Espírito, Verdade e a Vida, isto é, o Amor Sábio e Justo provindo do coração do Espírito e da Divindade.
Já Gautama, o Buddha, o iluminado,  acentuou na procura da Verdade o Caminho do Meio, como um processo de libertação  da ignorância, do desejo e do sofrimento e vivido num posicionamento ora activo ora introspectivo correcto, desprendido, sem ego conflituoso antes dialogante, perspectivante, compassivo, e que tipificou ainda como um óctuplo Caminho nobre.
                                   
A tradição indiana yoguica, que o nutrira antes de ele fundar a sua religião, sempre valorizou muito a Verdade, Satya, repudiando a mentira, a falsidade, a hipocrisia e caracterizando mesmo o núcleo essencial do ser humano como Sat, Chit, Ananda, Ser Verdadeiro, Consciência pura e Beatitude, mais cognoscível por quem estuda, se disciplina, é justo e aspira a tal unificação.
Poderemos então admitir que a Verdade Absoluta é primacial ou primordialmente o Divino Ser-Consciência-Felicidade, numa grandeza que nos ultrapassa, e depois a Consciência, a Vida cósmica e o Amor sábio divino que subjazem tudo e todos, aqui e acolá aflorando mais. Ao nível humano e relativo, a Verdade é também a unificação harmoniosa do que é e se conhece e se ama e se faz, cada um de nós sentindo ou vivendo, mais ou menos, tal vera Unidade,  e assim se aproximando ou desviando mais dela.
A Verdade em si mesma na imensidade do tempo e do espaço é  algo de tão infinito, incomensurável e  transcendente que apenas é acessível parcialmente em experiências imanentes místicas ou de expansão de consciência, pelo que deveremos acolher e trabalhar bem, com sabedoria e amor e assim nos qualificando, os aspectos manifestados na realidade física, energética e psíquica e que nos desafiam ao sim e ao não, à verdade e à mentira, à dispersão ou à unificação anímica. 
Tais desafios ou testes, se são bem resolvidos ou respondidos, permitirão intuir e sentir, conhecer, amar e vivenciar mais a Verdade e a Unidade, o Amor e a Divindade.
Nesta vivência entramos ou estamos na Sabedoria-Amor, a qual é uma abertura a esse nivel subtil e elevado e que é potenciada pela relação da destilação interior da nossa experiência exterior com a arte de conseguirmos unir harmoniosamente o céu e a terra, o universal e o particular, os princípios e os factos, a teoria e a prática, o idealismo e o pragmatismo, o espírito e o corpo, o múltiplo e o essencial, nós e os outros, a pessoa e a família ou grupo, o eu e o tu, o anjo ou o mestre e cada um de nós.
A Verdade  subjaz e circula em toda a parte e sobretudo está mais manifesta psíquica e humanamente em cada ser que a admite e se abre a ela, e a acende no seu coração como chama da aspiração-realização-irradiação. E tenta relacionar-se correctamente com as ideias, as energias, os seres, o sagrado. Os grandes seres, os mestres e sábios, serão os seres que mais plenamente a realizaram e a vivem...
Tal vivência da Verdade manifesta-se em geral num estado de amor e alegria interno e no aprofundamento da luz do discernimento, pois trabalha-se a visão espiritual dissipadora das ilusões e desenvolve-se uma vida ecológica, ética e aprofundante das relações justas e até amorosas entre as partes na natureza, infelizmente ainda tão dilacerada, no Todo e na Unidade, no Infinito Divino...
Para aprofundar a consciência da Unidade, que é a Verdade, há então que expandir a consciência, fazendo-a sair de uma dependência corporal e personalística distorcedora (a concha fechada ou a coisificação, como dizia Leonardo Coimbra) e permitindo-lhe ser banhada pelas águas da inspiração e da intuição da Unidade e da Divindade, o que se alcança mais pela meditação e contemplação, visão e sonho,  artes e  esforços,  serenidade e  amor, abnegação e criatividade.
A Verdade, o Bem e o Belo foi e é uma trindade famosa filosófica, e nela somos chamados a cultivar o conhecimento, a ética e a estética ou beleza. E inegavelmente a Verdade está intimamente dependente de uma vivência ética e estética, se queremos vivenciar a sua plenitude libertadora. 
Maat, a palavra justa e verdadeira no Egipto, marcava essa coincidência entre o que se pensava e conhecia, sentia e amava e, finalmente, o que se fazia, dizia e vivenciava...
A busca da Verdade, e sobretudo do que deve ser o nosso agir, ou o que vai acontecer, leva muitas pessoas a entrarem em técnicas, saberes e mistagogias de adivinhação, em geral deixando-se explorar por intermediários semi-ignorantes, quando a melhor forma de nos alinharmos mais com a Verdade será sempre o silêncio meditativo e o alinhamento ou sintonização receptiva com o sub-campo unificado de energia-informação-consciência, ou corpo místico da Humanidade, que diz respeito a nós e ao nosso papel funcional e criativo nele. Sob a invocação dos mestres, dos anjos e da Divindade. E mais humanamente contribui também para a demanda feliz da Verdade  o diálogo com as pessoas afins e sábias, algo muito desenvolvido no Oriente com a ideia de sangha, comunidade, e satsanga, companhia da Verdade. Ou então os seus livros...
Sermos verdadeiros é então o caminho estreito ou árduo de não nos deixarmos submeter ou influenciar demasiado pela sociedade e os outros, a violência, a falsidade, e não trocarmos  a Verdade e a comunhão com Ela pela dispersão consumista, seja de notícias ou de bens, pois o mundo é regido demasiado pela oligarquia e tende a alienar as pessoas do que é mais fundamental ou verdadeiro em termos de valores e de práticas.  Sintonizemos então antes, com mais frequência, com o nosso génio e mundo interior e o que do mundo subtil, espiritual e ético do Cosmos, do Bem e da Divindade (adorada e acolhida seja) possa chegar a nós, e ser transmitido  criativa, sábia e amorosamente como centelhas, partículas, raios, flechas e palavras da Verdade...

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Deus, Al-Wadud, O que ama primordialmente; a fonte do Amor. Caligrafia sagrada do Islão.

O Amor da Divindade para os seres, Al-Wadud, O que ama originalmente e por excelência, é a flor primordial ou arquétipa, a fonte da beleza eterna e do amor. Pouquíssimo são porém os que conseguem aproximar-se de tal amor, senti-lo e respirar a sua força luminosa , manifestando-a depois nos seus actos, sentimentos e pensamentos...
        A Divindade, como a Geradora amorosa dos mundos e de seres, Al-Wadud, é para uns  maternal e envolvente, para outros um Sol ardente e arrebatante, ou raios e partículas circulantes, uma chama transfigurante, ou humanamente uma seta  disparada do coração, ou  a que trespassa esse órgão espiritual por excelência na ligação dos mundos. Que raios ou flechas desfere ele em ti?
O Amor do Ser Divino amante, Al-Wadud, é o centro da mandala do Cosmos, do Campo Unificado de Energia e Consciência, do Espírito  e ainda do corpo Místico dos que o invocam e meditam, adoram e amam... Tens tal Amor no teu centro? Trabalhas tal sentir e amar? Procuras comungar com este centro do Cosmos? Sabes perseverar e ressuscitar o amor divino no teu intimo, e seres assim verdadeiramente uma alma Fiel a Deus?
Al-Wadud, o Ser Divino Amoroso, é tão belo que atrai a si algumas das almas mais sensíveis, que se tornam os amigos ou amigas da Divindade, a qual sustenta o Cosmos, que significa um todo ordenado e belo, o que é sentido visto sobretudo pela intimidade e proximidade, nos círculos próximos dos que mais o amam e conhecem...
A grande maioria dos fiéis das religiões adoram a Deus quase que só corporalmente, ou quando estão  aflitos ou de acordo com hábitos, leis e ritos. Poucos são os que se conhecem a si próprios e  chegam ao seu espírito e corpo espiritual e aí se abrem ao Ser que é a fonte do Amor  e nos ama primordialmente, Al-Wadud, e se transformam nessa fornalha ardente, deixando para trás ou baixo a violência, a mentira, a intolerância, o medo.
Poucos são os amigos e amigas da Divindade e dos Seus nomes, atributos e faces, mas são eles que se constituem como colunas do Templo Divino que liga a Terra e o Céu...
Saudemos esta irmandade de amantes de Al-Wadud, a Divindade que nos ama e abramos-lhe o coração e o olho espiritual, no Amor Divino...

domingo, 24 de dezembro de 2017

Amor, o que é, donde vem e para onde vai. Aproximações, reflexões, mistérios.

  Duas aproximações ao Amor, uma escrita no Outono-Inverno de 2017 e melhorada em 14-I-2019 e a outra improvisada, inspirada,  satsanguizada, na manhã de 24-XII-2017.
O que é o Amor?
É a irradiação mais íntima e profunda, elevada e abrangente de cada ser?
Brota naturalmente, requer o esforço ou nasce sobretudo da reciprocidade e da gratidão?
É a energia, vibração, som, força primordial, substancial e unitiva de toda vida?
É nos seres a atracção e apreciação geradora e afectiva, futurante ou frutificante?
É a capacidade ou faculdade mais valiosa  determinante na evolução do ser humano?
Tentemos sondar, aproximar, aprofundar esta qualidade ou força, ainda assim, apesar de tantos grande seres de amor ao longo dos séculos, tão limitada, ferida e sequestrada neste planeta...
Embora ultrapassando as capacidades cognitivas da mente limitada humana e de todas as suas ciências, podemos ousar dizer que a nascente, fonte e origem do Amor é a Divindade,  o Espírito Primordial...
É do Seu seio ardente abismal e inconceptualizável que a Divindade como Amor emanou a imensidade infinita dos seres e mundos e os une. 
 A Divindade é então Amor, beatitude, felicidade, em si e em nós...
E, certamente, invocarmos, sentirmos e intuirmos,   ou mesmo vermos e partilharmos algo Dela é já uma graça Divina e uma certa intensificação do fogo íntimo do Amor em nós, levando-nos ao senti-lo a dar graças à Divindade e partilhar as graças recebidas, através do diálogo,  escrita,  arte,  música,  canto,  acção...
Daí as Três Graças da Antiguidade: recebemos a graça do amor, partilhamos tal fogo da graça, darmos graças pela unidade da graça, e nesta dança da roda dialéctica, artística e amorosa, neste anel das graças, o Amor circula fortalecendo as essências, almas e uniões dos seres e coisas, das ideias e movimentos, ultrapassando distâncias e diferenças, obstáculos e conflitos...
O amor-gratidão é então um sentimento amoroso e unitivo que se deve cultivar, já que por ele comungamos com as Graças do mundo espiritual, intensificamo-las, alinhamo-nos e reentramos na corrente ascendente e interiorizante que nos religa à Divindade, à fonte do Amor.
A oração incessante, muito valorizada por alguns místicos e mestres, pode ser entendida como a simples mas íntima consciencialização da presença do amor vivo em nós e portanto da graça  divina. E logo o cuidado ou talento ou arte da sustentação da correnteza do amor grato e benfazejo no nosso ser interior e coração e irradiando...
                   
Coração de carne e sangue mas sobretudo psíquico e
espiritual, na zona do peito, subtil filigrana de irradiações douradas e rosadas, coração do nosso coração, alma da nossa alma, sir e-sir, lhe chamavam os místicos persas...
E pode-se, para quem gosta de exercícios ou práticas de aprofundamento, por exemplo, fechar os olhos, juntar as mãos diante do centro subtil da garganta ou do coração e afirmar, meditando: «Eu invoco  a graça do Amor Divino e partilho-a nesta corrente de luz amorosa e calorosa», até enviando-a ou direccionando-a até para esta ou aquela pessoa ou local.
Mas será mesmo o Amor a força substancial e unitiva de toda a vida, o substracto subtil omnipenetrante e supra-coroante?
Embora tal nível escape à mente limitada e à ciência moderna, é natural que a emanação subtil criadora da Divindade, que se torna a sua infinita túnica e tessitura de intencionalidade unitiva amorosa, seja o fundamento da manifestação e o catalizador da dança da atracção e interacção dos seres nas polaridades complementares,  e seja a vera providência divina com os seus agentes próprios, tais os Anjos e demais espíritos subtis e celestiais, mais vibrantes e conscientes de tal fogo interior que os anima e que eles derramam e comunicam. Daí que a nossa tenção ou talento comunicativo com os anjos tenha de estar nessa afinidade ígnea amorosa...
O amor é então a força divina primordial, supra-pessoal, cósmica, uma energia inteligente e previdente que prossegue os seus fins internos unitivos, mas que também pede de nós uma actualização pessoal, uma vibração psíquica, a qual é então vivida, cultivada e comungada por certos seres mais conscientemente.  E que se  consubstancia em partículas, ondas e raios que se transmitem e irradiam pelas intenções, pensamentos e actos, na unicidade da realidade ou existência.
Podemos dizer que a unidade da vida, a intercomunicação actualizadora entre todos os seres e partículas se apoia num espaço vibratório acolhedor do seu movimento, numa inteligência das partículas e dos seres para se associarem correctamente, amorosamente, com frutificações energéticas derivadas das afinidades conjuntas e intensificadoras delas próprias e das suas expansões, destinadas a despertarem espiritualmente e a sentirem mais o amor e a unidade, co-gerando a frutificação das potencialidades infinitas dos seres deste Cosmos Divino...
E como há muitas tonalidades e graus da energia do Amor, ou seja, de se querer fazer o Bem, o Belo e o Bom, tal é estimulado pela afinidade e complementaridade entre os seres, com tantos sub-campos ou níveis da vida na seara da Terra tão necessitados que o Amor os atinja e harmonize, ilumine e plenifique.
O Amor é também o nome que damos à mais forte ou poderosa ligação e união entre dois seres, a qual convoca então a energia mais profunda, unitiva e divina do Universo.
                           

Se cada pessoa tivesse em si mesma um barómetro ou termómetro do Amor seria muito bom, pois certamente evitaria muitas doenças ou dificuldades e estaria mais consciente do seu coração e irradiação, e não deixaria que tantas nuvens ou esmorecimentos a diminuíssem e a impedissem de realizar a sua missão, a sua realização espiritual, a sua ardência amorosa, qual um Sol...
 Sol que pode por vezes ser visto e sentido como a fonte donde vem o Amor para a Terra e daí a importância das adorações e comunhões solares, nem que seja ao nascer ou pôr do Sol, ou quando subitamente os seus raios brilham por entre as "nuvens e céus de Portugal"...
 Se cada ser conseguisse medir a emanação do seu coração e do seu ser mais íntimo para a Divindade, para outra pessoa, um livro,  uma causa, um animal, um objecto, uma leira de terra, uma árvores, esse poderia discernir melhor como está o amor nele,  quem ama e de que profundidade tal vem, com que força e talvez até com que durabilidade e perfectibilidade.
Mas sabe-se ainda pouco do que do amor sentido, enviado ou partilhado, se conserva ou acumula , subtilmente mas valiosamente e até quantificável, pois pouca gente ainda aprofunda a memória do amor e o descobre imperecível no santo Graal, ou centro íntimo do nosso coração...
O Amor,  sendo irradiação divina natural e supra-pessoal, assume contudo em geral no relacionamento humano duas faces ou fontes: o amante e o amado ou amada, e portanto a reciprocidade e eco, ou não, do amor. 
Quando há a reciprocidade podemos dizer que o Amor se espelha e se intensifica mais plenamente. Se não, embora haja amor de um, o facto do outro não gostar ou amar tanto, faz com que esse Amor como Unidade e circulação das três Graças não exista plenamente, havendo mais desejo e atracção, aspiração e dedicação, ou mesmo Amor, de um, mas sem a correspondência plenificante do outro...
Mas temos de admitir que amor em que está em alguém, que é um estado de ser e irradiação, ainda que não correspondido, pode ser muito intenso e persistente e ser ainda intensificado pela corrente divina do Amor que passa por tal alma, aproximando-a assim do Amor de dádiva incondicional, o tal invencível e imperecível...
Saibamos pois então mais fluir no Amor divino, no amor angélico, no amor humano, no amor da terra e seus seres subtis, animais e eco-sistemas, numa só corrente ígnea... 
Cremos que o amor  não é uma capacidade especial do ser humano, pois está já embrionária  na sensibilidade da vida vegetal, e podemos observar reacções de medo ou de amor nas plantas, bem como de preferências de proximidades, e está bem desenvolvida no reino animal, onde se observam tantos comportamentos afectivos ou  casos de grande carinho ou afinidade, mostrando bem que os afectos também existem neles, pelo que a tal podemos chamar também ou já Amor.
A luta pela ajuda do outro, o amor que leva alguns a sacrificar-se por outrem, não são comuns no reino animal e assinalam de facto uma capacidade humana mais desenvolvida, a de sentirmos o outro e valorizá-lo mais que nós, seja por noções morais ou éticas aprendidas, e com sacrifício assumidas, seja por natural espontaneidade comungativa-compassiva-sacrificial amorosa, seja pela existência de um espírito mais (do que nos animais) plenamente individualizado.
 Se admitirmos, contudo, que a Divindade é a fonte do Amor e que a sua inteligência e vida permeiam todo o Universo, não poderemos recusar aos animais sentirem e manifestarem o Amor, certamente com as suas limitações, comparados aos humanos...
O Amor incondicional, sobretudo presente nas mães para os filhos, é também bastante evidente na história humana. Mas poderemos falar de uma capacidade de Amor mais desenvolvida por elas? Parece bem que sim, seja pela capacidade geradora ou maternal, e logo educativa, seja pela sua misteriosa constituição anímico-espiritual, tão receptiva quão intuitiva e logo unitiva, amorosa.
 E no caso do amor espiritual, do amor devocional a Deus, que alguns seres desenvolvem mais, deveremos considerar tal também uma capacidade apurada da psique humana, a partir de uma relação do ser humano com o espírito, com os mestres, os anjos, os deuses ou formas divinas e a Divindade?
Em ambos os casos, maternais e devocionais, há como que uma intensificação energética do coração, e da energia nervosa, ou um alargamento e expansão da consciência, que deixa de se limitar apenas a si e se entrega, sacrifica, alonga, entusiasma no outro ou outros e são certamente fulgurações valiosas do amor, por entre tanto egoísmo e materialismo...
Também se pode cogitar que o Amor se desenvolve pela relação da mente e alma humana com a bênção ou graça Divina, que a inicia e reveste então de Amor, o fogo invencível da Unidade e da Verdade e que portanto incessantemente devemos meditar e orar, ou estarmos mais atentos ao íntimo do coração, para estarmos mais em Amor.
Mas será que tem de ser outra pessoa, mãe, mestre, amada-amado, anjo a despertar mais, ou a fazer sentir mais o Amor em nós, considerando-se que nós estamos num certo grau dele e que precisamos da relação para que outras pessoas intensifiquem tal chama e luz?
Ou podemos nós acender mais a chama do amor em si mesma, pelos nossos actos e meditações, transmitindo-a ou ainda dirigindo-a para certos seres e fins, humanos e divinos?
Ambos os casos, ambos os meios, convergem para o aumento da irradiação do coração espiritual, ou pelo menos para a consciencialização de tal. E se é no amor aos seres e pessoas que sentimos mais o Amor, também ele pode ser sentido com os animais ou mesmo com certas actividades, e por todos estes modos  aproximando-nos de um estado de amor mais permanentemente assumido, incessantemente...
                      

Daí em algumas pessoas aflorar algum tipo de mantra ou oração, que é o próprio coração a irradiar o amor em sentimento e palavra dinâmica, fazendo eco em almas afins e não só...
Sendo então o Amor uma energia omnipresente, potencialmente reconhecível ou sensível por todos, já que une os seres e as coisas, devemos intensificá-lo querendo o bem com persistência às pessoas, seres, coisas, causas, e logo pondo o amor em acção no que fazemos, pensamos e sentimos, deste modo irradiando mais o Amor e dinamizando assim a corrente amorosa da vida...
Resulta tal de uma decisão, de uma determinação de nos mantermos elevados e unificados mas trata-se também de uma sensibilidade consciencial profunda e unitiva consigo próprio e com o outro, certamente difícil de ser desenvolvida e que exige certa disciplina, atenção e trabalho purificador, que cerceie a nossa superficialidade consciencial egoísta e até violenta e que acolha antes a dimensão interior e até voz da consciência que parte do coração e que nos segreda ou impulsiona ao bem, tal como entre nós Antero de Quental tanto valorizou, nomeadamente nas cartas a Fernando Leal, e demandou.
                            
Em verdade, o Amor, ainda que provindo do interior de nós, do espírito e do cosmos solar e divino, é intensificado pela psique humana na sua actividade ou movimentação para algo ou alguém e é portanto um querer e um acreditar futurante benéfico para o que quer que seja, desde os dois aos muitos seres envolvidos no amor, projecto, causa e acção...
Não falarei agora do amor familiar, sanguíneo, que é natural, aquele "sangue do meu sangue", conforme dizem alguns
pais dos filhos, talvez podendo até dizer "almas da minha alma", família onde a genética convergência unitiva original faz brotar uma proximidade-afinidade de amor  natural e instintivo, não necessitando de determinação e esforço, pois há essa unidade de origens e afinidades e que se pode considerar tanto mais amorosa quanto mais na origem do acto fusional sexual o amor esteve presente, amor como acolhimento e entrega recíproca frutífera plena e futurante, o mistério do acto da união ou da geração como a correspondência amorosa humana do acto da fundação-emanação-criação Divina.
Interroguemos ainda o amor que as pessoas são, têm, ou podem desenvolver, mais ou menos, em si, sozinhas, na sua vida interior e anímica, tentando até compreendermos ou intuirmos que o amor se torna o criador e preservador do nosso corpo luminoso e perene
«Amo a Divindade, amo os Anjos, amo os Mestres, amo a Humanidade, amo a Natureza e as árvores, o Cosmos e as estrelas». 
 Será então possível que o amor em nós seja uma soma de todos estes valores-amores, e de renúncias dos "desamores",  donde vai resultando uma intensificação do Amor em nós, ou da consciencialização dele em nós, sem que contudo se possa falar de quantidades ou dimensões mas antes de uma qualidade direccionada, de uma irradiação, de uma abertura, seja do coração seja dum corpo espiritual desperto, luminoso, benfazejo por onde esse Amor passa mais...
Será então que a intensidade do nosso amor depende muito da consciência de que o Amor arde mais em nós, que somos Amor, que a nossa essência é uma centelha do Amor divino, e que estamos a criar um corpo de luz e de amor?
E que é pela vida justa e dialogante, a atenção, a meditação e contemplação, oração e adoração, sintonização e união amorosa, acção e irradiação abnegada que o Amor mais desperta, se afirma, cresce ou passa em nós?
Aproveitemos então o nosso escasso tempo para tentar diminuir o sofrimento, a ignorância e a alienação e tentemos estar e vivenciar mais o Amor, em nós e com os outros, na Natureza e no Cosmos com seus espíritos luminosos, e na Divindade. 
  Gravação, de 14 minutos.. Quem a quiser um dia passar a escrito, agradece-se muito...
                                 

sábado, 23 de dezembro de 2017

Antero de Quental, as Fadas e o "Tesouro Poético da Infância", seu livro para as crianças...

                                                   
Quando Antero de Quental publica no Porto em 1883 o seu contributo tão belo para a literatura infantil, o Tesouro Poético da Infância, ainda hoje tão recomendável, fá-lo pelas razões que explica nas dez páginas da advertência inicial, onde transmite a sua visão da educação infantil, concluindo-a assim: «Cuido ter proporcionado à infância uma leitura, que, sendo simples, não é fútil. Aqui encontrarão os tenros espíritos razão e belos sentimentos, sob uma forma dúctil e fácil, que lhos torne compreensíveis. A criança como o adulto precisa de ideal. Somente a criança sente-o e percebe-o por um modo seu - mas nem por isso o reclamam menos imperiosamente os seus instintos espirituais. Se as mães de família e os mestres inteligentes acolherem com favor este livrinho, aplaudir-me-ei por este pequeno serviço prestado à causa da educação.»
                                        
A escolha muito sensível dos poemas abrange uma parte significativa da literatura portuguesa, desde os romances medievais e populares quinhentistas (excluindo os poetas clássicos dos sécs. XVI ao XVIII) até à poesia do séc. XIX, dos seus amigos João de Deus, António de Azevedo Castelo Branco e Bulhão Pato, incluindo ainda muitos outros autores, tais como Luís Palmeirim, Soares dos Passos, António Feliciano Castilho, João de Lemos, Júlio Dinis, etc.
No meio dos poemas um porém se destaca, As Fadas, escrito por ele em Junho de 1880, provavelmente a partir da sua vivência de adopção  de duas crianças de tenra idade, no final de 1879, as filhas do seu grande amigo Germano Meireles, que partira para o outro mundo em 1877.
Serão assim a Beatriz e a Albertina quem Antero provavelmente quer iniciar como amiguinhas das fadas e podemos imaginá-lo a recitar-lhes o poema seja em Lisboa, onde ainda residiu com elas dois anos, seja em Vila do Conde, explicando-o nas respostas às perguntas que as duas pequenas lançariam, quem sabe com as suas mãos, algo carentes de contactos mais afectivos ou amorosos, acariciando as suas cabeças e entrançados cabelos.
Podem associar-se certos poemas a actos e momentos especiais, e há até casos disso célebres, tal a mítica emergência de Alberto Caeiro na mente de Fernando de Pessoa, escrevendo dum jacto, de pé, os vários (ou alguns, como depois se confirmou...) poemas do Guardador de Rebanhos.
Talvez este poema consagrado às Fadas provenha então de ambientes nocturnos e memórias insulares, ensaiado e gerado em algumas narrações de histórias de fadas que Antero terá lido ou mesmo inventado para adormecer as suas crianças.
Dizemos lido ou inventado pois, como bem contextualiza Ana Maria Almeida Martins na sua recente reedição na editora Tinta da China do poema As Fadas (acompanhada de um audio de João Grosso), Antero tinha na sua biblioteca uma mão cheia de livros de contos tradicionais e de fadas que lhe permitiram manusear esses tesouros da primordialidade humana e ler umas páginas, de uma história ou poema, às duas filhas adoptivas, quem sabe se encantadas também com a capas e as ilustrações dos livros. 
Escapam-nos, na evanescência dos acontecimentos não registados, as vezes que Antero (com a mulher de Germano Meireles que ainda viveu uns anos), terá tentado adormecer as crianças com poemas ou histórias e com que receptividade fecunda, isto é, onírica, elas receberam tais histórias, moldando-as nos sonhos e assim enriquecendo a sua lenta constituição anímica... 
 Com efeito, um traço que gostaríamos de realçar neste poema é a sua intencionalidade onírica, sonhadora, imaginativa, já que o poema introduz seres, paisagens ou ambientes, e em reacções que se prestam bem a ser imaginadas ou mesmo sonhadas, que vão encaminhando a alma de quem o lê para uma capacidade de entrar nesse mundo mágico, e até assumir, dessas entidades subtis, ou oníricas ou imaginadas, os dons que uma pessoa queira ou mereça, entre os quais o último apresentado, considerado como o melhor, o de adormecer, tem a marca pessoal de Antero que frequentemente bem desejou e que, provavelmente mais do que pedir, terá tentado controlar..
 É importante realçarmos este adormecimento natural (e de realçar numa época em que tanta gente tem de tomar comprimidos para dormir, o que faz pessimamente ao sistema nervoso e mente) como porta libertadora em relação ao corpo ou à realidade quotidiana e como  entrada no mundo sagrado ou mágico dos contos, dos sonhos, das visões, dos seres invisíveis e misteriosos. 
De certo modo é um do s seres que sabem empunhar a varinha mágica, a vara de condão, por vezes bem iniciática (qual bordão-espada-caduceu), que encontramos na pintura portuguesa mais enigmática de sempre, a dos painéis quatrocentistas de Nuno Gonçalves, em que vemos o ser transfigurado, sagrado ou de outro mundo, que empunha a vara do poder em ouro e partilha seus dons ao centro da pintura e em duas faces ou cenas complementares.
    
Ora perante o mistério dos seres invisíveis e da fadas, da sua existência ou não, Antero de Quental, ao começar o poema, confessa-nos: «As Fadas? Eu creio nelas...»
Poderia ter dito eu sei que há fadas, se as tivesse visto, mas tal não aconteceu porque provavelmente nunca as viu em sonhos ou em visões através do seu olho espiritual.
E portanto o que vai fazer é invocá-las de dois modos, no primeiro, mais natural e pessoal, descreve as fadas como as pressente ou, quem sabe, intui por entre a natureza, a qual a notável anteriana Ana Almeida Martins vê até como a dos Açores e Ponta Delgada.
No segundo, seguindo os veios tradicionais, refere os nomes das fadas mais famosas e alude a uma das fontes clássicas da literatura medieval mais encantadora e luminosa, a dos contos ligados a Merlin, ao cancioneiro celta e britânico, passando deste modo para a memória e alma das crianças uma figura mítica europeia.
                                      
Mas quem é esse Merlin, terão perguntado as crianças e Antero provavelmente ter-se-á submetido a tal exigência clarificadora, transmitindo-lhes algumas ideias ou imagens acerca de tal misteriosa personagem, curiosamente, por Antero transformada em rei, algo que nos pode levar a interrogar: 
 Porque chamou ao mago Merlin rei, já que o rei era Artur? Por descuido não foi certamente, e portanto temos provavelmente só três hipóteses: ou não quis empregar a palavra de mago, feiticeiro, druida, sacerdote pagão, ou valorizou e aproximou à designação de reis magos do Oriente, ou então terá querido dizer que o rei era ele, pois tinha verdadeiramente o poder, a vara mágica e de condão...
Talvez esta última hipótese, e ainda por cima para crianças de tenra idade, seria a melhor para passar pela primeira vez a existência desse mago, druida, feiticeiro ou rei de si mesmo que sabia empunhar bem a varinha mágica, ou o bordão da sua vontade, conseguindo ter muitos poderes, tais como ver ao longe ou o futuro, enviar forças, deslocar-se subtilmente, conversar com os animais e as árvores, etc., algo que as fadas também conseguem nos seus mundos físicos subtis.
As cinco fadas nomeadas por Antero de Quental poderão ter sido também de algum modo explicadas ou contextualizadas às crianças de modos simples, mas certamente transmitindo-lhes alguns dos traços que Antero quis realçar, já no poema assinalados de certo modo:
Viviane, a das águas, e talvez não seja por acaso ser ela a abrir a presença das fadas nomeadas, pois as crianças e Antero contemplarão o mar todos os dias desde que instaladas em Vila do Conde, assinalando até Antero por carta o gáudio delas quando viram o mar pela primeira vez, e podendo nós considerar esta evocação uma iniciação marítima, uma sacralização do mar e da paisagem marítima para as crianças não recearem a borda do Oceano: "Viviana ama a espuma das ondas nos areais."  
Ora Viviane, de origens muito antigas associadas a capacidades visionárias e proféticas, tão ligadas ao culto das águas, tornar-se na mitologia medieval assumida literariamente  a Senhora do Lago, uma sacerdotisa da mítica ilha de Avalon (conhecida desde o séc. XII), em algumas versões medievais sendo a fada (já que noutras é Morgana) que entregou a espada Excalibur ao rei Artur para o tornar invencível, e que educou o valeroso cavaleiro Lancelot do Lago, conforme Chrétien de Troyes narra no seu ciclo das aventuras de Lancelot.
                                             
Depois segue-se Morgana, a fada da manhã no dizer de Antero, de origens muito antigas irlandesas e que no ciclo do rei Artur surge na Vida de Merlim, de Geoffrey de Monmouth, como uma das regentes  de Avalon, e uma curadora de corpos e almas. Mas na versão do ciclo da Vulgata (mais católico) e de Malory ela já é uma feiticeira sobrinha de Viviane, e por ela educada para sacerdotisa de Avalon, vindo a ter um filho do rei Artur. É apresentada por Antero de Quental como muito enganosa, introduzindo assim nas crianças a necessidade de cautela e prudência, pois nem tudo o que luz é ouro. Na pintura que publico, Morgan le Fay segura a espada mágica, ou Excalibur, que ela conseguiu tirar a Artur, para entregar ao seu namorado, e nestes episódios se terá baseado Antero para descrever à Beatriz e à Albertina a fada Morgana como má...
                                   
Depois apresenta a Melusine e a Titânia, ligando-as apenas a  flores, deixando para mais tarde a Beatriz e a Albertina poderem decifrar melhor a história dessas duas, entre as muitas fadas, mais conhecidas: Melusine representando o filão celta e francês das águas e das sereias, com tanto sucesso na história e nas artes, e Titânia, a rainha das fadas, mais ligada ao ar e às flores, e que é personagem de Shakespeare numa das suas peças mais conseguidas e iniciáticas, Sonho de uma Noite de Verão, tal como vemos em duas imagens, a primeira de John Simmons.
 
                                    
Este poema As Fadas configura-se na verdade tanto como iniciático, ao referir os seres subtis da natureza que só pela visão subtil espiritual podem ser avistados, como ecológico, ao apelar ao contacto mais íntimo e amoroso com a natureza e com as suas fontes, pedras, mar ou mesmo ambientes nocturnos e enluados.
A iniciação pelo contacto com a natureza e os seus pontos mais belos ou extraordinários faz parte da história da humanidade e ainda hoje em muitos povos se peregrina em certas ocasiões a tais locais, e vemo-lo Portugal em várias tradições populares, sobretudo ligadas à noite mais curta do ano, a de S. João.
O convite às crianças para procurarem,  encontrarem e verem com respeito, isto é com receptividade, as Fadas está bem afirmado por Antero, que explica mesmo que elas concedem vários bens ou dons, terminando com o de adormecer, algo bem valioso para ele que sofria de crónicas dificuldades de adormecimento, tal a força da mente e da sua lucidez, insónia que certamente derivava também da energia nervosa e da digestiva não equilibradas nem controladas, alimentando-se pouco e mal...
Este convite às crianças de penetrarem mais na Natureza e verem as Fadas tem contudo várias dimensões passivas e activas que explicitaremos assim:
Primeira, ao nível legendário e tradicional dos contos de Fadas, e que se lêem tal como estão nos seus ritmos encantatórios e que, entrando pelos ouvidos, transmitem as suas harmonias e forças na alma das crianças, recebendo estas inconscientemente tais imagens, ideias, nomes, sons, efeitos e ficando assim predispostas a reconhecerem ou aceitarem mais tarde os  seres e aspectos subtis da manifestação.
Segunda, os aspectos físicos da natureza descritos ou apresentados passam então a ser vistos e considerados como mágicos, como capazes de estimularem a nossa sensibilidade e contacto com as fadas e seus mundos maravilhosos, nascendo assim um incentivo a peregrinarmos mais até eles e a sermos tanto amantes da natureza como seres ecológicos, protectores dela.
Terceira, com tal convite a imaginação é estimulada a não ficar presa apenas na realidade visual ocular mas a admitir a existência de seres subtis, as fadas e as dríades, os gnomos e os silfos. E assim uma pessoa pode tanto imaginá-los, sonhá-los ou mesmo vê-los com a visão subtil e espiritual.
                                         
Será então que Antero de Quental queria que as crianças imaginassem ou sonhassem com as fadas, e logo pudessem dizer como ele: - Eu creio nas fadas?
Será que Antero queria mesmo que as crianças vissem com o olho espiritual, acordadas, as fadas e pudessem dizer: - Eu já vi as fadas e os duendes?
                                                                                                  
 
                                
Talvez, como pedagogo que sempre foi, e que na altura por causa das crianças mais  assumira,  e que o levara a ler e a apreciar a obra e os ensinamentos de Froebel, que realçam o valor da imaginação, da poesia, do conto tradicional na educação e primeira instrução das crianças, Antero tivesse apenas como objectivo esse desenvolvimento da imaginação  e não tanto a visão espiritual das fadas...
                                       
Contudo, para alguém que afirmara com força o dito grego “morrer é ser iniciado” algo que passou para os seus amigos, discípulos ou continuadores, tal Joaquim Araújo e Fernando Pessoa, que o repetem e meditam, certamente que esse ver mais plenamente, que a saída da alma do corpo físico permite, em geral, aquando da morte, pode também em vida ser conseguido, morrendo-se para as limitações dos cinco sentidos e abrindo-se as portas da imaginação ou da visão interior, no que pode ser uma verdadeira iniciação ao mundo subtil e até espiritual.
Algo mais corre no poema, além do Merlin como rei mago, iniciado e iniciador, pois as próprias fadas são muitas delas iniciadoras, tal como se conta nas suas histórias e se tem confirmado nas análises antropológicas e esotéricas a tal filão imemorial da sabedoria humana.
E que Antero de Quental segue esta linha iniciática, vemo-la não só no facto de enumerar alguns dos seus poderes psíquicos, ou ainda ao afirmar que as fadas podem tornar-se madrinhas das crianças... 
         
 Terão a Beatriz e a Albertina por sua vez pedido a Antero que desejavam ter a Morgana ou Titânia como madrinhas delas?
                                              
Escapam-nos esses belos e tocantes momentos da vida de Antero e das suas duas filhas adoptivas, mas o poder iniciático que o padrinho ou madrinha assume, frequentemente dando o nome a quem vai nascer, e na Índia sabemos que em certos casos tal nome era escolhido com certa clarividência energética, e depois apoiado com certos bens-presentes e ensinos  psíquicos ou espirituais, é afirmado por Antero de Quental de modo a que se crie um relação sensível e de maior confiança com os seres do mundo subtil que, quase equiparados a Anjos, podem então mais facilmente inspirar a jornada terrena das alminhas luminosas, nascidas frequentemente no meio de trevas sociais grandes...
«Por isso quem por estradas for de noite e vir as fadas mirando o céu, deve com jeito falar-lhes...», diz Antero às crianças e a nós, e este "com jeito falar" é logo a seguir ainda mais explicitado: "porque a fortuna da gente, está às vezes somente, numa palavra que diz. Por uma palavra engraçada, uma fada com quem passa e torna-o logo feliz". 
O que temos aqui senão uma iniciação órfica, tão afim de Bocage, de Antero ou de Pascoaes e Pessoa, ou seja, tal como Orfeu, que com o seu canto da lira e voz acalmava e deliciava os animais livres ou selvagens e fazia os próprios penedos e árvores sentirem e estremecerem, assim a pessoa que sabe pronunciar a palavra certa com amor, esse abre as portas do coração e da metamorfose benfazeja.
A criança que acredita ou vê as fadas, que as aceita  como madrinhas, essa leva a varinha de condão na mão e pelo seu poder interior, palavra e voz certa pode bafejar o mundo com o brilho divino da fraternidade amorosa entre todos os seres e coisas, algo que Antero sentia e desejava para a Humanidade, mais livre, justa e fraterna e que teorizou um pouco sob a designação de Panpsiquismo.
As Fadas é assim um poema iniciático para as crianças. Põe-nas em contacto com uma linha de força tradicional educativa e mítica milenária e com a existência dos seres subtis da Terra. E sobretudo impulsiona as crianças a assumirem a sua força de quererem o bem e agirem com imaginação e sabedoria para que tal se realize e implemente no mundo.
    AS FADAS

«As fadas… eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar…
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar…

Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Saem só ao escurecer…
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder…

O vestir… são tais riquezas,
Que rainhas, nem princesas
Nenhuma assim se vestiu!
Porque as riquezas das fadas
São sabidas, celebradas
Por toda a gente que as viu…

Quando a noite é clara e amena
E a lua vai mais serena,
Qualquer as pode espreitar,
Fazendo roda, ocupadas
Em dobar suas meadas
De ouro e de prata, ao luar.

O luar é os seus amores!
Sentadinhas entre as flores
Ficam-se horas sem fim,
Cantando suas cantigas,
Fiando suas estrigas,
Em roca de oiro e marfim.

Eu sei os nomes de algumas:
Viviana ama as espumas
Das ondas nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos baptizados reais.

Morgana é muito enganosa;
Às vezes, moça e formosa,
E outras, velha, a rir, a rir…
Ora festiva, ora grave,
E voa como uma ave,
Se a gente lhe quer bulir.

Titânia, por John Simmons..

Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,
Que dorme sobre um jasmim?
De cem outras, cuja glória
Enche as páginas da história
Dos reinos de el-rei Merlin?

Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem na mão
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão.

O que elas querem, num pronto,
Fez-se ali! parece um conto…
Mesmo de fadas… eu sei!
São condões, que dão à gente
Ou dinheiro reluzente
Ou joias, que nem um rei!

A mais pobre criancinha
Se quis ser sua madrinha,
Uma fada… ai, que feliz!
São palácios, num momento…
Beleza, que é um portento…
Riqueza, que nem se diz…

Ou então, prendas, talento,
Ciência, discernimento,
Graças, chiste, discrição…
Vê-se o pobre inocentinho
Feito um sábio, um adivinho,
Que aos mais sábios vai à mão!

Mas, com tudo isto, as fadas
São muito desconfiadas;
Quem as vê não há de rir,
Querem elas que as respeitem,
E não gostam que as espreitem,
Nem se lhes há de mentir.

Quem as ofende cautela!
A mais risonha, a mais bela,
Torna-se logo tão má,
Tão cruel, tão vingativa!
É inimiga agressiva,
É serpente que ali está!

E têm vinganças terríveis!
Semeiam coisas horríveis,
Que nascem logo no chão…
Línguas de fogo, que estalam!
Sapos com asas, que falam!
Um anão preto! um dragão!

Ou deitam sortes na gente…
O nariz faz-se serpente,
A dar pulos, a crescer…
É-se morcego ou veado…
E anda-se assim encantado,
Enquanto a fada quiser!

Por isso quem por estradas
For, de noite, e vir as fadas
Nos altos, mirando o céu,
Deve com jeito falar-lhes,
Muito cortês e tirar-lhes
Até ao chão o chapéu.

Porque a fortuna da gente
Está às vezes somente
Numa palavra que diz.
Por uma palavra, engraça
Uma fada com quem passa
E torna-o logo feliz.

Quantas vezes já deitado,
Mas sem sono, ainda acordado
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar…

O que seria? Um tesoiro?
Um reino? Um vestido de oiro?
Ou um leito de marfim?
Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?

Ou podia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos…
Ou então, saber voar!

Oh, se esta noite, sonhando,
Alguma fada, engraçando
Comigo (podia ser?)
Me tocasse co’a varinha
E fosse minha madrinha,
Mesmo a dormir, sem a ver…

E que amanhã acordasse
E me achasse… eu sei! me achasse
Feito um príncipe, um emir!…
Até já, imaginando,
Se estão meus olhos fechando…
Deixa-me já já dormir!»
Comunguemos então com a Natureza (não a deixemos arder, ou ser menosprezada, esventrada e explorada  por tantos gananciosos, insensíveis e irresponsáveis) e amemos mais tanto os seus eco-sistemas como os seus espíritos subtis e alegres...
Vivam mais reconhecidas as Fadas, náiades (nadadoras), ondinas, gnomos, dríades, sílfides e Anjos ou Devas...
Desenvolvamos a sensibilidade interior e o amor que nos abrem experiencialmente às dimensões e seres, seja subtis da Natureza mas sem nos prendermos em tais níveis, seja já e sobretudo espirituais, tais como os mestres, anjos e arcanjos, do Universo e da Divindade...