sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Antero de Quental e uma carta muito profunda a Jaime de Magalhães Lima, de 13-X-1886. Com vídeo.

Gravei em vídeo uma carta de Antero de Quental ao seu amigo Jaime de Magalhães Lima, datada de 13 de Outubro de 1886, por ser muito valiosa de ensinamentos. Tem a particularidade de ser a primeira carta conhecida de Antero para Magalhães Lima, assim se compreendendo melhor o início dela: «Meu caro Magalhães Lima. Consinta-me este tratamento familiar, e deixemos as Excelências para aqueles com quem não temos outra comunhão senão a de pertencermos à mesma sociedade em geral».  
Com efeito na correspondência de Antero, beneditinamente compilada pela Ana Almeida Martins, encontramos nove cartas (sendo a primeira, de 13-X-1886 e a última, bem dramática, também enviada de Vila do Conde, de 9-II-1891) dirigidas a Jaime de Magalhães Lima (em baixo, numa fotografia anos mais tarde. No vídeo pode-se ver uma invulgar fotografia dele, oferecida com dedicatória ao jornalista Avelino de Almeida, cuja biblioteca ao ser leiloada foi por mim catalogada.)  
                                              
Entre a primeira e a última carta sucedem-se sete sempre de elevado teor de ética, filosofia, espiritualidade, literatura, etc. Esperamos ler e comentar mais uma ou outra pois são verdadeiros cristais da Tradição Espiritual Portuguesa, senão atente-se a um extracto da segunda: «o que nos salva é a obediência cada vez maior às sugestões daquele demónio [daimon] interior (...) é a fé na espiritualidade latente mas fundamental do universo,  é o amor e a prática do bem, para tudo dizer numa palavra. É por isso que a melhor filosofia será sempre a que melhor auxiliar a compreensão e a prática da virtude». E da 3ª carta: «a justiça perfeita para com os outros chama-se caridade; a justiça perfeita para com nós próprios chama-se humildade».
Antes de partilhar a gravação da  1ª carta, de 13-X-1886, a Jaime de Magalhães Lima comentada por mim, transcrevamos então a última e bem dramática e que ainda hoje nos desafia a sermos melhores e mais despertos e activos pelo Bem da Humanidade:
 «Meu querido amigo. 
Vou exigir de si um sacrifício - não sei se será grande ou pequeno - mas sei que o fará. Preciso absolutamente de si no Porto durante seis meses. A Liga [Patriótica do Norte] vai naufragar por falta de um homem - o secretário-geral, tão único como o Presidente, senão mais. O Porto não o tem! Há quatro dias que penso nisso e já desesperava, quando me lembro do Jaime! O Jaime é o homem; é o único. Há-de vir. O que se vai passar em Portugal é seríssimo. Faça cada um o sacrifício no altar da Pátria. Eu sacrifico a minha saúde, que naufragará de todo no meio disto, e muito provavelmente o meu nome, que antes de seis meses estará manchado. Não importa. Quero sacrificar a vida, e morrerei contente se tiver vivido 6 meses ao menos da verdadeira vida de homem que é a da acção por uma grande causa. O Jaime fará também à Pátria e ao Bem o seu sacrifício. Venha.
Um abraço infinito do seu
Anthero»

Que bela carta, tão palpitante de vida e de idealismo: a Pátria e o Bem pedindo o  sacrifício e  quem sabe Antero de Quental antevendo até já a sua morte. Escrita algo profeticamente,  pois a Liga Patriótica do Norte desfez-se sem grandes resultados e Antero lá carregou mais uma desilusão. Mas que esperanças no Jaime, culminando no tão actual quão perene "abraço infinito", o qual agora, quando eventualmente o sentirmos e dissermos ou escrevermos, nos fará estarmos mais conscientes da Tradição Espiritual Portuguesa, e de Antero de Quental e Jaime de Magalhães Lima.
  Como foi a resposta participativa de Jaime de Magalhães Lima ainda tentaremos sondar melhor, mas no In-Memoriam de Antero, publicado em 1896, no seu contributo sob o título, Um Justo, confessa com beleza e profundidade no começo do artigo que «já longe da hora em que um desastre cruel roubou da vida o melhor dos meus mestres, desprendida das alucinações da saudade e dos desvairamentos da dor, a grandeza de Antero de Quental cresce e atinge aos meus olhos proporções que noutra atmosfera lhe desconhecia».
Embora desconheçamos a razão da não participação de Jaime de Magalhães Lima como secretário na Liga Patriótica do Norte, sabemos contudo que foram escolhidos dois secretários, Francisco Reis Santos e João de Ramos,  menos conhecidos que os já consagrados pensadores, nomeados relatores, Sampaio Bruno e Basílio Teles, ambos com fundas preocupações políticas e sociais. Contudo Jaime de Magalhães Lima seria um dos membros da Comissão executiva inicial, ao lado de outros amigos de Antero, como Luís de Magalhães e o conde de Resende.
Oiçamos então a gravação, que terminou por falta de espaço na memória da máquina, talvez um minuto antes do que deveria acontecer para dar por findo o comentário...  
https://youtu.be/UnhPP_n0Yxk
                       

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