quarta-feira, 12 de julho de 2017

Biografia de Erasmo de Roterdão, 2ª parte, por Pedro Teixeira da Mota.

                                 
                                              Biografia de ERASMO DE ROTERDÃO
                                            2ª parte, dos anos de 1505 a 1519.
No fim de 1505 Erasmo parte para Londres onde reencontra os seus pares Thomas More (que acabara de se casar), John Colet, que «fazia entrar Cristo na alma dos seus compatriotas por uma pregação constante e uma doutrina santa», Linacre, e outros. De realçar que Thomas More publica então a pequena tradução do latim para inglês da genial Vida de Pico della Mirandola (o mestre, com Marsilio Ficino, do pioneiro Humanismo florentino) a qual foi lida certamente por Erasmo. É nesta segunda visita que conhece o Arcebispo de Canterbury, William Warham, que se tornará um dos seus mais fiéis mecenas (nomeando-o pároco em Kent, e recebendo por isso um ordenado), Andrea Ammonio, que lhe prestará vários serviços, e o bispo John Fisher, presidente do Queen’s College e reitor da Universidade de Cambridge, sábio e místico.
Saint John Fisher, pois será martirizado em  22-VI-1535
Em Maio de 1506 regressa entusiasmado ao velho continente como preceptor de dois filhos de Battista Boerio, o médico genovês do rei Henrique VIII, encarregado de os levar para as Universidades de Pádua e Bolonha, podendo assim realizar a sua aspiração de conhecer tanto o berço da Igreja como do Humanismo, com os seus sábios e cardeais. Depois de passar em Paris dois meses, aonde entrega ao notável impressor Ascensio Badio várias traduções, poemas e mais adágios, atravessa Orleans e Lyon e entra em Itália onde é muito bem recebido, doutorando-se finalmente, após a provação escolástica da Sorbonne parisiense, em Teologia, a 4 de Outubro, na Universidade de Turim, e de lá seguindo para Bolonha.
Vê-se, porém, obrigado a refugiar-se em Florença, onde trabalhavam então Rafael, Leonardo da Vinci e Michelangelo, devido ao cerco e invasão de Bolonha pelos exércitos comandados pelo belicoso papa Júlio II, que governou a cristandade luxuosamente e com mão de ferro de 1503 a 1510, cobrando muitos impostos e vendendo muitas indulgências, causadoras de fermentos de revolta fatais. Acaba mesmo por assistir à entrada triunfal do papa na cidade cobiçada (como escreve algo criticamente numa carta a Busleiden: «o soberano pontífice Júlio combate, vence, triunfa, e por toda a parte Júlio age»), e reside então em Bolonha treze meses, aprofundando o grego com Paolo Bombasio, professor na Universidade, recebendo do papa a dispensa de usar a veste eclesiástica e de cumprir certas obrigações monásticas.
Uma das impressões de Aldo Manuzio, com a sua marca de impressor, Festina lenta, apressa-te lentamente
Liberto das obrigações do preceptorado, entra finalmente em Veneza, o ponto de maior encontro entre a Grécia e a Itália, e trabalha oito meses com o maior impressor humanista da época Aldo Manuzio Pio Romano (o dinamizador da passagem dos caracteres góticos para os caracteres cursivo e itálico, o pioneiro da publicação dos clássicos gregos), numa sábia companhia (a Neakademia, cerca de trinta pessoas, entre os quais se destacavam Lascaris, Marcus Musurus, Doucas e Aleandro) em que todos se comprometem a falar só em grego, com as multas a servirem para um banquete, filosófico. Publica então várias obras e traduções (Eurípedes, Terêncio, Plutarco), destacando-se em Setembro de 1508 a edição dos Adágios, que passa dos 800 a 3.260 (graças a tal milícia helenista, e que chegará às 4.151 entradas ou adágios, nos últimos anos da sua vida), tornando-se um verdadeiro manual da sabedoria, para se agir melhor e mais luminosamente no mundo.
Aldo Manuzio de negro, pintado por Bernardino Loschi
Após esses nove meses de trabalho inolvidável com Aldo Manuzio (e com as suas filológica, estética e tipograficamente exigentes edições, conhecidas como as aldinas, com a marca de impressor  de uma âncora e um golfinho enlaçados, e o lema Festina lenta, “apressa-te lentamente” e que Erasmo explicará como a união do círculo da eternidade, a ancora da controle e lentidão e o golfinho da agilidade do movimento), parte para Pádua, onde convive mais estreitamente com o helenista grego Marcus Musurus, denominando Pádua como «o mais rico armazém de instrução que há no mundo». Torna-se preceptor de Alexander Stuart, o príncipe escocês de 18 anos, filho natural do rei católico da Escócia James IV. E, depois de umas passagens por Siena e Ferrara, em Março de 1509, respira pela primeira vez as energias de Roma, que o encanta pelos aspectos culturais, monumentais, conviviais e ensolarados, e o desgosta pelo carácter bélico e luxuoso do Papado.
Convive com humanistas como Pietro Bembo e vários cardeais, entre os quais o geral dos Agostinhos, hebraista e cabalista, Egidio da Viterbo, o bibliotecário da Biblioteca Vaticana, Tommaso Inghirami, e o seu sucessor Filipo Beroaldo, os cardeais Raffaelo Riario (talvez aquele com quem mais afinidades sentira) e Domenico Grimani (com a sua biblioteca de 8.000 volumes, vários deles provenientes de Pico della Mirandola), o qual o tentam reter como secretário ou investigador, e Giovanni de Medici, o futuro papa Leão X, clarificando-se mais no seu ânimo o que deveria ser a religião verdadeira, a combinação da sabedoria e sobriedade antigas com a essência do cristianismo, e como a poderá transmitir aos seus contemporâneos e vindouros.
Vai ainda buscar Alexander Stuart, o príncipe escocês, a Siena, introduzindo-o em Roma, seguindo depois ambos para Nápoles, onde visitam a lendária gruta da Sibila de Cumas, uma sobrevivência, até algo santificada, de uma actividade ou mesmo de uma instituição religiosa pagã, as Sibilas. Foi este jovem príncipe, então de 18 anos, que ofereceu a Erasmo um anel de cornalina com uma face de um deus barbudo, seja Dionísio, seja o deus Terminus, que era tanto o da morte (implacável com todos) como o dos limites territoriais fixos e invioláveis, e cujo lema Concedo nulli, Não concedo (obedeço, ou curvo) a ninguém, será adoptado por Erasmo, que manter-se-á firme, guiado pela sua estrela divina, ou a filosofia de Cristo, face aos atractivos algo luxuosos da vida na “cidade eterna” e da valorização excessiva do paganismo e da elegância da língua latina, denominada, por referência a um dos seus maiores cultores, o Ciceronianismo. Numa explicação posterior, Erasmo atribuirá a frase à própria morte e sabemos como ele sempre lutou pela criatividade máxima enquanto vivo.
Se na Idade Média, e mesmo no Renascimento, os quarenta anos poderiam considerar-se a entrada quase na velhice, como aliás escrevera então num poema, ao atravessar rumo a Itália a majestosa cordilheira dos Alpes, após esse contacto com as fontes humanistas e cristãs da península Itálica, parece que ganhou forças para entrar ascendentemente na maturidade, preparando-se para exercer o seu magistério por toda a Europa, pelos estudos e livros, viagens, convívios e correspondência epistolar, a qual despertará e orientará tantos europeus para a via do conhecimento Humanista, aquela que une a sabedoria antiga e profana com o espírito e o ensinamento de Jesus, a filosofia de Cristo.
Convidado a voltar, pelas promessas dos seus amigos, a Inglaterra, atravessa a cavalo os Alpes, congeminando o Elogio da Loucura (talvez mesmo uma das forças germinantes que o impulsionaram a partir...), desce o rio Reno de barco a partir de Constança e chega aos Países Baixos, onde se demora uns dias. Depois, atravessa o canal da Mancha e no fim do ano de 1510 entra pela terceira vez em Inglaterra e é acolhido em casa do seu amigo Thomas More e de Jane Colt, em Bucklersbury, onde respira e desfruta de um ambiente familiar encantador, com as filhas e o filho que aprendiam não só o latim como o grego.
Esboço da Thomas More e a sua família por Hans Holbein
Escreve então, em poucos dias, embora como produto de uma vida de atenta observação do mundo e de intensa reacção moral e espiritual ao que via, a obra-prima que o torna verdadeiramente popular, O Elogio da LoucuraMoriae Encomium, dedicado a Thomas More, na linha das peças de Aristófanes e das sátiras de Luciano (que traduzira com More), e das tradições medievais das Festas, e das Barcas ou Naves dos Loucos (que encontramos em Gil Vicente, bem pre-erasmiano nas suas ideias), através do qual mostra os vícios e falsidades mundanas, num ataque bem-humorado ao que se opunha ao Humanismo e à transformação pedagógica, filosófica e espiritual, plenificadora ou simplificadora dos seres, e que provinha principalmente da ignorância e inconsciência, amor-próprio, vaidade e ambição, superstição e estultícia da maior parte dos tipos de acção e de vidas. E em todos os géneros de pessoas, desde os papas e bispos (tão distantes de uma imitação de Jesus...), aos poderosos reis, príncipes e cortesãos, passando pelos filósofos e gramáticos e chegando aos seres mais simples, destacando ainda nesta visitação da galeria humana os frades ignorantes, bárbaros e charlatães, e os teólogos ora enredados nas distinções e sentença das suas argúcias escolásticas, ora pretendendo esclarecer todas as questões mais subtis e misteriosas das Escrituras, ora distorcendo-as e manipulando-as nas múltiplas interpretações retóricas.
Elogio da Estultícia que é também uma apologia da educação liberal generalizada, da higiene, da lucidez, da tolerância, e sobretudo do discernimento entre o verdadeiro e o falso, o valioso e as aparências, com o consequente domínio dos instintos e das paixões, que são de facto também a fonte do desejo e da vontade do bem. Elogio ainda do culto interior, da verdadeira piedade ou devoção, despida de cerimonialismos (tão patentes nos funerais ou ofertas) ou aprofundando interior e vivencialmente o simbolismo deles (tal na Eucaristia, onde morremos para as nossas paixões e vícios e ressuscitamos com Cristo, o amor sabedoria), livre de superstições (como as indulgências ou certas orações miraculosas e devoções a santos). Piedade douta fortalecida ainda pela cultura e a metanóia ou transformação interior, e que manifestada nas qualidades e virtudes anímicas se pode erguer mesmo, pela oração, pela meditação, pela contemplação, pela escrita, na exaltação e furor poético, amoroso ou religioso, em que ocorre ou brota o êxtase, o rapto, o excesso e alargamento intensificado da mente, a estupefacção e admiração perante as maravilhas espirituais e divinas, o que para os carnais ou profanos é loucura.
É o renascimento de alguns dos grandes valores da civilização Europeia, tais como o amor e a sabedoria, a simplicidade e a liberdade, e que graças à pena, à impressão tipográfica e ao livro chegam a toda a parte no pensamento crítico, livre e libertador do Humanismo.
No fim da obra, depois de provar como todo o cristianismo está cheio de loucura, tão apregoada por S. Paulo, e como ela, enquanto ignorância, é até fonte de misericórdia divina, ergue um hino quase extático à Sabedoria Divina em nós, que é loucura para a sabedoria humana, mas que abre os olhos da alma e a inspira à contemplação do mundo espiritual, da Divindade e do Amor divino.
Hino ao amor que no ser piedoso se identifica com o ser amado, saindo assim de si para o espírito e depois para a mente suprema e omnipotente, realização contemplativa esta que é mais evidente nos estados de graça ou de loucura sábia com que são abençoados os pobres de espírito, os puros de coração, os que se abrem verdadeiramente ao Espírito, ao Amor, tal como os amantes e os místicos ou piedosos, nível em que coroa ou dá o termino do livro. A obra, que começara com uma crítica forte aos defeitos e vícios humanos termina, com a indicação do caminho da loucura divina, da libertação do homem, das cadeias da ignorância e do corpo e da cegueira espiritual, para os estados unitivos com Deus, pelas obras de misericórdia, pela ascese, pela meditação e pelo amor, acessíveis a todos. 
Será publicada com enorme sucesso, primeiro em Paris, por Gilles de Gourmont e Jehan Petit (sem data, mas certamente em 1511), seguindo-se em Agosto de 1511, em Estrasburgo, a edição de Matthew Scheurer, enriquecida com um poema muito significativo, quase que de transmissão de poder, de Sebastian Brant, o autor da Barca dos Loucos. Em Janeiro de 1512 é publicado por Dirk Martens, em Antuérpia, e depois por Josse Bade, em Julho de 1512, de novo em Paris. Receberá importantes acrescentos, até 1516 (e será ainda alterada nas revisões de 1522 e 1532) mas, desde o final de 1514, surgem os ataques, desde Martin Dorp até Alberto Pio, príncipe de Carpi, que durarão toda a vida e aos quais Erasmo responderá certeiramente, ainda que previdentemente dedicara o Encomium Moriae a Thomas More, nomeando-o logo seu advogado, função que este exerceu bem serenamente em relação a Dorp, respondendo com engenho. Mas, apesar desses ataques, a obra como fonte de inspiração e exercício de lucidez, sairá invencível e terá milhares de traduções e imagens, bons  acolhimentos e imitações até aos nossos dias.
A loucura dos caçadores numa edição francesa do séc. XVIII.
Erasmo, entretanto, vai por uns meses a Paris, voltando em 24 de Agosto para Inglaterra, pela quarta vez, onde ensina, a convite de John Fisher, durante três anos no Queen’s College, de Cambridge, teologia e grego, aprofundando tal língua ao traduzir Plutarco, São Basílio e o Novo Testamento. Escreve ainda um diálogo satírico contra o belicoso Júlio II, Julius Exclusus, o Júlio excluído do paraíso, que circulará em manuscrito anonimamente, antes de ser publicado, ainda sem nome, uma dezena de anos mais tarde, e que é, para além de uma crítica ao luxo e imoralidade do papa, um verdadeiro manifesto do pacifismo ou, como se dizia do grego, irenismo.
John Colet...
Publica ainda em 1512, a pedido de John Colet, que fundava a escola da catedral de S. Paulo, um sintético tratado de orientação pedagógica, o De ratione studii, traduzível como o Plano ou ainda o Método de Estudos, fruto das lições dadas há anos em Paris (chegando mesmo a ser impresso sem a sua autorização em 1511), onde expõe uma metodologia de ensino do bem falar, pensar, escrever e viver, adaptada às especificidades dos alunos e baseada na leitura e explicação dos melhores autores antigos e actuais, germinante numa aproximação prática de escrita, primeiro imitativa logo depois criativa. Há claras influências da Institutio Oratoria de Quintiliano. De realçar os aspectos práticos do aconselhamento dos professores quanto aos conteúdos e planos das aulas. A obra, com os outros tratados pedagógicos, terá uma fortuna larga nas escolas inglesas e em muitas europeias, embora frequentemente sem o seu nome.
A guerra europeia, desencadeada de certo modo por Júlio II, força Erasmo a abandonar Inglaterra em Julho de 1514, onde contudo avançara bastante na tradução do Novo Testamento, e a regressar ao continente (sendo então vivamente saudado pelo pré-reformista francês Jacques Lefèvre d’Étaples, por «vir viver na Alemanha entre tipógrafos a fim de fazer beneficiar da sua maravilhosa cultura o maior número de leitores, tal como o Sol que derrama a sua resplandecente luz sobre todos»), passando por Estrasburgo, uma república democrática, onde é muito bem recebido num grupo de estudos humanistas, a sodalidade (sodalitas) de Schelettstadt, onde se destacavam Beatus Rhenanus, Paul Volz, Martin Bucer, Thomas Vogler e Sebastian Brant, o autor da Nave dos Loucos. Será uma paragem reconfortante (ainda hoje a funcionar, pois lá se encontra a casa-museu e biblioteca de Beatus Rhenanus), a caminho de Basileia, onde vai conhecer e entusiasmar-se com o outro grande impressor da época, Johann Froben (1460-1527), a quem morrera o sócio Johann Amerbach (1440-1513).
A casa-museu de Beatus Rhenanus, em Selestat, Alsácia francesa
O acolhimento é mais que caloroso, e é logo introduzido numa santa milícia humanista que durante anos fará brilhar Basileia e os prelos frobenianos, nela se destacando Beatus Rhenanus, que virá a ser o primeiro biógrafo de Erasmo, o teólogo universitário Ludwig Baer, por muitos anos conselheiro de Erasmo, o hebraísta Wolfgang Capito, Johannes Oecolampadius, o ardoroso Ulrich von Hutten e Pirckheimer, além dos artistas Hans Holbein e Albert Dürer. 
Beatos Rhenanus e a sua livraria casa-museu
As obras do sábio, e iniciado nos Mistérios gregos,  Plutarco e alguns textos de Séneca são editados e outros trabalhos manuscritos são entregues, antes de partir na Primavera para a famosa Feira internacional do Livro em Frankfurt (imagine-se a força que tal evento tem ainda hoje...), seguindo depois para Antuérpia, onde convive com Pierre Gilles, conforme Holbein retratará, chegando a Londres no princípio de 1515 em busca de mais manuscritos antigos do Novo Testamento, já que prepara com relativa pressa uma versão crítica moderna.
Erasmo e Pierre Gilles, retratados por Hans Holbein em 1516
Entretanto, em 11 de Março de 1513, o filho de Lorenzo, o Magnífico (1449-1492, o patrono do Humanismo florentino, também ele poeta), Giovanni de Medici, um cardeal humanista, fora eleito papa Leão X. Para Erasmo, a época é de grande esperança que os métodos mais científicos de análise textual e comparativismo sejam aplicados às Escrituras santas, e que a via da concórdia e da Paz reine entre os povos cristãos, conduzidos por um verdadeiro pastor e não um conquistador. Escreve a dois dos cardeais com quem sentiu mais afinidades durante a sua estadia em Roma, Rafael Riario e Domingos Grimani, mostrando o seu desejo de regressar à cidade eterna e colaborar na metanóia, ou seja, na transformação da barca cristã. E em 21 de Maio de 1515 envia ao papa uma carta, saudando-o como o pacificador e restaurador do verdadeiro Cristianismo, e oferecendo às suas bênçãos auspiciosas a edição das Obras completas de S. Jerónimo. A resposta do papa, de Julho de 1515, é positiva, aceitando os seus trabalhos, valorizando, contudo, mais a sua estadia na Inglaterra do que convidando-o a vir para a Itália.
Leão X, um papa florentino e humanista, um Medici.
A carta errará porém mais de um ano até chegar a Erasmo, que continuava em constantes viagens nos Países Baixos, em cidades como Antuérpia, Bruxelas, Burges, Lovaina e Anderlecht, com belos encontros e publicações (donde devemos assinalar as Obras completas de S. Jerónimo («um novo S. Jerónimo»), em nove volumes (quatro dos quais da responsabilidade de Erasmo), dedicadas a Leão X.
No começo de 1516, por sugestão do chanceler do Brabante Jean le Sauvage, Erasmo é nomeado conselheiro na corte do arquiduque Carlos de Habsburgo, o futuro imperador Carlos V, nesse mesmo ano já Carlos I, de Espanha, por morte de Fernando de Aragão, sem filhos. Dedica-lhe então o Institutio Principis Christiani, a Educação do Príncipe Cristão, que se tornará um modelo de educação moderna dos príncipes e governantes, sábios e piedosos, influenciando tanto a educação de vários príncipes como muitas obras de filosofia e moral política europeia e chegando mesmo à Índia dos imperadores mogóis por intermédio dos jesuítas ibéricos.
 Educação do Príncipe Cristão, baseada nos ditos dos sábios e políticos antigos, exprime as suas concepções doutrinárias do governo ideal, destacando-se as regras da honestidade e da honra, o assentimento das populações quanto às grandes decisões, a arbitragem internacional e pela Igreja dos diferendos, o valor primacial de uma boa educação geral e desde criança para se prevenirem muitos dos problemas sociais, a existência de menos leis possíveis, que sejam bem conhecidas de todos, e «que respondam ao arquétipo da honestidade e da equidade, sem outra intenção que o bem comum ser melhor prosseguido». Aliás «todas as leis devem dirigir-se sempre à utilidade pública, não segundo a opinião vulgar mas de acordo com o parâmetro da sabedoria».
Nesse mesmo ano tão fecundo e promissor de 1516, em que também Thomas More dava à luz essa obra-prima que é a Utopia, Erasmo publica finalmente uma versão fidedigna do Novo Testamento em grego, e a sua tradução latina, intitulada significativa e ousadamente Novum Instrumentum, a partir do estudo e tradução de vários manuscritos gregos do Novo Testamento, com o resultado de em muitos aspectos divergir («expusemos mais de 600 passagens que até hoje não tinham sido interpretadas perfeitamente pelos grandes teólogos») da edição oficial, a Vulgata. A obra é publicada com uma extensa dedicatória ao papa Leão X e dois substanciais prefácios intitulado Paraclesis, isto é, Exortação ao estudo da filosofia cristã, e o Methodo, onde exprime o desejo (como foi e é o de Jesus Cristo) que a sua mensagem seja lida, estudada e meditada por todos, do agricultor aos turcos, do pedreiro à meretriz e na língua que entendam, seja a francesa ou a indiana, pois é o espírito de Cristo que vive, respira e fala ainda nela, e por ele podemos renascer para uma vida sábia e piedosa.
A obra, inovadora, liberta dos erros e condicionalismos da versão corrente e assente num maior rigor de hermenêutica textual, ou seja, de estudo filológico e recuperação dos textos mais fidedignos em relação aos originais perdidos, acaba por receber críticas fortes de alguns religiosos, demasiado ortodoxos e farejando heresia tanto nas correcções à tradução do grego para latim da Vulgata como nas explicações e interpretações, muitas  elevadas a níveis mais alegóricos e espirituais, partilhadas nas extensas anotações.
Quanto aos importantes textos introdutórios, na Paraclesis explica que o seu objectivo é ressuscitar o ensinamento de Cristo, libertando-o dos túmulos das cerimónias, da escolástica, da teologia abstracta, para as ruas e para os corações das pessoas pois ele está vivo, respira, fala connosco no texto evangélico, mais do que nas estátuas ou imagens, talvez até mais eficazmente que se estivéssemos ao vivo com ele. Aí escreverá: «a filosofia de Cristo que o próprio Cristo chama um renascimento não é senão a restauração da natureza fundada boa». Já no Método da verdadeira Teologia recomenda tanto a purificação das ambições e vícios, que permitem a alma repousar e no espelho da consciência reflectir-se nitidamente a imagem da verdade eterna, como o estudo profundo e vivencial dos textos, onde Cristo vive e arde, de preferência conhecendo-se as línguas sagradas e aprofundando-se os três ou quatro sentidos de cada texto, o histórico, o tropológico, o alegórico, ou ainda o anagógico, ou seja, discernirmos com rigor tanto o sentido literal como o espiritual.
A um papa florentino naturalmente agradou, como aliás se diz que rira com o Elogio da Loucura, um Novo Testamento mais fidedigno, desempoeirado e interiorizado, pelo que enviou ao «Dilecto filho Erasmo de Roterdão, professor de teologia sagrada», uma carta e elogio «às suas lucubrações» que etimologicamente significam estudos à luz da vela «que o tinham deleitado intensamente», a qual passará nas edições posteriores do Novo Testamento a surgir na portada, talvez como bênção ou salvo-conduto de ortodoxia, bem necessária para a época que se avizinhava. E quando Erasmo pede para ser liberto de certas obrigações eclesiásticas, recebe do papa, em dois breves de Janeiro de 1517, a confirmação do apoio aos seus estudos e obras, para além da dispensa completa de ter de andar com o hábito de canónico regular agostinho e de outras obrigações eclesiásticas, que o impediam de receber, por ter sido um filho ilegítimo, certos benefícios.
John Colet
Desiderius Erasmus, no ponto máximo da sua produtividade e reconhecimento, numa época áurea da humanidade, sente-se finalmente livre para fazer circular a sua mensagem regeneradora ou revivificadora da religiosidade europeia, como lhe era reconhecido pelos mais ilustres pensadores cristãos da época, tal como John Colet (1467-1519), em Junho de 1516 numa carta, a propósito do Novo Testamento e das Paráfrases dos Evangelhos: «Compreendo o que escreveste a propósito do Novo Testamento; regozijo-me actualmente com a luz derramada pelo sol da tua inteligência, para além de admirar a tua fecundidade... Se deres o sentido das Escrituras, o que ninguém pode fazer melhor do que tu, farás um grande benefício à humanidade e tornarás o teu nome imortal...». Colet profetizava, pois as Paráfrases acabariam em 1545 de ser traduzidas em inglês e desde 1547 tornavam-se obrigatórias em todas as paróquias de Inglaterra.
Era verdadeiramente um ano luminoso, pois Thomas More, que se encontrava como embaixador nos Países Baixos, dera à luz a genial Utopia, em Lovaina, no impressor Thierry Maertens, graças aos cuidados de Pierre Gilles, um amigo muito prestável e acolhedor de Erasmo e que lhe publica no mesmo impressor a sua primeira recolha de cartas, que com o tempo muito crescerá, pois Erasmo alargava-se verdadeiramente na correspondência epistolar, um dos principais meios da circulação e apoio mútuo ideológico e afectivo na grande República das Letras (respublica litterarum), que funcionava graças ao latim e à ampla cultura comum aos humanistas e também graças à própria tipografia, que depois as divulgava, abrangendo dinâmica e crescentemente toda a Europa culta.
Na Utopia, o navegador português Rafael Hitlodeu (para alguns, uma máscara ou persona de More ou de Erasmo, embora a curiosidade e admiração pelos Descobrimentos portugueses existisse mais em Thomas More, que lera pelo menos as Quatuor Navigationes, de Américo Vespúcio e as relações de viagens e as cartas comerciais contidas no Itinerarium Portugallensium, literalmente presentes na Utopia, como nos nossos dias provou Luís de Matos), a partir de uma apreciação e crítica serena dos costumes e realidades dos estados de então, em especial da Inglaterra, propõe princípios e medidas, como o de que a virtude é uma vida ordenada de acordo com a natureza, a guerra é antinatural e nociva, ou ainda, que é melhor criar meios de vida para todos do que castigar os ladrões. A humanidade futura desenvolver-se-á assim melhor com a igualdade dos sexos na educação, a obrigatoriedade do trabalho, o desaparecimento do dinheiro e do capitalismo e um culto sereno, racional e livre da Divindade. 
Guillaume Budé e a sua principal obra: Da passagem do Helenismo ao Cristianismo.
A sua influência será enorme nas letras europeias, como reconhecerá desde logo o melhor helenista francês Guillaume Budé, autor da epístola prefácio para a segunda edição, de Paris: «uma cidade suspensa sobre o céu e por cima das torpezas humanas», ou o nosso historiador humanista João de Barros, assinalando na época a sua importância na pedagogia política. Anote-se a recente aparição (2006) em Portugal, graças ao empenho de José V. de Pina Martins (que escrevera antes uma Utopia III, actualizando a original) e de Aires do Nascimento, da primeira tradução (e muito bem introduzida por Pina Martins) do original latino de tão paradigmático quão perene ensaio do pensamento político, social , ético e espiritual da humanidade, publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Mas nem todas as personagens em acção na cena do pensamento europeu seguiam ou aceitavam os mesmos princípios de uma reforma pacífica, preparando-se antes algumas para quebrar a unidade, certamente frágil e com contradições, da cristandade. Em 31 de Outubro de 1517, o frade agostinho e doutor em teologia Martinho Lutero (1483-1546) afixa na igreja da corte de Wittenberg as 95 Teses acerca das virtudes das Indulgências, vendidas pela Igreja de Roma, levantando grande celeuma e iniciando-se o movimento da Reforma, uma luta contra certos aspectos da orientação doutrinal, governação prática e domínio dos cristãos pelos concílios e pela Cúria e Papado romano. Erasmo ao tomar conhecimento delas, envia-as para Thomas More em Inglaterra e afirmará que, à parte as considerações sobre o Purgatório, quase toda a gente concordava com a maioria delas.
Instalado desde Agosto de 1517, no Colégio Lys, em Lovaina, Erasmo não parara de viajar, enquanto preparava as suas edições dos antigos padres da Igreja, tentando trazer ao de cima e frutificar o que ele entendia ser a piedade sábia, a religião do espírito, transmitida por Jesus, contribuindo para tal com as suas animadas Paráfrases (ou comentários) às epístolas de S. Paulo e aos Evangelhos, dando-nos uma visão fresca e viva de Jesus («onde a palavra do céu vive e respira ainda»), acessível a todos (desde a mulher simples ao sarraceno), e baseada nas obras e doutrinações mais genuínas do cristianismo, como são as dos primeiros padres da Igreja.
Simultaneamente, trabalha na 2ª edição do Novo Testamento, já que a primeira tinha sido levado a cabo um pouco sob pressão e algumas correcções e anotações eram necessárias. Lembremos-nos que na edição do Novo Testamento, em grego e latim, mais de metade do espaço era ocupado pelas anotações de Erasmo. E responde a algumas críticas que lhe são dirigidas, quer a propósito dessa sua tradução, quer do caso de Johann Reuchlin, um humanista de valor (um dos poucos trilingues), estudioso da sabedoria pitagórica e da cabala  como fontes de aprofundamento dos arcanos do cristianismo e por isso fortemente atacado por alguns «homens obscuros», desde que publicara em 1494 em Basileia, na oficina de Amerbach e de Froben, o De Verbo Mirifico, acerca dos mistérios e poderes dos nomes e palavras sagradas, nomeadamente na língua hebraica.
Até a Portugal chegarão estas especulações de Reuchlin, não só referidas entre outros por Jorge Ferreira de Vasconcelos, no prefácio à sua Eufrosina, como por D. Francisco Manuel de Melo, no seu Tratado da Ciência Cabala, (só publicado em 1724), como visíveis na «perturbante marca tipográfica» quinhentista de Valentim Fernandes, conforme as investigações recentes dos especialistas do começo da tipografia portuguesa Artur Anselmo e Maria Valentina Sul Mendes, na qual, segundo a investigadora, o pentagrama ISVWH, unifica o nome de Jesus (IHSVH ou IHSUH) com o tetragrama do nome de Deus (IHVH), ao ser-lhe acrescentado a consonante S, que o torna pronunciável. Era a magia da Palavra mirífica, investigada por Ficino e Pico, Agripa e Reuchlin mas que Erasmo não considerará tão necessária, sobretudo com tanto cabalismo, para se chegar a uma vida piedosa, aquela da boa relação com o Divino e com os seres humanos, tal como aliás John Colet pensava também. Defenderá, todavia, Reuchlin que fora o autor (em 1506) do primeiro dicionário e da primeira gramática hebraica impressa, e consagrá-lo-á, após a sua morte inesperada, num dos Colóquios, intitulado a Apoteose de Capnion.
Quando em Agosto de 1517 morre em Bordéus, a caminho da península Ibérica, o seu amigo Jerónimo de Busleiden, conselheiro de Carlos V, humanista e mecenas, dele se dizendo que o seu «santuário (em Melines, onde recebera em 1515 Thomas More) estava aberto a todos os homens instruídos. Era lá que ele comunicava incessantemente com numerosos visitantes, animados como ele do amor sincero pelos bons estudos; era de lá que mantinha com Erasmo uma correspondência epistolar que era uma troca de visões elevadas e de projectos nobres», o quase sempre desprovido de meios Erasmo recebe um legado providencial para fundar um colégio trilingue.
O colégio seria um local dedicado ao estudo das boas ou belas letras, onde se ensinarão as três línguas indispensáveis aos estudos humanistas e religiosos, o hebreu, o grego e o latim. Até ao fim da sua vida Erasmo dedicará grande amor e diplomacia para manter viva esta instituição de avançada pedagogia e sábias intenções e que, apesar dos muitos ataques de alguns dos professores da Universidade de Lovaina, sobreviverá até ao séc. XVIII. Será em 1528 imitado na península ibérica com a fundação do Colégio Trilingue de San Ildefonso, associado à universidade Alcalá de Henares, por um grupo dinâmico de erasmistas, seguindo-se em Paris, o Collège de France, ainda hoje existente, o Corpus Christi em Cambridge, e ainda outro em Wittenberg, a capital da Saxónia.
    Para o colégio trilingue de Lovaina atrairá colaboradores notáveis, entre os quais Rescius e Konrad Goclenius (1485-1539), de quem dirá «o juízo de Goclenius é penetrante; seu saber, pouco comum; seu zelo, infatigável; seu espírito, de escol; suas maneiras, urbanas; sua palavra, exacta, e tem, além disso, a experiência das coisas da vida que falta, normalmente, aos homens dedicados ao estudo». Tanto um como outro enviarão ao longo dos anos jovens ou homens, para trabalharem e viverem com Erasmo, mestre exigente mas também afectivo, constituindo a sua família de ajudantes, os fâmulos, empregados, mensageiros e secretários, ascendendo depois muitos deles, graças a tal formação e protecção humanista, a postos importantes. E receberá também alguns 
O humanista português André de Resende conviverá com Rescius e Konrad, em 1528 e 1529, entrando no círculo dos erasmianos e ganhando forças para pregar uma partida na noite do solstício do Inverno de 1531 a um dos perseguidores de Erasmo, o legado papal Girolamo Aleandro. E assim representam, na Embaixada de Portugal, diante dele e do Imperador e a corte uma peça de Gil Vicente, o Jubileu dos Amores, com tantas críticas irónicas às indulgências e excomunhões que «todos riram tanto que parecia que todo o mundo se desfazia em júbilo. A mim contudo estalava-se o coração. Julgava achar-me dentro da Saxónia e ouvir Lutero ou estar no meio dos horrores do Saque de Roma». Assim escrevia uns dias depois ao papa descrevendo essa «sátira manifesta contra Roma, e punha os pontos nos ii (designando as coisas claramente): que de Roma e do papa não vinham senão traficâncias de indulgências...». Anote-se que a presença de Damião de Góis, grande amigo de Erasmo, a este evento poderá não ser alheia a algumas das perseguições de que será vítima posteriormente por parte dos jesuítas e dos mais ortodoxos.
Em Dezembro de 1517, a pedido da tendência pacifista (nomeadamente do chanceler Jean Le Sauvage) na corte de imperial, onde Erasmo é um conselheiro, publica no seu amigo Froben um tratado político em defesa da concórdia e da não-violência, a Querela Pacis undique gentium ejectae profligataeque, a Lamentação da Paz, onde condena a guerra, em especial entre os príncipes cristãos e o próprio papado, e desmascara as suas motivações ímpias, propondo vários meios de se a evitar e demonstrando como a Natureza, possuidora do sentido de paz e de harmonia, da pedra ao pessegueiro que se dá bem com a vinha, ou com «os golfinhos que se protegem com serviços recíprocos», predispôs para o amor e a unidade a Humanidade (que significa mútua boa vontade) mas que, corrompida  por paixões infames, acaba por utilizar mal «o poder racional e a intuição divina com que está presenteada». A paz dada por Cristo aos cristãos por quantos é mantida viva? E tal como no Elogio da Loucura, mostra-nos a Paz a discursar e a perguntar libertadoramente: «Não ensina a concórdia a oração do Senhor? Como podereis vós dizer Pai Nosso, se mergulhais o aço na garganta do vosso irmão?»
Em 1517 e 1518, as exigências de Roma de mais impostos, bem como a venda das indulgências (muitas vezes extorquidas), sob o pretexto de ser necessário mais dinheiro para as construções pontificais e para a luta contra os turcos, começam a incendiar os Estados Alemães e Erasmo não pode deixar de concordar que se trata de um embuste para sustentar a vida luxuosa da cúria romana, que «está a perder todo o pudor», chegando mesmo a dizer: «a dominação dos turcos será mais tolerável que a dos cristãos». Numa carta de 13 de Março de 1518 ao sábio Beatus Rhenanus, exclama lucidamente: «constato que chegamos de facto à tirania. O papa e os reis tomam o povo não como seres humanos mas como rebanhos que se compram». Assim à cupidez e à degenerescência dos costumes, da moral e do ânimo cristão assaca Erasmo as culpas da crescente contestação de Lutero.
Mas continua a trabalhar e publica a sua edição dos Colóquios, em 1518, corrigindo as não autorizadas anteriores, escreve o prefácio a uma nova edição do Manual do cavaleiro cristão e dá à luz em 1519 a 2ª edição do Novo Testamento, que de novo recebe os cumprimentos do papa, considerando-a «um elemento muito benfazejo para a teologia e a fé ortodoxa». Erasmus, contudo, não está contra muitas das teses de Lutero e muito menos apoia outras armas da Igreja que as da fé, da palavra e do exemplo, como aliás ensinavam os primeiros padres ou teólogos da Igreja, na esteira do caminho estreito de Jesus. O Deus dos cristãos não pode ser bélico. O Deus dos Exércitos, como se denominava no Antigo Testamento, é o das virtudes, as dunamei, as potências ou potestades angélicas. E quem é morto são os nossos defeitos. E quanto aos controversos cultos a Nossa Senhora e aos santos, que eles não sejam tanto por ritos exteriores e interesseiramente mas pela imitação das suas qualidades interiores.
Em 30 de Maio de 1519 a carta resposta de Erasmo, ao convite de Lutero para se unir a ele na Reforma, é negativa (embora tivesse escrito antes ao príncipe Frederico da Saxónia e ao Arcebispo de Mogúncia no sentido de o protegerem), pois a sua via é a dos estudos e da concórdia, privilegiando a paz na Igreja católica ou universal, denominando-se irenismo (do grego eirene, paz) a esta posição doutrinária, a partir da qual aconselha Lutero a pregar a doutrina evangélica com grande doçura e a seguir o diálogo pacífico. Por outro lado, exercendo o seu fino discernimento dos espíritos, não está certo nem fica convencido da inspiração divina de Lutero, nem dos métodos violentos empregados, pelo que recomenda ao impressor Froben não lhe editar as obras. E vai trabalhando em Lovaina, embora num ambiente cada vez mais difícil pelo extremar de posições, nas edições comentadas dos principais padres da Igreja.
Nesse mesmo ano de 1519, quando Huldrych Zwinglio o convida em nome da cidade de Zurique a estabelecer-se lá, responde com uma frase (traduzida em diversas versões...) que se tornará paradigmática da universalidade do humanista e espiritualista de outrora e de sempre: «Agradeço sumamente o teu afecto e o da tua cidade por mim. Desejo ser cidadão do mundo, imparcial com todos, ou mesmo mais sendo  um peregrino».                                              

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