segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Do Espírito santo, Ruh al-Qods, e do Graal, Jaam-e Jam, no Irão, e em nós.

                         
                     Nascer do Sol divino no Irão: em Teheran, Maio de 2014.
A Divindade, Ahura Madza (Resplendor Sábio), tal como era nomeada pelos Persas ou, se quisermos ainda, o Eu Divino interno, inspira estes pensamentos ao reformador religioso Zarathustra (Brilhante como o ouro), no fargad XVII, do livro sagrado Avesta:
“Poderás chamar verdadeiramente um ser sacerdotal (Atharva) a quem durante a noite interroga o Espírito de santidade, o Espírito que liberta da opressão ou angústia, que expande a alma e tornará feliz a passagem [seja em vida, seja à hora da morte] da ponte Chinvat; o que faz obter a vida, a pureza e os bens excelentes do Paraíso [plano de unidade divina, ou estado beatífico e unitivo]…
Interroga-me com um espírito recto ou vertical, Eu que sou o Ser Originador e que impulsiono o desenvolvimento, Eu, o Espírito da Sabedoria e que respondo de bom grado a quem me procura. Disto resultará um grande bem para ti e a tua sabedoria crescerá..."
(Avesta, tradução a partir da tradução de Harlez, t. II, p. 244.  1875).
                                                         
                                 Zarathustra ou Zoroastro sob as asas de Ahura Madza, capa de livro que trouxe    da Índia há muitos anos, após um diálogo com um dastur, religioso parsi ou zoroástrico.
Neste importante texto do Avesta, o livro sagrado mais antigo (II milénio A. C.) da tradição espiritual Iraniana ou Persa, podemos desde logo realçar a invocação primordial do Espírito, divino ou santo, e que tanta fortuna terá com o Cristianismo e sobretudo em Portugal com o culto do Divino Espírito santo. 
E também a indicação de que para se O merecer é fundamental a prática da oração e da meditação, em especial durante a noite, ora de modo interrogativo e silencioso ora de modo vocal ou cantante, disto resultando a harmonização psíquica e a expansão consciencial as quais nos libertam da identificações limitativas ao corpo físico, de modo a vivenciarmos mais o corpo anímico-espiritual e os psicomorfismos (as ideias-energias-fotismos-seres) que permitem ligação aos mundos e níveis superiores. 
Esta morte em vida, e saída do corpo conscientemente, ou em consciência espiritual, à hora da morte, provém então de um estado de consciência da alma mais desprendido e puro, fortalecido pela identificação espiritual e pela prática do Bem, os quais lhe permitem ascender aos planos elevados e subtis do Cosmos psico-espiritual, mais ou menos unida ao Divino em nós. 
Esta arte de morrer, ars moriendis, será muito realçada na Tradição Espiritual Perene e dela falaram entre nós Antero de Quental e Fernando Pessoa, nomeadamente quando citaram e poetizaram o dito grego: «morrer é ser iniciado»
A prática de oração mais prolongada assumiu posteriormente na Pérsia, com a chegada do Islão no séc. VII, a forma da repetição invocadora do nome atribuído à concepção islâmica de Deus, ou dos nomes dos seus atributos de Santidade, sendo denominada de Dhikr ou Zikr, em modalidades tais como Hu Allah ou Allah Hu, ("Ele, Deus"), ou a da famosa confissão ou credo islâmico, a Shahada, que se inicia assim: La ilaha illa’llah..., "Não há Deus senão Deus...", ou ainda o dos Awliya Allah (amigos de Deus) Anta Ana ("Eu sou Tu") e que, invocadas, pronunciadas e dedilhadas sentida e perseverantemente, podem ajudar a acalmarmos a dispersão mental seja a sentirmos o Espírito santo no corpo e alma do Fiel do Amor, que todos nós somos potencialmente. E logo a despertarmos mais Nele, ou a sentir a Unidade ou Unicidade Divina (Taw'id). Psicologicamente ou mais simplesmente estamos a acalmar a mente, a equilibrar os neurónios e a aproximar-nos dos segredos do coração (sir-e-qalb)...  
                            
                                 Inscrições no tecto de uma mesquita em Teerão. Maio de 2014.
Sabemos bem da existência destas práticas desde cedo no Cristianismo e nas outras religiões e, apenas para fazermos alguma ligação mais concreta com a Tradição Espiritual Ocidental, relembremos nos sécs. XIII e XIV o Ciclo do Graal, que tem até algumas raízes persas (mais visíveis no Parzival de Eschenbach), no qual, na versão de Chrétien de Troyes, observa-se o eremita da floresta ensinar a Perceval: «Suficientes nomes de Nosso Senhor/ Os mais poderosos e melhores/ que nomear ousa a boca do homem...» 
Uma síntese de várias filosofias e religiões, e em especial do Zoroastrismo, da Filosofia Grega, do Hermetismo de Alexandria e do Islão será desenvolvida pelo mestre iraniano Shihaboddin Yahya Sohrawardi (1151-1191, mártir às mãos de Saladino) que, dotado de grande capacidade meditativa e contemplativa, discernirá fundo ou alto na dimensão vertical do ser humano até à sua contra-parte angélica amada (Fravashi) e chegando, através dos mundos subtis e espirituais, até à Luz Primordial (Noor al Anwar), da qual tudo emana, e partilhará a sua visão e caminho de Ishraq, a Sabedoria Divina da Luz, ou Sabedoria Iluminativa Oriental, em concordância com a Tradição Perene (Hikmat al-Atiqah) subjacente às religiões, em especial a Zoroastrica e a Grega, e das quais ele se considerou um revivificador.
Sobre o Amor, Mahabbat, escreveu muito no Awari ul Ma'arif, tal como: ele é a inclinação do coração para considerar com mais atenção a beleza; ou o laço dos laços de concórdia que enlaça o amante ao amado ou amada.
                            Shahab_al-Din_Yahya_ibn_Habash_Suhrawardi e as auras e anjos....
Um dos outros místicos, dos séc. XII-XIII, iranianos, que mais fundo e alto realizou na Unidade transcendente do Ser e do Cosmos (Wahdat al-wojud) e na interioridade psico-espiritual, nomeadamente no discernimento das cores da Luz (Noor) e nas prodigiosas visões no olho espiritual, é Najm al-din Kubra (1145-1221), o qual nos transmite, por exemplo esta clarificação na demanda: "O Espírito Santo (Ruh al-Qods) no ser humano é um órgão subtil celestial. Quando lhe é fornecida, ou aumentada, a himma, a energia espiritual concentrada do coração, ele religa-se ao Céu e o Céu mergulha nele. E podemos dizer que o Céu e Espírito são o mesmo. Este Espírito está sempre a vibrar, a crescer, até atingir a nobreza celestial..."
                                     
                                              Do mundo físico ao subtil, espiritual e Divino
Este consciencialização da descida do céu ou do espírito em nós, por exemplo tão acentuado nos Cristãos da Índia pré-portuguesa nas suas formas de representar o Espírito santo, tal como os portugueses encontraram em Madras e noutras zonas já com núcleos cristãos ditos de S. Tomé, ou mesmo ou até a identificação do dito Espírito santo da 3ª pessoa da misteriosa Trindade ao funcionamento do espírito em nós (numa linha que aliás já Orígenes apontara), são muito fecundas para os Fiéis do Amor do Espírito...
De Nadjim Kubra é também o famoso dito: «O que se conhece a si próprio, conhece o seu Senhor» 
Ambos estes mestres valorizam muito a presença do Espírito, ou, como ainda designam, Eu Superior,  Natureza Perfeita, Testemunha no Céu, Amado interior, que cada um de nós tem ou é em si no seu nível mais elevado, e pelo qual está dotado do acesso ou é a Inteligência Agente, o qual é o mesmo que Espírito Santo, Ruh al-Qods... 
Sabermos então ser universalistas e verdadeiros cavaleiros e cavaleiras (Javânmard) do Espírito Santo, tal como os portugueses encontraram no séc. XVI na Índia nos Nairs cristãos, os quais Jorge Ferreira de Vasconcelos elogia no seu Memorial das proezas da segunda Távola Redonda, 1567, é sermos pelo nosso amor, destemor e devoção pólos ou árvores da vida entre a terra e o céu, pronunciando  os nomes sagrados e vivendo os ensinamentos da Tradição Perene, entre os quais realçamos neste texto (e nestes anos em que a cupidez imperialista norte-americana tanto os ameaça) os mestres da Pérsia ou Irão, do Zoroastrismo ao Irfan ou Ma'rifat, a sabedoria ou gnose Divina.
Possamos assim  acender mais o fogo do Amor Divino em nós e no Cosmos e sermos portadores do Santo Graal ou, tal como se expressou na tradição poética e espiritual Iraniana, da taça de Jamshid, que permitia a quem a contemplava ter certa omnisciência, e foi denominada Jaam-e Jam, em Persa, جام جم ou ainda ainda como Jam-e Jahan nama, Jam-e Jahan Ara... 
                                 
                     O imortal poeta Hafiz contempla o Jaam-e Jam, que várias vezes cantou...
Que saibamos também nós erguer-nos à contemplação da luz, à comunhão do amor e do Graal, à religação com os mestres e a Divindade em nós....

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