quarta-feira, 20 de abril de 2016

Fernando Pessoa, em auto-biografia....

Eis uma breve leitura de alguns dos textos autobiográficos mais significativos de Fernando Pessoa, gravada no vídeo reproduzido no final e agora um pouco contextualizados.
Escolhemos, lemos e gravamos dois registos dos diários do tempo juvenil e de estudante universitário, de 1907-8, e depois mencionei a sua ideia de missão, referida por exemplo nas cartas a Armando Cortes Rodrigues (1914), ou num texto de 21-XI-2014: «Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacão de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Génio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser».
                                  
Mencionei ainda as cartas a Mário de Sá Carneiro (1915) e à Tia Anica (24-VI-1916), da qual transcrevemos esta parte mais significativa e confessional: «Quando o Sá-Carneiro atravessava em Paris a grande crise mental, que o havia de levar ao suicídio, eu senti a crise aqui, caiu sobre mim uma súbita depressão vinda do exterior, que eu, ao momento, não consegui explicar-me. Esta forma de sensibilidade não tem tido continuação.
Guardo, porém, para o fim o detalhe mais interessante. É que estou desenvolvendo qualidades não só de médium escrevente, mas também de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam «a visão astral», e também a chamada «visão etérica». Tudo isto está muito em princípio, mas não admite dúvidas. É tudo, por enquanto, imperfeito e em certos momentos só, mas nesses momentos existe.
Há momentos, por exemplo, em que tenho perfeitamente alvoradas (?) de «visão etérica» — em que vejo a «aura magnética» de algumas pessoas, e, sobretudo, a minha ao espelho e, no escuro, irradiando-me das mãos. Não é alucinação porque o que eu vejo outros vêem-no, pelo menos, um outro, com qualidades destas mais desenvolvidas. Cheguei, num momento feliz de visão etérica, a ver na Brasileira do Rossio, de manhã, as costelas de um indivíduo através do fato e da pele . Isto é que é a visão etérica em seu pleno grau. Chegarei eu a tê-la realmente, isto é, mais nítida e sempre que quiser?
A «visão astral» está muito imperfeita. Mas às vezes, de noite, fecho os olhos e há uma sucessão de pequenos quadros, muito rápidos, muito nítidos (tão nítidos como qualquer cousa do mundo exterior). Há figuras estranhas, desenhos, sinais simbólicos, números (também já tenho visto números), etc.»
                             
Mencionámos ainda a explicação dada em 29/11/1920 a Ofélia Queiroz para justificar não continuar a namorá-la (embora nove anos depois reatem...), da qual transcremos a parte final:
«Não sei o que quer que lhe devolva — cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memória viva de um passado morto, como todos os passados; como alguma coisa de comovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos anos é par do progresso na infelicidade e na desilusão.
Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inútil.
Que isto de «outras afeições» e de «outros caminhos» é consigo, Ophelinha, e não comigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existência a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam.
Não é necessário que compreenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.»
E depois vamos até ao último ano de vida, para ler a parte final da sua nota biográfica de 30 de Março de 1935, seguida de uma carta explicativa do conteúdo da Mensagem, e de um texto sobre a sua posição de nacionalista e liberal.
Por fim, concluí com dois poemas da Mensagem que se me afiguram os mais autobiográficos: o Aviso Terceiro, e o final, Nevoeiro.
Tentei por um lado clarificar a confessionalidade ou mistagogia dos textos pseudo-biográficos, ou seja, se são verdadeiros ou se são formas mistificadores ou literárias, as quais, por exemplo, no Livro Desassossego abundam, e por outro realçar e partilhar o caminho espiritual de Fernando Pessoa, ainda hoje pouco claro para a maioria das pessoas e com razão tal a disparidade de leituras da sua vida e obra...

                         

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