sábado, 8 de agosto de 2015

Tarot VIII, a Justiça. Imagens arquétipas, símbolos energéticos, iniciações conscienciais...


  Podemos considerar a Justiça tanto  uma ideia-força inata (seja espiritual seja terrena) na Humanidade, compensadora do seu egoísmo individualista, como adquirida laboriosamente ao longo da história e brilhando mais dentro de algumas almas  que se destacaram na sua aspiração de vencerem o egoísmo e a violência, a preguiça e a cobardia, discernindo o que seria mais acertado para solucionar os conflitos. Tal capacidade de discernir o justiça ou a correcta proporcionalidade, nomeadamente de razões e direitos, culpas e méritos foi sendo valorizada no crescimento da sociabilidade e da reflexão filosófica e religiosa, e tida como uma  das melhores potencialidades humanas e de origem até divina, provinda do mundo espiritual e divino.
Foi então a Justiça corporizada em alguns Deuses e Deusas que se invocavam e cultuavam, seja porque no além administravam a justiça, ao pesarem e julgarem a vida das almas já libertas do corpo (em especial no Egipto, a deusa Maat), seja porque devia estar mais presente na vida, nas relações e cidades e, no fundo, estimular o discernimento do justo bem e diminuir o mal ou injusto, proporcionar legislação e sentenças adequadas e assim haver mais Harmonia e Felicidade, tanto no mundo terreno como nos subtis do além.
Ora, mais perto de nós, as concepções das deusas Themis e Nike, na Grécia, ou da Iustitia latina, bem representadas em estatuária bela,  contribuíram e entraram, nas cidades de Itália no dealbar do Renascimento, a par do ensinamento cristão das virtudes cardeais (Temperança, Prudência, Justiça, Fortaleza), na construção do programa ético, artístico e espiritual do Tarot, e mais concretamente deste arcano VIII, o da Justiça. A representação de uma venda, sobre os olhos da figura ou ser que a representava, indicava o não se deixar iludir por aparência e preferência e discernir a verdade justa para cada situação. A noção de Fado ou Destino foi surgindo também, seja como o funcionamento de uma lei de causalidade, o denominado karma na tradição indiana, seja como a existência de uma Ordem Cósmica, pois Cosmos significa em grego um todo ordenado e belo pelo Logos (razão-inteligência-palavra), em que todos deviam inserir-se, cumprindo até o swadharma, o seu próprio dever, o qual nos povos indo-europeus foi até bastante tipificado nas funções de governação, luta, religião, comércio e agricultura. Entre nós, nos tempos modernos, Fernando Pessoa cultivou bastante a  noção de Destino, Ananke, a que os próprios deuses estariam fatalmente submetidos, e com tal se relacionava o seu estudo de profecias e a inserção nessa corrente profética ou adivinhadora do poder dos astros e do supra-humano, como a Mensagem tanto manifesta, surgindo os diferentes heróis quase sempre sujeitos a influxos superiores a eles e que os condicionam fortemente.
Assim a carta ou arcano da Justiça e da Ética pede-nos, convida-nos ou impulsiona-nos a sermos autênticos, sinceros, verdadeiros e harmoniosos, a desenvolvermos sensibilidade e discernimento, para não nos deixarmos enganar nem manipular. Assim saberemos percepcionar as situações e realidades injustas, em nós e nos outros, e logo as evitar, desmascarar, obstaculizar e enfrentar as quais poderão deste modo serem corrigidas, melhoradas, transmutadas.  
Pede-nos este arcano para discriminarmos bem os actos e suas consequências, visíveis e invisíveis, não só na nossa vida mais ou menos justa, ou na dos outros, mas também no ambiente e seus seres e eco-sistemas, tão fragilizados no séc. XXI (nomeadamente com covinagem destrutiva e opressiva), pois os efeitos desdobram-se, infinitizam-se tanto no nível físico como nos níveis subtis energéticos, psíquicos e espirituais, no que se pode chamar tanto Gaia, a Mãe Terra, cada vez mais alterada e poluída, como na sua parte psíquica, a Anima Mundi, denominada ainda o Campo unificado de energia consciência informação.  Hoje em dia algo ou muito perturbado  pela contradições, manipulação e brainwashing incessante dos media e dos grandes poderes corporativos e do imperialismo anglo-saxónico, em grande força sobretudo devido ao mais recente conflito (contudo já desde 2014 a sangrar mais..) entre um governo desequilibrado da Ucrânia, apoiado nos Estados Unidos, a NATO, a UE e o grandes oligarcas do Fórum Económico Mundial, contra a Rússia, a qual se considera no direito justo de resgatar os russos-ucranianos e suas terras da opressão e mortandade a que estavam a ser sujeitos, tendo já conseguido a independência e reintegração de Donbas...
                                            
A imagem escolhida em todas as representações da Justiça, desde os primórdios quatrocentistas do Tarot, como a que vemos, é feminina, seja pelas deusas da Antiguidade associadas a ela, seja por a mulher ser inatamente menos egoísta e mais compassiva e generosa que o homem, estando constitucionalmente mais predisposta ao ideal ou mítico Amor incondicional, pela sua sensibilidade e estrutura mais receptiva e a potencialidade maternal.
Lembra-nos então que devemos ser e estar muito sensíveis ao que pensamos, julgamos e fazemos: tentarmos discernir a Verdade, o Bem, o Justo ou mesmo o Belo a partir do interior e do coração e em unidade e maternidade ou empatia com o que, ou quem, observamos, pressentindo ou intuindo ainda os possíveis efeitos, do que dissermos, fizermos ou do que decidirmos, nos outros seres e no Campo unificado de energia Consciência que a todos religa, a Anima Mundi, que já invocamos, de modo abertos e cooperando nela nos seus melhores níveis...
                                               
Para sermos justos temos de conseguir discernir e avaliar o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, a informação e a contra-informação, o essencial e o acessório, uma tarefa bem difícil nos nossos dias de excesso de informações contraditórias.  
Também as tendências de preferência ou repulsão, e qualidades como a liberalidade e a avareza, o ódio e o amor, a violência e a paz, o quente e o frio, o yin e o yang, que possam estar em nós ou em conflito, geram frequências vibratórias energéticas que devemos consciencializar-nos em cada situação e no vasto campo de ressonâncias de causas e efeitos que se nos deparam ou oferecem. 
Só depois devemos decidir e aplicar sábia e imparcialmente as conclusões do auto-inquérito e julgamento e, movidos pela aspiração e adesão à Verdade, à Justiça, ao Bem Comum, agirmos em conformidade, mesmo que isolados, ridicularizados ou  atacados, ...
A Justiça, no seu arcano, apela tanto a sabermos ligar como a cortar, a abençoar como a repelir ou eliminar, para que no nosso seio e peito brilhe um coração puro, firme e corajoso por onde viceja, circula e irradia o Amor. E para que na nossa alma as polaridades estejam equilibradas, activas e vivenciadas harmoniosamente de tal modo que pelo eixo interior circule a energia da decisão e acção justa bem como até a da impulsão e inspiração dos outros. Por fim, para que haja o resplendor do espírito ou da estrela no cimo de nós, atraindo as ligações e bênçãos superiores, que nos permitirão verdadeiramente ser justos com o que nos rodeia de um modo clarificador e libertador. 
Este posicionamento lúcido e alinhado harmoniosamente é muito necessário face ao estado geral  de tanta gente manipulando ou manipulada, desprezada ou vangloriosa, invejando ou invejada, perseguida ou oprimida, num mundo em que lei que  é aplicada a favor do mais forte, seja em armamentos, dinheiro, influências, aparências, corrupções...


                                                                   
O Arcanjo chamado S. Miguel, ao qual se atribuiu ingenuamente a pesagem das boas e más energias de uma pessoa ou do seu coração, e que vence as forças diabólicas ou do mal,  mais do que um ser e função é sobretudo uma imagem-ideia muito antiga vinda da Pérsia e do Egipto, nomeadamente com os psicopompos (examinadores e condutores de almas) que são tanto as Fravashis iranianas como o deus egípcio Anubis.
Já na Grécia, os Pitagóricos realçavam muito o exame de consciência, ou seja a meditação-comensuração, com efeitos de limpeza, clarificação e ordenamente na aura e permitindo uma maior axialização, interiorização e sintonização dela com o espírito e a anima mundi. Tal realizava-se em especial ao fim do dia, antes de deixarmos o corpo físico e entrarmos nos sonhos ou mesmo nos planos psico-espirituais, assim já mais harmonizados e leves...
E se invocarmos merecidamente a ajuda dos mestres e espíritos celestiais, ou de S. Miguel, ele ou a energia que lhe atribuímos e a dos seus símbolo, pode-nos acompanhar na alma e sono: assim a espada, lança e axialização (verticalização), defender-nos-á do que sentimos ser mal, e fortificar-nos-á no exercício da vontade de amar a Deus acima das coisas e seres, tal como o seu nome indica Mika-el, em latim Quid ut Deus, Quem é como a Divindade?, e logo ser mais o Amor divino em acção.

                                                                             
Um dos Trionfi ou Tarots mais antigos, senão mesmo o segundo mais antigo (cerca de 1460, manualmente, após o de Brambilla), o dos Visconti-Sforza, mostra bem a alma pesando os prós e os contras, com a espada pronta a decidir, a aplicar, a proferir a verdade, combinação que já vinha dos gregos. E num nível acima dela, coroada, um S. Jorge (hoje erradamente destituído da santidade, por se ter considerado mítico...) a cavalo, simbolizando o animus voluntarioso ou o Espírito divino, passa determinado e subtilmente, lembrando-nos que somos corpo, alma e espírito, e que é pela coerência integrada deles que se manifesta mais o que foi denominado na tradição cristã o Espírito Santo, o Espírito da Verdade, o fogo do Amor e da Justiça.
Daqui a tradição dos Cavaleiros do Amor, dos Fiéis do Amor, tão presente na Tradição Espiritual Portuguesa, nomeadamente em Damião de Góis, Camões, Jorge Ferreira de Vasconcelos, Faria e Sousa, Antero de Quental, este certamente um dos nossos pensadores e poetas mais interrogantes da Justiça e do Bem, sempre em demanda e partilhando a existência da Voz da Consciência, e mais activista em momentos chaves da sua curta vida, embora no Amor, passada a juventude e suas Primaveras Românticas, se tornasse algo ou mesmo bastante isolado e enfraquecido. Em 1866, escrevia algo perturbado a António Azevedo Castelo Branco:«O que há hoje sobretudo não é tanto a ignorância ou o erro, a infâmia ou a loucura: é a atrofia do coração junta à futilidade do ânimo. Quem cura da Justiça? Cada qual quer viver, gozar? Nós somos uns pobres doidos, maus e cruéis para nós mesmos, que nos comprazemos em destruir e soterrar todas as fontes de nossos bens. Sacrificamos amor, paz, doçura e sossego do coração a umas sublimes quimeras que só entre nós compreendemos e apreciamos. Não me queixo e menos desisto. Somente isto traz-me fraco, cansado, dolorido, perturbado de inteligência e coração como não sei dizer».

                                                             
A Justiça, no clássico Tarot de Marselha, mostra-nos que tanto ela é como uma face Feminina Divina em nós, como também que a mulher e a alma podem transmitir tal determinação justa e força interior que as torna seres do meio, eixos dos mundos, ao sentarem-se e estabilizarem-se entre as duas colunas da polaridade, harmonizando os polos contrários e encontrando ou trilhando o caminho do meio, o da observação desprendida ou imparcial do ser e do mundo e que nos leva a gerar pensamentos, sentimentos, decisões e actos justos, como tanto realçam os ensinamentos de Zoroastro e de Gauthama o Buddha, levando-nos assim para além da ignorância e do erro, da distração fútil e  sofrimento desnecessário, da maldade, opressão e ignorância para a luz da Verdade...
O colar dourado à volta do pescoço e do chakra da garganta lembra-nos das energias de verdade e luz que devem abundar nessa zona e da importância de sabermos calar, pois "o silêncio é de ouro", ou de como as palavras podem ferir ou curar e que, porque delas muitos males vêm ao mundo, devem ser bem medidas, provirem do coração e do fundo de nós mesmo e estando nós verdadeiramente alinhados e axializados com o Bem e a Verdade, pelo menos na aspiração e querer, quando as emitimos.
O duplo círculo na sua fronte assinala a importância do 3º olho, aquele que vê além das aparências e nos níveis arquétipos e espirituais, e que nas nossas meditações e contemplações, sonhos e visões nos pode oferecer imagens directas e essenciais (frequentemente simbólicas) do que nos envolve e do instável e relativo bem ou mal. De isto em geral pouco nos apercebemos pela nossa vida algo dispersa e agitada,  e tão inundada do "jornalixo" e suas narrativas oficiais, e portanto obscurecedora da limpeza transparência da visão interior e do seu acesso aos mundos distantes e subtis, e ao mundo espiritual e Divino.
                                              
Esta imagem da Justiça, no Littlefox Tarot, abstracta e por isso propulsionando-nos (ao ser contemplada como imagem-ícone-mandala-arcano) para um nível mais elevado e causal, mostra bem a criatividade que pode ser intuída e vivida em nós em termos das correspondências e lemniscatas do Macrocosmos e o Microcosmos patentes no símbolo e número 8, valorizado pelos antigos cavaleiros Templários, construtores na geometria sagrada e defensores na mística corajosa do coração e do graal e do Templo universal da Divindade.
Abertos à energia em espiral e em lemniscata proveniente da perenidade e infinidade, conscientes da movimentação entre os polos sol lua, masculino feminino, em nós e no mundo, eis-nos então na dança cósmica (Shiva-Shakti, Consciência-Energia) das ondas e partículas, na roda da vida dos elementos e polaridades, para artisticamente os sintonizarmos, relacionarmos e amarmos justa e verdadeiramente...
Seja então justo ou justa curativa e reintegradoramente, desde a sua intimidade e profundidade até a sua expansividade humana e infinidade espiritual...

                                           
O espírito da Justiça é em nós uma chama ardente que queima as ameaças e medos, não nos deixando ficar mal parados, cobardemente calados ou impassíveis, antes arrancando-nos da inércia e do medo, desnudando-nos do que não é essencial e fortificando-nos e concentrando-nos a partir do coração, elevando-nos na aspiração e comunhão à Verdade e ao Bem, à Divindade e Unidade, e assim  estimulando-nos ao ser, estar e agir justo.
A Justiça, Nike, é então em nós um psicomorfismo que, meditado e cultivado, nos ajuda a metamorfosear-nos  de modo a vencermos as violências e injustiças, tão presentes nos nossos dias não só em políticos  repressivos e anti-ecológicos, ou opressivos e imperialistas, como também nos gestores, empresas e meios de informação mais que corruptos e que tanto mal têm causado...
Ao sermos o mais justos possível, através de uma vida mais sã ambientalmente e da força da realização espiritual e do Amor, ou através das energias e espirais emanantes de luz e de unidade e da coragem e abnegação postas em acção, venceremos muitos defeitos e obstáculos e iremos  tecendo e fortificando, ora mais a sós ora a dois ou em pequenos grupos e famílias,  a grande unidade de almas de luz mais auto-conscientes na Anima Mundi, mais abertas aos mestres, grandes seres e suas qualidades, e aos espíritos celestiais e à Divindade, para que  Ela possa estar mais viva em nós...
Queira ser justo, medite em tal qualidade (sentindo-a até na sua respiração e energia subtil) e logo seja-o no seu modo de vida, cooperando de vários modos com seres e causas para que a verdadeira Realidade Justa ou dharmica, tão ferida, corrompida ou menosprezada por tantos interesses egoístas, sub-animais e cruéis, brilhe mais em nós e melhore as vidas e sociedades, no Cosmos multidimensional de origem divina...

2 comentários:

Luama Socio disse...

Temos refletido sobre a Justiça como um dos mistérios da nossa humanidade. Esse texto nos aponta vários aspectos desse mistério. O lugar do meio, como o lugar do próprio homem, o lugar do equilíbrio, é o segredo. Esse segredo esquecido, perdido como um tesouro não reconhecido nos ambientes das nossas cidades clamando justamente por este tesouro... e Pedro nos traz isso desde o Tarô, esse livro antiquíssimo, pleno de chaves. Obrigada por compartilhar sua leitura dessas chaves Pedro!

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas graças pelo seu sentir e discernir apurados e valiosos, Luama. Só agora a 8 de Novembro vejo o seu comentário e lhe respondo, infelizmente com tanta injustiça e mentira, opressão e violência a abaterem-se sobre as pessoas e os povos, do Yemen ao Brasil. Saibamos fortificar-nos e unir-nos na luta pela Justiça e a Verdade, a Cultura e o Amor, a não-violência (ahimsa) e a Fraternidade. Muita luz e força na sua criatividade!