quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Tarot VI. O Amor, os Amantes, os Enamorados, a União: imagens arquétipas, símbolos energéticos, iniciações conscienciais, em especial para o dia 6 de cada mês

                                          
Nuns dos mais antigos Tarots da Renascença italiana, a mátria deles, o de Visconti Sforza, desenhado cerca de 1450 para o duque de Milão Francesco Sforza, encontramos sinais para discernirmos melhor a provável origem da carta ou arcano VI: a representação simbólica de um encontro amoroso, dum começo de namoro e que poderá desaguar ou não numa união, casamento ou matrimónio, tal como se fazia entre os romanos através do acto consacralizador, com testemunhas ou padrinhos ao lado, de darem, juntarem ou jungirem (jug, raiz indo-europeia, yoga...) as mãos direitas, a dextrarum iunctio, também chamada conjunctio manuum, embora não saibamos bem com que grau de força unitiva apertavam e que mensagens, palavras e votos transmitiam e invocavam desse Amor omnipresente que várias cartas do Tarot apresentarão sob outras formas.
A esta aproximação e união de dois seres preside Eros, o misterioso  deus ou daimon, espírito intermediário entre a terra e o céu, tão valorizado na cosmogonia Órfica e por Sócrates e Platão, e que é tanto o Amor  Divino primordial no Cosmos como já no ser humano e que mais espiritualmente pode ser visto como o Anjo ou daimon de cada um. Ora na imagem do Tarot Sforza vemos um Eros ou Cupido de asas, um  Eros ou Amor jovem, ou o ser dotado da juventude eterna (o puer eternus, realçado por Carl G. Jung), de olhos vendados (donde virá o entre nós tão celebrado dito o Amor é cego), situado na linha axial que passa pelo meio do par e sobre um fontanário e sobre o qual brota uma planta viçosa, indicando assim ser o Amor a fonte da vida e da felicidade.
Também podemos ver na configuração no espaço das três personagens um Y invertido, manifestando assim uma ligação ao conhecido símbolo pitagórico do Y, que representa a bifurcação do caminho que nos desafia a sabermos escolher a via que leva ao alto. Este Y pitagórico teve uma fortuna grande ao longo dos séculos seja para assinalar a inserção na tradição pitagórica seja para nos dizer que volta e meia temos de decidir-nos mesmo em não seguir por um lado e avançarmos por outro, para escolhermos acertadamente.  O mestre Bô Yin Râ realçara isto ao dizer que temos de saber assumir perseverantemente o sim e o não que decidimos. Algumas versões de cartas apresentarão mais esta bifurcação ou escolha amorosa entre duas ou três pessoas, e carta será até intitulada a Provação, a Escolha, o Cruzamento de Caminhos.
 Neste par de namorados ou casal a mulher surge mais importante e alta, seja porque o Tarot teve influência das Cortes de Amor, dos trovadores e da cavalaria do Amor da Idade Média e do Renascimento, seja porque ela é a maior manifestação ou corporificação da Beleza divina, seja porque o Amor amplifica a dimensão da amada e em especial aos olhos do amante que a capta nesses níveis mais elevados ou mesmo intensifica a sua aura e face de modos transfiguradores. É a shaktiprema e a mahashakti, a grande energia do amor na tradição indiana.
Eros manifesta o Amor através da descida da energia atractiva na lança ou dardo que fere ou fecunda, uma em cada mão,  mostrando a jovem mulher na sua veste a tocar o chão uma ligação às energias telúricas, podendo nós contemplar  assim neste arcano a possibilidade de uma hierogamia ou união sagrada da terra e do céu, também reforçada por o jovem ter os pés nus em contacto directo com a terra e só a mão direita activa visível, dextra junctarum                                             
O arcano VI, vindo no seguimento das cinco cartas iniciais, quatro delas em polarização ora material (III-Imperatriz, IV-Imperador) ora religioso-espiritual (II-Papisa e V-Papa), estará em polarização com a I-Mago, e assinala de novo, como o Mago, a abertura criativa de escolha que nos desafia. Ora, na sucessão histórica ou temporal das formulações imagéticas dos Tarots ele vai deixar de representar necessariamente o matrimónio de dois enamorados e, representado de modo diferente, passa a ser designado como o Amante, o Enamorado, sendo-nos sugerido talvez a importância ou responsabilidade de união amorosa, resulte ela do desabrochamento e actuação do amor natural atractivo ou da aplicação judiciosa do discernimento e livre arbítrio na escolha de que caminho seguimos, ou o que amamos ou com quem nos unimos ou mesmo casamos..
As fontes histórico-míticas desta representação poderão ser: 1- a da escolha de Hércules entre o caminho da virtude e do vício, contada por Xenofenes, nas Memórias de Sócrates, como a parábola de Prodico, mais tarde partilhada  no Tratado dos Deveres de Cícero; 2 - uma adaptação do episódico mítico, referida na Ilíada grega,  do famoso julgamento de Páris, o filho do rei de Tróia tornado pastor, que teve de escolher qual seria a mais bela de três deusas, Hera, Atena e Afrodite, sendo esta a que, graças ao seu arqueiro Eros,  inflamou o coração de Páris.
Um jovem está entre duas mulheres, provavelmente Páris diante de Atena da sabedoria e a Afrodite do amor, ou hoje qualquer um de nós indecisos, e pondera a escolha afectiva mas também intelectual, moral e espiritual, pois todos estes níveis estão presentes nos seres, e muito em especial no estabelecimento ou assunção da relação afectiva ou amorosa com outro ser ou até um projecto, um grupo, um acto, tal a omnipresença insuspeita do amor.
Uma das mulheres tem a cabeça cingida por uma coroa de louro, simbolizando tanto a realização virtuosa como a  intelectual, tal como outrora os melhores poetas recebiam uma coroa em triunfos de certames poéticos, os famosos Triomphi, que Petrarca imortalizou em versos por volta de 1350-1370 e que foram depois belamente ilustrados. Poderá ser Minerva.
 A outra mulher, nesta versão bem antiga do Tarot de Marselha, tem os cabelos com um tipo de penteado-decoração mais de aparências e luxos, e simbolizará tanto as forças telúricas livres como o tipo de pensamentos e intenções desenvolvidos por ela, os quais de certo modo a constituem ou psicomorfizam, isto é, lhes darão formas, tendência e hábitos regidos por tal forma mentis ou psiquismo. E poderá ser Afrodite, a Vénus dos Romanos.
Poderemos mesmo dizer que a opção ou escolha que fazemos no namoro, numa relação ou no matrimónio, sejamos homem ou mulher, é dupla: o que cingimos interiormente, anímica e espiritualmente, e o que queremos desenvolver, unir e gerar exteriormente, a partir dos corpos e do mundo físico, pelo que devemos discernir muito bem o que será melhor, se o amor omnipresente e o amor interior individualizado convergem em reciprocidades múltiplas, sinceras e duradouras
Sobre o jovem, partindo do globo solar, desce ou paira um Anjo ou energia celestial, o Eros grego ou Cupido romano, que desfere, de olhos já não vendados, a flecha do Amor, como que assinalando ou espelhando o famoso dito: "O Amor é cego na oportunidade mas clarividente na unidade". Ou seja, embora haja um clique inicial intuitivo, quase sem se saber como é o outro, depois de conversa, convívio e convergência, uma certa  clarividência (que pode ser influenciada contudo por projecção...) desabrocha e sabe-se ou, melhor, sente-se se sim ou não, se  há amor e possibilidade de união duradoura, abnegada, benigna e frutuosa.

                                            
Nesta outra imagem bem ingénua e antiga, dos primórdios do Tarot de Marselha, tal como a anterior, e provavelmente dos sécs. XVI-XVII, o jovem está de novo entre duas deusas ou jovens e confrontado com a opção a fazer, estando os cabelos de uma mulher cingidos por uma coroa (da virtude) estando os da outro livres, sendo esta a versão a que triunfará posteriormente, e podendo considerar-se de novo uma aplicação do Y pitagórico ou bivium, a escolha entre a  senda virtuosa, responsável e que eleva e a senda mais natural e simples, ou mesmo passional, valorizadora de prazeres efémeros e menos consistente em termos do coroamento (qualquer que seja a antevisão) da durabilidade ou mesmo da aproximação à felicidade e eternidade que essa união propiciará. Desta valorização de Eros e do discernimento amoroso vemos bastante em Sócrates e Platão, tal no discurso inicial de Fedro, no Banquete: «E assim Eros, segundo o testemunho de vários (Parménides, falando da sua origem, diz que foi ele "o primeiro dos deuses gerados pela Deusa que governa o mundo") é contado no numero das divindades mais antigas. Ele é a causa veneranda dos mais altos benefícios que podem caber-nos em sorte. Na verdade, não sei de maior bem para uma pessoa, desde que entra na adolescência, do que encontrar um ser virtuoso que o ame, nem felicidade de maior valor para um amante do que a escolha da criatura digna de toda a sua estima. De tudo quanto possa ambicionar aquele que deseje viver com beleza a vida inteira - laços de sangue, dignidade, riquezas - nada mais poderá, como Eros, originar o Belo. Que pretendo afirmar com isto? Que, sem o horror do mal e sem o desejo do bem, cidade alguma, individuo algum realizará jamais grandes e belas obras». [Da versão de Ângelo Ribeiro. Porto, Renascença Portuguesa, 1924.]
Eros, como cupido ou anjo pequeno, de novo, ao contrário do que se pensaria numa leitura rápida, não está de olhos vendados, tem a venda por cima dos olhos, pois o Amor mais do que cego na sua instintividade deve ser intuitivo e clarividente no seu manifestar-se ou irradiar.
Este é um aspecto valioso de discernirmos na evolução (algo aleatória, pois cada artista ia fazendo o seu Tarot por vezes sem ter a plena noção de anterioridade, embora seguindo  certas linhas de força, sinais, padrões, cânones dum corpo doutrinário semi-consciente de cada imagem) dos ensinamentos deste arcano respeitante ao Amor, à União e às suas escolhas pois o Eros Cupido, como génio do Amor que desfere a seta da atracção, é ainda representado com a venda, mas com ela levantada. 
É um elo significativo ao poder simbolizar que o amor deixa de estar vendado ou cego, de ser instintivo ou fatal, pois a alma  mais desperta discerne a escolha mais correcta e desfere a seta do desejo unitivo certeiramente,  pois as almas complementam-se mais verdadeira ou plenamente e não apenas sensorialmente ou nas aparências e ilusões.
                                             
Face à versão que triunfa ou que se torna mais corrente, do Tarot de Marselha, com o Cupido já sem qualquer venda e o jovem com as pernas e pés nus, aberto às forças polares naturais e telúricas, realçadas pelas duas correntezas femininas que o rodeiam, e o tocam ou convidam com as mãos em certas direcções, parece realçar-se a escolha lúcida entre o Amor minerviano e o Amor venusiano, ou ainda noutra linguagem cara aos tratadistas do Amor, dos séc. XV-XVI, tal como Marsilio Ficino (que fará a tradução comentada do seminal Banquete, de Platão) e Pico della Mirandola, entre a Afrodite Vénus urânica, celestial, e a Afrodite Vénus terrena, carnal, ou seja, a escolha entre um amor em que predomina o diálogo e a atracção complementar físico-psico-espiritual, ou o amor em que é sobretudo corpo e a beleza física e o prazer sexual o principal.
Uma outra interpretação possível deste arcano, realçando uma das figuras femininas,  é a de que é Afrodite ou Vénus a deusa do Amor que preside ou abençoa o namoro ou casamento entre os dois jovens.
E talvez se possa interpretar ainda num sentido diferente: as duas jovens de cabelos dourados seriam o psicomorfismo das Mães da Terra, do Princípio feminino sábio e amoroso que inspira e guia a continuidade da Humanidade e que se apoia tanto na via intelectual como na sensual, esta sendo bem necessária, ao preservar instintos, propiciar prazeres profundos, gerar descendência física e desenvolver e apurar qualidades ou virtudes pelas dificuldades e apoios da vida em família.
O Eros Cupido, qual Génio ou Anjo do Sol e do mundo espiritual,  ao estar já sem qualquer venda e forte na seta que desfere,  parece acertar não num só ser mas atravessar e unir dois, tingidos no mesmo sangue ou vibração amorosa, relembrando-nos que embora o Amor se manifeste mais no campo especialmente unificado de dois seres por atracção ou determinação deles, o grande Campo cósmico psico-energético está fundamentado, entretecido ou unificado pelo Amor, que assim pode investir, inspirar e intensificar tal amor que desabrocha entre dois seres individuais, dois espíritos imortais provindos do Amor Divino. E haverá quem tentará descobrir as influências e afinidades que os astros e espaços celestiais proporcionam, entre os seres dos vários mundos, tal como Marsilio Ficino tanto estudou e ensinou, e depois Paracelso e outros, tal como veremos no arcano tão benigno da Estrela, por vezes representada por um astrónomo-astrólogo sondando as subtis radiações celestiais.
                                          
São muitos, mesmo muitos, como já vimos, os sentidos interpretativos que o arcano VI, do Amor, do Matrimónio, dos Namorados, dos Amantes ou da Escolha pode receber e despertar, e afloraremos mais alguns, primeiro com a imagem-versão acima, bem rica de ensinamentos e sugestões, a qual pode aludir ao mito platónico tão originalmente expresso no discurso de Aristófanes, no Convívio ou Banquete de Platão, das almas gémeas que viviam unidas antes da queda no mundo da manifestação e que na Terra e no corpo físico humano procuram encontrar-se para se reintegrarem na unidade amorosa andrógina ou celestial primordial. 
Algo disto perpassa pelas cartas do arcano VI e dum seu complementar, o XX, o Julgamento. Há neste sentido, e no psico-morfismo de Afrodite abençoando os namorados, uma versão antiga do Tarot na qual é uma mulher mais velha ou sacerdotisa quem está a instruir ou a abençoar o casal de jovens, o que nos levaria para uma cena de iniciação nos mistérios do Amor, pois ao daimon, no seu aspecto de Cupido do libido semi-cego, instintivo ou natural (mas por vezes clarividente...), acrescenta-se a acção sábia e iniciática de uma mestra ou sacerdotisa que ensinará os segredos da polaridade...
Na versão já do começo do séc. XX do Tarot do ocultista e maçon Arthur Edward Waite, o Anjo que paira sobre um par de seres,   considerados os míticos Adão e Eva, e junto à árvore da ciência do bem e do mal e à da vida,  tanto pode ser visto como abençoando como desabrochando dentro ou acima deles, ou seja, como sendo o Espírito da unidade de dois seres em amor e logo harmonizados e complementados, remetendo para o estado andrógino inicial, tal como Platão desenvolvera. Arthur Waite desprezará as versões de namoro ou matrimónio como lugares comuns, bem como as tolices de se desenhar e interpretar este arcano VI como o da escolha entre o vício e a virtude, afirmando desassombradamente ser a carta do amor humano e que a atracção para a vida sensitiva que a mulher traz é «uma Lei Secreta da Providência em acção. E que é pelo seu imputado lapso [de tentadora na queda] que o homem se erguerá por fim, pois só através dela se pode completar.».
                                  
Assim, a carta e arcano do Amor, dos Enamorados ou Amantes pode indicar tanto a  existência de um estado espiritual de unidade dupla antes da separação em duas almas gémeas, como também que a Manifestação cósmica baseia-se na dualidade, na existência de polos opostos de partículas negativas e positivas e que, da interacção das infinitas dualidades complementares (e seja por imediata e simples atracção seja por  laboriosa demanda ou paciente sintonização),  podem resultar  sínteses e uniões muito criativas e unificadoras, o encontro dos verdadeiros amantes ou namorados, plenamente complementarizando-se....
Na versão de A. E. Waite a simbologia aponta para que os Amantes podem-se complementar plenamente e, da sua união e vida amorosa, reverdecerem a Terra, subirem as montanhas ou a Montanha primordial, e tornarem o Anjo do Amor ou o mundo Angélico presente. Alguns Tarots modernos mais tântricos reforçarão essa ideia, ainda que possam cair em erros de sobrevalorização do acto sexual, menosprezando a sacralidade e intimidade de tal acto que pode de facto proporcionar ao Amor manifestar-se nos vários planos  ou dimensões do ser humano ou do casal.
         
Na verdade, a dualidade está dentro de nós e fora de nós. Cada ser é homem e mulher, e sente, pensa e manifesta a razão e o sentimento, o sol e a lua, o dia e a noite, o yin e o yang, a actividade e passividade, a força e a doçura, a acção e a contemplação. Conseguirmos o equilíbrio proporcionado e dinâmico entre estas polaridades, ou ainda entre o interior e o exterior, o hemisfério esquerdo e o direito, entre o que devemos acolher e o que devemos rejeitar, e tal é a base da Grande Obra que liga em espiral ou em lemniscata o alto e o baixo, o céu e a terra, harmonizando-nos individualmente, em corpo, alma e espírito, sós ou em par ou mesmo em família.
Num dos seus sentidos este arcano VI mostra que a dualidade e multiplicidade infinita da Manifestação nos obriga a escolhas e, embora a certos níveis possamos amar todos os seres, noutros não podemos ou não é conveniente, pelo que há que sentir, meditar e intuir qual a relação ou compromisso mais luminoso ou evolutivo para cada um e de irradiação a dois para o Campo unificado de energia consciência informação que constitui o Universo como manifestação da Divindade, e no qual todos participamos mais ou menos conscientemente e que, nas uniões, intensificamos as melhores potencialidades...
No Tarot de Marselha podemos observar ainda que o Amor vem do Sol, desfere a sua seta como Cupido mas tem o Sol de trás de si, indicando-nos que a fonte do Amor é o Sol Divino e que é dele que se derrama o Amor, por raios, partículas, fotons, por todo o sistema solar até chegar à Terra e aos seus seres, algo que pouca gente sente, intui, vê ou aprofunda, isto sem esquecermos claro a fonte interna ou íntima do Espírito em nós, que poderá até ser representada, como já aludimos, pelo daimon Eros Cupido...
Ora para conhecer melhor este Sol do Amor Divino, para o sentirmos e incarnarmos mais, é bem importante ou fundamental descobrirmos a alma-afim ou mesmo a "mítica" alma-gémea, ou então realizar o arquétipo ou psicomorfismo da alma gémea mas já apenas com a alma afim, próxima ou mais amada com quem namoramos, amamos, vivemos ou mesmo casamos.
Nos Tarots mais antigos da Renascença italiana, do séc. XV, em que a imagem factual é sobretudo a de se dar as mãos direitas, dextrarum junctio, da Roma antiga, como referimos inicialmente e algo que pouco fazemos mais conscientemente, o Anjo, Eros ou Cupido, tal como temos visto, está em geral de olhos vendados e simboliza bem o famoso dito o Amor é cego, tão glosado em todos os tempos e, entre nós, ainda há uns anos (2012) numa excelente exposição em Lisboa na galeria Novo Século, do Carlos Barroco e da Nadia Baggioli, na qual participei com uma série de pequenos livros de artista com aforismos e desenhos alusivos a tão profundo quão entusiasmante (en theos, em Deus) tema.

                                    
O Amor em nós é cego, e portanto desfere a sua seta e a alma vai nela atrás da ave, ou do amado ou amada, que a atrai. Contudo, a cegueira do amor, ou seja, a sua inocência e  espontaneidade, pode na sua imaturidade levá-lo por vezes a enganar-se, pois sendo vários os níveis de causalidades atractivas tal enamoramento tanto pode provir da sua natureza simples de se querer entregar ou comungar como, ao contrário, da acentuação dos instintos e ego, o que pode levar certamente a erros, ou mesmo a infidelidades ao seu próprio ser de Amor e eventualmente à unidade a dois que já existisse ou que poderia vir a realizar-se. E também porque o outro ser também tem todas as suas idiosincracias e complexidades...
Mas a cegueira do amor em certos casos pode provir da sua intuição, e do nível do ser espiritual, pois a venda também pode simbolizar que a escolha ou o amor é supra-sensorial, supra-mental, provindo de um acto intuitivo clarividente, do espírito ou do Anjo em nós, e logo do Amor que pode e deve manifestar-se.. Nesse sentido, o mítico olhar certeiro de um cego...
                                               
Esta cegueira para o que não é essencial, para o que está fora da tenda, parasol ou campo de cobrimento do Amor, pode ser vista positiva ou luminosamente e nesse sentido os Namorados ou Amantes, no Elogio da Loucura de Erasmo, têm os seus mais luminosos representantes nos que amando a Deus ficam como que cegos para o resto. A cegueira é então apenas para o que não se deve ver, brotando mesmo em contrapartida a clarividência e a intuição, com as quais, mesmo de olhos vendados, conseguimos ver com o olho espiritual (ou com a lucidez do observador plenamente aberto e transparente), sentir, discernir, acertar e amar  algo mais plenamente.
E, certamente, não ardendo em nós ainda plenamente o Sol do Amor, nossa força de alma não é tão vidente ou clarividente...
A Arte Real que nos coroa, a Grande Obra que pereniza, é conseguirmos a visão, alinhamento e vivência com o Anjo, o Espírito Celestial, os Mestres,  a Divindade e, mais humanamente, com  outra alma,  chamemos-lhe assim, complementar, gémea, Dona, Musa, Senhora e Amada. Não desista, pois, de a procurar, viver ou demandar, ou mesmo de a arrancar do que a aprisiona, como Orfeu manifestou com Eurydice, ou o iniciado órfico hoje realiza, sem olhar demasiado para trás, ou para o que é adversário, e assim perder a sua força libertadora...
Pela meditação e contemplação, e por outras formas de harmonização, conseguimos aprofundar e estabilizar-nos e assim discernir melhor e equilibrar as polaridades do interior e do exterior, do ser amante e ser amado, da atracção e repulsão, do apoiar e do abster-se, e não caímos em ilusões e descaminhos, já que, ao meditarmos,  exercitar-nos, orarmos,  cantarmos ou  dançarmos conscientemente, em amor, estamos a alinhar-nos e a receber energias, orientações e respostas para os labirintos e provações que por vezes temos de atravessar. Algo que foi tipificado nos 12 trabalhos de Hércules, o que, com a parábola de Pródico, de Xenofones, levou alguns interpretes do Tarot, tal o ocultista e maçon Oswald Wirth no seu Tarot, sempre cabalizando excessivamente, a verem neste arcano o jovem Hércules na sua luta de escolha entre a virtude e o vício, numa linha que vinha já na pintura moral simbolista do Renascimento italiano, e que tinha como base as referência clássicas de Xenófenes e de Cícero.
O arcano VI dos que se amam, dos Amorosos, independentemente da fluidez espontânea do amor, representa  a responsabilidade das escolhas entre o que é melhor ou bem e o que é pior ou mal e, portanto, a manifestação de uma capacidade de gnose correcta que desencadeie o livre arbítrio clarificador e libertador, sabendo-se quão difícil é chegarmos e preservarmos na vida com vera vontade e em  amor puro ou pleno
A dificuldade de estarmos mais em amor deriva da nossa interioridade frequentemente  agitada mental e egoicamente, e da  alteridade das múltiplas relações sociais e dispersivas acções, ou passivas absorções, tais como por exemplo as fomentadas pelos brainwashings televisivos e mediáticos, plenos de notícias atemorizadoras ou falsas, ocultando-se muitas das manipulações, violências e opressões feitas pelos governos ou grupos, ou atribuindo-as aos adversários, algo em que a comunicação ocidental pró-americana é exímia, embora tal encobrimento se torne na época digital algo mais difícil, pois há já bastantes formas de comunicação pela Web menos controladas, relativamente já que todas são facilmente espiadas. Anote-se que nestes anos 20 do III milénio a pulhigrafice (ou opressivos bloqueamentos) dos responsáveis das redes sociais intensificou-se assustadoramente, em especial no sinistro, ainda que útil enquanto plataforma de comunicação e divulgação, Facebook.. 
Pode-se dizer que os meios de comunicação mais dominantes, a menos que haja uma grande selectividade e intuição nossa quando os consultamos, são certamente um foco anti-Amor, anti-Verdade, em geral muito poderoso, perturbando e enfraquecendo demasiado o estado de amor natural das pessoas, aumentando o medo, enfraquecendo o sistema imunitário e abrindo assim a porta a tensão- stress, intoxicações, doenças, depressões e mortes, como se tem visto ou se suspeita, recentemente com as misteriosas versões do coronavirus, das vacinas e das medidas tomadas, a que se acrescentou depois animosidade desmesurada, ou ódio mesmo, contra a Rússia justiceira e libertadora.
O estado de alma tanto transparente como irradiante do vero amor implica então tanto uma certa disciplina diária de evitarmos o que nos afecta ou influencia como também a de exercermos uma prática meditativa ou contemplativa, de modo a que vá acontecendo certa limpeza, aprofundamento (nomeadamente com os sonhos) e alinhamento interior e assim desabrochando tanto um discernimento maior dos seres e das situações como uma maior ligação espiritual e divina, e logo ao Amor. E portanto sabermos quem devemos amar e apoiar mais, ou como vivermos mais em plena e feliz comunhão do amor vinculante e elevante, por vezes mesmo transfigurante, de dois seres, duma família, de um grupo ou  comunidade...
                                  
Nesta versão de um Tarot moderno invoca-se a tradição amorosa Persa ou do Irão, desde Firdhousi, Sohravardi e Ruzbehan, Hafez, Saadi, Attar e Nur Ali Shah  muito rica tanto na poesia como na filosofia e na mística,  nela se exaltando quem sabe viver em plena comunhão de coração com o outro ser (amado-amada, mestre e  a Divindade interna), ou quem  sabe discernir ou intuir bem (tal como o nosso Talant de bien faire, que um dos mestres da nossa Geração Ínclita gerou) em cada encruzilhada da vida, optando pela mais alta e plenificante evolução espiritual possível,  de modo a que, determinado e concentrado, cada ser possa avançar em harmonia com a natureza e em comunhão com o vero ser de si mesmo e do outro, bem na tradição dos Fedeli d' Amore, em fidelidade à vivência sentida e tida e à palavra dada, tal como Fernando Pessoa escreveu na Mensagem para o infante D. Pedro das Sete Partidas, um dos nossos Cavaleiros do Amor, e outro mestre da Ínclita Geração, casado com Isabel, de Aragão e de quem teve filhos bem importantes.
Feliz de quem encontra uma alma bem afim nos três corpos, planos ou mundos (físico, psíquico e espiritual), ou quem descobre mesmo a sua alma-gémea, ou a que permite que se tenham como tal, sentindo-se cada um como o ser com quem a complementaridade recíproca se intensifica maravilhosamente e em cujo abraço, convívio e unidade amorosa há  criatividade e poesia, música e paz, beatitude e fecundidade, e religação à Fonte da Divindade...
Que haja cada vez mais seres que se harmonizem com as medicinas e as higienes naturais, que persistam na sua prática espiritual e harmonizem em si as multiplicidades e polaridades e logo vejam, oiçam e sintam o Anjo da Guarda, o Espírito guia divino neles, e acolham a Luz do alto e desabrochem o fogo do Amor Divino, tanto subtil como poderoso, em acção harmonizadora e verdejante, como vemos neste Tarot da meiga Galiza...
Saudações aos que conseguem, vencendo obstáculos, animosidades, opressões e dores, arderem no fogo do Espírito Divino, a sós ou a dois, e avançarem criativa e alegremente na vida como portadores do Graal do Amor, que comungam e dão a beber, derramando tal vinho, néctar, amrita, ou corrente dos seus corações e espíritos, em resposta às necessidades anímicas dos seres e ambientes que os rodearem.
Saibamos estar mais permanentemente em Amor ou Unidade com o Cosmos e seus seres dos múltiplos eco-sistemas, em especial com pequenos grupos e comunidades (a descobrir ou a construir), com a amada ou o amado, o Anjo e o Mestre  e, na sua interioridade mais funda, com o Ser Divino Primordial, o Sol do Amor Original.
 Assim avançaremos no dia a dia mais alegre e criativamente, livre e corajosamente, vencendo medos e opressões, regenerando o ambiente da Terra, intensificando a evolução social, ética, amorosa e espiritual da Humanidade e do Planeta. 
Sinta, seja e viva mais o Amor... 

4 comentários:

M. Augusta Araújo disse...

Fabuloso!
Grata.
Maria de Cesarnac - MAA

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas Graças, Maria. Boas inspirações e realizações no Amor!

Helena Correia disse...

Fabuloso !! Também eu o digo .Elogio ao Amor nas suas mais diferentes formas e elevações. .Luminoso e completo.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas graças, Helena, pela apreciação. Só agora vi,mas na altura em que revi e melhorei o texto, pelo que aqui vai a notícia de uma certa renovatio dele, para a inspirar. Abraço luminoso.